O desenvolvimento da Revolução

Antonio Gramsci

13 de setembro de 1919


Primeira Edição: L'Ordine Nuovo

Tradução: Elita de Medeiros - da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/gramsci/1919/09/development-revolution.htm

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As teses fundamentais da Internacional Comunista podem ser resumidas da seguinte forma:

  1. A Guerra de 1914 – 1918 representa a tremenda demonstração daquele momento do processo de desenvolvimento da história moderna que Marx sintetizou na expressão: a catástrofe do mundo capitalista;
  2. somente a classe trabalhadora pode salvar a sociedade humana do abismo da barbárie e do colapso econômico para o qual é empurrada pelas forças encorajadas e enlouquecidas da classe proprietária, e pode fazê-lo organizando-se em uma classe dominante para impor sua própria ditadura no campo político-industrial; e
  3. a revolução proletária é imposta e não proposta. As condições criadas pela guerra (empobrecimento extremo dos recursos econômicos necessários para satisfazer as necessidades elementares da vida coletiva e individual; concentração dos meios de produção e do comércio internacional nas mãos de um pequeno grupo de proprietários; sujeição colonial de todos os países do mundo ao capitalismo anglo-saxão; e concentração, em nível nacional, das forças políticas da classe proprietária) pode criar os seguintes resultados: ou a conquista do poder social pela classe trabalhadora, com seus próprios métodos e ferramentas, para deter o processo de dissolução do mundo civil e lançar as bases de uma nova ordem, na qual seja possível recomeçar uma atividade útil e vital energética, com impulso rápido para formas superiores de produção e vida social; ou a morte por fome ou exaustão de grande parte dos trabalhadores; ou o abate permanente para dizimação social até o restabelecimento de uma relação equilibrada entre a produção gerida pelo capitalismo e as massas consumidoras.

Fazer parte da Internacional Comunista significa, em particular, ser persuadido da necessidade urgente de organizar a ditadura do proletariado. Em outras palavras, é organizar o movimento proletário nas formas e meios mais adequados para que o sistema político proletário se torne uma fase normal e necessária da luta de classes travada pelas massas trabalhadoras e camponesas. Ainda significa que a ação e a força do proletariado, distinta do que é afirmado no programa do Partido Socialista e aprovado em Gênova em 1892, se desenvolverá neste duplo aspecto:

  1. organização dos trabalhadores e camponeses por unidade de produção (fábrica, empresa agrícola, município, cidade, região, nação) para a formação simultânea das massas em autogoverno no campo industrial e no campo político; e
  2. desenvolvimento de ação sistemática e incessante de propaganda por parte dos elementos comunistas para conquistar rapidamente os poderes desses organismos proletários, centralizando-os em um novo tipo de estado (o estado dos conselhos operários e camponeses), no qual se concretizará a ditadura do proletariado após a dissolução do sistema político-econômico burguês.

Essas inovações fundamentais, que seriam introduzidas no programa de 1892, são o resultado da experiência concreta vivida pelos trabalhadores da Rússia, Hungria, Áustria e Alemanha em suas tentativas de realizar a Revolução. Elas devem ser tomadas como inerentemente necessárias ao desenvolvimento industrial da população capitalista mundial, iniciadas por trabalhadores ingleses e americanos, independentemente dos contra-ataques das circunstâncias políticas gerais (derrota militar, entre outras), como um reflexo normal da luta de classes nos países de vida capitalista mais intensa.

A experiência revolucionária concreta da classe trabalhadora internacional pode ser resumida nas seguintes teses:

  1. a ditadura do proletariado, que a sociedade comunista deve instaurar, suprimindo as classes e os incuráveis conflitos da sociedade capitalista, é o momento mais intenso da vida na organização de classe dos operários e camponeses;
  2. o atual sistema de organização da classe proletária: associação por sindicatos, por indústria (federação), por complexo de produção local e nacional (Câmara do trabalho e Confederação Geral do Trabalho - Camera del Lavoro and Confederazione Generale del Lavoro), está estabelecida para organizar a competição para vender mão de obra, o que não é adequado, por sua natureza competitiva, para a administração comunista da produção e para encarnar a ditadura do proletariado. A organização comercial tem sido um meio eficaz de defesa dos trabalhadores, pois conseguiu limitar o poder excessivo e arbitrário da classe capitalista, impondo o reconhecimento dos direitos dos oprimidos em questões de horas e salários. Tal sistema continuará a desenvolver esse papel durante a ditadura do proletariado e na sociedade comunista, funcionando como um organismo técnico que resolve os conflitos de interesses entre as diferentes profissões e unifica, nacional e internacionalmente, os níveis de remuneração comunista;
  3. a organização dos trabalhadores, que exercerá o poder social comunista e na qual se concretizará a ditadura do proletariado, só pode ser um sistema de Conselhos eleitos nos locais de trabalho e desenvolvidos para que participem do processo de produção industrial e agrícola, coordenados e classificados local e nacionalmente, de forma a realizar a unidade da classe trabalhadora para além das categorias determinadas pela divisão do trabalho. Essa unificação está se desenvolvendo ainda hoje na Câmara do Trabalho (Camere del Lavoro) e na Confederação (Confederazione), mas não tem eficácia em massa, porque está baseada no mero contato ocasional e inorgânico de escritórios centrais e líderes individuais. Nos locais de trabalho, essa unificação será, ao contrário, efetiva e permanente, porque resultará do sistema harmônico e desenvolvido do processo industrial em sua imediatez viva, porque será baseada na atividade criativa que forma uma fraternidade de vontades e une os interesses e sentimentos dos produtores;
  4. somente com esse tipo de organização será possível conseguir tornar as unidades de trabalho conscientes da sua capacidade de produzir e de exercer a sua soberania (a soberania deve ser função da produção), sem necessidade do capitalista e de uma delegação ilimitada de poder político. Isto para conscientizar os produtores de que sua comunidade organizada pode substituir, no processo geral de produção de bens materiais e, portanto, no processo de criação histórica, o proprietário e seus ajudantes no poder industrial e na responsabilidade pela produção;
  5. as unidades de trabalho devem ser coordenadas em organismos superiores, conectadas por interesses locais e vínculos industriais na mesma unidade territorial de produção (província, região, nação), constituindo o sistema de Conselhos. A substituição de proprietários individuais por comunidades produtivas, conectadas e entrelaçadas em uma malha estreita de relações recíprocas, tendendo ao cuidado de todos os direitos e interesses liberados pelo trabalho, trará a supressão da concorrência e da falsa liberdade, lançando as bases liberdade e cultura comunista;
  6. intimamente amalgamados na comunidade de produção, os trabalhadores são automaticamente levados a expressar sua vontade de poder medida por princípios estritamente inerentes às relações de produção e troca. A psicologia proletária média perderá rapidamente todas as ideologias mitológicas, utópicas, religiosas e pequeno-burguesas: a psicologia comunista será rápida e permanentemente consolidada, constantemente levantada pelo entusiasmo revolucionário, pela perseverança tenaz na disciplina de ferro do trabalho e resistência contra todos os ataques abertos ou artifícios do passado;
  7. o Partido Comunista não pode ter concorrentes no mundo íntimo do trabalho. No período atual de luta de classes, os partidos pseudorrevolucionários florescem: Socialistas cristãos (que têm um domínio fácil entre as massas camponesas), os socialistas reais (ex-combatentes, pequeno-burgueses, todos os espíritos inquietos ávidos por qualquer novidade), os libertários individualistas (conventículos(1) barulhentos de vaidades insatisfeitas e caprichosos e tendências caóticas). Esses partidos invadiram as ruas e ensurdeceram os mercados eleitorais com sua fraseologia vazia e sem fim, com promessas estupefacientes e irresponsáveis, com provocações ruidosas das paixões populares mais baixas e do egoísmo mais estreito. Esses partidos não terão influência sobre os trabalhadores individuais, se não quiserem mais expressar sua vontade social no meio do tumulto e da confusão do recinto parlamentar, mas na comunidade do trabalho, pela máquina da qual hoje são escravos e que se tornará sua escrava; e
  8. a revolução não é um ato dramático, é um processo dialético de desenvolvimento histórico. Cada Conselho de trabalhadores industriais ou agrícolas, que nasce de uma unidade de trabalho, é um ponto de partida para esse desenvolvimento, é uma realização comunista. Promover o desenvolvimento e multiplicação dos conselhos operários e camponeses, determinando a ligação e organização orgânica até a unidade nacional a ser reunida em um congresso geral, desenvolvendo uma intensa propaganda para conquistar a maioria, essa é a tarefa atual dos comunistas. A condução deste novo florescimento de poderes, que surge irresistivelmente das grandes massas trabalhadoras, determinará o impacto violento das duas classes e a afirmação da ditadura do proletariado. Se a base do processo revolucionário não estiver na intimidade da vida produtiva, a revolução permanecerá um apelo estéril à vontade, uma lenda nebulosa, uma Morgana(2) enganadora: e o caos, a desordem, o desemprego e a fome engolirão e fragmentarão as melhores e mais vigorosas energias proletárias.

Notas da tradutora:

(1) Reunião clandestina usada para conspirar ou para maquinar o mal (DICIONÁRIO PRIBERAM DA LÍNGUA PORTUGUESA - https://dicionario.priberam.org/conventículo). (retornar ao texto)

(2) Referência utilizada como sinônimo de bruxa ou fada, remetendo à mitologia celta arturiana. (retornar ao texto)

Inclusão: 08/05/2021