Extractos das Declarações Proferidas à Chegada de Cabo Verde onde Chefiara a Delegação Portuguesa que Procedeu à Transferência de Poderes para os Representantes do Povo de Cabo Verde

Vasco Gonçalves

6 de Julho de 1975


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
HTML:
Fernando A. S. Araújo.

capa

Julgo que todo este processo de descolonização só está fazendo com que a nossa presença em África seja cada vez maior e mais firme. Ao contrário do que os derrotistas poderiam pensar, nós não estamos a abandonar a África. Nós, agora, é que nos estamos a inserir na nova África, na África progressista que oferece larga perspectiva de cooperação com o Povo português, o que não pôde fazer a política vesga e criminosa do colonialismo e do fascismo. Penso que hoje há condições totalmente diferentes que nos permitem desenvolver de facto todas essas relações com os países de África» em particular com os países progressistas, e que a maneira como somos hoje acolhidos por esses países, nos cala profundamente.

É natural que ainda estejamos sob a emoção, do modo extremamente cordial, afectuoso, como fomos recebidos em Cabo Verde pelos dirigentes do povo cabo-verdiano, pelos dirigentes do PAIGC.

Pensamos que um novo passo foi dado no sentido de pôr em prática a política que vimos realizando desde o 25 de Abril de 1974. O Governo da República de Cabo Verde salientou a contribuição dada por nós, no sentido da transmissão correspondente à descolonização ser feita de um modo que fortaleça as relações entre o povo português e o povo de Cabo Verde. Isso ficou bem patente nas numerosas referências que foram feitas ao nosso Povo, a distinção sempre correcta que fizeram entre o colonialismo português e o povo português, e o apreço pelo Alto-Comissário e pelo MFA, em Cabo Verde, que foi salientado nos discursos de ontem de uma maneira extremamente calorosa.

A nossa delegação, por meu intermédio, teve a oportunidade de exprimir ao povo de Cabo Verde, as suas ideias, o que ia no seu coração, com a maior franqueza, com a maior abertura, como se estivéssemos a falar ao povo português. De facto, são inolvidáveis as recordações que trazemos desta cerimónia. O entusiasmo do povo caboverdiano, e por outro lado a afectuosidade para com os portugueses. Nós pensamos que de facto Cabo Verde, embora em circunstâncias difíceis, vai arrancar para o progresso. Pensamos que tem um futuro à sua frente que há-de forçosamente ser criado pelo seu próprio povo em condições muito diferentes do tempo da colonização portuguesa. Confiamos portanto no futuro de Cabo Verde e também, nas nossas relações com aquele país, no fortalecimento dessas mesmas relações, na base sempre anunciada por nós, de interesse mútuo e recíproco, na não interferência nos assuntos dos outros países. E não posso deixar de dizer-vos que estou ainda sob a emoção daquilo que se passou em Cabo Verde, da maneira tão transparente como os dirigentes cabo-verdianos consideram a nossa posição no desenvolvimento de todo este processo histórico de descolonização.

Penso também que há uma outra coisa muito importante a declarar. É que cada vez se nota mais o apreço dos dirigentes africanos, dos diversos países presentes nestas reuniões, pelas posições que Portugal toma.

Portugal aparece como que uma porta da Europa aos países africanos. Perdoem-nos talvez a falta de modéstia, mas pensamos que a correcta posição de Portugal no processo de descolonização tem-nos granjeado muita simpatia, apreço e apoio, que procura traduzir-se em apoio prático à nossa revolução.

Quero dizer: os países progressistas da África têm bem a noção da importância que tem a consolidação do processo revolucionário em Portugal, para o estabelecimento de relações de novo tipo entre os países europeus e os países africanos.

Os portugueses, aqui entre nós, talvez não tenham ainda bem a noção das responsabilidades que temos sobre os nossos ombros, ao procurar consolidar e desenvolver o nosso processo revolucionário, na medida em que ele influencia as relações dos países da Europa com os países africanos, e nomeadamente dos países progressistas africanos com os países da Europa. Isso já tive ocasião de observar em Moçambique, e desta vez mais se radicou no meu espírito esse notável papel que Portugal, um Portugal democrático, pode desempenhar junto dos países africanos progressistas. E penso que isto não é um dos menores serviços que ficamos devendo à Revolução Portuguesa, no sentido de que a Revolução Portuguesa é feita pelos portugueses, e não é obra de meia dúzia de indivíduos nem unicamente do MFA. O Povo português está hoje inserindo um processo histórico de desenvolvimento das relações entre a Europa e a África, e em particular com os países progressistas da África, que não pode, de maneira nenhuma ignorar. E para o desenvolvimento dessas relações com os países progressistas, o Povo português está dando de facto uma grande colaboração.

Quero aproveitar também a oportunidade para citar que se assinaram na cidade da Praia, ontem, um acordo geral de cooperação e amizade, um acordo de cooperação científica e técnica e um acordo de transferências do aeroporto do Sal e seu funcionamento no período de transição.

Início da página
Abriu o arquivo 05/05/2014