A Campanha Eleitoral – Uma Grande Tarefa

Maurício Grabois

5 de junho de 1954


Fonte: Jornal Voz Operária – Suplemento: Tribuna do IV Congresso, 05 de junho de 1954.

Transcrição: Leonardo Faria Lima

HTML: Fernando Araújo.


As eleições de 3 de outubro representam um importante acontecimento político na vida do país. Com a aproximação do pleito eleitoral, milhões de brasileiros começam a se movimentar à procura de uma solução para os problemas nacionais. Os eleitores preparam-se para derrotar nas urnas a camarilha de latifundiários e grandes capitalistas que, encastelada no poder e a serviço dos multimilionários norte-americanos, infelicita o Brasil. Mais de seis milhões de cidadãos serão chamados a julgar o governo de Vargas e os partidos políticos que traem o povo e a nação.

A direção nacional do Partido Comunista do Brasil, avaliando o grande significado político da campanha eleitoral, tomou em tempo útil as resoluções necessárias para assegurar a participação dos comunistas nas eleições. A resolução do Comitê Central do P.C.B. sobre a luta de massas pela legalidade do Partido e a entrevista de Prestes sobre as eleições forneceram a orientação para enfrentarmos de maneira justa o pleito eleitoral de outubro.

No entanto, ainda não nos empenhamos com todas as nossas forças na campanha eleitoral, que constitui agora o fundo sobre o qual estão se desenvolvendo os acontecimentos políticos em nosso país. Pequeno é ainda o alistamento por nós realizado, fraca também é a propaganda dos candidatos comunistas e dos nossos aliados, poucas são as iniciativas para organizar os movimentos de frente única eleitoral. Isso significa que não sentimos suficientemente a importância das próximas eleições de 3 de outubro. Se a campanha eleitoral for por nós justamente enfrentada, nos permitirá avançar bastante na ligação do Partido com as massas, na popularização e esclarecimento do Programa do P.C.B., no esforço pela construção da frente democrática de libertação nacional.

Por que, então, ainda não nos empenhamos com todas as forças na campanha eleitoral? Será somente por uma questão de orientação prática ou de controle das tarefas? É evidente que não.

Em primeiro lugar, isso resulta do fato de não termos ainda assimilado inteiramente o nosso Programa que, por ser um Programa revolucionário, de todo o povo, exige a mobilização de milhões de brasileiros para a luta pelos objetivos nele assinalados.

Para ganharmos as grandes massas para o Programa do Partido é preciso empregar uma tática a mais ampla possível, utilizando, hábil e flexivelmente, todos os meios ao nosso alcance e todas as oportunidades que surjam. A campanha eleitoral é uma dessas grandes oportunidades. As eleições despertam milhões para a vida política. Cada dia que passa, o povo brasileiro revela abertamente o seu descontentamento com o governo antipopular e de traição nacional de Vargas e, com a proximidade das eleições, manifesta, por todos os modos, seu desejo de mudar a política dos atuais governantes e de encontrar a saída para seus angustiantes problemas.

Nesta situação, cabe-nos indicar-lhe as justas soluções apresentadas pelo Programa do P.C.B. A campanha eleitoral é, assim, um poderoso meio para tornar o Programa do Partido em programa de todo o povo, para impulsionar a criação da frente democrática de libertação nacional.

Em segundo lugar, isso resulta de fortes tendências sectárias que ainda existem em nossas fileiras. Pesa ainda sobre nós a influência das manifestações sectárias que proliferam após o lançamento do Partido na clandestinidade, particularmente depois da publicação do Manifesto de Agosto.

Nesse período, como reação às tendências de direita que se desenvolveram durante a legalidade do Partido, surgiram, devido ao nosso baixo nível teórico e político, tendências sectárias que se refletiram seriamente em nossas posições em face das eleições e do trabalho parlamentar. Encoberto numa frascologia pseudo-revolucionária, manifestou-se em nosso meio um doutrinarismo de esquerda que tornava, praticamente, quase impossível a realização de trabalho eleitoral pelo Partido. Este tipo de trabalho era considerado como alguma coisa perigosa e, às vezes, até mesmo objeto de desprezo.

Estratificou-se entre nós uma mentalidade abstencionista, revelada em sua plenitude no pleito eleitoral de 1950 e, posteriormente, nas eleições municipais de S. Paulo e na escolha do prefeito da capital paulista. Esta mentalidade abstencionista, apesar de publicação há cinco meses do Programa do P.C.B., não foi de todo liquidada e ainda se reflete entre nós de maneira bastante prejudicial.

Em terceiro lugar, isso resulta do fato de muitos de nós, membros do Partido, ainda considerarmos, em certa medida, como reformista a atividade eleitoral. Isso se verifica em consequência das manifestações sectárias anteriores ao lançamento do Programa do Partido. A realidade é que costumamos empregar com sentido pejorativo o termo eleitoreiro para designar os militantes que se empenham ativamente nas campanhas eleitorais. É certo que este fenômeno não é geral, mas não deixa de revelar um estado de espírito nocivo à aplicação da linha do Partido ao trabalho para ganhar os mais amplos setores da população para o Programa do P.C.B. A nossa atividade nas campanhas eleitorais não pode ser considerada de nenhum modo como reformismo.

Tomemos, por exemplo, as eleições de 1945 e 1947. Não foi errada a nossa participação ativa nessas eleições. Ao contrário. Ela foi altamente positiva. Não podemos deixar de reconhecer a importância política dos êxitos eleitorais do Partido em 1945 e 1947. Cabe destacar, particularmente, as vitórias nas eleições municipais de 1947 quando o Partido já se encontrava na ilegalidade. A nossa participação nessas campanhas eleitorais tornou o Partido ainda mais conhecido das grandes massas e em lugares como S. Paulo, Distrito Federal, Recife e outras importantes cidades fomos majoritários, numa demonstração inequívoca de força e prestígio do P.C.B. As eleições de 1945 e 1947 foram um índice do crescimento do Partido e de suas imensas possibilidades de orientar e dirigir o povo. Nessa época, o que havia de errôneo em nossas posições não era a atividade eleitoral, mas sim a nossa orientação política, orientação já criticada nos documentos oficiais do Partido.

Outro exemplo a considerar foi a nossa participação nas eleições de 1950 e nos pleitos eleitorais posteriores. Não podemos deixar de assinalar que a nossa orientação para essas eleições não contribuiu, como era então possível, para nos ligar com as massas e para levar a elas a linha política do Partido. Nossa atividade eleitoral nesse período, impregnada como estava das tendências de caráter abstencionista, teve resultados que contradiziam frontalmente a força e o prestígio do Partido. O camarada Prestes, em seu informe Sobre o Projeto de Programa do P.C.B., ao analisar as falsas posições sectárias e esquerdistas alimentadas após a apresentação do Manifesto de Agosto, diz: “Como manifestações dessas tendências basta aqui citar o abstencionismo eleitoral, tão sensível nas eleições de outubro de 1950 e ainda presente nas eleições municipais de S. Paulo em março de 1953”. Se este abstencionismo eleitoral era então falso, nas atuais circunstâncias, depois do lançamento do Programa do P.C.B., é inconcebível e inadmissível.

Agora, quando possuímos um Programa justo, que corresponde integralmente à realidade brasileira, precisamos utilizar ao máximo as eleições em benefício da luta do nosso povo por sua libertação nacional, pela paz e a democracia. O importante é colocar a presente campanha eleitoral à serviço da nossa linha política, da conquista das massas para o Programa do Partido.

Se a campanha eleitoral por nós realizada for posta como deve ser, a serviço da luta pelo Programa e da construção da frente democrática de libertação nacional, adquirirá um profundo e incalculável conteúdo revolucionário. Nada terá de comum com o reformismo.

Em quarto lugar, isso resulta do fato de estar generalizada entre nós a compreensão de que a luta de classes é somente a luta da classe operária por suas reinvindicações econômicas, particularmente as greves e as lutas que se verificam nas empresas. Esta compreensão é falsa e sumamente perigosa, pois não só rebaixa o papel do Partido como dirigente político da classe operária, como também impele as massas para o caminho do reformismo, desvia o proletariado e o povo da ação política, da luta pela derrubada do governo de Vargas e pela instauração do governo democrático de libertação nacional.

A luta de classes reveste-se das mais variadas formas. As greves por reinvindicações econômicas são manifestações da luta de classes, mas não são as únicas como pensamos muitos de nós. Não são formas elevadas da luta de classes. Formas muito mais altas são os comícios, as greves políticas, e as passeatas, para não falarmos nas lutas armadas e na insurreição. A campanha eleitoral, se está a serviço da justa linha política do Partido, torna-se uma elevada forma de luta de classes, uma vez que, através de uma justa tática eleitoral, atingiremos com o Programa do Partido grandes massas das cidades e do campo, intensificaremos a luta contra o imperialismo norte-americano, contra o governo de traição nacional de Vargas, pelas reinvindicações do proletariado e das massas populares, pela criação da frente democrática de libertação nacional.

A nossa pequena participação na campanha eleitoral não resulta, portanto, só de nossas incompreensões políticas. Nossas debilidades ideológicas e teóricas são a grande causa que determina não termos ainda liquidado inteiramente o abstencionismo eleitoral. Para todos nós, membros do Partido, é de incalculável utilidade rever e analisar, crítica e autocraticamente, nossas posições em face da questão eleitoral. Neste sentido, o estudo da obra clássica do grande Lenin “A Doença Infantil do “Esquerdismo” no Comunismo”, nos ajudará a superar nossas incompreensões no terreno da luta eleitoral, que resultam das nossas posições “esquerdistas” anteriores.

Com a atual campanha eleitoral, estamos pondo à prova a nossa capacidade de aplicar o Programa do Partido, demonstramos na prática se assimilamos o Programa. As eleições não são para nós um objetivo em si. Não fazemos a campanha eleitoral pela campanha eleitoral. Ela está intimamente ligada à realização de todas as tarefas políticas imediatas do Partido e à luta pela vitória do Programa. Se estamos plenamente convencidos da viabilidade do Programa e assimilamos seu conteúdo revolucionário, faremos uma campanha eleitoral sem precedentes.

Todo ceticismo em relação às eleições, à vitória de nossos candidatos e dos nossos aliados, à conquista da legalidade do Partido está ligado às incompreensões sobre o Programa. Todos nós devemos seguir as indicações do camarada Prestes, procurando “compreender a importância política da campanha eleitoral”. Não se trata, pois, só da orientação técnica e de maior controle da execução das tarefas eleitorais, exigências indispensáveis para o êxito nas eleições. Precisamos estar convencidos do significado político das eleições de 3 de outubro e da importância de sua utilização como um meio de levar o Programa do Partido a todo o povo. Esta é uma ocasião de assestarmos um poderoso golpe no sectarismo que ainda medra em nosso meio. Não nos esqueçamos que o nosso Programa foi elaborado, em boa parte, na luta contra as tendências sectárias.

Apesar de todas as restrições atualmente existentes em nossa campanha eleitoral, com o Partido na ilegalidade, com os membros do Partido de maior prestígio popular impedidos de concorrer como candidatos aos postos eletivos, com as liberdades duramente golpeadas, podemos conquistar vitórias nas eleições. Podemos obter uma grande votação e eleger muitos candidatos comunistas e de nossos aliados, o que terá uma grande repercussão política como demonstração do prestígio e da força do P.C.B.

Cabe-nos, no momento, realizar uma campanha eleitoral sem precedentes. Precisamos desenvolver intensa propaganda, forjar os movimentos de frente única eleitoral à base de programas concretos, estaduais e municipais, pondo em prática a tática eleitoral do Partido traçada pelo camarada Preste em sua entrevista sobre as eleições.


Inclusão: 20/09/2020