Trabalho sem valor

Robert Kurz

2 de maio de 2011


Primeira Edição: ARBEIT OHNE WERT em www.exit-online.org. Publicado em “Neues Deutschland”, 02.05.2011

Fonte: http://obeco-online.org/robertkurz.htm

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


A Alemanha é admirada em toda a parte como campeã mundial da recuperação económica. A economia prospera, o mercado de trabalho está a crescer. Mas esta bela aparência poderá ser enganadora. O crescimento mais forte do que noutros países ocidentais é apenas o reverso da queda particularmente profunda de 2009. Nesse ano, a Alemanha registou a maior contracção do produto entre os países industriais desenvolvidos, quase 5 por cento. As oscilações extremas, primeiro para cima e depois para baixo, mostram apenas que a economia alemã é, em todo o mundo, a mais dependente das exportações.

A nova subida concentra-se mais do que nunca na indústria automóvel e na construção de máquinas. Os fabricantes de automóveis fornecem sobretudo carros de luxo para a China e para os EUA, enquanto as vendas na Europa continuam estagnadas. A construção de máquinas fornece numa proporção crescente a onda de investimentos com que se fez face à crise na China. Mas estes dois motores externos de crescimento são mantidos a funcionar principalmente através de enormes programas públicos e de dinheiro tornado artificialmente barato. Se a inflação, já a subir, obrigar os bancos centrais da China e dos E.U.A. a aumentos sensíveis das taxas de juros, o boom poderá desfazer-se rapidamente no ar. Os muito aclamados novos postos de trabalho nos sectores chave da exportação revelar-se-iam como "bolha de trabalho", que teria de estourar, porque o poder de compra externo necessário para o êxito das exportações não se baseava em criação de valor real. A máquina de fazer dinheiro do Estado não é mais viável do que anteriormente a máquina de fazer dinheiro do capital financeiro.

Apesar do boom febril, na Alemanha é estreita a base do mercado de trabalho na indústria de exportação. O chauvinismo ideológico de exportador corresponde a uma pequena "aristocracia operária", enquanto o emprego precário se multiplica ampla e rapidamente no interior, sem apanhar o vento dos lucros e rendimentos da economia virada para o exterior. A redução do desemprego apresentada orgulhosamente só assenta em novos postos de trabalho a tempo inteiro, com emprego garantido, em poucos segmentos exportadores. A maior parte dos novos postos de trabalho é a prazo e paga abaixo das tabelas dos acordos colectivos. Mas, sobretudo, teve um crescimento explosivo o número de empregos de 400 euros, que em 2010 atingiu os 7,3 milhões. Cada vez mais postos de trabalho regulares são transformados em empregos desses, sendo o pagamento frequentemente inferior a metade das tabelas da contratação colectiva. E quase dois terços destes mini-empregos são ocupados por mulheres. De acordo com as leis da economia, uma conjuntura económica auto-sustentada teria de fazer subir o preço da força de trabalho em geral. O facto de, pelo contrário, a sua desvalorização continuar dramaticamente é um indício da falta de substância da retoma.

Efectivamente, grande parte do emprego precário situa-se em sectores improdutivos do ponto de vista capitalista. Eles têm de ser alimentados pela produção de mais-valia real, a qual, por sua vez, é apenas simulada; entretanto já só através da criação de dinheiro pelo Estado. O boom global de exportação assim alimentado é um evento de minoria na maior parte dos países desenvolvidos e especialmente na Alemanha. O dinheiro barato leva a novos investimentos apenas nestes sectores, faltando na indústria, no comércio e nos serviços. Em vez disso, a inundação de dinheiro dos bancos centrais flui, como de costume, para a superstrutura financeira. O reverso do "trabalho sem valor" é uma nova bolha nos mercados globais de acções, os quais, nestas condições, já não constituem certamente qualquer indicador de desenvolvimento económico real, sendo, pelo contrário, auto-referenciais e expressão duma miragem. Está programado o próximo choque de desvalorização nos mercados financeiros, juntamente com inflação e crises da dívida pública.


Inclusão: 31/03/2020