A Substância do Capital
O trabalho abstracto como metafísica real social e o limite interno absoluto da valorização

Robert Kurz


Primeira parte: A qualidade histórico-social negativa da abstracção "trabalho"
O Absoluto [Absolutheit] e a relatividade na História. Para a crítica da redução fenomenológica da teoria social


Vendo bem, quase sempre se pode constatar que existe algo como correspondências e correlações entre mudanças históricas completamente diferentes, em áreas do saber ou domínios da vida aparentemente bem afastados entre si. No sistema produtor de mercadorias da modernidade, e já na sua constituição primitiva, áreas como a filosofia, a medicina, a economia, a ciência da natureza, a política, a linguagem, etc., embora não se desenvolvessem ao mesmo ritmo, desenvolveram-se ainda assim numa direcção comum, remetendo sempre objectivamente umas para as outras. O motivo para esta por vezes surpreendente concordância ou correlação terá de ser evidentemente procurado no desenvolvimento da respectiva formação social, que constitui o laço comum intrínseco aos vários domínios existenciais, áreas do saber e conhecimentos. Com isto também já se diz que não pode haver um saber absoluto no modus existencial da temporalidade: todo o saber, mesmo o que parece puramente objectivo, "rígido", intemporal, é histórico-socialmente condicionado e assim é de certa maneira (nada aleatória) relativo.

Aparentemente este conhecimento da relatividade constitui um progresso do saber nos séculos XIX e XX que, vindo da historiografia (desde o historicismo) e passando pela economia política (doutrina do valor subjectiva ou relacionalista), a ciência da natureza (física quântica), a linguística (Saussure) e a filosofia (o "pensamento pós-metafísico", a "viragem linguística"), vai desembocar no generalizado anti-essencialismo e relativismo pós-modernos.

Mas tudo isso não passa de aparência. Precisamente porque o saber e o conhecimento são sempre determinados por um contexto histórico-social, condicionados como estão por formas sociais fetichistas que implicam dominação e relações de coacção (outras até à data não são conhecidas), também ficam sempre sob a égide do pensamento apologético. Onde o saber é por si saber da dominação, as coisas nem podem ser de outro modo. No sistema produtor de mercadorias da modernidade esta apologética assume a forma da ideologia. Por isso, não basta simplesmente encarar o saber e o conhecimento apenas na sua relatividade (como faz em grande medida o pensamento pós-moderno); antes, e para além disso, esse condicionamento tem de ser sujeito a uma análise crítica da ideologia, sendo esta análise posta em relação com o respectivo processo histórico-social real. Em todo o caso é o que se impõe quando a reflexão pretende inserir-se no contexto de uma necessidade emancipatória e crítica da dominação.

Mas, se for tido em consideração este plano da reflexão crítica da ideologia, o conhecimento da relatividade tem de ser examinado quanto ao seu potencial ideológico e apologético. O pensamento pós-moderno tenta pôr-se fora do alcance deste ponto de vista, colocando logo o modus da crítica da ideologia per se sob a suspeição de "metafísica" e "essencialismo". Faz-se de conta que o ponto de vista ou a bitola da crítica da ideologia são desde sempre absolutos, totalitários, ontológicos ou metafísicos. Assim, no entanto, a observação vira-se numa direcção ela mesma metafísica, sendo que paradoxalmente é a relatividade nem mais nem menos que é elevada ao estatuto de Absoluto. O que assim fica de fora é o conceito de crítica em sentido estrito, uma vez que o plano de referência da relatividade não é clarificado.

Na realidade, porém, a dita relatividade só pode referir-se ao facto de que o saber e o conhecimento estão ligados a um determinado lugar histórico, não apenas no sentido de uma respectividade imediata, mas no sentido de uma formação social abrangente e determinada; ou afirmativamente, de modo positivo (positivista), ou criticamente, de modo negativo. A crítica, portanto, está presa negativamente ao seu lugar histórico, pois faz da formação social pertencente a esse lugar e da relação de dominação correspondente o objecto da sua negação (o que de resto remete para a possibilidade da transcendência, como movimento para fora da imanência). O que significa, no entanto, que a crítica apenas pode ser uma crítica determinada, a saber, uma crítica em referência a esse lugar histórico, encarado como formação social histórica, contendo nesta medida um momento de negação absoluta, mesmo que apenas relativamente a esse campo específico: nomeadamente a sua radicalidade contra a constituição da forma social dominante, sem que por isso deixe de ser bem relativa em referência a um contexto mais vasto, sendo capaz de reflectir isso mesmo.

A negação tem de ser absoluta relativamente ao seu conteúdo, que não é outra coisa senão a forma social, ela própria negativa e por isso a ser negada: a forma da reprodução e do sujeito destrutiva e fetichista, da qual nada pode restar a não ser a experiência traumática a ela associada, que permanece armazenada na memória da humanidade. Relativamente a esta forma do fetiche objecto da crítica a negação tem de ser absoluta, pois caso contrário não seria negação.

O problema do pensamento pós-moderno e das correntes de pensamento que remontam ao século XIX, a partir das quais o mesmo se compõe e edifica, consiste precisamente no facto de não ter sido desenvolvido qualquer critério para distinguir os planos de referência da relatividade, no âmbito da história da humanidade como história de "culturas" ou formações sociais, por um lado e, por outro lado, como determinação ou situação absoluta num espaço histórico limitado, ele próprio negativo, de uma determinada formação. Por outras palavras: não é estabelecida uma diferença essencial entre constituições da forma social historicamente diversas, e assim sendo também não é constituída qualquer concepção específica do moderno sistema produtor de mercadorias e das suas categorias da forma de base. Neste sentido estrito, as teorias pós-modernas, tal como as suas predecessoras, no fundo não reflectem precisamente o próprio condicionamento histórico-social, nem a correspondente relatividade. O trabalho (abstracto), o valor, a mercadoria, o dinheiro, o mercado, a concorrência, o estado, a nação, a política, etc. bem podem passar por "constructos culturais", tal como todas as outras manifestações sociais "quaisquer", mas nem por isso se revelam menos ontológicos que na ideologia burguesa vulgar, tal como ela foi herdada também pelo marxismo do movimento operário.

Assim, o relativismo a este respeito irreflectido também relativiza a diferença entre a relatividade de um determinado lugar histórico, por um lado, e a determinação ou o Absoluto no interior desse lugar, por outro; não se interessa pela diferença entre o espaço histórico total da humanidade, no qual as variadas constituições historico-sociais e as respectivas formas do saber e do conhecimento se posicionam reciprocamente de um modo relativo, e o espaço interno de uma determinada formação, no qual predomina um Absoluto interno, ou pelo menos uma pretensão real correspondente, nomeadamente a da constituição da respectiva forma fetichista, que é para ser rompida.

Esta imprecisão tem consequências para o conceito de crítica, que com isso se torna ele próprio impreciso e indeterminado. As categorias de base da constituição social desaparecem atrás do movimento interno desta. A crítica é fenomenologicamente reduzida, refere-se já apenas a uma determinada acção ou omissão no seio das categorias esmaecidas. É verdade que estas, no pensamento pós-moderno, na maior parte dos casos já não são imediatamente afirmadas como positivas; mas tal deve-se apenas ao facto de nem sequer chegarem a ser elevadas a objectos da reflexão. Onde tudo é tratado indistintamente como sendo um "constructo" deixa de haver graus de rigidez e dimensões de profundidade diversos; é nivelada a diferença entre explicações aparentes de cariz ideológico e a aparência real da forma do fetiche. A essência ou substancialidade categorial da formação histórica da sociedade permanece por reflectir, portanto também por criticar.

Assim surge uma inversão paradoxal da relação entre o processo social real e a ideologia; melhor dizendo, essa relação em certa medida é escamoteada pura e simplesmente, e é precisamente deste modo que o relativismo se converte a si mesmo numa miserável ideologia. A substância real negativa da relação de fetiche é subtraída à crítica radical, na medida em que a "substancialidade" se apresenta em princípio como apenas proveniente de uma pretensão totalitária do pensamento ou da imaginação. Deste modo a questão fica de pernas para o ar: a crítica radical é acusada daquilo que deveria ser imputado à relação social real. Em vez da relação real subjacente é a crítica da ideologia que aparece como "totalitária".

Este é portanto o modo como o conhecimento da relatividade se converte em ideologia apologética. No que diz respeito ao moderno sistema produtor de mercadorias, o seu conceito de capital dissolve-se assim num sistema sem conceito de "relações de poder" relacionais; nesta medida, não obstante toda a crítica do sujeito pós-moderna, reproduz-se o regresso à ilusão burguesa da vontade, se bem que reduzida às mudanças internas de "constructos" sociais todos representados no mesmo plano. Esta relacionalidade já ideológica é em seguida "exo-diferenciada" e declinada nas diversas áreas da reprodução e da vida. Deste modo a crítica continua pendente na particularidade dos fenómenos (das relações de poder na medicina à prática de deportação nos serviços de estrangeiros, dos "constructos" do racismo à retórica política dos constrangimentos objectivos), sem jamais poder debruçar-se sobre o todo da conexão da forma social, uma vez que esta já não dispõe de qualquer conceito substancial.

Esta dissolução da "essência" histórico-social na relacionalidade fenomenológica de relações de poder e na respectiva construção ou desconstrução encobre assim, queira-se ou não, a substancialidade negativa então já não denominável das categorias reais capitalistas. Com isso, porém, perde-se precisamente o potencial crítico do conhecimento da relatividade. É que esta apenas poderia manifestar-se socialmente num movimento de transformação emancipatório se a real pretensão de validade absoluta da forma fetichista dominante fosse rompida precisamente no seu conteúdo substancial.

Que, por exemplo, diversas áreas da existência e de actividade têm cada uma por si a sua própria lógica, a sua própria pretensão, o seu próprio sentido, etc., que não podem ser abarcadas pela pretensão de validade absoluta de um único princípio totalitário, apenas chegando a constituir um todo na relatividade do respectivo contexto relacional, todo esse que não pode ser reduzido a uma forma única e à substância igualmente única da mesma — é este o conhecimento que importa começar a afirmar, contra o violento substancialismo real do moderno sistema produtor de mercadorias em geral.

É por tudo isto que nem sequer é possível chegar a uma crítica radical sem o conceito de uma substancialidade negativa da relação de valor ou de capital. Por outro lado, a pretensão de Absoluto desta substancialidade negativa também entra em conflito com a própria constituição física do mundo, manifestando-se sob a forma de um processo destrutivo aniquilador da vida; sobretudo, porém, esta pretensão entra igualmente em conflito com a contraditoriedade interna da substancialidade capitalista enquanto tal, e assim se manifesta sob a forma de processo de crise endémico desta formação histórico-social. É por isso que sem o conceito de substancialidade negativa também não é possível desenvolver uma adequada teoria da crise. O escamoteamento ou a ignorância da real substancialidade social negativa equivale em grande medida ao escamoteamento ou ignorância da crise, no seu conteúdo significante de limite interno absoluto do moderno sistema produtor de mercadorias.

O carácter ideológico e apologético de um pensamento relativista que não enfrenta esta problemática consiste essencialmente em este presumir a existência de relatividade e "abertura" em termos historico-sociais onde na realidade pontificam um Absoluto e uma coesão sistémica dissimulados, postulando por isso uma emancipação (sempre entendida apenas parcialmente) de modo totalmente independente duma crítica da substância real negativa e das categorias da sua forma; por exemplo por intermédio do conceito já apenas risível de "democratização". A substancialidade negativa da relação de capital é esmaecida, escamoteada, tornada invisível e dissolvida numa pseudo-relatividade ideológica. É precisamente por isso que à redução e encurtamento fenomenológicos da crítica corresponde uma igual redução e encurtamento da teoria da crise. Este relativismo ideológico em vez de emancipatório mais não é que uma camuflagem adicional da subjectividade burguesa de todas as classes, que não quer admitir a sua obsolescência histórica.

Não é por acaso que o marxismo tradicional partilha amplamente a rejeição da teoria da crise radical com o relativismo pós-moderno. É que, como foi demonstrado por Moishe Postone, também é inerente à teoria do marxismo do movimento operário em todas as suas variantes um certo modo de redução e encurtamento ideológicos e relativistas. O que nas teorias pós-modernas é um programa explícito manifesta-se no marxismo como uma redução implícita; não há forma de distinguir entre um conceito abrangente histórico e assente na lógica da formação da relação de valor e de capital e os estados de agregação e desenvolvimento correspondentes à sua história interna, de modo que o nível de abstracção dos conceitos essenciais (que apenas no plano meta-histórico são relativos aos conceitos essenciais de outras formações) é fundamentalmente perdido: "Tornou-se historicamente manifesta a total insuficiência das teorias do capitalismo moderno que confundem uma configuração histórica específica do capitalismo (o livre mercado ou o estado disciplinar burocrático) com a essência da formação social... Todas estas críticas são... incompletas. Como vemos agora, o capitalismo não se encaixa em nenhuma destas configurações... Uma teoria crítica adequada do nosso tempo tem de ser fundamentada sobre uma concepção não reificada das relações que perfazem a essência do capitalismo e das diferenças entre essa essência e as várias configurações históricas sucessivas do capitalismo." (Moishe Postone; Zeit, Arbeit und gesellschaftliche Herrrschaft. Eine neue Interpretation der kritischen Theorie von Marx [Tempo, trabalho e dominação social. Uma nova interpretação da teoria crítica de Marx], Freiburg 2003, prefácio da edição alemã, p. 12 ss.) Nesta medida, o conceito de substancialidade do capital assente na lógica da formação representa o plano decisivo, ao qual nem as teorias do marxismo tradicional, nem as teorias pós-modernas conseguem aceder, devido ao seu respectivo relativismo falso, ideológico.


Inclusão: 04/10/2020