A Solidariedade Obreira

Paul Lafargue

10 de agosto de 1872


Primeira publicação: O Pensamento Social, n.º 23, 10 de agosto de 1872, p.1

Fonte: O Pensamento Social.

Tradução: Anónimo.

Transcrição: Graham Seaman.


Nota do transcritor

O Pensamento Social era considerado por Engels como o jornal da Associação Internacional dos Trabalhadores (1ª Internacional), e este artigo foi escrito em apoio da AIT. Como todos os artigos em O Pensamento Social, o artigo é anónimo. Porém, Paul Lafargue escreveu numa carta a Engels: "I wrote an article, called 'Working-Class Solidarity' for O Pensamento, which pleased them very much".

A organisação dos operarios por secções de officios, ou associações de resistencia, deve ser o ponto de partida e a base da organisação internacional da classe proletaria, que está destinada a tomar a direcção da humanidade, n’uma época mais ou menos remota.

Esta organisação é a base real e logica. Os poderes politicos podem destruir as outras organisações, porém a sua acção é impotente contra esta. Póde-se encerrar um club, prender amotinadores, prohibir as reuniões; mas, tendo um logar de reunião na officina, como impedir que os membros da secção de officio se vejam e combinem?

No seio da organisação completamente obreira­ os proprios operarios, concitados a ocuparem-se de seus proprios interesses, são obrigados a crearem nas suas fileiras aptidões administradoras, capazes de gerirem e administrarem as secções. Estas aptidões, elaboradas diuturnamente, no dia seguinte ao de uma revolução são compellidas a substituírem todas as antigas rodagens administrativas da velha sociedade. Na historia, uma classe tem substituido a classe dominante só quando em si encontra todos os elementos directores necessarios para conduzir a sociedade. A communa de Paris provou o grande facto que o proletariado das nações mais civilisadas possue todas as condições necessarias para substituir a classe burgueza; durante o periodo da communa o proletariado, e a parte revolucionaria da classe burgueza unida ao proletariado, formaram o pessoal de grandes administrações publicas, cujos funccionarios haviam fugido para Versailles. E tal resultado não póde obter-se senão obrigando a classe obreira a ocupar-se dos seus proprios negocios. Este é o grandioso pensamento da Internacional, que formulou n’este axioma: A emancipação dos trabalhadores tem de ser obra dos proprios trabalhadores.

A organisação, além d’isso, tem mais a vantagem immensa de constituir em classe a classe obreira, pondo-a ao abrigo dos aventureiros e sectarios burguezes, que não consideram os operarios senão como degraus pelos quaes sobem para chegarem ao poder politico. É por estas rasões que elles atacam este modo de organisação, pretextando que as secções de officio e as associações de resistencia desenvolvem na classe obreira o espirito do egoismo acanhado das corporações de officio da idade media, tão contrarias ao progresso e á acção revolucionaria. Os burguezes não comprehendem que já não existem as condições económicas que engendraram as corporações da idade media. Os operararios n’aquelles tempos associavam-se só para constituir os monopolios de seus officios, de modo que as corporações serviam principalmente contra elles. Hoje, as associações obreiras conhecem um só inimigo: o capitalista, possuidor dos instrumentos de trabalho. Para lhes resistir, as associações devem abranger não só os operarios do mesmo paiz, mas sim do universo inteiro.

A divisão do trabalho tem aviltado a mão de obra. Antigamente para aprenderum officio eram necessarios annos de aprendisagem. Um officio era um verdadeiro capital do trabalhador; então, com difficuldade o industrial substituia o operario. Hoje porém, graças á divisão do trabalho e á applicação do vapor como força motriz, o officio é tão simples que perdeu o seu valor, e por consequenda pouco imporia que Pedro, Paulo ou Martinho, faça o trabalho, porque qualquer d’elles póde fazel-o. A moderna associação de officio, pois, não póde tender a constituir um monopolio do offiçio, porque o operário tem um officio que não tem valor: o que póde é impedir a concorrência perniciosa que os operários fazem uns aos outros. Para destruir a concorrência ha só um remedio: associar os operários de um mesmo officio, impedindo-se assim que vão por instigações dos industriaes substituir os operários que lutam pelo melhoramento da sua sorte.

Na industria, dois, tres, dez, etc., corpos de officios concorrem para crear um mesmo producto, para construir e ornar uma casa, por exemplo, desde os que cavam os alicerces até aos que a cobrem. Se pára um d’estes corpos de officio, os outros também, necessariamente. As condições económicas modernas, produzindo uma apertada solidariedade entre os diferentes grupos dos officios, impellem-os a unirem-se para formarem a sua união.

Os meios de transporte de tal modo são fáceis e rápidos, que os capitalistas importam e exportam rebanhos de homens como se transportam fardos de algodão. Na America diariamente introduziram milhares de chins, na Inglaterra belgas, francezes e irlandezes, na França alemães, hespanhoes e piemontezes, em Portugal hespanhoes. Esta importação de operários estrangeiros convém admiravelmente aos interesses dos detentores dos instrumentos de trabalho. A sua mão d’obra é sempre inferior aos preços correntes do paiz, porque, não conhecendo a lingua nem os costumes estranhos, os operários estrangeiros não podem defender-se da exploração como os indigenas; e não estando organisados são empregados como instrumentos de desorganisação das associações dos operários do paiz, e como obstáculo ás suas greves. As fatalidades económicas obrigam pois os operararios de um paiz a dilatar as suas associações, fazendo-lhes abraçar os operários das outras regiões. Assim, antes da organisação da grande Internacional, muitas associações de officio tinham já uma organisação internacional. A associação dos cigarreiros estendia-se pela Bélgica, Hollanda e Inglaterra; a dos chapeleiros reunia as secções de França, do Piemonte e da Bélgica; a grande associação de resistência dos machinistas tem ramos em todo o universo. A Associação Internacional dos Trabalhadores, que quer unir em uma unica federação os operários de todos os paizes e todos os officios, é uma das producções espontâneas das fatalidades económicas.

As provas magnificas da immensa solidariedade que une toda a classe obreira estão dadas. Na Inglaterra os operários belgas, sendo importados para substituir os trabalhadores d’enxada em gréve, fazem causa commurn com seus irmãos inglezes e voltam para o seu paiz, graças á acção do conselho geral e ao das caixas de resistência inglezas. É mais caracteristico porém o facto da gréve dos alfaiates de Londres. Não só os operários francezes e belgas não foram para Inglaterra, como queriam os mestres, mas impediu a Associação geral que o fato cortado em Londres fosse cosido nas officinas de Paris, para aonde o tinham mandado os industriaes inglezes. Muitas grèves importantes só com o auxilio dos recursos pecuniários internacionaes se teem sustentado. A grande gréve dos operários de construcções de Génova deveu o exito ás quantias recebidas de França, Allemanha e Inglaterra.

A organisação economica moderna impelle fatalmente o proletariado a esquecer o acanhado egoismo que o encerra no seu officio e no seu paiz, e cada vez mais a luta que sustenta contra a burguezia toma um caracter de dia a dia mais internacional.