O caso está a ficar a sério

Robert Kurz

Agosto de 2004


Primeira Edição: ES GEHT ANS EINGEMACHTE em www.exit-online.org.

Tradução: Nikola Grabski

Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Quem se recorda ainda do tópico dos anos 80, a sociedade dos dois terços? Naquele tempo, era considerada uma péssima perspectiva que um terço da população da RFA pudesse fazer parte dos perdedores. No reverso desta afirmação estava no entanto subjacente a plena satisfação de que mesmo assim dois terços continuariam bem abastecidos. Isto prometia estabilidade social. E aqueles que estão na escuridão não se vêem. Porém, entretanto, a escuridão está a expandir-se com tremenda velocidade. As contra-reformas de Hartz já estão a apontar ao centro da pirâmide social. Sociedade de dois terços passa a significar, na perspectiva de hoje, que apenas um terço ainda continua numa posição socialmente boa e a grande maioria pertence aos perdedores. No limite inferior, onde estão os velhos, os doentes crónicos, os desempregados a longo prazo, os pais solteiros etc. já há agora processos de empobrecimento até à miséria. E o actual ataque social do "assassino de custos Schrempp" ao pessoal da Daimler em Sindelfingen evidencia que agora se anda à caça até no terço superior.

Há finalmente um começo de uma defesa real, com as greves, ao contrário dos muitos manifestos meramente simbólicos e até chorosos, que acompanhavam as restrições sociais nos últimos anos. Será que é agora que vai voltar a luta de classes como clássica luta de distribuição? Isso é improvável por várias razões. Não só porque o sector chave da indústria automóvel está perante uma redução mundial de sobre-capacidades. A Daimler comprou com a Chrysler e a Mitsubishi, candidatas à morte, por astronómicas quantias (emprestadas). Sobretudo, até os lucros das companhias maiores são duvidosos, porque muitas vezes "pintados" de forma capitalista-financeira. Todos, no fundo, sabem isto, e por isso os empregados não podem simplesmente entrar no comboio da acumulação real mundial e exigir a sua quota-parte. Os interesses vitais já não são defensáveis em conformidade com o sistema.

Por outro lado, já não se pode continuar a falar do "braço forte" que faz parar todas as rodas. Os empregados estão enfraquecidos e estilhaçados pelo outsourcing. Antes de mais nada, porém, domina na "constituição orgânica do capital" (Marx), há muito tempo e cada vez mais, o emprego dos meios materiais cientificizados. Os preços destes quase não são rebaixáveis através de pressões, ao contrário do preço do bem mão-de-obra. Por isso a alavanca dos custos é colocada aqui, se bem que o trabalho é, do ponto de vista da economia industrial, um factor de produção em diminuição rápida. A verdadeira "classe que cria mais valia" está a encolher, é nisso que consiste o limite intrínseco da acumulação. E é por isso que esta base se tornou demasiado estreita para uma resistência social com força convincente. A multidão social não consiste apenas nos desempregados tradicionais, mas também nos pseudo trabalhadores por conta própria, nas "Eu, S.A." (= empresários em nome individual), patrões de empresas de miséria (como há no negócio dos transportes), empreiteiros precarizados de serviços de transferência, gente em ocupações de espera (cursos do centro de emprego, etc.). O "trabalho", que foi a base da antiga luta de classes, tornou-se obsoleto.

Sob estas condições, o que está a prosperar é a concorrência de crise em vez da resistência determinada. Segundo um inquérito da Forsa, mais de 50 por cento dos cidadãos da RFA aprovam o trabalho extraordinário não pago. Para uma resolidarização seria necessário primeiramente uma mobilização que rompesse o quadro da ocupação laboral empresarial e ocupasse um outro nível organizativo social. A greve tradicional como meio de luta tem que ser complementada pelo bloqueio das veias capitalistas, no âmbito do qual também a multidão dos não empregados poderia participar. Em segundo lugar, torna-se decisivo o debate sobre alternativas sociais além do trabalho assalariado, economia empresarial, valorização do dinheiro, mercado e Estado. Não porque seja desde já alcançável uma sociedade diferente, mas porque só assim haverá um quadro de referência para a superação da concorrência de crise. O caso está a ficar a sério. Precisamente por isso tem de ser reinventado o "espectro do comunismo".


Inclusão: 23/03/2020