Cortar a eito na classe média

Robert Kurz

28 de março de 2008


Primeira Edição: Original AB DURCH DIE MITTE in www.exit-online.org Publicado em Neues Deutschland, Berlim, 28.03.2008

Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


A classe política assenta de preferência lá onde julga encontrar uma suave almofada de descanso, com o olho nas sondagens: no chamado centro. Este conceito esponjoso tem uma base económico-social, a qual, contudo, entrou em declínio. Por um lado afirma-se que é a classe média que sustenta os pilares tanto da economia como da sociedade. Por outro lado, os ideólogos de uma condição burguesa sólida estão sob a ameaça de o centro desta se perder. Segundo um estudo do Instituto Alemão de Pesquisa Económica, Deutschen Instituts für Wirtschaftsforschung (DIW), a camada média [Mittelschicht] sofreu, só entre 2000 e 2006, uma queda dramática de cerca de 8 por cento. Porém, há que apontar aqui uma diferença. Como posição média [Mittelstand], em termos económicos, consideram-se as pequenas e médias empresas, das quais se diz que, ao contrário das grandes empresas, seriam máquinas de fabricar jobs [empregos ocasionais]. Por outro lado, camada média é definida como sendo um grupo da população que aufere até 150 por cento do rendimento médio. A ela pertencem os assalariados “mais bem pagos” e os profissionais livres, cujo “capital humano” assenta nas suas habilitações literárias. Entretanto, ambos estes sectores do centro se interpenetram mutuamente, devido à precarização dos empregos.

A nova camada média floresceu no século XX, principalmente no pós-guerra, devido à crescente cientificização. Assim se expandiram as áreas da educação e saúde, bem como sectores qualificados da economia empresarial. Estes sectores desfazem-se agora, sob as condições de crise da globalização e da Terceira Revolução Industrial. Infra-estruturas públicas são reduzidas e privatizadas em condições miseráveis, qualificações na área de economia empresarial são deslocalizadas ou suprimidas por racionalizações. A camada média está a sofrer uma rápida desvalorização do seu “capital humano”. São cada vez mais os finalistas de liceus e de escolas superiores que engrossam a fila de espera da “geração-estágio”, mal paga ou até não paga, cuja pobreza na velhice está perfeitamente à vista. Por outro lado as médias empresas também já não são o que eram. O que elas vendem como “inovação”, na maioria dos casos, são produtos de outsourcing dos grandes conglomerados industriais ou das telecomunicações. Uma parte da camada média está novamente perante a humilhante situação do cliché da venda da alma no sector da prestação de serviços. Até as próprias universidades privadas e os escritórios de advogados se aproveitam da nova inteligência barata. De vagar e aos poucos, a antiga burguesia culta ameaça vir a tornar-se uma lumpenburguesia.

A desvalorização da força de trabalho não constituiu qualquer problema para os media enquanto se tratava apenas de, “fomentando e exigindo”, enviar para salários de miséria os desempregados pouco qualificados. Já há muito que, com a ajuda do Instituto de Emprego, se constituiu uma larga camada inferior de “pobres com emprego”, a viver no limiar do mínimo de subsistência. Esta situação só se tornou escandalosa quando também atingiu “o centro áureo”, de que os optimistas profissionais gostam de deduzir a paz e a ordem. A lógica da economia é cega para as “pequenas diferenças”. Estas deveriam ser porventura politicamente restauradas a um nível mais baixo. Existe agora o perigo de, na embrulhada da “financiabilidade”, serem dadas condições à camada média em queda às custas da camada inferior excluída. O potencial ideológico para isso germina na consciência de um centro que se autonomeia o Lázaro nº 1 da crise social. Mas, se a solidariedade for selectivamente canalizada por baixo da mesa, ela torna-se o seu próprio contrário.


Inclusão: 28/12/2019