O terror da crise
Como se pretende fazer da Grécia um exemplo

Robert Kurz

Março de 2012


Primeira Edição: NOTSTANDSTERROR in www.exit-online.org. Publicado em Konkret, 03/2012.

Fonte: http://obeco-online.org/robertkurz.htm

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


No século XXI as forças do capital já não estão viradas para conquistas territoriais como tem sido dito. Que fariam elas com zonas económicas de terra queimada e populações supérfluas? Isso não significa que o imperialismo tenha acabado. No entanto, já não se trata de impérios e zonas de influência nacionais, mas sim da possibilidade de controlar a globalização enquanto crise. Os limites da valorização do capital devem ser redefinidos como limites de viabilidade para as massas de perdedores; o colapso das economias nacionais, como justaposição controlada de cidades em expansão financiada a crédito e regiões miseráveis abandonadas.

A produção de segurança para os negócios que restam nestas condições exige legitimação ideológica. Aqui calha bem admitir que os filhos abandonados e deserdados do capital não são pessoas melhores, mas caem sobre os seus concidadãos em vez de se virarem contra as suas condições de vida impossíveis. O paradigma do conflito no mundo decadente dos Estados não é a guerra externa, mas sim a guerra interna, com base em divisões étnicas e religiosas. As intervenções policiais globais das forças da ordem do centro capitalista contra os bárbaros da periferia precisam de um fundamento de idealismo democrático.

Esta imagem, naturalmente, foi apenas um instantâneo no processo de dissolução aos solavancos da estrutura da ordem global. Pelo menos desde a crise económica mundial iniciada em 2008 a situação alterou-se de novo no fundamental. Agora os limites da capacidade de financiamento foram atingidos também nos centros ocidentais. Em toda parte se manifestam crises de dívida que anteriormente apenas surgiam nas franjas do mercado global. Com isso está na ordem do dia uma mudança qualitativa na gestão da crise nas metrópoles, que desloca a importância da crise externa para a crise interna. Além das populações incalculáveis nos pátios abandonados das traseiras do capital mundial, também as próprias classes médias estão a ser cada vez mais visadas. O formalismo democrático vazio, que até os fascistas religiosos de diversos matizes reconheceram como princípio configurador do seu delírio, faz valer ainda mais a valorização forçada do capital como sua "base natural" (Marx) quando os seus limites internos são atingidos. A seiva da vida capitalista que é o dinheiro tem de ser desligada passo a passo não apenas aos novos pobres marginalizados, mas também à maioria do "povo soberano" das metrópoles.

Com isto, naturalmente, também se revela a crise de legitimação. Enquanto a NATO, invocando os valores democráticos, bombardeou a Sharia na vizinha Líbia, para as zonas centrais ocidentais da globalização a restrição material do sistema financeiro cambaleante pode para já fazer o papel de caça-bombardeiro. A execução deste imperativo económico em nome da democracia, contra os interesses vitais elementares da maioria do "soberano" formal, parece ter lugar primeiramente na UE porque aqui o constructo monetário do Euro já agudizou a contradição e existe uma instância de intervenção supranacional.

A Grécia, como caso de falência estatal de facto, transformou-se em precedente nas condições de crise globais. Um processo descontrolado mandaria pelos ares o sistema financeiro europeu, ultrapassando as consequências da falência do Lehman Brothers e não só. Mas um processo controlado só é possível se quase toda a população grega for empurrada para abaixo do limiar da pobreza. Desemprego em massa em dimensões novas, miséria profunda para a classe média, colapso da assistência médica e das infraestruturas públicas serão uma realidade. As elites gregas já não conseguem assumir por conta própria a responsabilidade por tal cobrança da lógica do capital. Há necessidade de uma intervenção do imperialismo de crise vinda de fora, assumida por uma troika da Comissão Europeia, do BCE e do FMI; agora já não contra um asilo de pobres do antigo terceiro mundo, mas pela primeira vez contra um país ocidental.

O governo de Merkel arvorou-se em cabecilha da linha dura, que tira as palavras da boca aos gestores, à classe política e mediática e até à camada inferior da raça superior deste país. Com o apoio do ajudante de xerife Sarkozy, nega-se a crise sistémica para fazer o papel de autoproclamado oficial de justiça do "sujeito automático" (Marx). Os gregos, desqualificados como irresponsáveis do ponto de vista capitalista, não devem ser anexados à Disneylândia de Berlim, mas é preciso puxar-lhes as rédeas até eles cuspirem sangue. Esteve mesmo em discussão um comissário alemão para o empréstimo à Grécia, ainda que a maioria da UE se tenha pronunciado contra, com um resto de sentimento de vergonha. O gesto de falsa superioridade resulta da posição provisória da Alemanha como vencedora da crise, porque o rolo compressor da exportação alemã beneficiou dos programas públicos que se espalharam por todo o mundo, da depreciação do Euro por causa da crise da dívida e da imposição interna de salários baixos desde o programa Hartz IV. Esconde-se que o conto de fadas da economia teutónica tem como pressuposto não só a própria dívida também a dos outros, tendo assim de chegar ao fim com a evaporação do poder de compra na recessão europeia e mundial. No entanto, pelo menos sabe-se que se pretende fazer da Grécia um exemplo, que terá de ser aplicado no próprio país se necessário; com esperança no masoquismo social histórico do "soberano" alemão, que já teve sempre dificuldade em funcionar com coragem cívica.

A Grécia também se apresenta como um campo experimental da nova gestão democrática da crise porque aí se pode encontrar como parceira de combate uma revolta juvenil tão isolada como sem perspetivas. Encaixa perfeitamente na imagem que o orçamento do Estado grego seja socialmente reduzido a zero, enquanto o orçamento militar para 2012 quase duplicou em relação ao ano passado. As dívidas relacionadas com isso também devem ser aceites favoravelmente pelos comissários do empréstimo, pois as encomendas de Atenas apesar de tudo constituem 15 por cento das vendas de armamento alemãs. Além disso, também se declarou assim que a máquina do estado de excepção democrático pode apresentar musculatura militar, máquina que apenas neste aspecto pode ser tão pseudo-independente na Grécia como só deverá ser no Afeganistão. Se a coisa realmente aquecer, o terror da crise sob liderança alemã poderá já mostrar do que é capaz. Tratando-se de mais que um magro produto nacional árabe, provavelmente até fará o regime de Assad parecer fraquinho.

Por agora, a classe política grega tem de regatear um pouco os termos da rendição e fingir alguma resistência para manter a custo a face reconhecível. A vontade do eleitorado já não sabe o que há-de querer e todo o sistema de partidos se desmantela também exemplarmente. O surto nacionalista convém aos gestores pós-nacionais da crise e pode servir como válvula de escape tanto mais quanto apenas digere a falência por assim dizer de modo adequado ao caso. A simples raiva anti-alemã dos gregos passa ao lado dos chauvinistas alemães da exportação, porque o pogrom que se aproxima dirige-se realmente contra os refugiados albaneses e africanos ou outros migrantes, como se viu há muito na prática na Grécia e não só. Também neste ponto a Alemanha, com serial killers neo-nazis mimados pela Stasi democrática, tem perfeitas qualidades de liderança para oferecer a toda a Europa.


Inclusão: 31/03/2020