Nas prisões russas e francesas

Piotr Kropotkin


Capítulo 3

A Fortaleza de São Pedro e São Paulo


Nenhuma autocracia pode ser imaginada sem a sua Torre ou a sua Bastilha. A Autocracia de São Petersburgo não foge à regra e tem sua Bastilha na Fortaleza Petropavlovskaya. Essa fortaleza, ao contrário da Bastilha de Paris, não tem nada particularmente sombrio em seu aspecto externo, nada impressionante. Os seus baixos baluartes graníticos voltados para o Neva têm um aspecto moderno; contém a Casa da Moeda, uma catedral onde os imperadores e suas famílias estão enterrados, vários edifícios ocupados por engenheiros e militares, extensos arsenais no novo Cronwerk, no Norte; e o tráfego normal da rua passa por ela durante o dia.

Mas uma sensação de horror é sentida pelos habitantes de São Petersburgo ao perceberem, do outro lado do Neva, em frente ao palácio imperial, os bastiões cinzentos da fortaleza. Sombrios são os pensamentos de quem a vê, como o vento do norte traz, através do rio, o som dissonante dos sinos da fortaleza, que a cada hora tocam sua melodia melancólica. A tradição associa a visão e o nome da fortaleza a sofrimentos e opressões. Milhares - não, dezenas de milhares de pessoas, principalmente pequenos russos, morreram ali, enquanto lançavam as fundações dos bastiões na ilha baixa e pantanosa de Jani-saari. Nenhuma lembrança de defesa gloriosa está associada a ela; nada além de memórias de sofrimento indiciado aos inimigos da Autocracia.

Foi lá que Pedro I torturou e mutilou os inimigos do domínio imperial que tentou impor à Rússia. Ordenou-se a morte de seu filho Alexis - se ele não o matasse com as próprias mãos, como dizem alguns historiadores. Também lá, durante o reinado das imperatrizes, os cortesãos onipotentes enviaram seus rivais pessoais, deixando em aberto a questão em tantas famílias se seus parentes haviam sido afogados no Neva ou permaneceram enterrados vivos em algum porão de pedra. Lá os heróis da primeira e única tentativa de revolução em São Petersburgo, os dezembristas, foram confinados; alguns deles, como Batenkoff, permaneceram lá por doze anos inteiros. Lá Karakozoff foi torturado e enforcado - quase um cadáver, quase sem sinais de vida quando foi levado ao cadafalso. E desde aquela época toda uma geração de homens e mulheres, inspirados pelo amor por seu povo oprimido, e com ideias de liberdade filtradas do Ocidente; ou nutridos por velhas tradições populares, ali foram detidos, alguns deles desaparecendo para sempre dentro da fortaleza, outros terminando sua vida em seu talude, ou dentro de suas muralhas, na forca; enquanto centenas deixaram essas paredes mudas para transporte secreto até os confins dos desertos nevados da Sibéria – toda uma geração na qual as esperanças da Rússia literária e científica estavam ligadas – suprimidas, aniquiladas, sem propósito! Quantos ainda estão na fortaleza? Qual é a existência solitária e desanimadora que eles ainda arrastam por aí? O que será deles? Ninguém pode responder a essas perguntas, e uma espécie de medo supersticioso se liga à imensa massa de pedra sobre a qual flutua a bandeira imperial. É a Bastilha - o último reduto da autocracia.

A fortaleza cobre mais de 300 acres com seus seis baluartes e seis cortinas,(1) dois raveling,(2) e o grande cronwerk(3) de tijolo vermelho erguido por Nicholau I no Norte. Tem, dentro de seu recinto, fartura de todo tipo de acomodação para todos os tipos de prisioneiros. Ninguém, exceto o comandante do local, conhece todos eles.(4)

Há um edifício alto de três andares, que já recebeu o apelido de Universidade Imperial de São Petersburgo, porque centenas de estudantes marcharam para lá, entre duas fileiras de baionetas, após os distúrbios na Universidade em 1861. Dezenas de jovens foram mantidos lá por meses antes de serem transportados para províncias mais ou menos remotas do Império e verem sua carreira científica destruída para sempre por essa medida de clemência do imperador.

Há ainda a Cortina de Catarina, voltada para o Neva, sob cujas amplas canhoneiras crescem graciosos arbustos floridos ao pé dos muros de granito, entre dois baluartes. Foi lá que Tchernyshevsky escreveu, em 1864, seu notável romance O que deve ser feito?, que agora está agitando os corações da juventude socialista da América, e na Rússia fez uma revolução nas relações dos estudantes e das mulheres que lutavam por seu direito ao conhecimento. Do fundo de uma casamata na cortina, Tchernyshevsky ensinou os jovens a ver na mulher uma camarada e uma amiga – não uma escrava doméstica – e sua lição deu seus frutos.

Também foi lá que, alguns anos depois, Dmitri Pissareff foi preso por ter assumido o mesmo nobre trabalho. Compelido a abandoná-lo na fortaleza, ele não ficou ocioso: escreveu sua notável análise da Origem das Espécies, uma das mais populares e certamente a mais atraente já escrita. Dois grandes talentos foram assim destruídos precisamente quando atingiam seu pleno crescimento. Tchernyshevsky foi enviado para a Sibéria, onde foi mantido por vinte anos, primeiro nas minas, e depois, por treze anos em Viluisk, uma aldeia de algumas casas situada nos limites da região do Ártico. Uma petição de libertação, assinada por um Congresso Literário Internacional, não produziu qualquer efeito. O Autocrata estava com tanto medo da influência que Tchernyshevsky poderia ter na Rússia que só permitiu que ele voltasse da Sibéria e se estabelecesse em Astrakhan quando não tinha mais a temer de sua nobre pena: quando o escritor estava em ruínas após uma vida de vinte anos de privações e sofrimentos entre semisselvagens. Houve um simulacro de julgamento sobre Tchernyshevsky: seus escritos, todos os quais passaram pelas mãos da Censura, seu romance escrito na fortaleza, foram apresentados como provas de culpa perante o Senado. Pissareff nem sequer foi levado perante um tribunal: ele foi apenas mantido na fortaleza até que se declarasse inofensivo... Ele se afogou alguns meses após sua libertação.

Nos anos de 1870 e 1871, um grande número de rapazes e moças foi mantido na Cortina em conexão com os círculos de Netchaieff - o primeiro que ousou dizer: Seja o povo! E induziu a juventude da Rússia a difundir o socialismo vivendo a vida do próprio povo. Mas logo, isto é, em 1873, uma nova prisão, mais ampla e mais segura – o bastião de Trubetskoi – foi aberta dentro da fortaleza; e desde então a Cortina de Catarina tornou-se uma prisão militar para oficiais de São Petersburgo condenados a detenção em fortalezas por quebras de disciplina. As suas amplas e altas casamatas foram reconstruídas, decoradas e tornadas mais ou menos confortáveis. Estando em conexão com o bastião de Trubetskoi, onde os presos políticos são mantidos enquanto aguardam julgamento, é lá que alguns deles são favorecidos por uma entrevista ocasional com parentes. Comissões especiais nomeadas para inquéritos preliminares sobre assuntos de Estado, às vezes, têm suas sessões na mesma Cortina, extorquindo dos presos informações que podem orientá-los em suas pesquisas. Os presos políticos não estão mais alojados lá, e Solovioff, que foi enforcado em 1879, parece ter sido o último político da Corte. Alguns internos do bastião de Trubetskoi, no entanto, ainda são ocasionalmente levados para lá por alguns dias, a fim de serem isolados de seus companheiros por algum motivo desconhecido. Um exemplo do meu conhecimento é o de Saburoff. Ele foi isolado na Cortina para ser drogado e para que pudesse ser fotografado... Assim lhe disseram, pelo menos, quando voltou à consciência. De qualquer forma, a Cortina de Catarina não é mais uma prisão para políticos. O bastião de Trubetskoi, ali perto, foi reconstruído para esse objetivo em 1872, e começou a receber reclusos a partir do final de 1873.

Lá, os políticos são mantidos por dois, três anos, aguardando as decisões de Comissões secretas que podem enviá-los a um tribunal ou para a Sibéria sem nunca serem apresentados a nenhum juiz.

O bastião de Trubetskoi, onde passei mais de dois anos, já não está envolto no mistério que o revestia em 1873, quando foi utilizado pela primeira vez como Casa de Detenção Preliminar para presos políticos. As setenta e duas celas onde os presos são mantidos ocupam os dois andares do reduto - um edifício pentagonal com um pátio interno, em que uma das cinco faces é ocupada pelo apartamento do governador do bastião e a sala da guarda do posto militar. Essas celas são suficientemente grandes, sendo cada uma delas uma casamata abobadada, destinada a abrigar um grande canhão de fortaleza. Elas medem onze passos (cerca de vinte e cinco pés) na diagonal, e assim eu podia caminhar regularmente todos os dias sete verstas(5) (cerca de cinco milhas) em minha cela, até que minhas forças se esvaíssem pelo longo aprisionamento.

Não há muita luz nelas. A janela, que é um vão, é quase do mesmo tamanho que as janelas de outras prisões. Mas as celas ocupam o recinto interior do bastião (isto é, o reduto), e a parede alta do bastião está voltada para as janelas das celas a uma distância de quinze a vinte pés [entre 4,5 e 6,0 metros]. Além disso, as paredes do reduto, que devem resistir a projéteis, têm cerca de um metro e meio de espessura, e a luz é interceptada por uma moldura dupla com pequenas aberturas e por uma grade de ferro. Finalmente, todos sabem que o céu de São Petersburgo é tudo, menos brilhante. Elas são escuras,(6) ainda assim, foi nessa cela - a mais leve de todo o edifício - que escrevi os meus dois volumes sobre o Período Glacial e, aproveitando os dias de verão mais claros, ali preparei os mapas que acompanham a obra e fiz desenhos. O andar de baixo é muito escuro, mesmo no verão. A parede externa intercepta toda a luz, e lembro que, mesmo em dias claros, escrever era muito difícil. Na verdade, isso só era possível quando os raios do sol eram refletidos pela parte superior de ambas as paredes. Toda a face norte do reduto é muito escura em ambos os pavimentos.

O chão das celas é coberto com um feltro pintado e as paredes são duplas, por assim dizer; isto é, também são cobertas com feltro, e a uma distância de cinco polegadas da parede, há uma rede de arame de ferro, forrada com linho áspero e com papel pintado de amarelo. Esse arranjo é feito para evitar que os presos falem uns com os outros por meio de batidas na parede. O silêncio nessas celas cobertas de feltro é o de um túmulo. Conheço celas em outras prisões. A vida exterior e a vida da prisão se unem por milhares de sons e palavras trocados aqui e ali. Mesmo em uma cela, a pessoa ainda se sente parte do mundo. A fortaleza é uma sepultura. Você nunca ouve um som, exceto o de um sentinela rastejando continuamente, como um caçador, de uma porta para outra, para olhar através do Judas(7) para dentro das celas. Você nunca está sozinho, pois um olho é continuamente mantido em você, e ainda assim você está sempre sozinho.

Se você dirige uma palavra ao carcereiro que lhe traz sua roupa para passear no pátio, se lhe pergunta como está o tempo, ele nunca responde. O único ser humano com quem trocava algumas palavras todas as manhãs era o Coronel que vinha anotar o que eu tinha que comprar: tabaco ou papel. Mas ele nunca se atreveu a entrar em qualquer conversa, pois ele mesmo sempre foi observado por alguns dos guardas. O silêncio absoluto é interrompido apenas pelos sinos do relógio, que tocam a cada quarto de hora um Gospodi pomilui,(8) a cada hora o cântico Kol slaven nash Gospod v Sionye,(9) e a cada doze horas, Deus salve o czar, além de tudo isso. A cacofonia dos sinos discordantes é horrível durante as rápidas mudanças de temperatura, e não me admira que pessoas nervosas considerem esses sinos como uma das pragas da fortaleza.

As celas são aquecidas a partir do corredor externo por meio de grandes fogões, e a temperatura é mantida excessivamente alta, para evitar que a umidade apareça nas paredes. Para manter essa temperatura, os fogões são logo fechados, enquanto o carvão ainda está em chamas, de modo que o prisioneiro geralmente é asfixiado com óxido de carbono. Como todos os russos, eu estava acostumado a manter uma temperatura alta, de 61° a 64° Fahrenheit [entre 16 e 18 ºC], no meu quarto. Mas eu não podia suportar a alta temperatura da fortaleza, e muito menos os gases asfixiantes, e depois de uma longa luta, consegui que meu fogão não ficasse muito quente. Fui avisado de que as paredes seriam imediatamente cobertas de umidade. De fato, elas logo estavam pingando nos cantos da abóbada, e até mesmo o papel pintado da parede da frente estava tão molhado que parecia haver água continuamente sendo derramada sobre ele. Contudo, como não havia outra escolha, senão entre paredes gotejantes e atenuação por uma temperatura de banho, optei pela primeira, não sem algum incômodo para os pulmões, e não sem adquirir reumatismo. Mais tarde, soube que vários dos meus amigos que foram mantidos naquele mesmo bastião expressaram a firme convicção de que algum gás mefítico tinha sido enviado para suas celas. Esse boato é amplamente difundido que também chegou a estrangeiros em São Petersburgo. Mas é ainda mais notável que ninguém que expressou a suspeita de ter sido envenenado de outra forma; por exemplo, por meio da comida. Acho que o que acabei de dizer explica a origem do boato: para manter os fogões muito quentes por vinte e quatro horas, eles são fechados muito cedo, e assim, os prisioneiros são asfixiados todos os dias, até certo ponto, por óxido de carbono. Essa foi, pelo menos, minha explicação da asfixia que eu experimentava quase todos os dias, seguida de completa prostração e debilidade. Não notei isso novamente depois que finalmente consegui impedir que o duto de ar quente para minha cela fosse aberto.

A comida, quando o general Korsakoff era comandante da fortaleza, era boa; não muito substancial, mas muito bem-preparada - depois ficou muito pior. Não são permitidas provisões de fora, nem mesmo frutas - nada além do calatchi (pão branco) que os mercadores compassivos distribuem nas prisões no Natal e na Páscoa - um antigo costume russo existente até agora. Nossos parentes só podiam nos trazer livros. Aqueles que não tinham parentes eram obrigados a ler repetidamente os mesmos livros da biblioteca da fortaleza, que contém os volumes ímpares deixados por várias gerações desde 1826. Quanto a respirar ar fresco, é óbvio que não se podia permitir uma grande quantidade. Durante os primeiros seis meses do meu confinamento, caminhei meia hora ou quarenta minutos todos os dias, mas mais tarde, porque estávamos em quase sessenta pessoas no bastião, e como há apenas um metro para caminhar, e a escuridão, sob o sexagésimo grau de latitude, chega às quatro da tarde no inverno, caminhávamos apenas vinte minutos a cada dois dias no verão e vinte minutos duas vezes por semana durante o inverno. Também é preciso acrescentar que, devido à forte fumaça branca expelida pela chaminé da casa da moeda que domina o pátio, esse passeio era completamente envenenado pelos ventos de leste. Nessas ocasiões, eu não podia suportar a tosse contínua dos soldados, expostos ao longo do dia para respirar esses gases, e pedia que me trouxessem de volta à minha cela.

Mas tudo isso são meros detalhes, e nenhum de nós reclamou muito deles. Sabemos perfeitamente que uma prisão é uma prisão, e que o Governo russo nunca foi gentil com aqueles que tentaram se livrar do seu domínio de ferro. Além disso, sabemos que o bastião de Trubetskoi é um palácio - um verdadeiro palácio - em comparação com aquelas prisões onde cem mil de nosso povo são trancados todos os anos e submetidos ao tratamento que descrevi nas páginas anteriores.

Em suma, as condições materiais de detenção no bastião de Trubetskoi não são muito ruins, apesar muito difíceis, em qualquer caso. Mas metade dos prisioneiros mantidos lá foram presos por simples denúncia de um espião, ou como conhecidos de revolucionários; quanto a outra metade, depois de dois ou três anos retidos, nenhum deles sequer será levado ao tribunal; ou, se for levado, será absolvido - como foi o caso no julgamento dos cento e noventa e três. Então, esses prisioneiros serão enviados para a Sibéria ou para alguma aldeia nas margens do Oceano Ártico, por simples ordem da administração. A investigação é feita em segredo, e ninguém sabe quanto tempo vai durar, qual lei será aplicada (a comum ou a marcial), ou qual será o destino do prisioneiro: ele pode ser absolvido, mas também pode ser enforcado. Nenhum advogado é permitido durante o inquérito, e não há nenhuma conversa ou correspondência com familiares sobre as circunstâncias que levaram à prisão. Durante todo esse tempo extremamente longo, nenhuma ocupação é permitida aos prisioneiros. Caneta, tinta e lápis são estritamente proibidos no bastião. Apenas uma lousa é permitida, e quando o Conselho da Sociedade Geográfica me pediu permissão para terminar um trabalho científico, teve que obtê-lo do próprio Imperador. Quanto aos operários e camponeses, que não sabem ler, mantê-los o dia inteiro, durante anos, sem qualquer ocupação, é apenas levá-los ao desespero. Por isso há uma grande proporção de casos de insanidade. Em todas as prisões da Europa Ocidental, considera-se que dois ou três anos de confinamento nas celas é demais, e há grande perigo de enlouquecer. Mas na Europa, o condenado faz algum trabalho manual em sua cela, não só sabe ler e escrever, mas também recebe todos os utensílios necessários para realizar algum ofício. Ele não está reduzido a viver exclusivamente da atividade de sua própria imaginação: o corpo, os músculos também estão ocupados. Ainda assim, no entanto, pessoas competentes são compelidas, por experiência dolorosa, a considerar dois ou três anos de confinamento em uma cela como muito perigosos. No bastião de Trubetskoi, a única ocupação permitida é a leitura, e mesmo essa ocupação é recusada aos condenados que se encontram detidos em outra parte da fortaleza.

As poucas liberdades dadas quanto às visitas de parentes foram adquiridas somente após uma dura luta. Antigamente, a visita de um parente era considerada um grande favor, e não um direito. Aconteceu-me uma vez, depois da prisão do meu irmão, não ver nenhum dos meus parentes durante três meses. Eu sabia que meu irmão, a quem eu estava mais intimamente ligado do que geralmente acontece entre dois irmãos, estava preso, porque em uma carta de poucas linhas me anunciou que para tudo relacionado à publicação de meu trabalho eu deveria dirigir a outra pessoa, e eu adivinhei a causa. Mas durante três meses eu não sabia a razão para ele ter sido, do que foi acusado, ou qual seria o seu destino. E certamente desejo que ninguém no mundo tenha três meses de vida como esses três que passei sem ter notícias do mundo exterior. Quando tive permissão para ver minha irmã, ela foi severamente advertida de que, se me dissesse alguma coisa sobre meu irmão, ela nunca mais teria permissão para me ver novamente.

Quanto aos meus camaradas, muitos não viram ninguém durante os dois ou três anos de detenção. Muitos não tinham parentes próximos em São Petersburgo, e amigos não eram admitidos; outros tinham parentes, mas esses últimos eram suspeitos de conhecer os círculos socialistas ou liberais, e isso era suficiente para lhes negar o favor de ver o irmão ou a irmã enquanto estavam presos. Em 1879 e 1880, as visitas de parentes eram permitidas quinzenalmente. Mas é importante mencionar como uma extensão do direito foi adquirida. Foi vencida, por assim dizer, por luta; isto é, pela famosa greve de fome, durante a qual vários prisioneiros do bastião de Trubetskoi se recusaram a receber qualquer alimento por cinco ou seis dias, e resistiram pela força a todas as tentativas de alimentá-los por meio de injeções e golpes dos carcereiros, porque essa operação foi monitorada. Ultimamente, esses direitos foram novamente retirados: as visitas são muito escassas e a regra de ferro foi reintroduzida novamente.

O pior é, no entanto, a maneira como as investigações secretas são conduzidas – os procedimentos mais vergonhosos são utilizados para extorquir alguma confissão involuntária daqueles que demonstraram um temperamento nervoso. Meu amigo Stepniak deu vários exemplos de tal tratamento, e as várias edições da Vontade do Povo contêm muitos outros. Nada, nem mesmo o sentimento de uma mãe é respeitado. Se uma mãe tiver um filho recém-nascido, uma criaturinha nascida na escuridão de uma casamata, o bebê será tirado dela e retido enquanto a mãe se recusar a ser mais sincera, isto é, se enquanto se recusar a trair seus amigos. Ela deve recusar comida por vários dias, ou tentar o suicídio para ter seu bebê de volta... Quando tais atos horríveis podem ser perpetrados, qual é a utilidade de falar de pequenas torturas? E ainda, o pior está reservado para aqueles que estão no exterior, em liberdade, para aqueles que são culpados de amar sua filha presa, seu irmão ou sua irmã! As intimidações mais bárbaras, as mais refinadas e cruéis são usadas contra eles pelos mercenários da Autocracia, e devo confessar que os procuradores instruídos a serviço da Polícia do Estado costumavam ser muito piores nesse assunto do que os oficiais da gendarmaria ou da Terceira Seção.

É claro que as tentativas de suicídio, às vezes por meio de um pedaço de vidro retirado de uma janela quebrada; às vezes por meio de fósforos cuidadosamente escondidos por meses inteiros; ou às vezes por estrangulamento com uma toalha, são as consequências necessárias de tal sistema. Dos cento e noventa e três, nove enlouqueceram, e onze tentaram suicídio. Conheci um deles após sua libertação. Ele contou-me que fez pelo menos meia dúzia dessas tentativas: agora está morrendo em um hospital francês.

E ainda assim, quando me lembro das torrentes de lágrimas derramadas por toda a Rússia, em cada aldeia mais remota, em conexão com nossas prisões; quando me lembro dos horrores de nossos ostrogs e prisões centrais; das salinas de Ust-kut ou das minas de ouro da Sibéria, minha pena hesita em se debruçar sobre os sofrimentos de alguns revolucionários. Quando escrevi sobre as prisões russas, apressei-me a contar qual é o estado real dessas prisões, onde milhares de pessoas gemem todos os dias nas mãos de animais selvagens onipotentes. Mal mencionei o estado dos presos políticos, apenas aludindo a eles na medida do necessário para mostrar o desenvolvimento da luta que está acontecendo na Rússia. Não fossem os elogios feitos ao governo russo por seus poucos, muito poucos admiradores, eu nem deveria escrever sobre prisões políticas. Mas, como os fatos foram deturpados, que sejam conhecidos como são.

Há um destino muito mais difícil reservado para os presos políticos na Rússia do que o dos presos do bastião de Trubetskoi. Após o Julgamento dos Dezesseis (novembro de 1880), a Europa soube com satisfação que, dos cinco condenados à morte, três tiveram suas sentenças comutadas pelo Czar. Agora sabemos o que significa essa comutação. Em vez de serem enviados para a Sibéria ou para uma prisão central, de acordo com a lei, eles foram enclausurados em celas do revelim(10) de Trubetskoi, a oeste da fortaleza Petropavlovskaya.(11) São lugares tão escuros que as velas são acesas neles por vinte e duas das vinte e quatro horas. As paredes estão literalmente pingando de umidade, e há poças de água no chão. Não só os livros são proibidos, mas tudo o que possa ajudar a ocupar a atenção. Zubkovsky fez figuras geométricas com seu pão, para repetir a geometria; elas foram imediatamente levadas, dizendo o carcereiro que os condenados a trabalhos forçados não tinham permissão para se divertir. Para tornar o confinamento solitário ainda mais insuportável, um gendarme e um soldado estão posicionados dentro das celas. O gendarme está continuamente vigilante e, se o prisioneiro olhar para alguma coisa ou para qualquer ponto, vai ver o que lhe chamou a atenção. Os horrores do confinamento solitário são, assim, agravados dez vezes. O prisioneiro mais quieto logo começa a odiar os espiões que o cercam e é levado ao frenesi. A menor desobediência é punida com golpes e buracos negros. Todos os que foram submetidos a esse regime adoeceram em pouco tempo. Depois de menos de um ano, Shiryaeff tornou-se tuberculoso; Okladeky, um trabalhador robusto e vigoroso, cujo notável discurso à Corte foi reproduzido pelos jornais de Londres, enlouqueceu; Tikhonoff, também um homem forte, estava com escorbuto e não conseguia se sentar na cama. Por uma mera comutação de sentença, os três foram levados à morte em um único ano. Dos outros cinco condenados a trabalhos forçados e enclausurados na mesma fortaleza, dois - Martynovsky e Tsukermann - enlouqueceram, e nesse estado foram constantemente encurralados, de modo que Martynovsky finalmente tentou o suicídio.

Outros, além disso, foram enviados para o já mencionado revelim, e o resultado foi invariavelmente o mesmo: foram levados à beira do túmulo. Durante o verão de 1883, o governo decidiu conceder a alguns deles a graça de uma prisão de trabalhos forçados na Sibéria. Em 27 de julho (8 de agosto)(12) de 1883, eles foram trazidos em vagões celulares para Moscou, e duas pessoas que testemunharam sua chegada deixaram uma descrição. Voloshenko, coberto de feridas escorbúticas, não conseguia se mexer. Ele foi retirado da carroça em um carrinho de mão. Pribyleff e Fomin desmaiaram quando foram levados para o ar livre. Paul Orloff, também com escorbuto, mal conseguia andar. “Ele é todo curvado, e uma perna é bem virada”, disse a testemunha. “Tatiana Lebedeva foi condenada a vinte anos de trabalhos forçados. Mas ela certamente não viverá tanto. O escorbuto destruiu todas as suas gengivas; as mandíbulas são visíveis embaixo; além disso, ela está em estágio avançado de tuberculose... Em seguida veio Yakimova com seu bebê de dezoito meses: a cada minuto parecia que o bebê ia morrer em seus braços. Quanto a si mesma, ela não sofreu muito, nem física nem moralmente. Como sempre, ela estava bastante calma, apesar de sua condenação. Os demais eram fortes o suficiente para andar sozinhos de um vagão para outro... Quanto a Mirsky, a permanência de quatro anos na fortaleza não deixou vestígios dele; ele apenas atingiu sua maturidade”.(13) É verdade que ele tinha, então, apenas vinte e três anos.

Mas quantos daqueles tentados ao mesmo tempo estavam faltando! Quantos foram enterrados no revelim de Trubetskoi? Desde que a comunicação direta foi interrompida, nada do que está acontecendo no revelim transpareceu, e os piores rumores, de um ultraje abominável, circulam em São Petersburgo sobre as condições que provocaram a morte de Ludmila Terentieva.

Isso é tudo? Não! Há algo pior ainda. Há as masmorras do revelim Alexis. Quatro anos atrás, quando o Sr. Lansdell, depois de ter sido admitido para examinar duas celas do bastião de Trubetskoi, negou ousadamente a própria existência das celas semissubterrâneas no revelim de Trubetskoi, descritas no Times, e exclamou triunfantemente: O que, então, aconteceu com as masmorras e esquecidos, e com as câmaras sombrias que foram conectadas com o Pedro e Paulo por tantos?" Respondi, então, nas seguintes linhas:

Não devo negar a existência de esquecidos (na fortaleza), pois sei que mesmo em nossos tempos as pessoas desaparecem na Rússia sem que ninguém saiba onde estão escondidas. Eu tomo um exemplo - Netchaieff. Ele matou um espião em Moscou, fugiu para a Suíça, e sua extradição foi concedida pelo Conselho Federal em acordo distinto com o governo russo para tratá-lo como um prisioneiro de direito comum, e não como um adversário político. Ele foi condenado por um júri em Moscou a trabalhos forçados, e depois de ter sido maltratado lá da maneira que descrevi em outro lugar, ele desapareceu. De acordo com a lei, ele deveria estar agora em Kara, ou em Sakhalin, ou em qualquer colônia de trabalho forçado na Sibéria. Mas sabemos que, em 1881, ele não estava em nenhum desses lugares. Onde ele está, então?

No ano passado, correu o boato de que ele conseguiu escapar da fortaleza, mas não foi confirmado desde então, e tenho algumas razões para supor que ele estava, há dois anos, e pode estar ainda, em alguma parte da fortaleza. Não digo que seja maltratado lá: suponho, pelo contrário, que, como todos os outros presos políticos, ganhou finalmente a simpatia de seus carcereiros, e espero que seja mantido em uma cela decente. Mas ele tem o direito de estar agora na Sibéria e gozar de uma relativa liberdade na aldeia Kara, perto das minas. Ele também tem parentes e amigos que certamente ficariam felizes em saber, pelo menos, se ele está vivo e onde está. E pergunto ao autor do relatório: ele está suficientemente seguro de seus informantes para nos autorizar a escrever aos amigos de Netchaieff que não há masmorras na fortaleza e que eles devem procurar seu amigo em outro lugar?(14) É claro que a pergunta acima ficou sem resposta. Mas, desde então, o próprio governo russo confessou a existência de esquecidos na fortaleza, deixando que seus partidários ingleses explicassem a contradição como quisessem, e condenou soldados por carregarem cartas dessas mesmíssimas masmorras do revelim de Alexis!

Em 1882, dezoito soldados que costumavam fazer guarda no revelim Alexis foram levados a julgamento perante uma corte marcial, juntamente com um estudante de medicina, Dubrovin.(15) Os soldados foram acusados de levar correspondência secreta entre três pessoas detidas no revelim e o estudante Dubrovin. O ato de acusação, assinado pelo procurador militar, coronel Masloff, foi publicado na íntegra,(16) e as condenações foram anunciadas na imprensa de São Petersburgo. Resulta do documento oficial apresentado à corte marcial que havia, em 1881, quatro pessoas detidas no revelim. Elas não são nomeadas, o procurador as designa sob os nomes de prisioneiros que ocupam as celas nº 1, nº 5, nº 6 e nº 13. Até novembro de 1879, afirma a acusação, havia apenas dois presos estaduais no revelim - nas celas nº 5 e nº 6.

Em novembro, um terceiro prisioneiro foi trazido e confinado na cela nº 1; e no ano seguinte (19 de novembro de 1880), um quarto, que foi confinado na cela nº 13. Este último, aparece no mesmo documento, era Shiryaeff. Os soldados tiveram conversas de intenção criminosa com o prisioneiro nº 5; levavam cartas entre os prisioneiros nº 1, 5 e 13 e, desde a chegada deste último, começaram a levar cartas do revelim ao estudante Dubrovin, e contrabandeavam, na volta, publicações periódicas, cartas e dinheiro, que entregaram aos três prisioneiros.

As conversas de intenção criminosa que os militares mantiveram com o prisioneiro nº 5 são relatadas na acusação exatamente como os militares as descreveram durante o inquérito, e parece que eles as haviam memorizado com precisão. Haverá um tempo - disse o nº 5 - em que os camponeses não serão mais tão oprimidos como agora. Os czares não governarão mais, mas em vez disso, haverá representantes responsáveis. Se o czar for bom, ele pode ser mantido; se não, outro será eleito em seu lugar, e assim por diante.

O número 5, sabemos agora, não era mais ninguém além de Netchaieff. Ao publicar esse notável documento, a Vontade do Povo também publicou algumas das cartas recebidas pelo Comitê Executivo de Netchaieff. Não é, portanto, nenhum segredo que, embora o governo imperial, ao exigir a extradição de Netchaieff, tivesse dado a garantia formal à República Suíça de que ele seria tratado como um condenado de direito comum, a garantia era uma mentira. Netchaieff nunca foi tratado como um condenado de direito comum. O Tribunal de Moscou o condenou a trabalhos forçados, não à detenção na fortaleza. Mas ele não foi enviado nem para a Sibéria, nem para qualquer prisão de trabalhos forçados. Imediatamente após a condenação, ele foi simplesmente emparedado no revelim de Alexis, e lá permanece desde 1874. O documento oficial de acusação o chama diretamente de prisioneiro do estado (gosudarstvennyi prestupnik).

Qual foi o destino de Netchaieff no revelim? Sabe-se que o governo lhe propôs contar tudo por duas vezes: uma vez por meio do conde Levashoff, e outra por meio do general Potapoff. Ele recusou indignado. A proposta de Potapoff foi feita em tais termos que Netchaieff respondeu ao grande Sátrapa de Alexandre II com um golpe no rosto. Ele foi terrivelmente espancado por isso, acorrentado nas mãos e nos pés, e cravado na parede de sua casamata. No final de 1881, ele havia escrito com seu próprio sangue, com a unha, uma carta muito modesta a Alexandre III, apenas relatando os fatos de sua prisão e perguntando ao imperador se seu terrível destino era conhecido pelo Monarca e prescrito por sua própria vontade. Essa carta, cuja cópia foi comunicada por Netchaieff ao Comitê Executivo, e que foi impressa mais tarde na Vontade do Povo, foi confiada pelo cativo a algumas das pessoas que passavam sob sua janela quando reparos eram feitos no revelim. O comandante da fortaleza nunca veio ver Netchaieff, e ele tinha certeza de que o governador do revelim nunca entregaria a carta a seus superiores.

Desde o verão de 1880, nenhuma notícia direta foi recebida de Netchaieff. Correu apenas o boato de que, em dezembro de 1882, ele perdeu a paciência com o governador do revelim e foi terrivelmente espancado - talvez açoitado - e que alguns dias depois cometeu suicídio ou morreu. A única coisa certa é que, no dia 5 ou 8 de dezembro, (datas antigas), um dos cativos detidos no revelim morreu. O Comitê Executivo considerou Netchaieff morto e publicou, no final de 1883, trechos de suas cartas, mas ele pode ainda estar vivo.

Quanto a Shiryaeff, ele morreu em 28 de setembro de 1881. Quando os cativos foram privados da curta caminhada, anteriormente permitida, suas janelas foram fechadas com tábuas (depois da carta de Netchaieff), e até mesmo as aberturas de ventilação dos fogões foram fechadas, o consumo se desenvolveu rapidamente no pobre jovem. Netchaieff escreveu que ele morreu em um estranho estado de excitação, e supôs que sua morte havia sido acelerada por alguma droga excitante, a fim de obter confissões. Por que não? Deram drogas a Saburoff para fazê-lo dormir - para fotografá-lo, diziam. Mas temos certeza - o próprio Saburoff tem certeza - de que o que deram a ele não continha nada além de clorofórmio ou láudano? Aqueles que tão cuidadosamente ocultam seus atos devem fazer algo que não ousam confessar publicamente.

Mas quem são os prisioneiros nº 1 e nº 6? O nº 1 deve ser um terrorista. Quanto ao nº 6, que não trocou cartas com os outros três, agora ele é conhecido pelas cartas de Netchaieff. Ele é Shevitch, um oficial da Academia Militar, enlouquecido, cuja conversa insana e gritos são ouvidos à noite por quem passa pelas paredes do revelim. Qual foi o crime que ele cometeu? Ele nunca foi julgado em nenhum julgamento político. Ele não pertencia a nenhuma organização revolucionária, os revolucionários não o conhenhecem. Qual é o crime dele? A Vontade do Povo afirma que Netchaieff escreveu que uma vez, durante um desfile militar, Shevitch deixou as fileiras, dirigiu-se a Alexandre II em uma linguagem grosseira, repreendendo-o por sua conduta em relação à irmã de Shevitch. É isso mesmo? Ou ele cometeu algum outro crime que chamou a atenção para si mesmo, e para se vingar, Alexandre II o aprisionou para sempre em uma cela do revelim? Não sei. Mas a história de Shevitch deve ser conhecida em São Petersburgo, e certamente ela vai vazar em algum momento. Uma coisa, porém, é certa: Shevitch não era um delinquente político, e não se envolveu com nenhum assunto político desde 1866. Ele foi levado à loucura na masmorra do revelim de Alexis por algum outro delito.

As masmorras do revelin Alexis são as únicas na Rússia? Certamente não. Quem sabe quantos esquecidos semelhantes existem em outras fortalezas? De qualquer forma, sabemos agora, foi declarado abertamente que existem outras masmorras no Império, nomeadamente no mosteiro Solovetsky, situado numa ilha do Mar Branco.

Em 1882, lemos com imenso prazer, nos jornais de São Petersburgo, que um daqueles que foram mantidos em tal masmorra por quinze anos foi finalmente posto em liberdade. Refiro-me a Pushkin. Em 1858, ele chegou à conclusão de que a religião ortodoxa não está de acordo com a verdade. Ele explicou suas ideias em um livro e em desenhos esquemáticos, enviados a São Petersburgo em 1861 e 1863, e pediu às autoridades da Igreja que publicassem seu trabalho. “O mundo”, disse ele, “está podre em seus pecados: Cristo não o salvou completamente, e um novo Messias virá”. Por essas ideias, ele foi preso em 1866 e enviado, entre dois gendarmes, para a prisão de Solovetsky, claro, sem ter visto ou ouvido falar de um juiz. Lá ele foi colocado em uma cela escura e úmida, e mantido por quinze anos. Ele tem uma esposa: ela não foi admitida para vê-lo durante quatorze anos, isto é, até 1881.

Loris-Melikoff, quando nomeado Ditador, após a explosão do Palácio de Inverno, concedeu-lhe a permissão. Até então, Pushkin era mantido como prisioneiro do Estado no maior segredo. Ninguém foi autorizado a entrar em sua cela durante todo esse tempo, exceto o arquimandrita(17) do mosteiro e o Sr. H. Dixon. O sr. Prougavin, que é funcionário da equipe do governador de Arkhangelsk, visitou-o em 1881. Pushkin tinha cinquenta e cinco anos quando o sr. Prougavin o viu, e disse: “Não sei quais são minhas culpas, como posso me desculpar? Eles me dizem: ‘Vá à igreja, abandone sua heresia, e você será libertado’. Mas como posso fazer isso? Sacrifiquei tudo por minhas convicções – meu dinheiro, a felicidade de minha própria família, minha própria vida. Posso renunciar minhas convicções? O tempo mostrará se estou certo, e espero que sim. Mas se eu estiver errado, se apenas me parecer a verdade, que esta prisão seja minha sepultura!” Em 1881, sua esposa foi admitida para vê-lo e de lá foi diretamente a São Petersburgo para pedir sua libertação. A essa altura, o sr. Prougavin já havia publicado toda essa história horrível em uma revista e em jornais. A imprensa pediu clemência e Pushkin foi perdoado, mas ele tinha sido mantido por quinze anos como esquecido.(18)

Pushkin é a única pessoa que foi tão torturada? Eu não penso assim. Há cerca de quinze anos, um geólogo alemão, amigo meu, descobriu um oficial de artilharia nas mesmas condições de Pushkin. Fizemos todos os tipos de pedidos em São Petersburgo para pessoas influentes, a fim de obter sua libertação. Uma grã-duquesa estava interessada no destino desse ex-oficial. Não obtivemos nada, e provavelmente ele ainda está em uma masmorra, se a prisão não foi seu túmulo.

Um estranho destino, no entanto, tem se ligado ultimamente às masmorras do governo russo. Antigamente, quando alguém entrava na abóbada da fortaleza em companhia de dois gendarmes, desaparecia. Dez, vinte anos se passariam antes que qualquer coisa fosse ouvida sobre essa pessoa, exceto as notícias que circulavam em grande segredo entre alguns parentes. Quanto aos que tiveram a infelicidade de serem enviados ao revelim de Alexis, os autocratas tinham certeza de que nada escaparia por suas paredes sobre o destino dos presos lá. Mas as coisas têm mudado, e a mudança talvez seja uma das melhores ilustrações de como o prestígio da Autocracia desaparece. Na medida em que o número de inimigos do regime existente crescia, as pessoas eram enviadas para a fortaleza em tão grande número que se tornou materialmente impossível enterrá-los vivos lá, como seus predecessores. A própria autocracia foi obrigada a fazer concessões à opinião pública, e tornou-se impossível executar ou transportar para sempre, para a Sibéria, todos aqueles que estavam presos na fortaleza. Alguns deles, pelo menos, foram transportados para partes menos remotas do Império, como a península de Kola, por exemplo, e de lá conseguiram escapar. Um deles contou a história da sua prisão na imprensa europeia.(19) Além disso, a própria fortaleza deixou de manter segredo. O conjunto de celas do bastião de Trubetskoi havia sido construído em 1873. Fui um dos primeiros a inaugurar sua ocupação, no início de 1874. Naquela época, o bastião era uma sepultura. Nada além de cartas rigorosamente supervisionadas poderia ser extraído dela. Havia apenas seis de nós ocupando trinta e seis celas no andar de cima, e quatro ou cinco celas vazias nos separavam uns dos outros. Cinco soldados montaram guarda no corredor, de modo que quase cada um de nós tinha um soldado à sua porta, e cada soldado era vigiado de perto por subalternos recém-nomeados, que vigiavam os soldados com todo o zelo de noviços. Nenhuma comunicação era possível entre nós, muito menos com o mundo exterior. O sistema acabava de ser introduzido e funcionava admiravelmente: a espionagem mútua era tão perfeita quanto em um mosteiro jesuíta.

Mas mal se passaram dois anos até que o sistema se desintegrasse. De algumas maneiras desconhecidas, os revolucionários foram informados sobre o que estava acontecendo no bastião de Trubetskoi. A fortaleza não guardava mais segredos. As medidas mais severas foram tomadas em relação às poucas entrevistas concedidas. No final de 1875, fomos impedidos de nos aproximar de nossos parentes que vinham nos ver: havia o coronel comandante do bastião e um gendarme colocado entre nós. Mais tarde, me disseram que grades de ferro e outras últimas palavras de civilização foram introduzidas. Mas foi tudo inútil, e meu amigo Stepniak diz que pilhas de cartas clandestinas foram recebidas do bastião.

Abriu-se, então, um novo conjunto de celas que não recebiam detentos há muitos anos, o ispylatelnyia kamery(20) do revelim de Trubetskoi. Lá, o governo supôs, seus inimigos poderiam ser enterrados vivos, e ninguém saberia seu destino. Mas as cartas conseguiram atravessar as grossas paredes do revelim: foram publicadas. Uma das partes mais seguras da fortaleza revelou, assim, seus segredos. Mais tarde, alguns dos que estavam presos lá, finalmente viram a luz do dia. O mais provável é que a primeira ideia do Governo tenha sido mantê-los enclausurados no revelim durante os doze ou vinte anos a que foram condenados, ou talvez por toda a vida. Mas, novamente, tantas pessoas foram enviadas para o terrível revelim, e lá morreram ou enlouqueceram, tão rapidamente, que o esquema original foi abandonado. Depois de terem sido levados à beira do túmulo, alguns deles foram enviados para Sibéria.

Mas ainda havia, na fortaleza, uma série de locais para esquecidos que haviam permanecido selados, de onde nenhuma notícia de qualquer tipo havia ocorrido desde que foram erguidos. Falo, é claro, do revelim de Alexis, a prisão estadual por excelência, a testemunha muda de tantas abominações. Todo mundo em São Petersburgo conhece esse nome terrível. Foi considerado o local de sepultamento mais seguro, e apenas dois homens foram mantidos lá. Mas vimos que eram quatro, em vez de dois, e o revelim também começou a trair seus segredos. Os soldados que mantinham a guarda no revelim foram condenados. Mas quem juraria que os novos soldados nomeados em seu lugar não levariam também cartas do revelim?

 Em seguida, o Governo de Alexandre III reverteu para outra tradição do reinado de Paulo I. O palácio de Paulo I, em Gatchina, com suas portas secretas, armadilhas, lances de escada ocultos que conduziam às torres de vigia e desciam aos corredores subterrâneos, tornara-se mais uma vez a residência favorita do imperador. Por que, então, não voltar também à prisão favorita de Paulo I em Schlüsselburg?

Fica a quarenta milhas de São Petersburgo, na cabeceira do Neva, onde sai do Lago Ladoga: uma fortaleza nua em uma ilha solitária. É cercada apenas por uma pequena e desolada cidade, cujos habitantes podem ser facilmente observados, e podem passar anos até que os revolucionários encontrem uma maneira de forçar a fortaleza e penetrar com sua propaganda no local. Assim, soubemos que o governo russo, tão pobre que não pode dispensar uns estranhos dez mil rublos para a reparação das imundas e dilapidadas prisões de Kara, gastou cento e cinquenta mil rublos na organização de uma nova prisão estatal em Schlüsselburg, e que os revolucionários mais enérgicos condenados a trabalhos forçados seriam enviados para lá. A nova prisão deveria ser um palácio, mas certamente o dinheiro foi gasto menos em acomodações para prisioneiros do que em arranjos para vigiá-los de perto e impedir qualquer comunicação com o mundo exterior.

Quem foi enviado para lá? Conhecemos uma dúzia de nomes, mas quantos mais existem, ninguém sabe. Qual será o destino deles lá? Ninguém sabe. Eles serão afogados lá? Pode ser! Eles serão fuzilados um após o outro por quebras de disciplina, como Minakoff, ou como o Coronel Aschenbrenner, que recebeu indulto e foi enviado para Schlüsselburg, e lá foi fuzilado em segredo! Ou serão deixados em silêncio para morrer de escorbuto ou tuberculose? Talvez, também. Mas ninguém sabe ainda qual é o destino dos prisioneiros de Schlüsselburg. Escondidos pelas grossas paredes da fortaleza, os cortesãos podem fazer ali o que seus senhores ordenam – até que um 14 de julho russo chegue para varrer toda a podridão de uma instituição decadente.(21)


Notas de rodapé:

(1) N. T. - Muro de fortificação reto, entre dois baluartes. (retornar ao texto)

(2) N. T. - Fortificação triangular fora da fortaleza. (retornar ao texto)

(3) N. T. - Do alemão: fortificação externa. (retornar ao texto)

(4) N. A. - Para quem não está familiarizado com a terminologia de fortaleza, as seguintes explicações podem ser úteis. Cada fortaleza tem a forma de um polígono. Nos ângulos salientes encontram-se baluartes, isto é, espaços pentagonais encerrados entre duas paredes compridas e duas curtas, tendo por vezes um segundo edifício interior - o reduto - sendo este último um grupo pentagonal de aposentos, casamatas abobadadas de dois pisos, destinada à defesa de o bastião quando sua parede externa já está danificada. Cada dois baluartes estão ligados por uma cortina. A cortina e os dois ângulos interiores dos baluartes são as partes mais fracas das fortificações, e muitas vezes são mascarados por uma fortificação triangular feita fora da fortaleza propriamente dita (mas encerrada no mesmo talude) - o revelim. A fortaleza de São Petersburgo tem apenas dois revelins; o Trubetskoi no Oeste, e o Alexeievskiy no Leste. (retornar ao texto)

(5) N. T. - Unidade de medida de comprimento russa equivalente a 1,1 km. (retornar ao texto)

(6) N. A. - As celas das prisões comuns - por exemplo, as da prisão de Lyon, na França -, embora tenham janelas do mesmo tamanho, não podem ser comparadas em brilho com as da fortaleza. (retornar ao texto)

(7) N. T. - Espécie de olho mágico. (retornar ao texto)

(8) N. T. - Senhor, tenha piedade! (retornar ao texto)

(9) N. T. - Kol, nosso glorioso Senhor do Sião! (retornar ao texto)

(10) N. T. - Fortificação abaluartada, de planta triangular, com a função de proteger uma cortina, uma ponte, etc. (retornar ao texto)

(11) N. A. - O registro autêntico de sua prisão foi publicado no Willi of the People e reproduzido na publicação N’a Rodinye (Em Casa). (retornar ao texto)

(12) N. T. - Na Rússia, novas datas de estilo entraram em uso no início de 1918, quando 31 de janeiro de 1918 foi seguido por 14 de fevereiro do mesmo ano: há uma diferença de 13 dias entre as datas do Estilo Antigo (Calendário Juliano) e do Novo Estilo (Calendário Gregoriano) desde 1º de março de 1900 (Segundo a História do Calendário na Rússia e na URSS). Muitos países ortodoxos orientais continuam a usar o antigo calendário juliano para fins religiosos. É comum em publicações em inglês usar os termos familiares do Velho Estilo e / ou do Novo Estilo para discutir eventos e personalidades em outros países, especialmente com referência ao Império Russo e ao início da Rússia Soviética. Por exemplo, no artigo A Revolução de outubro (novembro), a Encyclopædia Britannica usa o formato 25 de outubro (7 de novembro, novo estilo) para descrever a data do início da revolução. (retornar ao texto)

(13) N. A. - Volume ocidental de Narodnoi, nº 3, 1884, pág. 180. Rússia sob os czares, de Stepniak, cap. XIX. (retornar ao texto)

(14) N. T. - Século XIX, em junho de 1883. (retornar ao texto)

(15) N. A. - Seus nomes e condenações estão no Apêndice. (retornar ao texto)

(16) N. A. - Vyestnik Narodnoi (Arauto da Vontade do Povo), vol. I., novembro de 1883. (retornar ao texto)

(17) N. T. - Na Igreja Ortodoxa, é o superior de um mosteiro. (retornar ao texto)

(18) N. A. - Aqueles que não deixarem de expressar dúvidas sobre essa história, leiam o artigo de M. Prougavin no número de novembro da revista pan-eslava Rusakaya Mysl (Pensamento russo) de 1881, seus artigos no Golos da mesma época, o Telégrafo de Moscou de 15 de novembro do mesmo ano, e assim por diante. (retornar ao texto)

(19) N. A. - Pavlovsky, em uma série de artigos publicados pelo Paris Temps, com prefácio de Turgueneff. (retornar ao texto)

(20) N. T. - Câmaras executivas, em russo. (retornar ao texto)

(21) N. A. - Reimpresso de Século XIX, com permissão para isso. (retornar ao texto)

Inclusão: 05/11/2022