A luta agrária na Itália

Antonio Gramsci

31 de agosto de 1921


Primeira Edição: L'Ordine Nuovo, 31 de agosto de 1921

Tradução: Elita de Medeiros - da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/gramsci/1921/08/agrarian_struggle.htm

HTML: Fernando Araújo.

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À medida que as políticas praticadas pelos latifundiários na Itália ficam mais claras, sua importância para os trabalhadores cresce.

Os latifundiários não são meros árbitros da situação no campo. Ao contrário, eles usam esse status para trabalhar em prol de outros objetivos. Estes são menos conhecidos, mas muito mais importantes no que diz respeito aos seus interesses de classe. É fato que hoje os latifundiários se tornaram donos dos bancos.

Acima de tudo, isso significa que agora eles têm o destino da indústria em suas mãos. Desta forma, os interesses da classe trabalhadora urbana tornaram-se diretamente ligados aos do campesinato – e é por isso que o proletariado das cidades deve acompanhar atentamente todos os desenvolvimentos entre os trabalhadores rurais.

Os latifundiários, tendo esmagado a classe camponesa, logo depois buscarão a subjugação dos trabalhadores nas cidades.

É neste sentido - quando se fala em fascismo rural (cujo centro está na região de Bolonha) – que sempre defendemos que os trabalhadores nas cidades não podem se dar ao luxo de ficar desinteressados ​​em como a crise do fascismo é resolvida.

Se os camponeses continuarem a ser aterrorizados no campo, não demorará muito até que os próprios trabalhadores urbanos sintam as repercussões.

Mas não é só a violência no campo que vai determinar o desfecho da crise nas cidades. A indústria não será capaz de se desenvolver normalmente a menos que seja liberada da influência desses aventureiros rurais - que se tornaram capitães da indústria sem nenhum mérito específico próprio.

É possível que isso ocorra por meio de uma evolução interna do Estado italiano - ou seja, sem causar conflitos e confrontos violentos? A tentativa do partido Popular (Popolari), de modificar as relações entre os camponeses e os latifundiários – efetivamente buscando reconciliar trabalhadores e capital - só pode estar destinada ao fracasso. O cancelamento do pacto agrícola revela mais uma vez a impotência do partido Popular (Popolari) - e de qualquer outro partido que segue seus passos.

Em comparação com o Popolari, os deputados latifundiários representam apenas uma pequena minoria. Mas o poder real desses deputados dentro das esferas do governo excede o poder dos [integrantes do partido] Popolari. Não é hora de repetir argumentos sobre a fragilidade das instituições parlamentares. Contudo, esses eventos demonstram que o que conta, hoje, não é o número de deputados, mas as forças organizadas que eles têm em seus domicílios eleitorais.

A esse respeito, os latifundiários são muito mais fortes que os Popolari. O episódio de Treviso talvez não mostre que os Popolari são prisioneiros dos latifundiários - ou, se não prisioneiros, então impotentes diante de suas ações? Em Treviso, um jornal Popolari [o escritório] foi destruído, e a sede local do Popolari [partido] foi invadida e destruída.

Mas, neste caso, o Popolari, que tem muitos ministros no que deveria ser o gabinete (nomeado pelo ministro da justiça!) nem mesmo ousou tomar as medidas usuais que se adotaria para os crimes mais comuns.

Assim, os Popolari só conseguem apoiar os interesses dos camponeses de uma forma muito limitada e apenas temporariamente – até que entrem em conflito com os interesses dos proprietários de terras. Isso é exatamente o que aconteceu no caso dos cancelamentos.

O Ministro Micheli concordou com um adiamento. Isso também teve o apoio dos socialistas. A atitude dos latifundiários pode obrigar os dois partidos – Popolari e Socialista – adotar uma posição mais clara no âmbito da colaboração parlamentar.

Mas isso não privará os latifundiários de sua posição dominante na política interna. Eles têm à sua disposição alguns instrumentos muito contundentes para organizar sua defesa contra a classe trabalhadora. Vimos uma prova cabal disso com as atividades das organizações fascistas no campo. Portanto, eles podem, quando quiserem, impor sua vontade aos camponeses mais uma vez - mesmo em oposição às decisões do governo.

Para fins eleitorais, os Socialistas e os Popolari fazem questão de mostrar que têm em mente o bem-estar dos camponeses. Mas são incapazes de desenvolver uma estratégia concreta que impeça os proprietários de realizar seus próprios planos.

O problema da terra está voltando à agenda da política italiana hoje. Em todos os lugares a classe camponesa está em ebulição. Apenas um partido revolucionário - e na Itália isso significa o Partido Comunista - é capaz de enfrentar esse problema e lutar por uma solução genuína.

O problema da terra é o problema da revolução – que na Itália só é possível se coincidir com os interesses dos camponeses e operários. Hoje esse fato está confirmado. Assim como em abril de 1920, camponeses e operários estão unidos pelos mesmos interesses na luta contra a exploração pelos patrões.

O problema da revolução italiana é, portanto, o problema da unidade dos trabalhadores e camponeses. É vital que os comunistas não negligenciem esse aspecto importante da revolução na Itália.


Inclusão: 17/12/2021