Presentes caros
A administração política da crise no ano supereleitoral

Robert Kurz

17 de abril de 2009


Primeira Edição: TEUERE GESCHENKE in www.exit-online.org Publicado no semanário Freitag, Berlim, 17.04.2009.

Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Não há almoços grátis! Com este slogan pretendia o neoliberalismo apertar socialmente com as pessoas, de modo que as necessidades da vida se subordinassem a todo o custo à lógica da valorização do capital. Isso já era um programa de emergência, porque as forças produtivas extravasaram há muito tempo as fronteiras capitalistas. Na era neoliberal, por um lado foram desactivados recursos intactos por falta de capacidade valorização; por outro lado, a política de desregulamentação libertou uma economia de bolhas financeiras que por muito tempo criou a ilusão de uma acumulação sem substância. A conjuntura de deficit assim alimentada levou a uma orientação para a exportação de sentido único, enquanto a sociedade se cindia entre pobreza em massa e participação numa "riqueza abstracta" já apenas fictícia. Agora o colapso da economia das bolhas financeiras traz à luz do dia que a valorização depende em última instância da procura real. A batata quente da simulação de poder de compra passou agora dos mercados financeiros para as finanças do Estado.

Contudo, nem o Estado conseguirá a proeza de gerar procura suficiente, sem recorrer a uma nova delapidação de força de trabalho humana para a produção de mais-valia real. Os programas de apoio à conjuntura até agora são não só muito fracos, mas também de efeitos demasiado diferidos, para poderem absorver o actual marasmo histórico. É a sina da classe política, na RFA, que o drástico desfazer da procura mundial caia precisamente num ano supereleitoral. Sem presentes eleitorais extravagantemente caros os partidos suporte do Estado estão ameaçados de descalabro. Apesar disso, há falta de vontade, para dar aos pobres um almoço. A precarização das condições de vida de uma parte crescente da população, por opção política, tem de ser mantida na crise, como meio de pressão social. A compreensão vira-se, sim, para os famigerados prémios de abate de automóveis, qual pacemaker aplicado no sagrado coração da indústria automóvel alemã.

Este presente eleitoral à classe média ameaçada de queda tem, porém, as suas manhas. Ele não consegue compensar a quebra da procura nas exportações. No mercado interno cria absorção de carros pequenos, que será satisfeita principalmente através das importações provenientes da Ásia e do Sul da Europa. Os fabricantes alemães de topo permanecem agarrados às espaventosas viaturas de luxo. Outro efeito colateral é o desmoronar tanto mais rápido do mercado de carros usados. Ao mesmo tempo surge entre os operadores uma batalha de descontos adicionais em detrimento dos lucros. Além disso, os prémios do Estado despertam desejos de todas as outras indústrias de bens de consumo que não compreendem por que razão só as vendas de automóveis hão-de ser subsidiadas, apesar de elas serem igualmente afectadas pela quebra da procura. Muito a propósito o prémio de abate de automóveis revela o carácter de fim em si mesmo do capital: os carros que ainda poderiam perfeitamente circular mais cinco anos são deliberadamente desmantelados, apenas para que a produção possa continuar, mesmo com elevado desperdício de energia. O problema ecológico já não é importante para os administradores da crise, eles deslocam-no para um futuro para além da sua existência política. 

Toda a gente sabe, naturalmente, que a simulação de poder de compra no mercado interno pelo Estado conduz à inflação. A linha de crédito "séria" há muito que está esgotada. Aliás, a preocupação com as finanças estatais constitui apenas o reverso de uma administração social repressiva. A relação entre trabalho assalariado, rendimento e consumo foi rompida, sem que se vejam quaisquer novas potencialidades reais de valorização. Todos os recursos materiais são abundantes, mas tornaram-se insusceptíveis de passar pelo buraco da agulha do constrangimento de fazer de um euro dois euros. Isto não deve ser dito em voz alta. Dessa maneira o Ministro das Finanças poderia ainda subitamente desfazer todas as preocupações para segurar o povo eleitor. Se o prémio de abate de automóveis falhar, posteriores presentes caros, já só financiáveis directamente a partir da impressão de notas, cairão como gotas de água no oceano.

Há alguns meses, ainda se falava em senhas para bens de consumo no valor de 500 euros para todos os cidadãos. Essas ideias fizeram jus, inconscientemente, ao estado de necessidade em que as forças produtivas já não podem ser cobertas com a forma capitalista. Mas uma "economia da dádiva" motivada por táctica eleitoral não vai longe. Sob as condições de produção vigentes tais programas permanecem sem perspectivas, se a máquina capitalista não voltar a pegar a tempo. Então também a produção de moeda falsa poderia ser permitida. Portanto, após as eleições, depressa se dirá novamente que só a morte é gratuita, ou nem mesmo ela. Logo que não haja necessidade de qualquer legitimação política por alguns anos, a administração da crise já poderá voltar a mostrar a sua cara feia. Nessa altura poderá haver um mau acordar para a maioria das pessoas.


Inclusão: 31/03/2020