Algumas Questões Relacionadas com a Agitação e a Propaganda
Discurso pronunciado na Conferência de Secretários de Propaganda dos Comitês Regionais do Komsomol

M. I. Kalinin

28 de Setembro de 1942


Primeira Edição: Revista “Bolchevik", (“O Bolchevique”) nºs. 17-18, de 1942.
Fonte: Editorial Vitória Ltda., Rio, 1954. Traduzido da edição em espanhol de "Ediciones em Lenguas Extranjeras” de Moscou 1949. Pág: 162-176.
Nota da Edição Original: Neste livro foram compilados discursos e artigos escolhidos de Mikhail Ivánovitch Kalínin dedicados à educação comunista, que abarcam um período de quase vinte anos. Alguns dos discursos são reproduzidos com pequenas reduções.
Transcrição e HTML:
Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.

capa

Camaradas: Não me vou referir às questões de organização do trabalho do Komsomol: este é problema vosso e vós mesmos resolvereis sobre a forma de trabalho que melhor vos convenha. Somente abordarei a questão das formas de que deve se revestir hoje a agitação e a propaganda.

Hoje encaro o Komsomol sob um aspecto algo diferente do anterior. Antes da guerra, eu via no Komsomol uma juventude ainda não madura, que gostava de passear e divertir-se e não muito disposta a cansar a cabeça com problemas intrincados, uma juventude que deve desenvolver-se e fortalecer-se fisicamente para se converter em homens maduros no tempo devido, distanciando-se o mais possível da velhice.

Mas estalou a guerra. E hoje, esta claro, os komsomóis — o não só eles, mas todas as pessoas — adquirem experiência da vida com muito maior rapidez. Por isso, se compararmos nosso Komsomol com a Juventude Comunista de outros países, resultará, naturalmente, que nossos membros do Komsomol são muito mais maduros, e isso os toma maiores de idade. Com efeito, hoje em dia nossos jovens de dezessete anos já devem preparar-se para ingressar no exército. Falo apenas da preparação. Quando forem chamados às fileiras, a questão já será outra; mas já pensam em seu ingresso nas fileiras do Exército Vermelho.

E o meio ambiente? É sabido que a agitação deve adaptar-se às condições circundantes. Hoje em dia o Komsomol constitui em nosso país, particularmente no campo, uma organização social muito poderosa. É claro que, hoje, o Komsomol toma uma parte muito mais ativa na vida social, política, econômica e cultural do país, participa em massa — e isso é fundamental na guerra e, naturalmente, no trabalho de agitação e propaganda. E não é só entre a juventude que deve realizar todo esses trabalho, mas também entre o resto da população. Já vedes que a importância política do Komsomol é hoje superior à de antes da guerra. Por isso, o Komsomol deve realizar um vasto trabalho de agitação e propaganda e dominar melhor as formas desse trabalho.

Cada momento histórico exige uma forma peculiar de agitação e propaganda. É indubitável que atualmente nossas formas de agitação não podem ser idênticas às de dois anos atrás, por exemplo. E é natural. Se hoje nos apresentássemos diante das massas com as mesmas formas de agitação e propaganda que usávamos antes, estas resultariam pouco eficazes, não produziriam entre a população a mesma impressão que causavam antes da guerra. Por exemplo, se há dois anos atrás nos apresentássemos numa reunião de kolkhozianos duma grande aldeia e pronunciássemos um discurso saturado de piadas, anedotas ou frases pomposas, é possível que nos tivessem recebido com agrado; o povo teria rido, nos aplaudiria e ficaria contente. Acaso, hoje podemos pronunciar um discurso dessa natureza? É claro que não. Hoje o povo passa grandes dificuldades; são muitos os que perderam seus entes queridos; hoje a população realiza um trabalho muito grande e muito duro e em troca a satisfação de suas necessidades está muito limitada. A vida tornou-se rigorosa. As pessoas se tornaram mais concentradas, mais pensativas. Por conseguinte, a agitação e a propaganda devem estar em consonância com a situação reinante e com o estado de ânimo do povo.

Mas, quais devem ser as formas de agitação e propaganda e em que fontes poderiam buscá-las os dirigentes do Komsomol encarregados deste trabalho? Onde procurá-las? Com que exemplos aprender?

Devo dizer que em nossa imprensa ainda não são abundantes as novas formas de agitação e propaganda: apenas começa a exteriorizá-las em proporção crescente. Mas, onde se pode aprender melhor do que na imprensa, na qual colaboram as pessoas mais qualificadas? Entende-se que, atualmente, o melhor material para os agitadores é constituído pelas crônicas de guerra. E é natural, pois hoje não se vive fora da guerra. De uma ou de outra forma, todos os sentimentos da população estão relacionados com a guerra, com seus êxitos e reveses. Por isso, também vós, os dirigentes da propaganda entre a juventude, deveis buscar nessas fontes a inspiração principal de vosso trabalho de agitação e propaganda.

Existem essas possibilidades, existem modelos que poderiam ser aproveitados no trabalho de agitação?

Penso que existem, embora não sejam muitos. Mas, cada dia que passa, aparecem na imprensa em número crescente os bons artigos dos quais já se pode extrair material de propaganda, que podem ser imitados em certo grau e na leitura dos quais se pode aprender. Subentende-se que quando digo imitar, não me refiro a uma imitação mecânica: esses é um procedimento pouco eficaz; é preciso fazê-lo reelaborando o material de acordo com as condições locais, com determinada camada da população, com o caráter do auditório ante o qual tendes que intervir.

Acho que os artigos de Tíkhonov e Símonov, por exemplo, são boas crônicas de guerra; as publicações de guerra constituem um bom material para os agitadores. Todos vós quereis vir a Moscou para receber ajuda e indicações de como levar a cabo o trabalho de agitação. Mas é difícil dar indicações para isto; ademais, como é possível transmitir e assinalar as formas de agitação? Cada qual faz a agitação a seu modo. Julgo que a imprensa é a fonte principal onde se pode aprender a forma de levar a cabo a agitação e a propaganda. Não me refiro aos artigos oficiais, que são os que determinam o conteúdo e a linha política geral da propaganda e esboçam o conjunto dos problemas que se erguem perante nós; somente assinalarei as novas formas que aparecem em nossa imprensa.

Não sei se lestes o último artigo de Símonov, “Dias e noites”. Devo dizer-vos que está bem feito. Em geral, seus artigos apresentam um quadro real dos combates. No artigo a que me refiro, todas as proporções e medidas foram observadas. Está escrito com sobriedade. À primeira vista produz a impressão de uma simples crônica, mas, na realidade, é a obra de um artista, um quadro inesquecível por muito tempo.

É preciso reconhecer que Símonov foi o primeiro a descrever a luta dos operários de Stalingrado, particularmente a dos operários da fábrica de tratores, fato de grande importância social e política. Cito suas palavras:

“Na cidade não existem agora simples habitantes; só restam defensores. E suceda o que suceder, qualquer que seja o número de máquinas que tenha sido evacuado das fábricas, as oficinas continuam sendo oficinas; e os velhos operários, que entregaram à fábrica os melhores anos de sua viada, continuam cuidando até às últimas possibilidades humanas dessas oficinas, nas quais todos os vidros saltaram aos pedaços, em que ainda se sente o cheiro da fumaça dos incêndios recém-apagados.

Não assinalamos tudo aqui — diz o diretor, indicando um encerado com a cabeça. E começa a contar-nos que faz alguns dias os tanques alemães abriram uma brecha num setor da linha defensiva e se lançaram contra a fábrica. A notícia chegou às oficinas. Era preciso empreender algo com urgência antes que anoitecesse, para ajudar os soldados a fechar aquela brecha. O diretor mandou chamar ó chefe da oficina de reparações e ordenou que fosse terminada quanto antes a reparação de uns tanques que já estavam quase prontos. Os operários que souberam reparar os tanques com suas próprias mãos, souberam também, naquele momento de perigo, montar neles e converter-se em tanquistas.

Ali mesmo, no pátio da fábrica, com uns voluntários das milícias populares — operários e inspetores — formaram-se várias tripulações. Montaram nos tanques e depois de encher com seu estrépito o pátio deserto, lançaram-se através do portão da fábrica diretamente ao combate. Foram os primeiros que interceptaram o caminho aos alemães, que tinham aberto passagem perto da ponte de pedra dum pequeno riacho. Um enorme barranco — que os tanques só podiam transpor atravessando a ponte — os separava dos alemães. E foi precisamente naquela ponte que a coluna de tanques alemães se encontrou com os tanquistas da fábrica.

Travou-se intenso duelo de artilharia. Enquanto isso, os infantes alemães, armados de fuzis automáticos, começaram a cruzar o barranco. Então, a fábrica opôs sua própria infantaria à infantaria alemã: atrás dos tanques soviéticos apareceram no barranco dois destacamentos de milicianos, um deles comandado por Kostiutchenko, o chefe da milícia local, e pelo professor Pástchenko, decano da cátedra do Instituto de Mecânica, e o outro sob o comando de Popov, chefe da oficina de ferramentas e do velho fundidor Krivúlin. O combate foi travado nos abruptos declives do barranco, transformando-se com frequência em luta corpo a corpo. Naquele encontro sucumbiram os velhos operários da fábrica, Kondrátiev, Ivanov, Volódin, Símonov, Mómotov, Fomin e outros, cujos nomes, agora, estão na boca de todos na fábrica.

Naquele dia, transformaram-se os arredores do bairro operário. Nas ruas que davam para o barranco apareceram barricadas. Para levantá-las, empregou-se tudo que havia à mão: ferro de caldeiras, chapas de blindagem, armações de tanques desmontados. Como na guerra civil, as mulheres levavam cartuchos a seus maridos e as moças se dirigiam das oficinas diretamente para as linhas de fogo e, depois de fazer o primeiro curativo nos feridos, os levavam para a retaguarda. Foram muitos os que morreram naquele dia, mas por esses preço, os operários milicianos e os soldados conseguiram deter os alemães até à noite, quando novas unidades chegaram à brecha”.

Por acaso, não é bom este quadro verídico dos combates em defesa de Stalingrado?

“Os pátios da fábrica estão desertos. O vento assobia ao passar pelas janelas quebradas. Quando alguma granada de morteiro estoura nas vizinhanças, por todas as partes voam sobre o asfalto pedaços de vidro partido. Mas a fábrica continua lutando, como toda a cidade. E se alguém pudesse acostumar-se às bombas, às granadas, às balas e, em geral, ao perigo, diríamos que aqui se habituaram a ele, e se acostumaram como ninguém em parte alguma chegou a acostumar-se”.

Nesse mesmo artigo o camarada Símonov mostra os sentimentos experimentados pelo povo. Eis um episódio do qual é protagonista uma moça enfermeira, oriunda de Dniepropetrovsk. que acompanha através do Volga os transportes de feridos.

“A meu lado, na borda da balsa, ia sentada uma praticante de uns vinte anos, uma jovem ucraniana chamada Stchepenha, com o singular nome de Vitória. Era a quarta ou quinta vez que realizava a travessia para Stalingrado...

A balsa já se aproximava da margem.

— E não obstante, sinto um pouco de temor toda vez, ao desembarcar — disse logo Vitória. Já me feriram duas vezes, uma delas muito gravemente, e apesar de tudo não acreditei que pudesse morrer porque, apenas comecei a viver e não conheço nada da vida. Como podia morrer assim, de repente?

Naquele instante a moça tinha os olhos grandes e tristes. Compreendi que o que dizia era verdade: aos vinte anos é terrível ter sido ferida duas vezes, já ter passado quinze meses combatendo e voltar a Stalingrado pela quinta vez. Era tanto o que a esperava no futuro: toda uma vida, todo o amor, talvez o primeiro beijo, quem sabe! E eis aqui a noite, um incessante estrondo; face a face, a cidade em chamas e uma jovem de vinte anos que para lá se dirige pela quinta vez. E é preciso fazê-lo, apesar do temor que sente. E dentro duns quinze minutos passará entre as casas em chamas, e em alguma das ruas dos subúrbios, entre as ruínas, sob o assobio da metralha, recolherá os feridos e os conduzirá à outra margem; e se conseguir chegar, regressará à cidade pela sexta vez”.

O autor podia ter descrito uma jovem valente, que desconhece o medo e as vacilações, como costuma fazer-se entre nós. Mas ele preferiu fazer-nos ver os sentimentos humanos, as emoções humanas. Este quadro é um material magnífico para os agitadores e propagandistas.

Convém assinalar a forma como se apresenta neste artigo a questão da glória e do heroísmo. Faço-o para comparar com o modo de ser abordado este problema por outros correspondentes.

Símonov escreve:

“Se, aqui (em Stalingrado) é difícil viver, é ainda mais impossível viver na inatividade. Mas viver combatendo, viver matando alemães isso, sim, é possível; é assim que é preciso viver aqui e assim viveremos, defendendo a cidade, entre chamas, fumo e sangue. E se a morte pende sobre nossas cabeças, a glória, em compensação, está ao nosso lado, converteu-se em nossa irmã entre estas ruínas e o soluço dos meninos órfãos”.

Os agitadores e propagandistas devem buscar a seiva vivificante da palavra e do pensamento russos e levá-la ao povo.

É interessante e instrutiva a descrição dum combatente de nosso exército que luta nas ruas de Stalingrado. Piotr Boloto, um dos quatro que cortaram a passagem de trinta tanques e que com seus fuzis antitanque puseram fora de combate quinze deles.

“... lembrando-se do combate em que avariaram os quinze tanques... sorri logo e diz:

— Quando me vinha em cima o primeiro tanque, juro-lhe que pensei que tinha chegado o meu fim. Depois, o tanque se aproximou e começou a arder e comprovou-se que tinha chegado o fim dele e não o meu. E, diga-se de passagem, devo confessar-lhe que durante aquele combate enrolei e fumei cinco cigarros. Bem, não vou mentir, talvez não os tivesse fumado inteiros, mas o certo é que enrolei cinco cigarros. Assim costumam ser as coisas durante o combate: quando o tempo permite, a gente deixa o fuzil de um lado e se põe a fumar. Durante o combate pode-se fumar, o que não se pode fazer é falhar na pontaria, porque se falhares uma vez, já não terás mais oportunidade de fumar. Assim são as coisas!...

Piotr Boloto esboça um largo e sereno sorriso de homem seguro de ter interpretado como deve sua vida de soldado, essa vida em que, às vezes, se pode descansar e fumar um cigarro, mas na qual não se pode falhar”.

Existe nisso material para o propagandista e o agitador? Creio que há um material abundante. Basta apenas, lê-lo, meditar sobre ele e transmiti-lo habilmente ao auditório. Entende-se que os correspondentes nem sempre conseguem escrever bons artigos; predominam as crônicas do tipo “Nas margens do Têrek”. Em nossos jornais aparecem com frequência artigos do seguinte teor:

“Ao entardecer, quando o combate amainava, quando centenas de cadáveres alemães ficaram estendidos no vale, quando terminavam de consumir-se os tanques alemães incendiados e o inimigo retirava para a retaguarda seus canhões de campanha, todos souberam... que durante o combate o sargento Rakhalsk, com sua metralhadora convenientemente camuflada, abriu um fogo mortífero contra as colunas alemãs que avançavam e aniquilou cinquenta homens. Honra e glória ao sargento Rakhalsk.

Todos souberam que o sargento Tupotchenko, desprezando a morte, arrebatou aos fascistas quatro companheiros feridos e os tirou do campo de batalha. Honra e glória ao sargento Tupotchenko!

Todos souberam que num encontro corpo-a-corpo, o soldado Jhienko matou seis alemães. Honra e glória ao soldado Jienko!”

Aqui está uma forma de escrever completamente diferente. Eu não recomendaria imitá-la. O autor, como um ricaço que se diverte, reparte honras e glória a torto e a direito. (Risos.) Isto é uma desconsideração para com os homens que demonstraram verdadeiro heroísmo, é uma desconsideração para com os leitores, pois o menos que o autor faz é descrever aqueles homens. Enumera, guiando-se pelas folhas de serviço, o que fizeram os combatentes, acrescentando duas palavras: “honra e glória”. A propósito de que vêm essas exclamações de “honra e glória, honra e glória”? Com a glória não se deve brincar. O soldado que faz fogo com seu fuzil ou com sua metralhadora, rechaça os alemães e os aniquila, não faz mais do que cumprir com seu dever como qualquer outro em situação de combate.

O Bureau de Informação Soviético — órgão do Governo ao assinalar o comportamento heroico destes oú daqueles soldados e oficiais, não prodigaliza honras e glórias, como costumam fazer alguns correspondentes. Parece-me que estes não atribuem a devida importância ao sentido das palavras do idioma russo. Não compreendem que a glória não é distribuída, mas que a glória se conquista. Já faz dois meses que Stalingrado, cidade enorme, de grandes tradições militares de significação histórica, em dura luta contém as hordas inimigas, causando-lhes perdas de tal natureza que, de fato, estabilizaram as demais frentes.

Ali, o heroico é o pão de cada dia. E isto deve ser descrito com fatos, sem retórica nem frases altissonantes. Nossos soldados não necessitam dos elogios de um repórter; para eles o melhor elogio é a descrição verídica dos seus atos.

No trabalho de agitação e propaganda é preciso evitar por todos os meios as estridências. Não é o momento de se aparecer perante o público com discursos ruidosos, com artifícios retóricos e uma dialética doutorai. Agora o povo não está para isso. Nestes momentos, se alguém se apresentasse numa assembleia operária ou numa reunião de kolkhozianos e começasse a pronunciar um discurso ribombante ou a dar lições ao povo, este diria: “A propósito de que vem ensinar-nos?” Hoje em dia é preciso explicar com clareza e paciência o que ocorre na vida, descrever com palavras verazes as dificuldades experimentadas pelo povo.

Se pronunciais discursos de agitação e propaganda isentos de atavios, de artifícios retóricos, lições e preceitos — compreendo, naturalmente, que isto costuma ser difícil — estou certo de que vosso trabalho de agitação e propaganda será muito mais eficaz.

Os artigos de Ehrenburg ocupam um lugar especial em nossa literatura de agitação. Acho que se pode aprender muito com ele e que em seus artigos há muito o que aproveitar para o trabalho de agitação.

Como devem ser considerados os artigos de Ehrenburg? Ehrenburg sustenta uma luta corpo a corpo com os alemães, assesta golpes a torto e a direito. Ataca com fúria e golpeia os alemães com tudo o que lhe está ao alcance da mão: dispara contra eles com seu fuzil e quando acaba os cartuchos, ataca-os a coronhaços, golpeando-os na cabeça e onde pode. Nisto reside o principal mérito militar do autor.

Pode o propagandista e agitador extrair um bom material de seus artigos? Indubitàvelmente. É claro que não se deve cornar um artigo isolado, mas três, quatro ou cinco fatos, analisá-los e aproveitá-los, de acordo com circunstâncias concretas. Não se deve copiar unicamente o que está escrito; todo o material deve ser primeiramente meditado e assimilado.

Em nossa imprensa, como podeis ver, existem, apesar de tudo, numerosos materiais. Publicou-se uma série de artigos bastante bons sobre a guerra, particularmente em “Krásnaia Zviezdá”, que podem ser muito bem aproveitados. Estão bem escritos e podem servir de material apropriado para o agitador e propagandista, principalmente para o Komsomol.

O que eu desejaria recomendar-vos é que em vosso trabalho de agitação e propaganda eviteis as palavras rebuscadas. Existem entre nós alguns aficionados em recorrer a elas. Por exemplo, na imprensa encontramos com frequência a expressão “um atirador super-certeiro”. Pessoas que dominam perfeitamente o russo fizeram-me a seguinte pergunta: “Diga-nos, como atira esses homem: por cima do alvo ou de que maneira?” É claro que a pergunta tinha bastante malícia. Alguém empregou essa frase rebuscada que depois começou a passear pelas páginas dos jornais. Mas essa palavra não tem um sentido concreto. Se chamássemos de atirador supercerteiro a um caçador que costuma abater muitos animais, ele se poria a rir. Em realidade, que pode significar esses “supercerteiro”? Acaso significa que esses atirador cumpre algo, superando o plano, ultrapassando os 100%? Deveis ter presente que ao dizê-lo se perde a noção da medida no que se refere à pontaria. Essa expressão, além de ser desacertada do ponto de vista do idioma, o é também na sua essência. Seu emprego, inclusive, é prejudicial ao nosso trabalho. Por que? A razão é muito simples. Suponhamos que o atirador supercerteiro acerta cem vezes em cem impactos possíveis (compreende-se que ultrapassar essa porcentagem é impossível); então o homem que faz 80 ou 90 impactos seria um atirador certeiro, o de 70 impactos, um bom atirador, e o de 60, regular. Eis ao que isto conduz! E tudo porque a gente não atribui importância ao sentido das palavras. O emprêgo de têrmos tais como “supercerteiro” não mostra mais do que um afã de rebuscamento que, no final de contas, conduz ao absurdo. Os agitadores e propagandistas devem evitar o emprêgo de palavras rebuscadas. Elas não servem para nada!

Freqüentemente, podemos encontrar casos de petulância nos tópicos jornalísticos. Não faz muito li num jornal a descrição dum episódio de guerra, onde se contava como o tenente X, chefe duma companhia, dirigiu um ataque dentro das possibilidades de sua unidade e se apoderou dum lugar povoado. Depois de narrar todas as fases do combate, o correspondènté acrescenta que o tenente se tinha apossado da localidade no estilo de Suvórov. É admissível, no caso presente, essa expressão? Sim, naturalmente; mas não obstante, a expressão “no estilo de Suvórov” deve empregar-se com sumo cuidado. Se nos pusermos a aplicá-la a toda ação bélica relativamente pequena, levada a cabo por uma seção ou uma companhia, lhe tiraríamos importância. Resulta que a atuação de Suvórov — grande capitão, que se cobriu de glória numa série de campanhas brilhantemente realizadas — é comparada pelo correspondente com uma ação que, embora importante, é relativamente limitada. Devemos elevar os tenentes ao nível de Suvórov, mas não atribuir-lhes, sem mais aquela, o “estilo suvoroviano” por uma só ação acertada. Aparentemente temos aí uma frase leve, simples e boa: “No estilo de Suvórov”, mas duvido de que os ouvintes fiquem satisfeitos. É preciso que as palavras sejam eficazes, que as expressões e a apreciação do comportamento dos homens sejam mais modestas, que as pessoas a quem vos dirigis sintam que as palavras não são sugeridas por um estado de ânimo passageiro, porém que foram meditadas uma por uma.

Quero chamar vossa atenção para outra expressão empregada com bastante frequência nas crônicas de guerra. Em virtude de encontrá-la quase diariamente, ela pode gravar-se profundamente em nossa memória. E não obstante, tampouco é muito feliz e costuma induzir a confusões. Dizem os correspondentes: “tal unidade não retrocedeu nem um só passo”. Repetida várias vezes, a frase alçou voo. Mas ao mesmo tempo a gente lê uma crônica da frente na qual se diz que tal ou qual unidade conservou suas posições e então pensa: aqui não diz que não tenha retrocedido um só passo; será que, apesar de tudo retrocedeu? (Risos). Pois bem, camaradas, quando se fala ou se escreve, sobretudo quando se escreve, não se deve pensar somente como nós mesmos entendemos tal ou qual acontecimento, também se deve pensar em como o entenderão os demais. Por outro lado, o apelo “Nem um só passo atrás!” tem um profundo sentido, já que precisamente o primeiro passo de retrocesso é o mais perigoso, pois lhe sucede inevitavelmente a retirada.

A palavra não deve ser manejada de qualquer maneira. O descuido nas expressões não fará mais do que tirar influência aos agitadores e propagandistas.

O que foi dito acima se refere à propaganda no exército. Mas como marcham a agitação e a propaganda na retaguarda?

No mesmo número de “Krásnaia Zviezdá” em que se publicou o artigo de Símonov á que acabo de me referir, aparece também um artigo de K. Finn: “As mulheres da cidade de Ivánovo”. Devo dizer-vos que todos nós estamos hoje tão absorvidos pelas ideias e as emoções ligadas à guerra que nem sempre lemos os artigos em que se descreve a vida e o trabalho na retaguarda. Mas este é um bom artigo. Naturalmente, como acontece em toda a nossa vida, nele a retaguarda e a frente aparecem entrelaçadas. O autor relata seu encontro, num jardim, com uma mulher de uns trinta anos, que lhe conta sua dor, a forma como a recebeu e como suporta sua desgraça.

“— Ontem recebi a notícia. Mataram meu marido na frente. A carta chegou pela tarde. Eu acabava de voltar do trabalho...”

Já tinham doze anos de casados e haviam vivido entranhadamente unidos. Não tinham filhos.

E era para fim um marido e um filho. Eu o amava com um carinho especial. Se você soubesse como...

Não pôde pronunciar a palavra “era”. E assim, evitando esta palavra, temendo-a e temendo ao mesmo tempo falar do marido como de uma pessoa viva, de modo confuso, com frases entrecortadas, como exclamações, mas sem lágrima, contou-me que ao receber a carta perdeu os sentidos. Quando voltou a si, saiu correndo da casa. Para onde? Não sabia. Andou vagando pelas escuras ruas de Ivánovo, pela cidade onde tinha nascido, onde conhecia cada pedra, cada casa Reinava a escuridão, mas ela soube encontrar todos os lugares em que havia estado com seu marido. Recordou o que lhe tinha dito ele, ali, na esquina da rua Socialista, ou aqui, num banco da praça do Teatro Municipal. E imaginava por um instante que não tinha acontecido nada, que não havia guerra, que seu Vássia vivia e estava a seu lado. Mas logo a dor tornava a invadi-la.

Hoje fui trabalhar. Eu atendo uma máquina retorcedora. Temia não poder ir, que me faltassem as fôrças para ocupar meu posto. Mas me dominei. Convenci-me a mim mesma: “Vai ao trabalho, Marússia. Por ele, pelo teu Vássia. Ele aprovará”. E hoje, enquanto trabalhava, parecia-me que ele, o meu amado, estava a meu lado. Minhas amigas me observavam sem revelar seus sentimentos, mas às escondidas de mim choravam em silêncio. Agora volto do trabalho. E imagine que me dá medo passar pelos lugares onde costumava passar com Vássia”.

Ou então este outro relato do mesmo autor, no qual descreve como nasceu a amizade entre os servidores de uma bateria e umas moças do Komsomol de Ivánovo:

“Dússia Lébedeva tinha feito, com outras companheiras de trabalho, uma viagem à frente, levando presentes para os soldados e oficiais. Ali teve ocasião de visitar uma bateria.

Servem nessa bateria uns rapazes guapos e ágeis. E como atuam bem! Em nossa presença destruíram uma cozinha de campanha alemã e com ela doze fritzes. “Isto é para você, Dússia — disseram-me os artilheiros — um bom presente por motivo de sua chegada”. O que miais me surpreendeu ali foi a limpeza: seus canhões refulgiam como se tivessem sido lustrados. Em geral, observava-se que na bateria reinava uma ordem exemplar.

E foi então que Dússia teve a ideia de que valia a pena fazer maior intimidade com os artilheiros, relacioná-los com as moças de sua brigada, estabelecendo uma amizade cordial e sincera entre uns e outras. Mas naquele momento Dússia não se atreveu a dizê-lo aos artilheiros. E quando voltou a Ivánovo, depois de consultar as companheiras, decidiu-se a escrever uma carta aos servidores daquela bateria, propondo-lhes a emulação: “Esmaguem vocês os fritzes e nós superaremos nosso plano de produção”.

Não vos parece que o artigo citado está escrito com veracidade? Por conseguinte, está bem escrito. Cabe a vós saber aproveitá-lo com o mesmo acerto. É um verdadeiro achado para um propagandista.

Outro exemplo: o autor descreve como essas mesmas moças começaram a corresponder-se com uns artilheiros que não recebiam cartas de ninguém. Um propagandista não deve passar ao largo de um fato como este, de tanta importância em tempo de guerra:

“Um dia, o camarada Máltsev, novo comissário da bateria, escreveu para as garotas. Eis aqui o final da carta: “Ah, sim, um pedido mais (em segrêdo). Em minha bateria há uns soldados, bons rapazes, que não mantêm correspondência com suas casas por motivos que facilmente compreendereis. Costumam estar bastante tristes, particularmente quando chega o correio e eles não recebem carta alguma. Na realidade, é muito penoso. Peço-lhe, Dússia, que pense no que lhe digo e me envie pelo menos uns três ou quatro endereços de suas amigas. Isso me permitirá entregar a meus soldados tais endereços e livrá-los das penosas esperas. Suplico-lhe que não o interprete como um atrevimento e sim como um pedido para o bem da causa comum. E quanto ao rumo que tome esta correspondência, os soldados o decidirão por si mesmos”.

Dússia enviou os endereços. Estabeleceu-se o intercâmbio de cartas. E agora quando chega o correio à “nossa bateria”, não só recebem cartas os que têm parentes próximos, como também as recebem os combatentes cujas casas e aldeias foram destruídas pelo maldito inimigo. Sem dúvida também os artilheiros de “nossa bateria”, nas horas de descanso, falam nas moças do distante Ivánovo e as chamam de “nossas garotas”.

Em seguida relata o autor outros episódios da vida das operárias de Ivánovo. Descreve sua vida e seu trabalho de modo concreto, verídico, e se percebe que nos oferece um pedaço da vida real. Não destaca nada intencionalmente, tudo parece natural. É um artigo muito útil para o propagandista e, particularmente, pará o agitador. Vós me considerais um agitador experiente. Eu não me tenho nessa conta (risos), mas não poderei dar-vos tanto como esses artigos, sempre que os abordeis e analiseis com toda a serenidade.

Tais artigos e tudo o que aparece de novo em nossa imprensa — o novo e valioso no meu modo de ver — e que sugere formas de agitação mais eficazes para os momentos atuais, publica-se melhor na imprensa militar. Ao que parece, esta imprensa está mais próxima das emoções relacionadas com a frente.

É isto, camaradas, tudo o que eu queria dizer-vos.

Como poderíamos resumir, portanto, nossa palestra? Creio que podemos fazê-lo do seguinte modo: nossa imprensa proporciona material suficiente; é preciso apenas aproveitá-lo com habilidade. Temos autores de talento. Eu me referi só aos artigos aparecidos nos últimos dias. Não falei da obra “A Frente”, de Korneitchuk, que tem grande importância e orienta em muitas questões, trazendo um material digno de ser analisado. É muito rigorosa a hora em que vivemos. Como já vos disse, nosso povo cumpre um enorme trabalho que absorve todas as suas energias. Ao mesmo tempo, o nível de vida baixou, as condições de existência pioraram. Nosso povo é tão heroico, tão valente e firme que não há necessidade de criar nada artificialmente, nem de exagerar na propaganda; basta tomar o material oferecido pela vida do povo e do exército e falar com plena consciência das dificuldades que suporta o povo e da necessidade absoluta de derrotar o inimigo custe o que custar. Asseguro-vos que se falar-des ao povo aproveitando tais materiais, esses método de agitação será o mais eficaz e o que maior influência exercerá. (Aplausos.)


Inclusão 17/11/2012