Prestes, Dirigente Político

Maurício Grabois

Janeiro de 1948


Primeira Edição: Janeiro de 1948. O presente artigo do deputado Maurício Graboís, líder da bancada comunista na Câmara Federal, foi publicado a propósito do cinqüentenário de Prestes.
Fonte: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política nº 6 - Janeiro de 1948 .
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, Maio 2007.
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desenho Prestes
Luiz Carlos Prestes

O nome de Prestes está ligado indissoluvelmente à história política brasileira, nestas duas últimas décadas. Ele foi o líder indiscutível do movimento de maior importância da pequena burguesia na história republicana — as lutas de 24, com a gloriosa epopéia da Coluna. E, de 35 até o dia de hoje, o é da luta revolucionária peia solução dos problemas brasileiros, conduzida pelo proletariado e seu Partido de vanguarda.

Sua personalidade marcante tornou-o o líder, o dirigente mais firme e popular da época mais revolucionária de nosso povo. Seu caráter, sua inteligência e seu patriotismo determinaram essa trajetória admirável do revolucionário pequeno-burguês de 1924, que se transformou numa das mais conhecidas e notáveis figuras do movimento proletário internacional.

Em qualquer desses dois períodos de sua vida de revolucionário, Prestes tem sido um homem que faz História, colocando-se sempre ao lado do povo, das aspirações e necessidades das forças mais progressistas em nossa Pátria. É um político que olha sempre para a frente, para o futuro, baseando-se na realidade nacional, confiando e se apoiando sempre no povo. Eis porque Prestes é a maior figura da história política do Brasil contemporâneo, o melhor exemplo de político que possuímos — político no seu verdadeiro sentido, no bom sentido de homem que se preocupa com os problemas do povo e busca as soluções mais avançadas e adequadas para os mesmos.

Hoje, Prestes é o maior dirigente popular, dirigente proletário, dirigente comunista, o maior patriota entre os que se destacam na vida política brasileira. Uma série de qualidades essenciais para isso, foram nele aperfeiçoadas e desenvolvidas em vários anos de estudos e de lutas, de exílio e de prisão, de contato direto com as amplas massas sofredoras de nossa população. Essas qualidades tornam-no o quadro bolchevique de nosso Partido — isto é, o comandante para todas as situações, o construtor de Partido, o organizador e educador infatigável da classe operária e das massas populares. O homem que conhece a fundo os problemas, de espírito crítico sempre alerta e vigilante e que não se afasta um milímetro da ideologia proletária, nas soluções que apresenta ao Partido e às massas. O homem do Partido, que pensa e vive em função do Partido.

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Como quadro bolchevique, o que desde logo ressalta em Prestes é o domínio do marxismo-leninismo-stalinismo constantemente ampliado não só pelo estudo dos grandes teóricos do proletariado, mas fundamentalmente pela experiência, pela prática diária da luta política. É impressionante, neste particular, a sua contribuição teórica à luta do proletariado brasileiro, aplicação que faz dos princípios fundamentais da ciência social da classe mais avançada da sociedade sem dele se afastar ou desviar, ao levá-los à prática num país de economia semi-colonial, tremendamente atrasada, enfrentando problemas inteiramente novos e específicos.

Este domínio do marxismo-leninismo Prestes revela ao discernir o que é fundamental em cada momento, ao apreender em cada situação concreta o elo principal de que falava Lenin e que, dentro de uma série de problemas, condiciona a solução de todos eles, Prestes é o homem que não vê os problemas isolados, mas em conjunto, mutuamente condicionados. Não se orienta por suposições, pelas aparências, mas pelos fatos objetivos.

A análise feita por Prestes do caráter da revolução brasileiro, deixando claro que a luta de nosso povo para se libertar da exploração imperialista, está indissoluvelmente ligada à solução do problema da terra pela liquidação do latifúndio, retificando o erro de se isolar a luta contra o imperialismo da luta contra o monopólio da terra, é uma das mais importantes contribuições teóricas à ação revolucionária dos comunistas brasileiros.

Na prisão, privado da leitura de documentos da maior importância do movimento comunista, nos diversos países, Prestes interpretava com tal justeza o caráter de libertação nacional da última guerra e de tal maneira colocava os problemas nacionais em função da mesma, que os seus documentos dessa época — como a carta a Agildo Barata, o telegrama a "La Razon", os "Comentários a um documento aliancista", etc. — coincidem com o fundamental da análise e da orientação do Partido, cá fora, e com a orientação, no plano internacional, dos marxistas de todo o mundo. Aí está, aliás, uma boa resposta aos que afirmam que os comunistas recebem “ordem de Moscou”.

Outro exemplo de Prestes, como marxista criador, está na justeza e na clareza com que colocou o problema da reforma agrária entre nós, vinculando-a à solução dos demais problemas ligados ao progresso nacional, entre eles o do mercado interno, indispensável à nossa industrialização. Embora a reforma agrária fosse uma solução de há muito apresentada pelo Partido, foi Prestes, sem dúvida, que mostrou a amplitude de suas conseqüências, a ligação estreita da mesma com os demais problemas da revolução democrático-burguesa e o caminho iniciado para atingi-la nas condições em que vivem presentemente nosso país e o mundo.

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É o domínio do marxismo-leninismo que dá a Prestes duas qualidades essenciais ao dirigente comunista. O sentido de previsão e o senso de oportunidade. Várias de suas afirmações, recebidas com estranheza e desapontamento por muitos pequeno-burgueses vacilantes e oportunistas, têm sido confirmadas na prática política desses últimos anos. Uma delas, é a sua análise das forças políticas que sustentaram as duas candidaturas militares à Presidência da República, em dois de dezembro. Dizia Prestes então, que elas eram iguais e reacionário o seu conteúdo. Os democratas de fachada, pseudos socialistas, trotsquistas e aventureiros de toda espécie fizeram um escarcéu com esta afirmação, defendendo as excelências e o caráter democrático da candidatura e do Partido do Brigadeiro. Que se viu depois? Simplesmente o cair das máscaras dos "democratas" da UDN, muitos deles passando com armas e bagagens a apoiar a política terrorista de traição nacional do general Dutra.

No informe de janeiro de 46, ao Pleno Ampliado do Comité Nacional dizia Prestes, referindo-se à vitória do atual ditador:

"Sabemos bem o que significa essa vitória e não temos dúvida quanto ao caráter tremendamente reacionário das forças políticas agrupadas por trás da candidatura vencedora".

Abria então perspectivas de apoio aos atos democráticos que, por acaso, tomasse o governo, em face das condições nacionais daquela época, mas também de crítica implacável e decidida aos seus atos reacionários e impopulares. Bem diferente esta atitude do Partido de Prestes, daquela dos chefes udenistas que abriram ao governo um crédito de confiança ilimitada, naquela fase em que era justa apenas aguardar os seus atos e que o ampliaram até a mais completa capitulação à medida que Dutra ia conduzindo sua administração de entrega do país ao imperialismo, contra o povo e contra as liberdades democráticas.

O senso de oportunidade de Prestes, isto é, sua visão do momento preciso em que deve levantar e colocar um problema, pode ser evidenciado pela proclamação da legalidade do Partido, no histórico comício de São Januário. Difícil era saber, então, se aquela era a ocasião oportuna ao aparecimento legal do Partido. Mas Prestes, analisando as condições nacionais e mundiais, o fez quando poucos o esperavam. No momento entretanto era impossível impedir o aparecimento do Partido Comunista na vida legal. Foi isto que Prestes soube ver com segurança.

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Mas Prestes não é apenas o teórico marxista. Como verdadeiro quadro bolchevique, é ele o dirigente incansável da luta prática pela construção do Partido, pela organização e educação política das massas. Neste particular ressalta a sua forte personalidade de comandante revolucionário, de dirigente comunista.

Ele não dirige dando ordens impossíveis de serem cumpridas, ou dando ordens simplesmente, como costumam fazer os comandantes da burguesia. Prestes, antes de tudo, ensina, aponta os meios de execução de cada uma das tarefas. Sabe dirigir-se, clara e objetivamente, a um quadro de direção ou a um militante de base menos experiente. Fala para ser compreendido por quem o escuta. Sabe despertar o entusiasmo de seus comandados, antes de lhes dar uma ordem, uma tarefa qualquer. Observa como estão sendo executadas essas ordens, e, quando preciso, interfere para evitar seja cometido um erro grave, sem, entretanto, cercear a iniciativa ou fazer desaparecer o espírito de responsabilidade de cada um dos seus companheiros. Este, o comandante que se sabe fazer respeitar e se tornar querido de seus comandados, respeitando-os tanto quanto a ele próprio.

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Prestes é finalmente um autêntico, um legítimo homem do Partido. Não só pelo seu amor e dedicação capaz de todos os sacrifícios pelo Partido, mas também porque sabe conduzir-se de acordo com os princípios fundamentais de trabalho dentro de um Partido marxista. Assim é que Prestes é acima de tudo o campeão da unidade do Partido. Da verdadeira unidade bolchevique, dessa unidade orgânica e ideológica de que falam Lenin e Stalin e nos dão exemplo. Ainda na cadeia, nas vésperas da anistia, isolado do movimento comunista, estudava as teses oportunistas de alguns elementos vacilantes, influenciados por ideologias estranhas ao proletariado. Prestes as rechaçou e não vacilou um só instante, indo através da análise política até onde se encontrava o seu Partido, ao qual se ligou desde o primeiro dia de sua liberdade. Nunca manteve atitude pequeno-burguesa de se colocar "por cima" das divergências. Prestes encarava os problemas de frente, apoiando os que estavam com a razão e condenando o erro com veemência. Nem um só momento pensou em esconder o nome do Partido ou dissolvê-lo, liquidando com suas características proletárias, como pretendiam, inclusive alguns velhos militantes.

Justamente por ser homem do Partido, Prestes é, sem dúvida, o membro mais conscientemente disciplinado. Apesar do seu enorme Prestígio pessoal, não impõe sua vontade, não subestima a opinião de ninguém. Defendendo com vigor seus pontos de vista, respeita os de seus companheiros e acata as decisões tomadas em maioria, até contra a sua opinião. Trabalhando coletivamente é um exemplo a todos os dirigentes e militantes comunistas.

Prestes é o grande inimigo da improvisação. Não pega os problemas pela superfície. Analisa-os, estuda-os, discute todos eles. Reforma uma opinião, se os fatos ou os argumentos novos provarem que não é inteiramente justa. Seus informes, seus artigos, seus discursos mostram como trabalha Prestes. Apóia seu raciocínio em fatos e em dados incontroversos. Cada afirmação que faz tem a fundamentá-la uma série de fatos verificados. Assim é que o seu discurso na Constituinte sobre o problema da terra não encontrou a menor contestação: — os dados eram de tal modo esmagadores e convincentes, que não foi possível aos que negaram a inclusão no texto constitucional das medidas propostas pela bancada comunista pura solucionar o problema da terra, justificaram sua posição reacionária.

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Essas qualidades de Prestes como dirigente comunista tornam-no um ativo organizador. Organizador do Partido, organizador de massas. Para isso concorre ainda a sua total ausência de sectarismo, a paciência com que lida com os homens e executa as tarefas mais silenciosas. Não se impacienta em ouvir, no seu escritório de trabalho, nos organismos populares ou partidários, na fábrica ou na fazenda que visita, o homem humilde e analfabeto. Quer saber o que ele sente, o que ele reivindica. E depois de ouvi-lo, sabe explicar-lhe, em linguagem compreensível, o que é preciso fazer, como se organizar.

E se dá preferência a essas entrevistas com os trabalhadores, com os camponeses, com os jovens, não deixa de ouvir, quando é necessário ao Partido e à Democracia, os políticos das classes dominantes, os homens de negócios, por mais vaidosos e enfatuados que sejam. A todos eles, diz o que pensa, sem contudo, ofendê-los. A carta que escreveu a Roberto Sisson, em setembro de 1935, mostra esta homem sem nenhum sectarismo, aconselhando ao secretário-geral da ANL que, por mais difícil e fatigante que fosse a tarefa, procurasse atrair para o campo da luta anti-imperialista alguns homens que ainda não se haviam claramente definido a favor dos inimigos do progresso nacional.

Esta falta de sectarismo está ligada, porém, à maior firmeza revolucionária, à mais firme coragem política. No momento necessário, ninguém como Prestes sabe desmascarar os traidores, reacionários e fascistas, sem medo ou vacilações. Quando o imperialismo ianque e os seus lacaios brasileiros buscavam isolar o Partido Comunista das massas, querendo explorar o sentimento patriótico do povo com deturpações de suas palavras, Prestes subia à tribuna da Assembléia Constituinte, no momento mais agudo dessas provocações, e reafirmava seu ponto de vista de dar combate a qualquer governo que lançasse o nosso povo numa guerra imperialista, denunciando ao mesmo tempo a ocupação de nossas bases pelos soldados americanos. É a sua coragem política de dizer as coisas quando necessário para esclarecer e alertar o povo, por mais difícil que seja o momento, o que melhor o define. Justamente nesses momentos difíceis, é que Prestes mais se agiganta, pela sua coragem moral e firmeza política.

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Prestes é o mestre e o exemplo para todos nós. Ele nos ensina a ser fiéis à causa do povo, a ter coragem para enfrentar os nossos inimigos, a nos ligar com as massas e dirigi-las na luta pelas suas reivindicações. Agora, quando o governo "quisling" do Sr. Dutra desencadeia uma agressiva e terrorista reação, procurando liquidar com as liberdades democráticas — sindical, de reunião, imprensa — cassando mandatos e vendendo descaradamente o Brasil ao imperialismo ianque, Prestes é para todo o nosso povo o. símbolo, da resistência patriótica. Todos os comunistas, seguindo o seu exemplo, devem nesta hora se aproximar, mais do que nunca, das massas, levantando as reivindicações econômicas mais sentidas dos trabalhadores, porque toda esta ofensiva de Dutra e do grupo fascista contra a democracia, procura esconder uma política de esfomeamento do povo, de rebaixa dos salários, de aumento do custo de vida, de liquidação dos direitos operários, satisfazendo assim aos negros intuitos dos trusts e monopólios de Wall Street para recolonizar a nossa Pátria.

A palavra de ordem lançada por Prestes em seu último manifesto deve se apoderar das massas, a fim de que por cima de todos os obstáculos e sacrifícios, formas cada vez mais vigorosas de lutas façam retroceder esse governo de fome e traição.


A Causa do Nosso Atraso

"É o latifúndio que determina o atraso da nossa agricultura. Sabeis o que é esse atraso; é a agricultura da enxada, agricultura semelhante à do Egito dos Faraós da qual não podemos sair porque é impossível, é impraticável a aplicação da técnica agrícola enquanto existir essa massa de milhões de operários sem trabalho."
Prestes
O Problema da terra e a Constituição de 1946.

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Inclusão 27/07/2007