Ler Marx!
Os textos mais importantes de Karl Marx para o século XXI editados e comentados por Robert Kurz

Robert Kurz


6. Caça por todo o globo terrestre, a concorrência enfurece-se: Globalização e fusionite do capital


Introdução

capa

Mesmo os fervorosos defensores da globalização, que está no centro do debate público no final do século XX, constataram com uma certa admiração forçada que Karl Marx foi o único a descrever este processo já há 150 anos, com formulações que poderiam perfeitamente passar inadvertidamente no suplemento dominical de um jornal de grande circulação em 2000, como sendo um artigo contemporâneo. Sem grande perspicácia, tanto os defensores notórios de uma qualquer evolução capitalista como os negadores esquerdistas marxistas (de certo modo tornados conservadores, porque continuam ligados ao passado capitalista) concluíram que a globalização e todos os fenómenos concomitantes não serão novos, nem constituem certamente uma nova qualidade da dinâmica capitalista. O que se pretende dizer, naturalmente, é que não há nada de inquietante, nada de se preocupar com a importância da crise, é sempre o mesmo bom e velho capitalismo. Assim, fim do alerta! Para uns, no sentido de esperar um novo milagre económico global, para outros, no sentido do prosseguimento incessante da actividade, de acordo com as noções da antiga crítica do capitalismo, isto é, nas categorias do próprio capital. Nada de novo debaixo do Sol, ou seja, nada de novo para aprender e analisar.

Mas os negadores de uma nova qualidade empírica da globalização não fazem justiça a Marx. Se fosse como dizem, que Marx mais não teria feito do que descrever algo que estava acontecendo diante dos seus olhos e dos dos seus contemporâneos, tal e qual como hoje, então já teria de ter havido o debate sobre a globalização há 150 anos, e a posição de Marx não teria nada de especial, seria uma voz entre tantas. Claro que não é esse o caso, de modo nenhum. Se o cosmopolitismo e o universalismo ocidental abstracto, no século XVIII e início do século XIX, não passaram de meras ideias ou ideais, no momento do desenvolvimento da teoria de Marx eram o nacionalismo, a política de protecionismo e a formação de uma economia nacional que tomavam praticamente lugar no palco da história universal capitalista, e sobretudo começavam por fazer recuar a tendência para a universalização do capital.

O que torna hoje actuais as declarações de Marx quanto à lógica do mercado global e do seu desenvolvimento não é o conteúdo empírico imediato sobre a situação no século XIX e o estado do desenvolvimento capitalista na época, mas a sua incrível capacidade de previsão. A ilusão óptica do leitor contemporâneo pode ser explicada, possivelmente, pelo facto de a previsão (como muitas vezes em tais casos) ser expressa como se descrevesse uma evolução já realizada e generalizada, quando na realidade, a partir de poucos factos e parâmetros ainda embrionários, conclui, com um voo de águia intelectual, num processo já acabado. Quando Marx fala, por exemplo, de "comunicações infinitamente facilitadas", num mundo sem aviões, nem TV, nem microeletrónica, mundo com telecomunicações ainda relativamente primitivas e limitadas no espaço, não se deve certamente atribuir a estas palavras um valor correspondente ao estado qualitativo do mundo actual, simplesmente porque usa as mesmas palavras.

Marx, portanto, não descreveu simplesmente apenas as condições empíricas do seu tempo, mas, a partir da análise do processo de valorização capitalista como tal, elaborou uma tendência imanente do capital para a globalização; e, de facto, em parte francamente contra a tendência do desenvolvimento empírico no seu tempo.

Mas é precisamente por esta razão que, ao contrário de alguns jornalistas exaltados que se armam em defensores das oportunidades da actual globalização efectiva do capital, Marx não é um escriba que glorifique o que de qualquer modo acontece. Certamente podemos dizer que o Marx exotérico de espírito esotérico ainda é aceite, pelo menos nas famosas passagens do Manifesto Comunista sobre a globalização, quando ele admira as façanhas da burguesia, que "destrói" as relações feudais e idílicas, etc., ou "arrasta os bárbaros para a civilização", mesmo se duas frases depois fala de "a chamada civilização". Aqui voltamos a encontrar traços da mitologia da história de progresso linear e determinado por "leis", tomados da filosofia iluminista e do liberalismo, vendo-se Marx como "o homem na sua contradição", quando lemos os seus comentários fulminantes sobre o mesmo processo histórico no capítulo sobre a "acumulação original".

Mas, apesar das suas contradições, quer ele admire ou verbere o processo real passado ou o processo futuro previsto, Marx vê sempre a tendência do capital a universalizar-se intimamente ligada à tendência imanente à autodestruição do modo de produção capitalista. Neste sentido, o capitalismo é para Marx (e aqui se tocam o polo exotérico e o esotérico da sua teoria, fazendo faísca) apenas uma forma negativa transitória, uma espécie de explosão da história havida até então. Universalização e globalização quebram-se aqui duplamente, na gritante autocontradição do capitalismo: por um lado, a limitação nacional não é nada de essencialmente pré-capitalista, pelo contrário, é uma característica essencial da sociedade moderna, em contradição com a sua tendência universalizadora, a partir da qual se volta a revelar repetida e mortalmente; por outro lado, a força propulsora da globalização é, por sua vez, negativa e limitada: não é um agrupamento consciente e voluntário da humanidade, mas um voo cego do cálculo limitado da economia empresarial, para fora dos mercados domésticos tornados demasiado pequenos — em última instância, uma fuga do capital de si mesmo, para o vasto mundo, onde apenas se encontra de novo a si mesmo.

Olhando mais de perto, percebe-se que a dinâmica de universalização e globalização é apenas a consequência do carácter de crise imanente a este modo de produção, que se manifesta na forma de uma crise global do capital, primeiro uma crise latente ou apenas curta e cíclica, mas finalmente tornando-se visível e (apenas hoje!) estrutural. Crise estrutural e globalização são assim uma e mesma coisa, vista sob diferentes aspectos. As condições pontuais ou processos parciais que Marx encontrou empiricamente (por exemplo, a ligação do desemprego dos tecelões londrinos e indianos com o comércio livre e a concentração do capital), e a partir das quais ele rapidamente previu a tendência capitalista para a universalização, só hoje se tornaram uma situação global imediata, universal, abrangendo todas as regiões e ramos de produção sem excepção: os seus efeitos negativos não são parciais e ocasionais, enquanto indirectos, mas generalizados e globais, enquanto directos. Um universalismo capitalista consumado significa a universalidade consumada da catástrofe, que se manifesta hoje em todas os domínios da vida. As afirmações de Marx sobre a globalização não devem ser lidas como argumentos separados sobre a tendência histórica do capital, como uma indicação da sua mera expansão no espaço, mas sim como explicações da sua teoria da crise. Pois a crise, por causa da sua autocontradição interna, é a tendência histórica fundamental do modo de produção capitalista, que se sobrepõe a todas as tendências particulares e desenvolvimentos estruturais.

Assim como é uma consequência da tendência imanente para a crise, a globalização é também uma função da concorrência universal. Se, por um lado, como disse Marx, o mercado mundial tem sido sempre uma condição do capitalismo e das suas relações de concorrência, por outro, ele viu-se inicialmente limitado na sua acção pelo aparecimento das economias nacionais e dos Estados nacionais e, portanto, por uma concorrência em certa medida domesticada. Açoitada pela tendência para a crise, a concorrência é obrigada a quebrar essas barreiras; é de facto a sua dinâmica que impulsiona a dinâmica da globalização. O que se apresenta a Marx como "lógica" do capitalismo apenas agora se torna uma realidade empírica. Navegando através das fronteiras dos Estados nacionais e desfazendo a coerência da economia nacional, para estabelecer o capital global imediato, a concorrência torna-se também concorrência global imediata, não filtrada. Dado que este processo passa pela transformação das crises parciais em crise mundial total, ela torna-se uma concorrência de crise mundial total – que já se pode ver no facto de o debate encarniçado que alastra sobre a “localização do investimento” ser conduzido, cada vez mais claramente, com metáforas militares e com as ideias da luta pela sobrevivência. Esses mesmos políticos da bonança e entertainers da filosofia de gestão, que se comprazem numa retórica de optimismo e de oportunidades de sucesso ao falar de globalização, desmentem-se a si mesmos com uma sinceridade inconsciente, quando expõem o desejado sucesso dessas "oportunidades" em termos de uma guerra mundial, assim despertando, em vez de optimismo confiante no futuro, o potencial de ansiedade social.

As "leis naturais" cegas do "capital em geral", que durante muito tempo podiam ser representadas no plano do contexto económico nacional, tornam-se a lei mundial imediata de um mercado mundial universal e sem fronteiras, que já não constitui a esfera das relações entre as economias nacionais, mas a esfera universal da concorrência de crise mundial imediata, não filtrada. Isto não significa outra coisa senão que esta concorrência se torna concorrência de saque, e que as relações das empresas e indivíduos entre si assumem os traços que sempre caracterizaram as relações entre Estados nacionais, não sujeitas a qualquer lei. A desinibição do homem, que já está contida no conceito de capital e muitas vezes se manifestou nas atrocidades da história da imposição do capitalismo, ameaça tornar-se relação mundial imediata. A globalização tem por reverso a depravação moral dos indivíduos, cuja atomização também assumiu uma dimensão planetária. Assim, temos de pensar a teoria da globalização de Marx não só em conjunto com a sua teoria da crise, mas também em conjunto com a sua teoria da barbarização do capitalismo — assim obtendo a imagem precisa da actual situação mundial.

Embora Marx não tenha chegado a escrever o Livro Quarto de O Capital sobre o mercado mundial e o Estado, completando assim a exposição conceptual e analítica da lógica e da tendência histórica da reprodução do conjunto do capitalismo (portanto, do capitalismo mundial), ainda assim os seus textos e fragmentos sobre o processo de universalização do capital não só desenvolvem as ideias fundamentais dos problemas hoje manifestos, mas também, como na teoria da crise, os conceitos fundamentais dos mecanismos económicos a eles associados. A este respeito, a sua teoria da progressiva centralização do capital é importante. Tal como a globalização, também esta tendência decorre da lógica de crise e concorrência, mas é muitas vezes potenciada no contexto da globalização. Quanto mais o capital foge dos mercados internos e cria o mercado mundial imediato e universal, mais a concorrência de crise mundial imediata leva a concentrações de capital que teriam sido impensáveis numa base económica nacional, a capitais mundiais imediatos capazes de fazer concorrência aos Estados. Também este aspecto da teoria de Marx se confirmou plenamente: a globalização e o crescente número de megafusões constituem hoje dois aspectos de um mesmo processo.

Por mais impressionante que seja precisão da capacidade de prever a 150 anos de distância, obviamente que também aqui se faz notar, mais uma vez, a oposição entre o Marx exotérico e o esotérico. Na teoria da crise, no centro da qual está a dissolução da "substância de trabalho" causada em última análise pelo processo concorrencial e a daí decorrente obsolescência do trabalho e da classe operária, o Marx esotérico é quase o único a aparecer. No entanto, se as declarações de Marx sobre a globalização/universalização e centralização a elas associada do mesmo capital mundial são baseadas nessa teoria da crise, é mais uma vez o Marx exotérico do movimento operário que aí intervém para, ao contrário do cerne da teoria da crise, identificar o processo de globalização e centralização do capital com uma massificação e concentração igualmente universal da classe operária. Mas isso só se aplicava enquanto a tendência de crise e globalização ainda não tinha atingido a sua fase verdadeiramente universal, isto é, enquanto o processo de universalização ainda não tinha ultrapassado a sua massa crítica, que justamente já não apresenta mais nenhuma correspondente massa de trabalho rentável. Abstraindo disso, como é o caso da selecção de textos que se segue, então a teoria da globalização de Marx acerta em cheio na actual situação mundial, e ilumina ao mesmo tempo o seu carácter instável e explosivo, que não pode levar à constituição de nenhuma comunidade mundial positiva da humanidade, mas apenas ao asselvajamento numa “segunda natureza” tornada universal.

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O mercado mundial constitui ele próprio a base deste modo de produção, o capitalista industrial tem sempre à sua frente o mercado mundial

Não há dúvida nenhuma … que as grandes revoluções dos séculos XVI e XVII no comércio com os descobrimentos geográficos, que rapidamente elevaram o desenvolvimento do capital comercial, constituem um momento principal na promoção da passagem do modo de produção feudal para o capitalista. A súbita expansão do mercado mundial, a multiplicação das mercadorias em circulação, a rivalidade entre as nações europeias pela posse dos produtos asiáticos e dos tesouros americanos, o sistema colonial, contribuíram essencialmente para quebrar as barreiras feudais da produção ... E se, no século XVI e em parte ainda no século XVII, a súbita expansão do comércio e a criação de um novo mercado mundial exerceram influência preponderante sobre o ocaso do modo de produção antigo e a ascensão capitalista, aconteceu o contrário na base do modo de produção capitalista, uma vez ele criado. É o próprio mercado mundial que constitui a base desse modo de produção. Por outro lado, a necessidade imanente ao mesmo de produzir em escala cada vez maior leva à constante expansão do mercado mundial, de tal modo que aqui não é o comércio que revoluciona a indústria, mas é a indústria que constantemente revoluciona o comércio. Também o predomínio comercial está agora ligado à maior ou menor preponderância das condições da grande indústria. Compare-se, por exemplo, Inglaterra e Holanda. A história da decadência da Holanda, como nação comercial dominante, é a história da subordinação do capital comercial ao capital industrial … O capital comercial executa agora apenas o processo de circulação. Originalmente, o comércio foi o pressuposto para a transformação do ofício corporativo e doméstico no campo e da agricultura feudal em empresas capitalistas. Ele desenvolve o produto tornando-o mercadoria, em parte ao criar-lhe um mercado, em parte ao oferecer novos equivalentes das mercadorias e novas matérias-primas e auxiliares à produção, inaugurando assim ramos da produção à partida baseados no comércio, tanto na produção para o mercado interno e para o mercado mundial, quanto em condições de produção que se originam no mercado mundial. Assim que a manufactura se fortalece de alguma maneira, e ainda mais a grande indústria, ela cria por sua vez o mercado e conquista-o por meio das suas mercadorias. Agora o comércio torna-se servidor da produção industrial, para a qual a constante expansão do mercado é condição vital. Uma produção em massa cada vez mais extensa inunda o mercado existente e trabalha sempre na ampliação desse mercado, no rompimento dos seus limites. O que limita essa produção em massa não é o comércio (na medida em que este expressa apenas a procura existente), mas a grandeza do capital em funcionamento e a força produtiva do trabalho desenvolvida. O capitalista industrial tem sempre à sua frente o mercado mundial, compara, e tem de comparar constantemente, os seus próprios preços de custo com os preços de mercado, não só do próprio país, mas do mundo inteiro.

O Capital. Crítica da economia política, Livro terceiro, Primeira edição, editada por Friedrich Engels, 1894

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Incerteza e movimento permanentes, expedições completamente diferentes das antigas migrações de povos e das cruzadas

A grande indústria estabeleceu o mercado mundial que o descobrimento da América preparara. O mercado mundial deu ao comércio, à navegação, às comunicações por terra, um desenvolvimento incomensurável. Este, por sua vez, reagiu à expansão da indústria, e na mesma medida em que a indústria, o comércio, a navegação, os caminhos-de-ferro se estenderam, desenvolveu-se a burguesia, multiplicou os seus capitais …

Ela resolveu a dignidade pessoal no valor de troca, e no lugar das inúmeras liberdades bem adquiridas e certificadas pôs a liberdade única e sem escrúpulos do comércio …

Realizou maravilhas completamente diferentes das pirâmides egípcias, dos aquedutos romanos e das catedrais góticas, levou a cabo expedições completamente diferentes das antigas migrações de povos e das cruzadas.

A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, portanto as relações sociais todas ... O permanente revolucionamento da produção, o ininterrupto abalo de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento permanentes distinguem a época burguesa de todas as outras …

A necessidade de um escoamento sempre mais extenso para os seus produtos lança a burguesia por todo o globo terrestre. Tem de se implantar em toda a parte, instalar-se em toda a parte, estabelecer contactos em toda a parte.

A burguesia, pela sua exploração do mercado mundial, configurou de um modo cosmopolita a produção e o consumo de todos os países. Para grande pesar dos reaccionários, retirou à indústria a base nacional onde assentava os pés. As antiquíssimas indústrias nacionais foram aniquiladas, e são ainda diariamente aniquiladas. São desalojadas por novas indústrias cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas, por indústrias que já não laboram matérias-primas locais, mas matérias-primas oriundas das zonas mais afastadas, e cujos fabricos são consumidos não só no próprio país, mas simultaneamente em todas as partes do mundo. Para o lugar das velhas necessidades, satisfeitas por artigos do país, entram necessidades novas que exigem para a sua satisfação os produtos dos países e dos climas mais longínquos. Para o lugar da velha auto-suficiência e do velho isolamento locais e nacionais, entram um intercâmbio geral, uma dependência das nações umas das outras. E tal como na produção material, assim também na produção espiritual. Os produtos espirituais das nações singulares tornam-se bem comum. A unilateralidade e estreiteza nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis, e das muitas literaturas nacionais e locais forma-se uma literatura mundial.

A burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização. Os preços baratos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro. Compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia, se não quiserem arruinar-se; compele-as a introduzirem no seu seio a chamada civilização, ou seja, a tornarem-se burguesas. Numa palavra, ela cria para si um mundo à sua própria imagem.

Manifesto do Partido Comunista, 1848

Ora é apenas o foreign trade, a transformação do mercado em mercado mundial, que transforma o dinheiro em dinheiro mundial e o trabalho abstracto em trabalho social. A riqueza abstracta, o valor, o dinheiro, portanto, o  trabalho abstracto desenvolvem-se à medida que o trabalho concreto se desenvolve numa totalidade de diferentes modos de trabalho englobando o mercado mundial. A produção capitalista é baseada no valor, isto é, no desenvolvimento do trabalho contido no produto como trabalho social. Mas isto apenas na base do foreign trade e do mercado mundial. Que são, assim, tanto condição como resultado da produção capitalista.

Teorias sobre a mais-valia, escrito em 1862-1863

Nem todos os povos têm a mesma predisposição para a produção capitalista. Alguns povos de origem antiga, como os turcos, não têm temperamento nem disposição para isso. Mas são excepções. Com o desenvolvimento da produção capitalista cria-se um desenvolvimento average [médio] da sociedade burguesa, e com ele dos temperamentos e disposições dos mais diferentes povos. Essencialmente cosmopolita como o cristianismo. O cristianismo é por isso também religião especial do capital. Em ambas se trata apenas do Homem. Em si, um Homem tem tanto ou tão pouco valor como outro. Num caso, tudo depende de ele ter fé, no outro, de ele ter crédito. Acresce, num caso, a predestinação divina. No outro, o acaso de ter ou não dinheiro pelo nascimento.

Teorias sobre a mais-valia, escrito em 1862-1863

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A universalidade do capital encontra limites na sua própria natureza que constitui, ela própria, o maior limite desta tendência

Uma condição da produção baseada no capital é … a produção de um círculo sempre ampliado da circulação, seja porque o círculo é directamente ampliado, ou porque são criados nele mais pontos como pontos de produção. Se a circulação aparecia de início como grandeza dada, aqui ela aparece como grandeza em movimento e expandida pela própria produção. Em seguida, ela própria já aparece como um momento da produção. O capital, portanto, da mesma maneira que, por um lado, tem a tendência de criar continuamente mais trabalho excedente, tem a tendência complementar, por outro, de criar mais pontos de troca, ou seja, aqui do ponto de vista da mais-valia absoluta ou do trabalho excedente, de suscitar mais trabalho excedente como complemento para si mesmo; no fundo, de propagar a produção baseada no capital ou o modo de produção que lhe corresponde. A tendência de criar o mercado mundial está imediatamente dada no próprio conceito de capital. Cada limite aparece como barreira a ser ultrapassada. De início, o capital tem a tendência de submeter cada momento da própria produção à troca, e de abolir a produção de valores de uso imediatos que não entram na troca, ou seja, de pôr a produção baseada no capital no lugar de modos de produção anteriores, espontâneos e naturais do seu ponto de vista. O comércio já não aparece aqui como função operando entre as produções autónomas para a troca do seu excedente, mas como pressuposto e momento essencialmente universais da própria produção …

O capital, de acordo com esta sua tendência, move-se para além tanto das fronteiras e dos preconceitos nacionais quanto da divinização da natureza, bem como da satisfação tradicional das necessidades correntes, complacentemente circunscrita a certos limites, e da reprodução do modo de vida anterior. O capital é destrutivo de tudo isso e constantemente revoluciona, derruba todas as barreiras que impedem o desenvolvimento das forças produtivas, a ampliação das necessidades, a diversidade da produção e a exploração e troca das forças naturais e espirituais.

Porém, do facto de o capital pôr todo o limite desse género como barreira e, em consequência, a ultrapassar idealmente, não se segue de maneira nenhuma que a tenha ultrapassado realmente, e, como toda a barreira desse tipo contradiz a sua determinação, a sua produção move-se em contradições que são constantemente ultrapassadas, mas também são constantemente postas. Mais ainda. A universalidade para a qual o capital tende irresistivelmente encontra barreiras na sua própria natureza, barreiras que, num certo nível do seu desenvolvimento, permitirão reconhecer o próprio capital como a maior barreira a essa tendência e, por isso, levarão à sua abolição por ele mesmo.

Linhas gerais da crítica da economia política [Grundrisse], escrito em 1857-1858

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Necessidade de pesquisar procura no estrangeiro, universalização da concorrência

De resto, o capital consiste em mercadorias e, por isso, a superprodução de capital implica a de mercadorias. Daí o estranho fenómeno de que os mesmos economistas que negam a superprodução de mercadorias admitem a de capital. Quando se diz que não ocorre superprodução geral, mas desproporção entre os diferentes ramos da produção, isso quer dizer apenas que, dentro da produção capitalista, a proporcionalidade dos ramos individuais da produção se apresenta como processo constante a partir da desproporcionalidade, pelo facto de que aqui a conexão da produção global se impõe como lei cega dos agentes de produção, não como lei compreendida e por isso denominada por sua razão associada, submetendo o processo de produção ao seu controlo colectivo. Com isso, ademais se exige que países em que o modo de produção capitalista não esteja desenvolvido consumam e produzam num grau que é adequado aos países do modo de produção capitalista ... Como poderia, se assim não fosse, faltar procura das mesmas mercadorias das quais a massa do povo carece e como seria possível ter de buscar essa procura no exterior, em mercados distantes, para poder pagar aos trabalhadores em casa a média dos meios de subsistência necessários? Porque apenas nesse contexto específico, capitalista, o produto excedente ganha uma forma em que seu possuidor só pode colocá-lo à disposição do consumo se se retransformar em capital para ele.

O Capital. Crítica da economia política, Livro terceiro, Primeira edição, editada por Friedrich Engels, 1894

A concorrência em breve obrigou todos os países que queriam conservar o seu papel histórico a proteger as suas manufacturas com novas medidas alfandegárias (os velhos direitos já não serviam contra a grande indústria), e logo a seguir a introduzir a grande indústria sob a protecção de direitos alfandegários. A despeito destes meios de protecção, a grande indústria universalizou a concorrência (ela é a liberdade prática de comércio, os direitos alfandegários são nela apenas um paliativo, uma defesa na liberdade de comércio), estabeleceu os meios de comunicação e o mercado mundial moderno, submeteu a si o comércio, transformou todo o capital em capital industrial e criou assim a rápida circulação (o desenvolvimento da finança) e concentração dos capitais. Com a concorrência universal obrigou todos os indivíduos à mais intensa aplicação da sua energia. Aniquilou o mais possível a ideologia, a religião, a moral, etc., e onde não o conseguiu fez delas uma mentira palpável. Criou pela primeira vez a história universal, na medida em que tornou todas as nações civilizadas e todos os indivíduos nelas existentes dependentes de todo o mundo para a satisfação das suas necessidades, e aniquilou a exclusividade até aí natural de cada uma das nações. Subsumiu a ciência da natureza ao capital e retirou à divisão do trabalho a última aparência de naturalidade. Dum modo geral, aniquilou a naturalidade, tanto quanto é possível no seio do trabalho, e resolveu todas as relações naturais em relações de dinheiro. No lugar das cidades surgidas naturalmente criou as grandes cidades industriais modernas, nascidas de um dia para o outro. Onde penetrou, destruiu o artesanato e, dum modo geral, todas as fases anteriores da indústria. Completou a vitória da cidade comercial sobre o campo. O seu primeiro pressuposto é o sistema automático. O seu desenvolvimento criou uma massa de forças produtivas para as quais a propriedade privada se tornou um grilhão, do mesmo modo que a corporação para a manufactura e a pequena oficina rural para o artesanato em desenvolvimento. Sob a propriedade privada, estas forças produtivas recebem um desenvolvimento apenas unilateral, tornam-se forças destrutivas para a maioria, e uma grande quantidade destas forças não podem sequer ser aplicadas na propriedade privada.

A ideologia alemã, juntamente com Friedrich Engels, escrito em 1846

À medida que o comércio externo embaratece em parte os elementos do capital constante, em parte os meios de subsistência necessários em que o capital variável se converte, ele actua de forma a fazer crescer a taxa de lucro, ao elevar a taxa de mais-valia e ao reduzir o valor do capital constante. Ele actua em geral nesse sentido ao permitir a ampliação da escala da produção. Assim ele acelera, por um lado, a acumulação, por outro, também a redução do capital variável em relação ao capital constante, e com isso a queda da taxa de lucro. Da mesma maneira, a ampliação do comércio externo, embora tenha sido na infância do modo de produção capitalista a sua base, com o seu progresso tornou-se o seu próprio produto, pela necessidade intrínseca desse modo de produção, por sua necessidade de mercado sempre mais amplo. Aqui se manifesta novamente a mesma duplicidade do efeito …

Capitais investidos no comércio externo podem proporcionar taxa de lucro mais elevada, porque aqui, em primeiro lugar, concorre-se com mercadorias que são produzidas por outros países com menores facilidades de produção, de modo que o país mais adiantado vende as mercadorias acima do seu valor, embora mais barato do que os países concorrentes. A medida que o trabalho do país mais adiantado é valorizado aqui como trabalho de peso específico mais elevado, a taxa de lucro sobe, pois o trabalho que não é pago como qualitativamente mais elevado é vendido como tal. A mesma relação pode ocorrer no caso do país para onde são enviadas mercadorias e do qual são adquiridas mercadorias; que este, a saber, dê mais trabalho objectivado in natura do que recebe e que, não obstante, obtenha assim a mercadoria a preço mais baixo do que ele mesmo poderia produzir. Exactamente como o fabricante que usa uma nova invenção antes da sua generalização, vendendo mais barato do que seus concorrentes e mesmo assim vendendo acima do valor individual da sua mercadoria, ou seja, aproveita como mais-trabalho a força produtiva de trabalho especificamente mais elevada por ele empregada. Realiza assim um lucro excedente ... O que Ricardo, no entanto, imagina é nomeadamente o seguinte: com o preço mais alto alcançado no estrangeiro compram-se lá mercadorias que são enviadas para casa como retorno; essas mercadorias são, portanto, vendidas no mercado interno e, por conseguinte, isso no máximo pode configurar uma vantagem extraordinária temporária dessas esferas favorecidas da produção sobre outras. Essa aparência desaparece assim que se abstrai da forma-dinheiro. O país favorecido recebe mais trabalho de volta em troca de menos trabalho …

O mesmo comércio externo, porém, desenvolve no interior o modo de produção capitalista, e com isso a diminuição do capital variável em relação ao constante, e produz, por outro lado, superprodução em relação ao exterior, tendo por conseguinte, no decurso posterior, também o efeito contrário.

O Capital. Crítica da economia política, Livro terceiro, Primeira edição, editada por Friedrich Engels, 1894

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A religião do comércio livre

(Eles) põem em movimento um exército de missionários que se dirigem para todos os pontos da Inglaterra, a fim de pregarem a religião do comércio livre. Mandam imprimir e distribuir gratuitamente milhares de brochuras para esclarecer o operário acerca de seus próprios interesses. Despendem somas enormes para tornar a imprensa favorável à sua causa. Organizam uma vasta administração para dirigir o movimento do comércio livre e empregam todos os recursos da sua eloquência em comícios públicos. Foi num desses comícios que um operário exclamou:

"Se os proprietários territoriais vendessem os nossos ossos, vós, fabricantes, seríeis os primeiros a comprá-los, para os lançar num moinho a vapor e transformar em farinha".

Os operários ingleses compreenderam muito bem o significado da luta entre os proprietários fundiários e os capitalistas. Eles sabem muito bem que se queria baixar o preço do pão para baixar o salário, e que o lucro do capital aumentaria na proporção em que o ordenado diminuísse.

Ricardo, o apóstolo dos defensores do comércio livre ingleses, o mais notável dos economistas do nosso século, está neste ponto perfeitamente de acordo com os operários.

Diz ele na sua célebre obra sobre economia política:

"Se, em vez de cultivar trigo no nosso país … descobríssemos um novo mercado onde pudéssemos encontrá-lo a preços mais baixos, nesse caso os salários deveriam baixar e os lucros aumentar ... A baixa do preço dos produtos da agricultura reduz os salários não somente dos trabalhadores agrícolas, mas também de todos os que trabalham na indústria ou no comércio."

E não acrediteis, meus senhores, que seja completamente indiferente para o operário não receber mais de quatro francos estando o trigo mais barato, no lugar dos cinco francos que recebia anteriormente.

O seu salário não diminuiu em relação ao lucro? E não é claro que sua posição social piorou em em relação à do capitalista? Além disso, ele também perde, de facto.

Enquanto o preço do trigo estava mais alto, sendo o salário também mais elevado, uma pequena economia feita no consumo do pão bastava para proporcionar ao operário outros consumos, mas desde o momento que o pão e, com ele, o salário, baixam, ele não poderá economizar quase nada no pão para a aquisição de outras coisas …

Quando, no congresso dos economistas, o doutor Bowring tirou do bolso uma longa lista para mostrar a quantidade de carne de vaca, de presunto, de toucinho, de frangos, etc. que foram importados na Inglaterra para serem consumidos, disse ele, pelos operários, infelizmente esqueceu-se de dizer que nessa altura os trabalhadores de Manchester e de outras cidades fabris se viam postos na rua pela crise que começava.

Em princípio, em economia política nunca se pode juntar números de um único ano para deles deduzir leis gerais. Deve-se tomar sempre o termo médio de seis a sete anos — lapso de tempo durante o qual a indústria moderna passa por fases diferentes de prosperidade, superprodução, estagnação e crise, completando o seu ciclo fatal.

Sem dúvida, se os preços de todas as mercadorias descerem, e essa é a consequência necessária do comércio livre, eu poderia obter com um franco muito mais coisas do que antes. E o franco do operário vale tanto como qualquer outro. Logo, o comércio livre será muito vantajoso para o operário. Existe somente um pequeno inconveniente: é que o operário, antes de trocar o seu franco por outras mercadorias, tinha feito primeiro a troca do seu trabalho por capital. Se nessa troca ele recebesse sempre pelo mesmo trabalho o franco em questão, e se os preços de todas as outras mercadorias descessem, ele ganharia sempre nessa transação. O ponto difícil não está em provar que baixando o preço de todas as mercadorias terei mais mercadorias pelo mesmo dinheiro.

Os economistas consideram sempre o preço do trabalho no momento em que ele é trocado por outras mercadorias. Mas deixam inteiramente de lado o momento em que o trabalho efectua a sua troca por capital.

Se forem necessárias menos despesas para pôr em movimento a máquina que produz as mercadorias, as coisas indispensáveis para sustentar esta máquina que se chama trabalhador custarão igualmente menos. Se todas as mercadorias estiverem mais baratas, o trabalho, que é também uma mercadoria, baixará também de preço … esta mercadoria trabalho baixará proporcionalmente muito mais do que todas as outras mercadorias. O trabalhador, se confiar na argumentação dos economistas, verificará que o franco se derreteu no seu bolso, e que não lhe restam senão cinco soldos.

Os economistas dirão então: pois bem, convimos em que a concorrência entre os operários, a qual certamente não terá diminuído sob o regime do comércio livre, não tardará a colocar os salários de acordo com o preço baixo das mercadorias. Mas, por outro lado, o preço baixo das mercadorias determinará o aumento do consumo; o consumo maior exigirá uma maior produção, a qual será seguida de uma maior procura de força de trabalho, e a esta maior procura de força de trabalho sucederá uma subida dos salários.

Toda esta argumentação se reduz ao seguinte: o comércio livre aumenta as forças produtivas. Se a indústria cresce, se a riqueza, a força de produção, se, numa palavra, o capital produtivo aumenta a procura de trabalho, o preço do trabalho e por consequência o salário, aumentam igualmente. A melhor condição para o operário é o crescimento do capital. E é preciso concordar com isso. Se o capital permanecer estacionário, a indústria não permanecerá somente estacionária, mas declinará, e neste caso, o operário será a primeira vítima. Ele perecerá antes do capitalista. E se o capital continuar a crescer nesse estado de coisas que apontamos, o melhor para o operário, qual será a sua sorte? Perecerá igualmente. O crescimento do capital produtivo implica a acumulação e a concentração dos capitais. A concentração dos capitais leva a uma maior divisão do trabalho e a um maior emprego de máquinas. A maior divisão do trabalho destrói a especialização do trabalho, destrói a especialização do trabalhador, e, pondo no lugar desta especialização um trabalho que toda gente pode fazer, aumenta a concorrência entre os operários.

Esta concorrência torna-se ainda mais intensa, pois a divisão do trabalho permite ao operário fazer sozinho o trabalho de três pessoas. As máquinas produzem o mesmo resultado numa escala muito maior. O crescimento do capital produtivo, forçando os capitalistas industriais a trabalharem com meios sempre crescentes, arruína os pequenos industriais e atira-os para o proletariado …

Enfim, quanto mais aumenta o capital produtivo, mais é ele forçado a produzir para um mercado de que não conhece as necessidades. Quanto mais a produção precede ao consumo, mais a oferta procura forçar a procura, e, em consequência, as crises aumentam de intensidade e de rapidez …

Assim, à medida que o capital produtivo cresce, a concorrência entre os operários aumenta numa proporção muito mais intensa. A retribuição do trabalho diminui para todos, e o fardo do trabalho aumenta para alguns.

Em 1829, havia em Manchester 1.088 fiandeiros trabalhando em 36 fábricas. Em 1841 não havia senão 448, e estes movimentavam 53.353 fusos a mais do que os 1.088 operários de 1829. Se a relação do trabalho manual com a força produtiva tivesse aumentado proporcionalmente, o número dos operários teria sido de 1848; assim os melhoramentos técnicos tiraram o trabalho a 1.100 operários.

Sabemos com antecedência a resposta dos economistas. Estes homens privados de trabalho, dizem eles, encontrarão outro emprego. O Sr. Dr. Bowring não deixou de reproduzir este argumento no congresso dos economistas. Mas também não deixou de refutar-se a si mesmo.

Em 1833, o Sr. Dr. Bowring pronunciou um discurso na Câmara dos Comuns, a respeito dos 50.000 tecelões de Londres que havia muito tempo morriam de inanição, sem conseguirem encontrar esse novo emprego com que os propagandistas do comércio livre lhes acenavam.

Ouçamos as passagens mais importantes desse discurso do senhor doutor Bowring:

"A miséria dos tecelões manuais”, disse ele, “é a sorte inevitável de toda a espécie de trabalho que se aprende facilmente e a qualquer momento pode ser substituído por meios menos dispendiosos. Como neste caso a concorrência entre os operários é extremamente grande, a menor diminuição na procura produz uma crise. Os tecelões manuais encontram-se de algum modo colocados no limite extremo da existência humana. Um passo mais e a sua existência é impossível. O menor choque bastará para atirá-los ao caminho do aniquilamento. O progresso da técnica, suprimindo cada vez mais o trabalho manual, ocasiona infalivelmente muitos sofrimentos temporários no período de transição. O bem-estar nacional só pode ser obtido à custa de alguns males individuais. Não se avança na indústria senão com prejuízo dos retardatários; e, de todas as descobertas, o tear a vapor é a que mais pesadamente esmaga os tecelões manuais. Já em muitos artigos que se faziam à mão o tecelão foi posto fora de combate, mas ele será vencido em muitas outras coisas que ainda se fazem manualmente.”

“Tenho nas mãos”, diz ele mais adiante, “uma correspondência do governador geral das Índias Orientais com a Companhia das Índias Orientais. Esta correspondência diz respeito aos tecelões do distrito de Dacca. O governador diz nas suas cartas: há alguns anos a Companhia das Índias Orientais recebia de seis a oito milhões de peças de algodão que eram fabricadas nos teares do país; a procura caiu gradualmente e foi reduzida a cerca de um milhão de peças.

Neste momento ela cessou quase completamente. Além disso, em 1800 a América do Norte adquirira nas Índias cerca de 800.000 peças de algodão. Em 1830 não adquiriu nem 4.000. Enfim, em 1800, foi embarcado, para ser transportado para Portugal, um milhão de peças de algodão. Em 1830, Portugal não recebia senão 20.000.

Os relatórios sobre a miséria dos tecelões indianos são terríveis. E qual foi a origem desta miséria?

A presença no mercado dos produtos ingleses; a produção do artigo por meio do tear a vapor. Um número muito grande de tecelões morreu na miséria; o restante passou para outras ocupações, sobretudo para os trabalhos agrícolas. Não conseguir mudar de ocupação equivalia a uma sentença de morte. Neste momento o distrito de Dacca está repleto de fios e de tecidos ingleses. A musselina de Dacca, famosa no mundo inteiro pela sua beleza e pela firmeza da sua textura, também foi feita desaparecer pela concorrência das máquinas inglesas. Em toda a história do comércio, seria talvez difícil encontrar sofrimentos semelhantes aos que tiveram de suportar classes inteiras nas Índias Orientais."

O discurso do senhor doutor Bowring é notável, principalmente por serem exactos os factos nele citados, e as frases com que tenta mitigá-los têm o carácter da hipocrisia comum a todos os sermões sobre comércio livre. Ele apresenta os operários como meios de produção que têm de ser substituídos por outros meios de produção menos dispendiosos. Finge ver no trabalho de que fala um trabalho inteiramente excepcional, e na máquina que esmagou os tecelões uma máquina igualmente excepcional. Esquece-se de que não há trabalho manual que não possa sofrer um dia a sorte da tecelagem.

"O objectivo e a tendência constantes de todo o aperfeiçoamento mecânico são, com efeito, dispensar inteiramente o trabalho humano, ou diminuir o seu preço, substituindo o operário adulto por mulheres e crianças, ou colocando serventes no lugar de trabalhadores experimentados. Na maior parte das fiações de teares contínuos, em inglês throstle-mills, a fiação é inteiramente executada por mocinhas de dezasseis anos e menores. A introdução da máquina de fiar automática em substituição da manual teve como efeito o desemprego da maior parte dos fiandeiros, sendo mantidos no trabalho as crianças e os adolescentes."

Estas palavras do apaixonado do comércio livre, o Sr. Dr. Ure, servem para completar as confissões do Sr. Dr. Bowring. O sr. Bowring fala de alguns males individuais, e diz ao mesmo tempo que estes males individuais fazem perecer classes inteiras; fala dos sofrimentos passageiros do período de transição, sem contudo procurar dissimular que estes sofrimentos passageiros consistiram para a maior parte dos trabalhadores na passagem da vida para a morte, e para a parte restante na passagem de uma situação melhor para outra pior ...

E porque será ainda uma questão a ser resolvida, a influência que a efectivação do comércio livre exercerá sobre a situação da classe operária? Todas as leis que os economistas expuseram, desde Quesnay até Ricardo, foram estabelecidas na suposição de deixarem de existir os entraves que ainda dificultam a liberdade comercial. Estas leis confirmam-se à medida que o comércio livre se torna uma realidade. A primeira destas leis é que a concorrência reduz o preço de qualquer mercadoria ao mínimo do seu custo de produção. Assim, o mínimo de salário é o preço natural do trabalho. E que é o mínimo de salário? É precisamente o necessário para fazer produzir os objectos indispensáveis ao sustento do operário, para pô-lo em condições de labutar …

Mas isso não é tudo. O progresso da indústria produz meios de existência menos custosos. É assim que a aguardente substituiu a cerveja, o algodão substituiu a lã e o linho, e a batata substituiu o pão.

Assim, como se encontra sempre meio de alimentar o trabalho com coisas menos caras e mais miseráveis, o mínimo de salário vai sempre diminuindo. Se este salário começou por fazer trabalhar o homem para viver, ele acabou fazendo o homem viver uma vida de máquina. A sua existência não tem outro valor senão o de uma simples força produtiva, e o capitalista trata-o em consequência.

Esta lei da mercadoria trabalho, do mínimo do salário, verifica-se à medida que o pressuposto dos economistas, o comércio livre, se torna uma realidade, um facto. Assim, das duas uma: ou é preciso renegar toda a economia política baseada no pressuposto do comércio livre, ou então é preciso convir que os operários serão atingidos por todo o rigor das leis económicas neste regime de comércio livre.

Em resumo: no estado actual da sociedade, que é, pois, o comércio livre? É a liberdade do capital. Quando caírem os poucos entraves nacionais que ainda dificultam a marcha do capital, apenas então estará inteiramente libertada a sua acção ...

Admiti por um instante que não haja mais leis sobre os cereais, nem taxas aduaneiras locais ou nacionais, enfim, que todas as circunstâncias acidentais, às quais o operário pode ainda atribuir a culpa da sua situação de miséria, tenham desaparecido inteiramente, e tereis rasgado outros tantos véus que ocultam aos seus olhos o seu verdadeiro inimigo.

Ele verá que o capital libertado não o escraviza menos que o capital sobrecarregado com barreiras aduaneiras.

Meus senhores! Não vos deixeis impressionar com a palavra abstrata liberdade. Liberdade para quem? Esta não é a liberdade de um simples indivíduo perante outro indivíduo. É a liberdade que o capital tem para esmagar o operário.

Porque pretendeis ainda sancionar a livre concorrência com esta ideia de liberdade, quando esta ideia de liberdade não é senão o produto de uma situação baseada na livre concorrência?

Já vimos o que é a fraternidade que o comércio livre faz nascer entre as diferentes classes de uma só e mesma nação. A fraternidade que o comércio livre viesse a estabelecer entre as diversas nações da Terra dificilmente seria mais fraternal. Designar pelo nome de fraternidade universal a exploração na sua forma cosmopolita é uma ideia que não poderia ter origem senão no seio da burguesia. Todos os fenómenos destruidores que a livre concorrência faz nascer no interior de um país se reproduzem em proporções ainda mais gigantescas no mercado mundial. Não temos necessidade de nos deter mais longamente nos sofismas que expendem sobre este assunto os defensores do comércio livre …

Dizem-nos, por exemplo, que o comércio livre faria nascer uma divisão internacional do trabalho, a qual atribuiria a cada país uma produção de harmonia com os seus recursos naturais.

Pensais talvez, senhores, que a produção de café e de açúcar é o destino natural das Índias Ocidentais.

Dois séculos antes, a natureza, que não se preocupa muito com comércio, não havia colocado naquela região nem cafeeiros nem cana de açúcar.

E não se passará talvez nem meio século, e não encontrareis mais ali nem café nem açúcar, pois as Índias Orientais, com uma produção mais barata, já enfrentaram vitoriosamente este pretenso destino natural das Índias Ocidentais. E estas Índias Ocidentais com seus dons naturais já são para os ingleses um fardo tão pesado como os tecelões de Dacca, que também estavam destinados desde a origem dos tempos a tecer à mão.

Outra coisa que nunca se deve perder de vista é que, como tudo se tornou monopólio, há também em nossos dias alguns ramos industriais que dominam todos os outros e que asseguram aos povos que mais os exploram o domínio do mercado mundial. É assim que no comércio internacional o algodão sozinho tem um maior valor comercial do que todas as outras matérias-primas empregadas no fabrico de vestuário. E é verdadeiramente ridículo como os defensores do comércio livre isolam uns poucos produtos em cada ramo industrial para compará-los com os produtos de uso comum que se produzem a preços mais baixos nos países onde a indústria se encontra mais desenvolvida …

Mas não acrediteis, meus senhores, que fazendo a crítica da liberdade de comércio temos a intenção de defender o sistema protecionista.

Pode-se combater o constitucionalismo sem por isso ser amigo do absolutismo.

Aliás, o sistema protecionista não é senão um meio de se estabelecer numa nação a grande indústria, isto é, de fazê-la depender do mercado mundial, e desde que se dependa do mercado mundial já se depende mais ou menos do comércio livre. Além disso, o sistema protecionista contribui para desenvolver a livre concorrência no interior de um país …

Mas, em geral, nos nossos dias, o sistema proteccionista é conservador, enquanto o sistema de comércio livre é destruidor. Ele dissolve as antigas nacionalidades e leva ao extremo o antagonismo entre a burguesia e o proletariado. Numa palavra, o sistema da liberdade de comércio apressa a revolução social. É somente neste sentido revolucionário, meus senhores, que eu voto a favor do comércio livre.

Discurso sobre a questão do comércio livre, 1848

(Uma) olhadela à revista médica The Lancet mostra que a falsificação e envenenamento de produtos alimentares foram sempre a par com  o comércio livre. Todas as semanas The Lancet provoca um novo pânico em Londres ao descobrir sempre novos mistérios. A revista encarregou toda uma comissão de inquérito, composta por médicos, químicos etc., de examinar os alimentos à venda em Londres. E os relatórios referem regularmente que tudo é envenenado: o café, o chá, o vinagre, a pimenta, o legumes de marinada etc. Os métodos da política comercial burguesa, tanto do comércio livre como do proteccionismo, são naturalmente inaptos para fazer frente a estes problemas, que são a consequência natural e necessária da base económica da sociedade burguesa. E a existência de um milhão de pobres nas casas de trabalho britânicas está tão indissociavelmente ligada à prosperidade britânica como a existência de 18 a 20 milhões em ouro no Banco de Inglaterra.

Isto tem de ser constatado de uma vez por todas, contra os fantasistas burgueses que, por um lado, apresentam como resultado do comércio livre o que não é senão um fenómeno concomitante a cada período de prosperidade nos ciclos comerciais, e, por outro lado, esperam da prosperidade burguesa coisas que lhe é impossível conseguir alcançar.

Pauperismo e comércio livre. A crise comercial iminente, 1852

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Cada capitalista mata muitos outros: A concentração e centralização do capital

Cada capital individual é uma concentração maior ou menor de meios de produção com comando correspondente sobre um exército maior ou menor de trabalhadores. Cada acumulação torna-se meio de nova acumulação. Com a massa multiplicada da riqueza que funciona como capital, ela amplia a sua concentração nas mãos de capitalistas individuais e, portanto, a base da produção em larga escala e dos métodos de produção especificamente capitalistas. O crescimento do capital social realiza-se no crescimento de muitos capitais individuais. Pressupondo-se as demais circunstâncias constantes, os capitais individuais crescem, e com eles a concentração dos meios de produção, na proporção em que constituem partes alíquotas do capital global da sociedade. Ao mesmo tempo, filiais dos capitais originais destacam-se e passam a funcionar como novos capitais autónomos. Nisso desempenha um grande papel, entre outros factores, a partilha da fortuna das famílias capitalistas. Com a acumulação do capital cresce portanto, em maior ou menor proporção, o número dos capitalistas. Dois pontos caracterizam essa espécie de concentração, que repousa directamente na acumulação, ou melhor, é idêntica com ela. Primeiro: a crescente concentração dos meios de produção social nas mãos de capitalistas individuais, permanecendo constantes as demais circunstâncias, é limitada pelo grau de crescimento da riqueza social. Segundo: a parte do capital social localizada em cada esfera específica da produção está repartida entre muitos capitalistas, que se confrontam como produtores de mercadorias independentes e reciprocamente concorrentes. A acumulação e a concentração que a acompanha não apenas estão dispersas em muitos pontos, mas o crescimento dos capitais em funcionamento é entrecruzado pela constituição de novos capitais e pela fragmentação de capitais antigos. Assim, se a acumulação se apresenta, por um lado, como concentração crescente dos meios de produção e do comando sobre o trabalho, por outro lado ela aparece como repulsão recíproca entre muitos capitais individuais.

Essa dispersão do capital global da sociedade em muitos capitais individuais ou a repulsão recíproca entre suas fracções funciona contra a sua atracção. Esta já não é concentração simples, idêntica à acumulação de meios de produção e de comando sobre o trabalho. É concentração de capitais já constituídos, supressão da sua autonomia individual, expropriação de capitalista por capitalista, transformação de muitos capitais menores em poucos capitais maiores. Esse processo distingue-se do primeiro porque pressupõe apenas divisão alterada dos capitais já existentes e em funcionamento, não estando o seu campo de acção, portanto, limitado pelo crescimento absoluto da riqueza social ou pelos limites absolutos da acumulação. O capital expande-se aqui numa mão, até atingir grandes massas, porque acolá ele é perdido por muitas mãos. É a centralização propriamente dita, distinguindo-se da acumulação e da concentração …

A concorrência desencadeia-se aí com fúria directamente proporcional ao número e em proporção inversa à grandeza dos capitais rivais. Termina sempre com a ruína de muitos capitalistas menores, cujos capitais em parte se transferem para a mão do vencedor, em parte soçobram. Independentemente disso, com a produção capitalista constitui-se uma potência inteiramente nova, o sistema de crédito, que em seus primórdios se insinua furtivamente como modesto auxiliar da acumulação, levando por fios invisíveis recursos monetários dispersos em massas maiores ou menores pela superfície da sociedade às mãos de capitalistas individuais ou associados, mas logo se torna uma nova e temível arma na luta da concorrência e, finalmente, transforma-se num enorme mecanismo social para a centralização dos capitais.

À medida que se desenvolve a produção e acumulação capitalista, na mesma medida se desenvolvem a concorrência e o crédito, as duas mais poderosas alavancas da centralização. Paralelamente, o progresso da acumulação multiplica a matéria centralizável, isto é, os capitais individuais, enquanto a expansão da produção capitalista cria aqui a necessidade social, acolá os meios técnicos, para aquelas poderosas empresas industriais cuja realização se liga a uma centralização prévia do capital. Hoje, portanto, a força de atração recíproca dos capitais individuais e a tendência à centralização são mais fortes do que em qualquer ocasião anterior. Mas, embora a expansão relativa e o ímpeto do movimento centralizador sejam determinados até certo ponto pela grandeza já atingida da riqueza capitalista e pela superioridade do mecanismo económico, o progresso da centralização não depende de modo nenhum do crescimento positivo da grandeza do capital social. E especialmente isso diferencia a centralização da concentração, que é apenas outra expressão para a reprodução em escala ampliada. A centralização pode ocorrer por meio de mera mudança da distribuição de capitais já existentes, mediante mudança simples do agrupamento quantitativo dos componentes do capital social. O capital pode crescer aqui numa mão até formar massas grandiosas, porque acolá ele é retirado de muitas mãos individuais. Em dado ramo de negócios, a centralização teria alcançado o seu limite último se todos os capitais aí investidos fossem fundidos num só capital individual. Em dada sociedade, esse limite seria alcançado no instante em que o capital global da sociedade estivesse reunido na mão seja de um único capitalista, seja de uma única sociedade de capitalistas.

A centralização completa a obra da acumulação, ao colocar os capitalistas industriais em condições de expandir a escala das suas operações. Seja esse último resultado agora consequência da acumulação ou da centralização; ocorra a centralização pelo caminho violento da anexação — onde certos capitais se tornam centros de gravitação tão superiores para outros que lhes rompem a coesão individual e depois atraem para si os fragmentos isolados — ou ocorra a fusão de uma porção de capitais já constituídos ou em vias de constituição mediante o procedimento mais tranquilo da formação de sociedades por acções — o efeito económico é o mesmo. A expansão acrescida dos estabelecimentos industriais constitui por toda a parte o ponto de partida para uma organização mais abrangente do trabalho colectivo de muitos, para um desenvolvimento mais amplo das suas forças motrizes materiais, isto é, para a conversão progressiva de processos de produção isolados e rotineiros em processos de produção socialmente combinados e cientificamente dispostos.

Mas é claro que a acumulação, o aumento paulatino do capital pela reprodução que passa da forma circular para a forma de espiral, é um processo bastante lento, se comparado com a centralização, que só precisa alterar o agrupamento quantitativo das partes integrantes do capital social. O mundo ainda estaria sem caminhos de ferro se ficasse à espera até que a acumulação de alguns capitais individuais alcançasse o tamanho requerido para a construção de uma via férrea. No entanto, a centralização mediante as sociedades por acções chegou a esse resultado num piscar de olhos. E enquanto a centralização assim reforça e acelera os efeitos da acumulação, amplia e acelera simultaneamente as revoluções na composição técnica do capital, que aumentam a sua parte constante à custa de sua parte variável e, com isso, diminuem a procura relativa de trabalho.

As massas de capital soldadas entre si da noite para o dia pela centralização reproduzem-se e multiplicam-se como as outras, só que mais rapidamente, e tornam-se assim novas e poderosas alavancas da acumulação social. Ao falar, portanto, do progresso da acumulação social — hoje –, os efeitos da centralização estão implícitos.

Os capitais adicionais constituídos no decurso da acumulação normal servem preferencialmente como veículo para a exploração de novas invenções e descobertas, sobretudo de aperfeiçoamentos industriais. Mas também o velho capital alcança com o tempo o momento da sua renovação da cabeça aos pés, quando ele muda de pele e igualmente renasce na configuração técnica aperfeiçoada, em que uma massa menor de trabalho basta para pôr em movimento uma massa maior de maquinaria e matérias-primas. A diminuição absoluta da procura de trabalho que necessariamente daí deriva torna-se, como é óbvio, tanto maior quanto mais os capitais que passam por esse processo de renovação estiverem acumulados em massas, graças ao movimento centralizador…

O que está agora para ser expropriado já não é o trabalhador economicamente autónomo, mas o capitalista que explora muitos trabalhadores.

Essa expropriação faz-se por meio do jogo das leis imanentes da própria produção capitalista, por meio da centralização dos capitais. Cada capitalista mata muitos outros. Paralelamente a essa centralização ou à expropriação de muitos capitalistas por poucos, desenvolve-se a forma cooperativa do processo de trabalho em escala sempre crescente, a aplicação técnica consciente da ciência, a exploração planificada da terra, a transformação dos meios de trabalho em meios de trabalho utilizáveis apenas colectivamente, a economia de todos os meios de produção mediante seu uso como meios de produção combinados, o trabalho social, o entrelaçamento de todos os povos na rede do mercado mundial e, com isso, o carácter internacional do regime capitalista ... A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho atingem um ponto em que se tornam incompatíveis com seu invólucro capitalista. Ele é rebentado.

O Capital. Crítica da economia política, Livro primeiro, Quarta edição, 1890

Abstraindo do terror que inspira aos economistas, a consequência mais importante da lei da queda da taxa de lucro é que ela pressupõe uma concentração sempre crescente dos capitais, ou seja, uma descapitalização sempre crescente dos capitalistas mais pequenos. Este é o resultado geral de todas as leis da produção capitalista. E, se despojarmos este facto do carácter contraditório que ele assume na base da produção capitalista, o que é que ele exprime, este progresso da centralização? Nada mais que o facto de a produção estar a perder o seu carácter privado e a tornar-se um processo social, não formalmente, como no caso da troca a produção é social através da absoluta dependência dos produtores entre si e da necessidade de apresentarem o seu trabalho como abstractamente social (dinheiro), mas realmente.

Teorias sobre a mais-valia, escrito em 1862-1863


Inclusão: 03/11/2020