A Luta das Classes na História

Paul Lafargue

30 de abril de 1872


Primeira publicação: O Pensamento Social, n.º 10, 30 de abril de 1872, p.1

Fonte: O Pensamento Social.

Tradução: Anónimo.

Transcrição: Graham Seaman.


Nota do transcritor

Como todos os artigos em O Pensamento Social, o artigo foi publicado anónimamente. Numa carta a Engels de 27 de abril de 1872, Paul Lafargue escreveu I have written a long letter to Portugal ... I have also sent an article on the class struggle.

Todas as sociedades humanas teem tido por base o antagonismo das classes. Em todos os tempos uma classe privilegiada, theocracia, aristocracia, ou mesocracia, viveu á custa do trabalho d’outra classe, escrava, serva, ou proletaria. E apenas nas tribus selvagens que vivem da caça e dos fructos naturaes é que se acha a igualdade social e individual.

Todas as classes reinantes foram uteis na sua origem. Na idade media os nobres eram os defensores dos seus servos. Mas pelo desenvolvimento mesmo da sociedade, a classe superior perde a sua utilidade, e deixando de exercer uma funcção social, não pensa mais do que em conservar os seus privilégios, que opprimem com o seu peso a classe productora. Para os conservar, recorre á força brutal; organisa exercitos e policia, e não desdenha a força intellectual: a religião, producção espontanea do sentimento popular, adquire nas suas mãos uma forma dogmatica, e vira-se contra o povo; o mesmo acontece com a sciencia, com a philosophia, com os preconceitos e as tradições. O poder politico é constituido pela união d’estas duas forças, de que se apossa a classe privilegiada, e que ella volta contra a classe opprimida. Porém, no seio da classe privilegiada existe a desorganisação. A concorrência, as grandes emprezas industriaes e financeiras são as causas desorganisadoras da burguezia; as lutas intestinas dos senhores feudaes, as cruzadas, as expedições feudaes, foram as causas desorganisadoras da aristocracia. Â medida que a classe reinante se desorganisa, cresce em numero e em força a classe opprimida. Emquanto o patriciado romano se gastava em rivalidades mesquinhas, a plebe engrandecia, a escravidão generalisava-se, invadia as cidades e os campos, e fazia tremer Roma pelas revoltas na Sicilia e no sul da Italia. Emquanto a nobreza europea perdia a sua virilidade nas côrtes dos reis, a burguezia enriquecia e invadia todas as funcções uteis do estado. Nos nossos dias, emquanto a burguezia se atrophia nos prazeres e na ociosidade, o proletariado organisa-se, funda vastas associações internacionaes, que abalam a velha sociedade até aos alicerces.

Ao passo que a classe dominante enfraquece, que o desenvolvimento da classe opprimida se torna um perigo para os seus privilégios, sente dominal-a o terror, e abre então os braços aos salvadores providenciaes. De ordinario estes salvadores são aventureiros sem principios, servindo não o seu partido, mas apenas o seu proprio interesse. Productos da luta das classes, não podem conservar a sua elevada posição, senão fomentando a lucta das classes.

Napoleão é um dos modernos aventureiros que melhor desempenhou o seu papel. Conhecendo a influencia do seu nome nas massas populares, disfarçou-se em reformador, e em nome dos soffrimentos populares atacou o governo burguez de Luiz Filippe. Quando a burguezia, aterrada pela terrivel insurreição proletaria de junho de 18i8, implorava um salvador, apresentou-se como o campeão da ordem, da familia, da religião, da propriedade. Uma vez presidente, continuou a obra de Cavaignac e dos republicanos burguezes; assassinou e deportou os socialistas. Todo o seu reinado foi uma longa tactica: para refrear as aspirações liberaes da burguezia, ameaçava-a com o proletariado: esmagava este com o exercito para se proclamar depois o protector da burguezia. Em todas as grandes grèves do império apparece a mão dos altos funccionarios. A grève da Creuzot foi em parte obra de Rouher. Logo na origem da Internacional, Bonaparte, comprehendendo o alcance futuro d’esta associação, quiz apoderar-se da sua direcção. Rouher fez muitas tentativas com esse fim.

É isto o que os homens da ordem chamam Socialismo Cesareano. Digam-nos pois, que fizeram pelo povo os Cesares de Roma, e os Bonapartes de França? O papel que representou Bonaparte já fòra representado pelos reis feudaes. Estes protegiam e animavam o movimento das communas; muitas vezes excitavam até a luta à mão armada entre os senhores e os municipes, e aproveitavam-na para alargar a sua supremacia.

Em Inglaterra a luta das classes assume uma fórma differente. Ha ali tres classes poderosamente constituidas: a aristocracia, proprietária do solo; a burguezia, tendo nas mãos a industria e o commercio; e o proletariado fortemente organisado nas trade's unions. A burguezia e a aristocracia, como classes proprietárias estão sempre unidas para combaterem as aspirações emancipadoras do proletariado; como classes distinctas, com interesses diversos, estão em perpetua luta, e chamam alternativamente em seu auxilio a classe proletaria.

A aristocracia, possuidora das terras, tinha o monopolio do commercio dos trigos, protegido por impostos exorbitantes sobre a importação. A burguezia pelo contrario, era livre cambista; para dar sahida aos seus productos precisava sempre de novos mercados; para os vender sem rivalidade carecia de reduzir ao minimo as despezas de producção, por conseguinte abaixar o preço da mão d’obra; para abaixar o salario é necessario diminuir o preço dos objectos necessarios á vida do operario; é indispensável dar-lhe o pão barato.

Tornava-se pois urgente tirar á aristocracia o monopolio do commercio de trigos. O ex-ministro Bright, um dos mais ardentes campeões d’esta luta economica, que teve também phases ensanguentadas, foi tão violento que poderia ser tomado por um agitador proletario. Amotinou o povo contra a nobreza. Foi então que a camara dos lords apresentou o bill que reduzia a dez horas o trabalho nas fabricas. Era terrivel o golpe: os Bright, os Cobden, que se proclamavam amigos do povo, levantaram se na camara dos commons para combater a lei das dez horas que, diziam elles, ia arruinar a industria ingleza.

Disraeli, o chefe actual do partido aristocratico, escreveu socialismo na sua mocidade. O seu romance, As duas raças, é uma pintura das lutas do proletariado e da burguezia, que verte sangue. Foi elle que ainda ultimamente quiz estabelecer uma alliança entre o proletario e a nobreza.

A historia dos Estados Unidos da America offerece exemplos similhantes. O ultimo vice presidente Wade fez uma profissão de fé communista. O general Butler, Thadeus, Stevens e outros membros eminentes do partido republicano, impellirarn o povo na senda revolucionaria com a idéa de lhe servir de arma contra os obstáculos que se oppozessem á sua politica.

Para ter o que os tartufos da burguezia chamam Socialismo Cesareano, não é preciso um Cesar. É uma das fatalidades da luta de classes.

Quando a luta se torna por tal fórma intensa, que a burguezia sente em perigo os seus privilégios, recorre a um salvador; consente que o galope do cavallo de um soldado lhe salpique de lama as faces, com a condição que esse soldado sangre com a sua espada o proletariado; quando o dictador não cumpre a sua missão de carrasco, a burguezia accusa o proletariado de amar o despotismo, havendo sido ella que reclamou um braço forte para proteger os seus privilégios. Tal é a historia.