A Luta do Povo Espanhol Contra o Franquismo

Dolores Ibarruri


Primeira Edição: ...
Fonte: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política nº 37 - Nov-Dez de 1951.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo
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Lenin

AS GRANDES greves e manifestações de massas que nos últimos tempos têm se desenvolvido em diversas cidades e regiões espanholas, principalmente na Catalunha, onde tiveram início essas greves, desferiram um sério golpe no franquismo e abriram o caminho para o desenvolvimento de novas ações contra o regime e pela democratização da Espanha. E não é possível deixar de notar uma estreita ligação entre a situação criada ao regime franquista por essas lutas e a pressa dos Estados Unidos em estabelecer um pacto militar com o governo do general Franco a fim de reforçar a autoridade deste último e de impedir a sua queda.

Os incendiários de guerra precisam do general Franco para fazer da Espanha uma base militar, um ponto de apoio estratégico no desenvolvimento de seus planos de agressão; precisam também das matérias primas que existem na Espanha, entre elas os minerais de valor estratégico como o volfrâmio, o zinco, o estanho, o mercúrio, o chumbo e o minério de ferro, cuja exportação já está sendo feita para os Estados Unidos. Precisam do regime franquista porque uma Espanha democrática, uma Espanha com um governo cioso de sua soberania e da independência nacional, uma Espanha na qual o povo possa expressar livremente a sua vontade, não aceitaria transformar-se numa colônia ianque, nem toleraria que nenhuma potência estrangeira pretendesse servir-se do território espanhol como trampolim para a agressão à União Soviética e às Democracias Populares, em relação as quais o povo espanhol só tem motivos de gratidão.

Os Estados Unidos vêm preparando de forma disfarçada e hipócrita a incorporação da Espanha franquista à nova «Santa Aliança» dos incendiários de guerra, e juntamente com eles seus aliados franceses e ingleses. Mas queriam que essa incorporação se realizasse de um modo natural, pela própria força das circunstâncias e sem que eles aparecessem forçando a situação, uma vez que, de outra forma, toda hipocrisia e falsidade de sua propaganda em relação aos pretensos objetivos do bloco Atlântico de defesa da «liberdade» e da «democracia» ficariam a descoberto. Somente quando sentiram que o povo espanhol está vivo, de pé, disposto à luta contra o regime franquista, forçaram a situação e, tirando a máscara, aparecem abertamente dispostos a pactuar com Franco e a consolidar o regime fascista na Espanha.

No caminho para a incorporação da Espanha ao bloco dos países agressores, os imperialistas anglo-norte-americanos serviram-se dos dirigentes socialistas como solapadores da resistência republicana. Esses dirigentes socialistas, encabeçados por Trifon Gomes e Indalecio Prieto, procuraram criar no povo espanhol um sentimento derrotista da impossibilidade de recuperação da República. Os dirigentes socialistas lutaram por destruir as instituições representativas da República no exílio argumentando que a existência dessas instituições, como o governo republicano e a representação do parlamento, criavam obstáculos à solução do problema espanhol. Ao mesmo tempo, por várias vezes reiteraram em sua imprensa e em seus discursos a opinião de que a Espanha devia participar do plano Marshall e do bloco ocidental, declarando que somente os americanos poderiam resolver o problema espanhol.

Em um discurso pronunciado por Indalecio Prieto, então presidente do Partido Socialista Espanhol, em uma assembléia desse Partido realizada em Toulouse em março de 1947, o líder socialista disse o seguinte:

«Se nos concedessem a República, não teríamos que torturar nossa cabeça para recuperá-la, mas acontece que não nô-la concedem. Não existe outro caminho que o de servir aos desejos das potências ocidentais cingindo-nos ao que essas potências nos queiram conceder».

Com esse critério trabalharam desesperadamente para impedir a unidade das forças republicanas e democráticas, e justificar, com a divisão do campo republicano, a política de proteção ao franquismo dos anglo-americanos. E também foram e são eles o veículo do anti-comunismo entre a emigração espanhola.

Jogando com sutilezas casuísticas de advogados do diabo, e apoiando-se no ponto de vista reacionário de que a força faz o direito, os dirigentes socialistas procuraram demonstrar a falta de base jurídica da legitimidade republicana, aceitando como fato irreparável a existência do regime fascista do general Franco e chegam a conclusão de que na Espanha não existe alternativa democrática ao regime atual. Com isso procuram justificar seu pacto com os monarquistas e a sua disposição de servir aos imperialistas.

Ainda não houve ação, por mais indigna que fosse, à qual não tenham recorrido os dirigentes socialistas para impor a política norte-americana no campo republicano espanhol na emigração e no interior do país. Chantagens, ameaças, promessas, delações, principalmente na França, onde contavam com o apoio de Jules Moch, os dirigentes socialistas espanhóis se especializaram nos serviços policiais e na delação contra os comunistas.

E isso porque os comunistas eram os únicos que se opunham a uma política entreguista, porque os comunistas eram os que alertavam os trabalhadores sobre os verdadeiros objetivos da propaganda socialista a favor dos americanos, porque os comunistas eram os que mantinham vivo o espírito republicano e anti-franquista na emigração e no interior do país.

O governo francês, do qual participavam vários ministros socialistas, ordenou que fossem deportados os comunistas espanhóis que estavam na França, ao mesmo tempo em que preparava o intercâmbio de embaixadores com a Espanha franquista. Foi proibida toda atividade dos comunistas espanhóis na França e suprimida a sua imprensa, que em nenhum momento interferiu nos assuntos internos franceses, dedicando-se inteiramente à luta contra o regime fascista espanhol.

Os comunistas, amordaçados, impossibilitados de falar e de agir e os socialistas e anarquistas com plena liberdade de ação, seus dirigentes se dedicaram a despejar sobre os comunistas toda espécie de infâmias, enquanto se ofereciam aos americanos com um servilismo repugnante. Os chefes anarquistas declaravam que entre Franco e os comunistas eles preferiam à Franco; os dirigentes socialistas afirmavam que eles eram mais anti-comunistas do que Franco e que estavam em melhores condições que o governo franquista para realizar na Espanha a política anticomunista e agressiva de que necessitavam os americanos.

A Decisão da ONU em Favor de Franco não Abateu o Moral das Massas

NESSE CLIMA, a realização dos planos americanos sobre Franco era muito fácil. Eles podiam esgrimir como argumentos a seu favor os próprios argumentos dos dirigentes socialistas e anarquistas, inclusive de Negrin que, em uma série de artigos publicados no «New York Herald Tribune», em abril de 1948, afirmava a necessidade de aplicar o plano Marshall na Espanha, independentemente do regime franquista.

Na ONU a maioria ianquizada, livre dos escrúpulos pela cumplicidade socialista, votava pelo levantamento das sanções contra a Espanha franquista. A Inglaterra e a França que poderiam ter impedido a aprovação dessas resoluções que feriam profundamente o povo espanhol, se abstiveram de votar, apesar de haverem sido signatárias do acordo de Potsdam que condenava o regime espanhol, por sua origem e seu caráter fascista. Por que a Inglaterra e França se abstiveram nas votações da ONU? Por escrúpulos de consciência? Não, porque sabiam que a votação estava assegurada a favor de Franco. A abstenção lhes permitia, de certo modo, guardar as aparências e continuar especulando ante as massas trabalhadoras de seus respectivos países com sua repulsa ao regime franquista.

Mas o povo espanhol não se deixou enganar por essas argúcias diplomáticas; as massas trabalhadoras espanholas conheciam já o filiteismo dos representantes dos países chamados democráticos e de sua atitude na ONU ante o problema espanhol. Não esqueceram os espanhóis anti-fascistas a posição favorável a Franco dos representantes ingleses, franceses e norte-americanos, quando nas reuniões da ONU, em 1946, negaram-se a aceitar as propostas soviéticas e dos países de Democracia Popular, no sentido de estabelecer o bloqueio econômico da Espanha franquista.

Não aceitaram essas propostas soviéticas, sob o falso pretexto de que as sanções econômicas prejudicavam o povo espanhol, mas na realidade porque não ignoravam que o bloqueio econômico era a morte do regime fascista do general Franco, cuja situação difícil era conhecida em Londres e Washington, e porque nos planos dos incendiários de guerra não entrava a derrubada do franquismo e o restabelecimento da democracia na Espanha — para eles era mais útil o regime franquista.

Com o levantamento das sanções contra o franquismo, os imperialistas americanos e seus lacaios pretendiam assestar um golpe de morte à resistência popular anti-franquista no interior da Espanha, acreditavam que com esta decisão se cancelava o problema espanhol.

Mas se enganaram; a decisão da ONU a favor de Franco não quebrou o moral das massas, ao contrário, curou-as das ilusões que ainda conservavam sobre a possibilidade da ajuda anglo-norte-americana para a recuperação da República e as fez compreender que a solução do problema espanhol não dependia da ajuda americana ou inglesa, como durante vários anos vinham argumentando os lideres socialistas, mas da própria luta do povo espanhol, sustentado e apoiado pela solidariedade ativa do campo da paz e da democracia, encabeçado pela União Soviética.

Nas semanas que se seguiram ao levantamento das sanções contra o regime franquista, a Espanha oficial, que até então vivia em constante sobressalto, sentindo que o chão lhe faltava aos pés cada vez que um delegado soviético ou um representante das Democracias Populares se levantava na ONU para defender os direitos do povo espanhol e estigmatizar o regime fascista do general Franco, pela primeira vez depois da derrota do hitlerismo, pôde dormir tranquila. Não mais perturbava o seu sonho a ameaça do "bloqueio econômico proposto pelos delegados soviéticos e representantes das Democracias Populares, e que num breve espaço de tempo teria podido acabar com o regime do general Franco.

Os incendiários de guerra anglo-norte-americanos optavam publicamente: preferiam uma Espanha fascista à uma Espanha democrática. Grave e severo, apertando os dentes e crispando os punhos, o povo observava o júbilo de seus verdugos e maldizia os governantes americanos, ingleses e franceses, com ódio e asco. E pensava, pensava que a alegria dos tiranos custa sempre ao povo lágrimas de sangue, pensava que novos males, novos sofrimentos se aproximavam por detrás das luzes do palco onde se glorificava os ianques, os mesmos que levaram a Espanha à guerra de Cuba, os mesmos que quiseram apagar até o nome da Espanha das ilhas do Pacífico que os espanhóis haviam incorporado à civilização e à cultura universal.

Ante a oferta dos créditos americanos que se seguiu ao levantamento das sanções, Franco anunciou a liberação dos preços e o fim da miséria e das restrições. Más a mentira tem pernas curtas, não pode ir muito longe. O povo começou a compreender muito rapidamente, o significado da «amizade» americana com a camarilha franquista.

Poucos dias após as declarações de Franco e do ministro da Indústria e do Comércio sobre o inicio de uma nova era de prosperidade e abundância, os preços dos produtos essenciais para a população se elevaram em proporções escandalosas. O arroz, de 10 pesetas o quilo, passou a 13 e 14; em 1936, o quilo do arroz custava 80 cêntimos; o grão de bico e o feijão se elevaram na mesma proporção, o azeite de oliva desapareceu do mercada e o que estava à venda só podia ser comprado por milionários; o azeite em 1936, custava 1,80 o litro, agora é vendido a 35 e 40 pesetas o litro; o toucinho que em 1936 era vendido a 2,50 o quilo, hoje custa de 50 a 60 pesetas; a carne que em 1936 custava 4 pesetas, hoje custa 70; o metro de tecido de algodão, que em 1936 custava 0,80 ou 1,20, no mês de julho do ano passado custava, na Espanha, 14 pesetas; após o levantamento das sanções contra o regime franquista elevou-se a 30 pesetas o preço do metro. Os tecidos de lã subiram nesse mesmo período de 130 para 300 pesetas. O calçado aumentou em 50%.

Mas com o pão foi mais escandaloso. O pão é, desde que existe o regime franquista, um artigo de luxo para os trabalhadores. O racionamento do pão é hoje na Espanha, de 100 a 150 gramas para os trabalhadores, mas não de pão branco e sim de uma mescla intragável de farinhas que nunca foram utilizadas na Espanha no fabrico de pão.

O governo franquista, em fins do ano passado, preparou uma grande encenação para o povo, com relação ao pão. Foi lançada uma proclamação onde se estabelecia que todo aquele que quisesse comer pão branco poderia fazê-lo a vontade; pagando antecipadamente ao governo o preço do pão que necessitasse durante um ano, e o governo lhe reservaria a quantidade de trigo necessária. O quilo de pão ficou estabelecido em 7,50, preço oficial; em 1936, o quilo de pão custava 65 cêntimos. Nessas condições, nenhuma só família operária, que mal vive com o mesquinho salário de cada dia, pode obter pão, porque não conta com suficientes reservas monetárias para comprar o trigo necessário. Dessa forma, o pão, que era tradicionalmente a base da alimentação popular, é hoje um manjar reservado aos privilegiados da fortuna, enquanto que os operários e a população em geral continuam com as 100 a 150 gramas do racionamento.

Ao comparar os salários dos operários e os preços atuais dos produtos de amplo consumo nacional, com os que existiam em 1936 — o salário médio de um operário em 1936 era de 10 pesetas, e hoje é de 11 a 18 — pode-se compreender a tremenda miséria que o regime fascista do general Franco, acarretou ao povo espanhol. A elevação dos preços dos artigos de amplo consumo nacional, por si mesmo excessivamente caros, no breve espaço de tempo que vai de novembro do ano passado a fevereiro deste ano, ainda se acrescenta o aumento das tarifas dos serviços públicos, da água, do gás, da eletricidade, dos aluguéis e do transporte.

O governo franquista, apoiado pelos imperialistas americanos e para cumprir suas encomendas de guerra, lançava sobre a população o peso dos gastos que se via obrigado a fazer para cumprir as ordens dos incendiários de guerra. O povo espanhol sentia em seus ombros o que significava a «amizade» dos Estados Unidos com o governo franquista.

A brusca alta de preços repercutiu imediatamente entre as famílias operárias, entre os camponeses e na economia da classe média, dos pequenos comerciantes e industriais, inclusive em alguns setores da burguesia acomodada que não estão ligados diretamente às instituições oficiais ou que, por diferentes motivos, não gozam da amizade e da proteção da camarilha governamental.

As casas de comércio e as pequenas lojas viram reduzir-se sua freguesia, e, por isso, o volume de suas receitas. A capacidade de compra da classe operária diminuía em escala sensível e por isso reduzia-se toda a vida industrial e comercial. A isso se deve acrescentar ainda uma nova classificação de lojas comerciais, com prejuízo para os pequenos comerciantes, que se viram sobrecarregados ainda com novos impostos e contribuições.

Isso produziu uma exacerbação do descontentamento e da indignação dessas forças que começaram a se solidarizar com o povo, processando-se entre elas uma radicalização que, embora lenta e ainda cheia de vacilações e titubeios, as vai levando para o terreno da oposição e da luta contra o regime fascista.

Isso que ocorre de uma forma geral em toda a Espanha, se dá com maior agudeza na Catalunha, onde tiveram início os protestos contra a política de miséria e de guerra do franquismo, pela existência nessa região de uma classe operária de tradição revolucionária e de um problema nacional vivo e candente, agravado pela opressão.

Essa radicalização das massas da pequena burguesia e das classes médias provoca uma séria preocupação não apenas nos círculos governamentais, que a elas se dirigem constantemente procurando assustá-las com o perigo do comunismo, mas também nos círculos reacionários estrangeiros e no Vaticano, que se desdobram em manobras para impedir uma saída democrática à situação.

Essa preocupação em relação à radicalização das classes médias foi demonstrada em uma conferência do bispo de Tarragona, em Barcelona, em abril desse ano, na qual este alto prelado chegou a declarar:

«A classe média era a grande reserva que nos restava e agora começa a esfacelar-se com grave risco para todo o edifício social».

Explosão da Indignação Popular

O que produziu essa explosão da indignação popular que lançou à rua, em protestos, na Biscaya e na Catalunha a mais de meio milhão de homens e mulheres, lançando a confusão entre os que consideravam que o povo espanhol não poderia levantar-se da prostração em que o submergiu a terrível e sangrenta repressão franquista? Aparentemente, o aumento do preço dos transportes dos bondes que pesava duramente no orçamento da classe operária e das classes pobres em geral. Mas, no fundo, o protesto traduzia o ódio ao regime, a amargura, a raiva acumulada em 12 anos de falta de liberdade, 12 anos de tirania franquista, 12 anos de terror, de perseguições policiais, de privações, de miséria, de diminuição constante do nível de vida; 12 anos de resistência passiva à espera de uma ocasião propícia para a luta.

O aumento das passagens dos transportes foi a gota d'água que fez transbordar a paciência popular. Iniciado o protesto contra o aumento, pelos estudantes — e isso é bastante significativo, levando-se em conta a origem social destes — teve o apoio unânime de toda a população. O boicote começou pacificamente na última semana de fevereiro, mas, com o decorrer dos dias, foi adquirindo caráter violento. O povo atacava os bondes e ônibus que circulavam com a polícia e esta disparava contra o povo. Foram derrubados e incendiados alguns carros de serviços oficiais, foram queimadas bancas onde se vendia jornais franquistas e atirados líquidos inflamáveis contra a Municipalidade onde se verificaram alguns incêndios. Em alguns lugares foram arrancados os paralelepípedos da rua e se procurou levantar barricadas, mas as forças armadas dispararam sobre os manifestantes, impedindo que se atingissem tal propósito.

Com o desenrolar dos acontecimentos, os choques entre a polícia e a população produziram vários mortos e numerosos feridos. O boicote durou de 24 de fevereiro a 5 de março, data em que as autoridades se viram obrigadas a publicar uma decisão anulando o aumento das tarifas e restabelecendo os preços antigos. Entretanto, isso não acalmou a efervescência das massas que, pela própria experiência, haviam aprendido em algumas horas, depois de 12 anos de espera, que a luta era possível mesmo nas piores condições e que o franquismo não podia impedir esta luta quando o povo, e principalmente a classe operária, estão decididos a defender seu direito à vida.

No transcurso dos acontecimentos o Partido Socialista Unificado da Catalunha, Partido dos comunistas catalães, assim denominado depois da fusão de 1936, do Partido Comunista da Catalunha com diferentes pequenos partidos democratas operários de tendências catalanistas e socialistas, realizou um grande trabalho de agitação entre as massas conclamando-as à preparação da greve de protesto contra a política de miséria e de guerra do franquismo. E é interessante destacar o fato de que na Catalunha, onde o anarquismo e o nacionalismo tinham uma força preponderante entre a classe operária e a pequena burguesia, no decorrer dessa luta de que participaram dezenas de milhares de operários de tendências anarco-sindicalistas e grupos da classe média e da pequena-burguesia nacionalista, não tenham aparecido como força dirigentes nem os anarquistas nem os nacionalistas. Os trabalhadores procuraram só o Partido Socialista Unificado que, fundido com eles, estimulava-os no protesto; apenas a propaganda do Partido Socialista Unificado concitava o povo catalão à resistência e à luta, acolhendo e interpretando os sentimentos da classe operária e do povo da Catalunha.

O apelo à greve de protesto contra a política franquista, feito pelo Partido Socialista Unificado durante o boicote aos bondes não caiu no vazio. No dia 12 de março, uma semana depois de haver terminado o boicote, os trabalhadores catalães abandonavam o trabalho declarando-se a greve geral em Barcelona.

As indústrias fundamentais foram paralisadas, as lojas e os escritórios pequenos e grandes cerraram suas portas, foram suspensos as comunicações telefônicas, os espetáculos públicos e o transporte e até mesmo os locutores de rádio pararam as suas atividades. Pelas ruas de Barcelona desfilavam, em imponentes manifestações, dezenas de milhares de operários, de empregados, de homens e mulheres que levantavam seu protesto contra a política de fome, e de miséria e de guerra do franquismo, que cantavam a Internacional. «Esta é a nossa resposta à ONU», diziam os operários; «esta é a nossa resposta aos americanos». Os manifestantes quebraram todos os vidros do andar térreo do Banco Hispano-Americano. A 12 de março as massas eram donas praticamente das ruas de Barcelona.

Para elas, como para, todo o mundo, era uma surpresa o que ocorria e não sabiam como utilizar sua própria força, porque não havia uma direção conjunta, articulada, uma vez que — apesar do esforço heróico realizado pelos comunistas catalães que nas duras condições de clandestinidade trabalharam durante todos estes anos de terror fascista, mantendo o espírito de resistência da classe operária catalã, e apesar também de sua ativa participação na organização e preparação da greve — não se havia conseguido, e isso era decisivo tendo em conta o caráter fascista do regime, a unidade e a coordenação abrangendo todas as forças antifranquistas.

As Reivindicações Democráticas Fundamentais e a Organização das Forças Anti-Franquistas

OS PRÓPRIOS trabalhadores perguntam hoje, ao examinar os resultados da greve:

«Por que não se colocaram as reivindicações democráticas fundamentais, tais como o direito de associação, de reunião, de imprensa, a supressão da intervenção monopolista fascista na indústria e no comércio, a liberdade de comércio para os camponeses e a unidade dos operários com os camponeses na luta em defesa de seus interesses vitais? Por que, quando as massas estavam nas ruas, não se levantou a ocupação das fábricas, a libertação dos presos, a tomada dos edifícios públicos e a confraternização dos soldados quando estes estavam na expectativa e com uma atitude de simpatia para com o povo? Por que não se colocou a continuação da luta e a formação de comitês revolucionários compostos de representantes de todas as forças antifranquistas para dirigir e ampliar a luta?»

A responsabilidade pelo fato de não terem se estendido a todo o país as lutas da Catalunha e pelo fato de não terem tido essas lutas objetivos mais concretos e mais elevados, recai, fundamentalmente, sobre os dirigentes socialistas e anarquistas que negaram reiteradamente a possibilidade de luta, que desenvolvem sistematicamente uma política anti-comunista de divisão e repelem todas as propostas de unidade dos comunistas para a organização da resistência ao franquismo.

Não obstante as debilidades observadas no decorrer da luta, os acontecimentos da Catalunha, pela sua amplitude, abalaram profundamente o país, pondo em movimento a vontade e a energia das massas que se manifestaram em Euzkadi, Navarra e Madrid e que se preparam para novas lutas em toda a Espanha.

Os Planos da Igreja, da Aristocracia e da Grande Burguesia

A CATASTRÓFICA política seguida pelo franquismo nestes doze anos de reinado absoluto de uma camarilha de aventureiros e criminosos, foi também afastando da órbita franquista certas camadas da burguesia e da aristocracia que, embora de acordo com a política de opressão e de exploração das massas pelos métodos terroristas do franquismo, não estão de acordo com a administração dos negócios do Estado realizada pelos franquistas, cujos processos de banditismo e especulação, tendo como finalidade o enriquecimento individual de cada um deles, colocou o país à beira da abismo.

Por diferentes meios e processos, nenhum deles democrático, orientando-se sobretudo para uma restauração monárquica, tratam essas forças de salvar a situação, se possível prescindindo de Franco, mas mantendo seu aparelho repressivo, sua política exterior de subordinação aos imperialistas americanos e a disposição de servir aos planos dos incendiários de guerra. A Igreja foi a primeira a iniciar uma reviravolta nesse sentido. Devido ao seu contacto com as massas populares, e conhecendo seu estado de ânimo, a Igreja trata de se apresentar como defensora das massas e de canalizar esse descontentamento, surgindo, de certa maneira, como uma força não totalmente de acordo com alguns aspectos da política franquista, pedindo inclusive liberdade de imprensa, claro que não da imprensa democrática. Porém o fato é sintomático já que provém de pessoas tradicionalmente inimigas ferozes da liberdade de expressão e que agora querem aparecer como democratas. Altos dignitários da Igreja como os arcebispos de Sevilha e das Baleares, os bispos de Valencia, Granada e Tarragona, expuseram, em diferentes pastorais, suas opiniões sobre a necessidade de exercer a caridade para aliviar os sofrimentos dos pobres, de respeitar os direitos humanos e de libertar a indústria e o comércio do controle estatal, permitindo o desenvolvimento da livre iniciativa como base da prosperidade dos povos.

De maneira suave, jesuítica, expõem a sua discordância em relação à política interna do governo e esse procedimento, independentemente de seus propósitos, contribui para debilitar o regime e para reforçar os grupos da oposição.

No desenvolvimento dos planos da Igreja que não são apenas da Igreja espanhola mas também do Vaticano, da aristocracia e da grande burguesia e que têm por objetivo salvaguardar o domínio reacionário fascista na Espanha e frear a radicalização das massas, a Igreja fundou, contando com a tolerância do governo, organizações operárias pseudo-independentes e iniciou a publicação do periódico semanal «Tú» em que se expõem, de maneira violentamente demagógica, aspectos parciais da situação das massas trabalhadoras, porém sem atacar as causas de tal situação. Manifestaram a preocupação, inclusive, em se apresentarem como vítimas do regime e chegaram à suspender temporariamente o periódico sob o pretexto de que não lhes era concedida a liberdade suficiente para dizer o que necessitavam dizer.

Faz parte dos planos da Igreja e das forças burguesas que atuam por detrás desta, constituir, na eventualidade de uma mudança da situação na Espanha, um grande partido democrata cristão, semelhante ao partido italiano, com uma base social operária e camponesa, englobando as antigas organizações agrárias e grupos operários católicos, apoiando-se no movimento nacionalista do Euzkadi cujos dirigentes, atualmente emigrados são católicos bem conhecidos, que gozam de um falso prestígio de democratas e que não são nem estranhos nem alheios a esses planos de orientação vaticanista e imperialista.

Na greve de Biscava e na chamada greve branca de Madrid, os trabalhadores sentiram claramente a atuação dessas forças que nada têm de comum com os interesses da classe operária. No desenvolvimento da greve de Biscaya, tão diferente da de Catalunha pela sua falta de combatividade, os operários percebiam a atividade de elementos estranhos, pertencentes a organizações reacionárias que atuavam para impedir que o movimento adquirisse o caráter combativo que sempre tiveram, em Biscaya, todas as lutas dirigidas e organizadas pela classe operária.

E não se equivocavam os trabalhadores bascos ao perguntarem quem dirigia a greve, porque os próprios porta-vozes do nacionalismo basco declararam que, sabendo que a classe operária do País Basco, seguindo a orientação dos comunistas, se preparava por transformar o Primeiro de Maio numa grande jornada de luta contra o regime, quiseram evitá-lo para impedir o crescimento da influência dos comunistas, já que o povo sabia que, nos protestos da classe operária e do povo catalão, a única força política que intervinha ativamente e com a sua própria fisionomia eram os comunistas e, por isso, a simpatia em relação aos comunistas aumentava em todo o país.

Não obstante, esse jogo não lhes deu o mesmo resultado em Pamplona. Pamplona é a capital da Navarra, região conhecida como o berço do carlismo e da reação que deu ao exército franquista os requetés e grupos de choque contra a República. Existe em Pamplona, porém, há muito tempo, uma classe operária com um agudo espírito de classe, a qual, ao saber dos acontecimentos de Catalunha e Euzkadi, se uniu ao movimento de protesto e de forma violenta, correspondente ao seu estado de consciência e à sua necessidade de luta, protestou contra o regime franquista. Contra os trabalhadores de Pamplona, da mesma forma que na Catalunha, foram lançadas as forças repressivas que, disparando contra os manifestantes, mataram e feriram vários deles entre os quais algumas mulheres.

Os Ensinamentos das Lutas

Que nos ensinaram essas lutas? Em primeiro lugar essas lutas demonstraram uma vez mais aos comunistas a necessidade de ligar a agitação à organização da luta. E quando a luta começa, não se conformar com os êxitos iniciais e sim apoiara-se nestes para conduzir a luta a um grau superior, valorizando-se justamente a situação e a disposição das massas para a luta e não se subestimando a força e a influência do Partido.

Em segundo lugar, essas lutas expressam a radicalização e o desejo de luta das massas operárias e populares que se mostraram em um nível superior a de seus velhos dirigentes. Se se excetuar os comunistas, todos os dirigentes das antigas organizações operárias anarquistas e catalanistas foram surpreendidos pelos acontecimentos da Catalunha e no decorrer destes não foram capazes de reagir e de intervir com sua própria personalidade para impulsionar e desenvolver a luta.

O terceiro ensinamento está na comprovação da instabilidade do regime e do estreitamento de sua base social, expressos na colaboração ativa com o povo e com a classe operária de industriais e comerciantes assim como da classe média, não só na Catalunha, como também em outras partes em que se verificaram movimentos de protesto.

Quarto: a constatação, na prática, da justeza da política do Partido Comunista em relação à necessidade da unidade e a possibilidade da luta contra o regime franquista, ao mesmo tempo em que se demonstrou o completo fracasso das teses anarquistas e socialistas sobre a falta de combatividade da classe operária e sobre a impossibilidade da luta.

Quinto: essas lutas revelaram uma modificação na tática da Igreja e da reação vaticanista que chegam a participar dos protestos populares e inclusive a aproveitá-los, com o objetivo de freiá-los e de atrair as massas descontentes, esforçando-se por canalizar seu descontentamento por caminhos estranhos à classe operária e em apoio a fórmulas alheias e contrárias aos interesses das massas populares.

Essas experiências têm um grande valor para o desenvolvimento das lutas futuras, já que permitirão corrigir, no decorrer da marcha e na organização das grandes lutas que hão de libertar o povo espanhol, as debilidades observadas no transcurso dos últimos acontecimentos. A luta é possível e a unidade de todas as forças democráticas e antifranquistas é também possível, como o demonstraram de maneira particular as grandes ações da classe operária e do povo catalão.

A consciência de que a luta iniciada na Catalunha é o começo da luta geral pela derrocada do franquismo penetrou profundamente no seio das massas. Em todo o país e particularmente nos centros operários fundamentais, como Astúrias, Jeah, Puertollano, Coruna e Ferrol, Reinosa e Sagunto, Almaden, Rio Tinto e zonas agrícolas de grande concentração de proletariado agrícola, aumenta o descontentamento da população e os operários levantam com agudeza cada vez maior a luta contra o franquismo.

É Insuportável a Vida dos Operários Agrícolas e dos Camponeses

SE A SITUAÇÃO da classe operaria nas zonas industriais é dura e penosa, a vida do proletariado agrícola e dos camponeses pobres é verdadeiramente insuportável. De 3.700.000 operários agrícolas existentes na Espanha, segundo as estatísticas franquistas, que não revelam toda a verdade, somente 500 mil possuem um trabalho mais ou menos seguro; os restantes, isto é, 3.200.000 operários agrícolas, só trabalham durante dois ou três meses por ano, por ocasião da semeadura, e da colheita. A dolorosa existência dessas famílias que na maior parte do ano se alimentam de raízes e plantas silvestres, se reflete na elevada mortalidade infantil e no depauperamento da juventude que em proporção considerável é declarada incapaz para o serviço militar por motivo da estreiteza do tórax e do estado de saúde deficiente.

As dificuldades e os sofrimentos dos camponeses pobres, vitimas das rapaces requisições e de um sistema opressivo de tributos e impostos, levam-nos em múltiplas ocasiões e em diferentes regiões a negar-se coletivamente, em um povoado ou numa região, a pagar os impostos e a entregar os frutos da terra. Em dezembro do ano passado, os camponeses de trinta povoações da província de Teruel se recusaram a entregar ao Serviço Nacional do Trigo as quotas compulsórias de cereais. Nesta mesma província de Teruel, onde existem em caráter permanente grupos guerrilheiros, as forças armadas obrigaram, no ano de 1947, todos os camponeses de uma determinada zona montanhosa, a abandonar suas casas e suas terras para impedir que ajudassem aos guerrilheiros. Foram incendiadas pela policia várias casas de camponeses suspeitos de ajudar as guerrilhas, assim como centenas de hectares de bosques, onde supunham que os guerrilheiros se abasteciam.

Os camponeses pobres e o proletariado agrícola não esqueceram que receberam a terra da República e hoje, inclusive em zonas camponesas que sempre foram consideradas como pontos de apoio da reação, os camponeses pobres e camadas de camponeses médios são partidários da República e o Partido Comunista conta com uma grande influência entre eles.

A Mudança do Regime na Ordem do Dia

A QUESTÃO da mudança do regime na Espanha está hoje na ordem do dia, não só entre as massas populares, como também entre a própria burguesia. Excetuando uma pequena minoria de banqueiros e grandes industriais, ligados aos trustes e às finanças internacionais, em benefício dos quais se desenvolve a política do governo franquista, todas as forças ativas do país são prejudicadas em seus interesses pela desastrosa política da camarilha do general Franco.

Sob a proteção do Estado, desenvolveu-se a agiotagem, que permitiu a uma pequena camada de privilegiados, bem conhecidos por suas ligações com os homens do regime, acumular fabulosas fortunas, realizando toda espécie de especulações e de escusos negócios. Os generais que combateram ao lado de Franco contra a República, estão à frente dos Conselhos de Administração de grandes empresas, as quais, seguindo um costume estabelecido pela monarquia, presenteiam o caudilho e sua família com ações resgatadas, razão pela qual Franco está vivamente interessado em que tais empresas sejam lucrativas, e, por isso, faz delas objeto de uma proteção particular do Estado.

O general Salcedo, membro do Estado Maior Central, dirige um truste de fabricação de calçados e açambarca os contratos de fornecimento de calçados ao exército, os quais lhe proporcionam enormes lucros. O general Mufioz Grandes, chefe, da Divisão Azul, através de dois parentes seus, tem em suas mãos o monopólio do algodão, e com ele a vida e o desenvolvimento da indústria têxtil da Catalunha. O irmão de Franco, que é embaixador em Portugal, é presidente do Conselho de Administração de uma companhia de navegação e gerente de uma dúzia de Conselhos de Administração de grandes companhias, cargos que fizeram dele, que em 1936 era homem obscuro e sem nenhuma personalidade, um dos homens mais ricos da Espanha.

A corrupção da camarilha franquista é assunto das conversações de todo o povo e o conhecimento dos escandalosos roubos dos bens do Estado, aguça de tal maneira o ódio e o descontentamento de todas as classes sociais, que o próprio governo se viu obrigado a reconhecer a existência desta corrupção, procurando, entretanto, desviar a indignação popular para os negociantes e especuladores, com a promessa de que se tomariam medidas contra os que negociavam com a fome do povo. Mas essas promessas demagógicas ficaram no papel porque Franco não pode encarcerar a si mesmo, ele que é o principal culpado, nem multar a seus parentes e amigos, verdadeiro bando de salteadores que se dedicam a pilhar a Espanha.

O Estado a que Franco Levou a Espanha

UMA idéia aproximada do estado a que o franquismo levou o país, nos é fornecida pelos seguintes dados tomados do artigo do jornalista Jorge Beral, publicado na revista norte-americana «United Nation World», no mês de julho passado, sob o título «Tall, strong is Franco's army» em que se examinam as vantagens e desvantagens da participação da Espanha no bloco Atlântico. Nesse artigo se diz o seguinte:

«O material rodante das estradas-de-ferro é tão antiquado, que sua quilometragem anual diminuiu de 48 milhões de quilômetros em 1929 para 28 milhões em 1949; a quarta parte das 2.500 locomotivas que a Espanha possui se acham constantemente imobilizadas nas oficinas de reparação. Como resultado disso, o país inteiro está ameaçado de estagnação. A produção de ferro baixou de 7,9 milhões de toneladas em 1920 para 2,5 milhões em 1950; o cobre desceu de 2,6 milhões para 160 mil toneladas no mesmo período; a produção de tecidos caiu em 40% nos últimos dez anos; das 550 mil toneladas de adubos de que a Espanha necessita, só produz 86 mil e não tem o dinheiro para comprar o restante. O resultado é que dois milhões ele hectares de superfície arável ficaram abandonados desde o final da guerra civil».

Já em princípios de 1947, o marquês de Urquijo, falecido há pouco, presidente naquela data do Banco Urquijo, uma das instituições de crédito mais importantes da Espanha, no balanço anual apresentado ao Conselho de Administração, fazia uma detalhada análise da situação geral da Espanha em sua indústria, em suas estradas de ferro e em sua economia agrícola e chegava às seguintes conclusões:

«Para colocar a Espanha ao nível de 1936, seriam precisos 450 milhões de dólares para reequipar a indústria espanhola e suas estradas-de-ferro; 139 milhões de dólares para compra de matérias primas, 187 milhões de dólares para aquisição de tratores e máquinas agrícolas, 338 milhões para alimentos e forragens, 800 milhões para reparação de estradas e 300 milhões para as forças armadas, o que faz o total de 2.214 milhões de dólares».

O marquês do Urquijo era um homem conhecedor do assunto, seus cálculos se baseavam em realidades e não em abstrações, ele não se propunha a fazer da Espanha um país industrial de primeira ordem, mas simplesmente colocar a indústria e a vida econômica da Espanha ao nível de 1936, e para isto considerava serem necessários 2.214 milhões de dólares. Está claro, portanto, mesmo para o mais leigo em economia, que nem os 60, nem os 100, nem os 500 milhões de dólares com que acenam os americanos como promessa de ajuda a Franco, não são mais que uma gota de água no oceano das necessidades econômicas da Espanha. Tanto mais que os milhões oferecidos não são para aumentar a produção agrícola destinada à população civil, nem para desenvolver a indústria destinada a satisfazer as necessidades nacionais mas para intensificar a produção de guerra, de aço, a extração de minérios estratégicos, e a construção de bases militares.

Os dólares oferecidos são para reequipar o exército franquista e colocá-lo em condições de participar da guerra a serviço dos americanos. Portanto, numa situação como a que existe atualmente na Espanha, de enfraquecimento geral da economia, de atraso industrial, de insuficiente produção agrícola e de falta de matérias primas, a preparação bélica imposta pelos americanos significa, num prazo brevíssimo, um aumento sem precedentes na miséria das massas, já que a preparação de um país para a guerra implica em restrição da produção civil, acumulação de reservas, encarecimento vertiginoso dos produtos de primeira necessidade, diminuição do nível de vida das massas e empobrecimento geral do país. Isto há de levar como conseqüência inevitável, ao aumento da crise, crise que só poderá ser resolvida pela luta revolucionária das massas.

As greves e protestos que se têm verificado na Espanha, são um sintoma eloqüente do que ocorrerá amanhã se Franco e os americanos continuarem desenvolvendo seus planos com relação à transformação da Espanha numa base estratégica e do povo espanhol numa reserva de carne de canhão do bloco Atlântico.

Essas considerações já são feitas, hoje, depois dos protestos populares e das greves gerais da Catalunha e de lugares diversos da Espanha, pelos grupos da burguesia, que, sentindo crescer a indignação das mansas, procuram freiar a explosão da cólera popular e colocam a necessidade de certas mudanças na fachada política do regime.

As Contradições Entre os Imperialistas Anglo-Americanos

AO EXAMINAR os acontecimentos desenrolados na Espanha e a situação interna, não se pode esquecer a existência das contradições e a luta pelo predomínio na Espanha entre os imperialistas ingleses e norte-americanos, contradições que tornaram a situação ainda mais complicada. Apesar de que essa luta não aparece com a mesma crueza e brutalidade que nos países do Oriente Médio, entretanto, não é menos aguda; cada passo adiante dos ianques na Espanha é um retrocesso dos ingleses, e isto, para a Inglaterra, é um problema sério não só do ponto de vista do que a Espanha significa para a Inglaterra como fonte de matérias primas para a indústria, e fornecimento de toda espécie de produtos agrícolas para o consumo interno da Inglaterra, mas também como posição chave nas rotas de seu Império.

A Inglaterra não se resigna a perder a Espanha e resiste à penetração americana na Península. Do ponto de vista de sua política de guerra, os imperialistas ingleses e seu mandatário, o governo trabalhista, estão de acordo com os americanos em servir-se da Espanha, em aproveitar os homens e as bases espanholas no desenvolvimento de sua política agressiva contra a União Soviética e os países de Democracia Popular porém os ingleses querem que sejam eles, e não os americanos, que levem ao bloco Atlântico os serviços e a força de uma Espanha reacionária, querem que sejam eles e não os americanos os que ditam sua política na Espanha. E por isso seus esforços para realçar no cenário político a figura do pretendente ao trono com sua corte de anarquistas policial-monarquizados e de socialistas demo-fascistas, dispostos a continuar e a desenvolver a política anti-comunista de Franco e dos imperialistas.

Essa luta entre os dois abutres imperialistas que se disputam o botim espanhol, explica o interesse e a repercussão favorável que em toda a imprensa inglesa e no rádio encontraram os últimos protestos das massas trabalhadoras espanholas e que se contrapõe, de maneira clara e eloqüente, ao silêncio guardado em todos esses anos, desde 1939, em torno à luta heróica e desigual do povo espanhol, inclusive quando o exército franquista era mobilizado, com aviação e artilharia, contra as unidades guerrilheiras que atuavam no Levante, em Aragon e Andaluzia. Ao longo dessas duros anos, estabeleceu-se, perfidamente, uma conspiração de silêncio em torno da resistência do povo espanhol, porque a Inglaterra procurava não se indispor com Franco, com vistas ao futuro. Agora, a propaganda inglesa realça as lutas do povo espanhol, tratando de aparecer como simpática a essas lutas e insinuando a necessidade de mudanças políticas na Espanha. Tudo isto é demasiado estúpido para que o povo espanhol são veja o que querem uns e outras e qual é o verdadeiro objetivo dos trabalhistas ingleses ao aparecer, mais ou menos em desacordo com a decisão dos Estados Unidos de estabelecer um pacto militar com Franco.

O Povo Espanhol Não Aceita a Escravidão Fascista

O POVO espanhol está decidido a conquistar a liberdade e a restabelecer a democracia na Espanha e não retrocederá em seu caminho, porque renunciar a esses sagrados objetivos seria renunciar à vida.

O pacto militar dos Estados unidos com Franco e os créditos que, em troca da soberania espanhola e da venda da Espanha os imperialistas americanos concederam e vão conceder ao governo franquista, não resolvem o problema espanhol. Não fazem mais do que adiar a solução. E como diz um velho refrão: «ri melhor quem ri por ultimo», o povo espanhol, como o demonstrou em sua guerra libertadora de 1936 a 1939 contra a agressão fascista, não é um povo que aceita resignadamente ser marcado com o ferro da escravidão fascista. As melhores páginas de sua história estão ainda por escrever. Pois, Catalunha, como diziam os trabalhadores referindo-se ao protesto popular, não é mais do que o começo.

A idéia de que ê possível a derrubada do franquismo pela ação das próprias forças internas apoiadas no desenvolvimento do campo da democracia e da paz, e com a simpatia ativa dessas forças, ganha terreno entre as massas, e estimula a combatividade e a iniciativa destas. Independentemente dos resultados imediatos obtidos nessas lutas, pode-se afirmar que elas iniciam uma nova etapa na luta do povo espanhol pela sua libertação, etapa que não cessará até que o regime franquista seja destruído.

Mas seria um grave erro considerar que a derrocada do franquismo será fácil e que possa realizar-se na situação de divisão em que se encontram as forças republicanas, sem uma coordenação de esforços com os grupos e forças de oposição, civis e militares, não republicanos, que existem e se desenvolvem no interior do país.

Formar a Frente Nacional de Todas as Forças Anti-Franquistas

O PARTIDO Comunista propôs a formação de uma Frente Republicana e Democrática para a luta pela República. Independentemente de que o Partido Comunista considerasse essa Frente Republicana e Democrática, não como um objetivo em si mesmo, mas como o primeiro passo na unificação das forças de oposição ao franquismo, os acontecimentos demonstram que se deve ir rapidamente mais longe, que se deve chegar à formação de uma Frente Nacional com todas as forças antifranquistas, que se deve alcançar um compromisso com todas as forças dispostas à luta contra o franquismo, pela paz e a salvação da Espanha.

Acima de todas as diferenças e de todos os critérios e interesses diversos, o objetivo fundamental de todas as forças antifranquistas deve ser acabar com o franquismo, defender a paz, impedir que a Espanha seja arrastada à guerra a serviço e em benefício dos imperialistas ianques.

Influenciadas pela persistente propaganda anti-comunista, muitas forças conservadoras que estão interessadas na derrubada do franquismo não atuam eficazmente como poderiam fazê-lo, obcecadas pelo fantasma comunista que Franco e os imperialistas agitam sem cessar diante de seus olhos.

Quando, em 1942, o Partido Comunista propôs a formação da União Nacional de todas as forças antifranquistas independentemente de sua condição social de suas idéias políticas e religiosas, para a salvação da Espanha, não lançava ao vento uma palavra de ordem sem base e sem conteúdo. O Partido Comunista estava e está firmemente decidido a terminar com os sofrimentos de nosso país e a impedir que a Espanha seja lançada a uma guerra suicida e está disposto, portanto, a todos os sacrifícios para consegui-lo.

A. condição prévia para defender a vida da Espanha é terminar com o regime franquista, e quando uma força política se propõe a derrubar um governo, governo que é a expressão de um sistema econômico e político determinado, deve pensar em como pode ser substituído esse governo.

Governo Provisório Revolucionário

NAS CONDIÇÕES atuais da Espanha, o Partido Comunista não coloca a conquista do poder e o estabelecimento da ditadura do proletariado, mas o estabelecimento de um regime democrático que restitua ao povo as liberdades democráticas que desfrutava com a República. E isto só pode fazê-lo um governo provisório revolucionário surgido da luta das massas contra o franquismo.

Esse governo deve ser um governo antifranquista, democrático, cuja função principal há de ser o restabelecimento imediato das liberdades democráticas e a convocação de um plebiscito popular para que o povo decida livre e democraticamente qual é o regime que deve ser estabelecido na Espanha. Esta é a saída que os comunistas vêem para a situação atual e consideram que é a única que pode impedir a catástrofe a que conduz a Espanha o presente regime.

As lutas e os protestos da Catalunha abriram uma nova etapa no caminho do povo espanhol para a sua libertação; nem os dólares americanos, nem as manobras inglesas e vaticanistas poderão impedir que o povo espanhol leve até o fim a luta começada em Barcelona. A proteção dispensada a Franco pelos imperialistas ianques fará com que essa luta seja mais dura, mais penosa, mais complexa, porém o povo está disposto a conquistar sua liberdade e não recuará.

Na luta de cada dia tempera sua força e começa a compreender que unindo suas forças é mais forte do que Franco e sua camarilha de tubarões e vende-pátrias.

E o povo sabe, além disso, que não está só. Junto a ele, acompanhando-o com sua simpatia e seu apoio moral, está o invencível campo da paz, encabeçado pela grande União Soviética e o paladino da paz e da independência dos povos, o camarada Stálin, que deseja ver o povo espanhol livre e feliz participando da grande família dos povos democráticos e amantes da paz numa Espanha progressista, independente e democrática.


«A gravidade do momento que atravessamos exige de todos os patriotas e democratas, de todas as pessoas honestas que compreendem a necessidade de lutar pela manutenção da paz, não poupar esforços para que seja vitoriosamente realizada a campanha por cinco milhões de assinaturas a favor de um Pacto de Paz. Mas é fundamentalmente aos comunistas, às organizações do Partido e a cada militante individualmente, que cabe o principal papel nessa campanha e a maior responsabilidade pela realização vitoriosa de seus objetivos».
LUIZ CARLOS PRESTES

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Inclusão 02/05/2010