Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro primeiro: O Valor Regulador do Regime de Produção de Mercadorias
Capítulo I - O trabalho, base do valor
4. Os gastos de produção


capa

Acabámos de dizer que o produtor deixa de produzir uma mercadoria quando o seu preço de venda se torna desvantajosa ou quando, ao vendê-la, perde.

Como é que se dá conta que a produção de mercadoria é desvantajosa ou deficitária? Evidentemente que é pelo que lhe custam as mercadorias.

Ouçam o comprador no mercado ou numa loja regatear com o comerciante e oferecer-lhe metade do que lhe foi pedido; ouçam o comerciante assegurar que a mercadoria «lhe custa muito mais cara». O alfaiate explica os seus preços pela carestia de vida, pela alta das rendas de casa, etc.

Significa isto que o preço das mercadorias se determina pelos gastos de produção?

Aprofundemos este ponto, ainda que tratando apenas o caso do alfaiate. Recordemos que não se trata de um capitalista que emprega trabalhadores para ganhar à custa do trabalho deles e que estamos perante um pequeno produtor, de um representante típico da economia mercantil simples que vende a roupa que ele mesmo confecciona, para receber em troca os artigos que precisa para o seu consumo.

Como é que o alfaiate determina os gastos de confecção de um fato completo?

Em primeiro lugar, tem que considerar o custo das matérias-primas, preço do pano e do forro, dos botões, das linhas, etc.

Terá de somar os gastos de aquecimento, luz e manutenção geral da oficina de trabalho. Evidentemente, estes gastos não vão entrar totalmente no preço dum fato, mas apenas uma percentagem pequena; se o alfaiate dedicou um dia de trabalho a um fato, o preço deste só incluirá o aquecimento e a luz dum dia. Também tem de incluir o desgaste da máquina de coser. Se a máquina de coser custa 1.000$ e só dá para coser 1.000 fatos, é natural que o desgaste da máquina entre no preço do fato pelo valor de 1$(1).

Mas o próprio alfaiate dedicou um dia inteiro de trabalho à confecção do fato. Tem de se considerar este facto? Certamente que sim. Caso contrário, para que trabalharia? Ele não trabalhou para compensar os seus gastos, mas sim para receber uma remuneração pelo seu trabalho. Quando vende o fato feito, procura, antes de mais nada, receber em troco do produto do seu trabalho os produtos do trabalho dos demais. Assim, o preço de um par de calças pode considerar-se da seguinte forma:

Pano 160$00
Forro, botões, fio, etc 20$00
Aquecimento e luz 10$00
Desgaste da máquina 10$00
Trabalho do alfaiate 60$00
total 260$00

Será que o alfaiate vai vender as calças por 260$, ou seja, pelo que cobre exactamente os seus gastos? Desde o início tentará vendê-las por mais, mas só poderá fazê-lo se a procura for maior que a oferta. Suponhamos que assim era. O alfaiate conseguirá vender as calças por 300$ em vez de 260$. Já sabemos o que vai resultar daqui: a confecção de calças aumenta no mercado e o preço baixa até 260$. Então a confecção deste artigo será menos proveitosa e diminuirá. Em consequência, haverá novas subidas de preço, etc.

Em resumo: assistimos às variações dos preços em relação às alterações da oferta e da procura. Mas estas variações não se afastam muito do nível determinado pelos gastos de produção e pelo trabalho do alfaiate.

Parece que encontrámos a causa que determina o nível dos preços, pondo de parte as variações provocadas pela oferta e pela procura. A contestação parece evidente. Um par de calças custa trezentas vezes mais caro, por exemplo, que uma libra de farinha, porque a sua confecção exige gastos (em dinheiro e em trabalho) muito mais consideráveis.

Todavia esta resposta não nos satisfaz. Analisemos a noção de gastos de produção. O preço do pano (160$ no nosso exemplo) ocupa um lugar muito importante.

Os gastos em botões, linhas, combustível (para o aquecimento e luz) representam os preços destes produtos. Então, o preço de uma peça de vestuário explica-se, na sua maior parte, pelo preço dos produtos que entram na sua confecção. Mas se os preços de certos produtos se explicam (na maioria dos casos) pelos preços dos outros produtos, não estaremos na mesma? Comparar um preço com outro não será determinar um termo desconhecido por outro também desconhecido e falar para não dizer nada? Não teremos voltado ao nosso ponto de partida?

Observemos, no entanto, que o preço do par de calças só se explica pelo preço das mercadorias compradas pelo alfaiate, que seria 200$ para os materiais, e os outros 60$ representavam o valor do seu dia de trabalho.

Então, como se forma o preço do pano e dos demais materiais? Primeiro o pano. Porque é que custa 160$? Temos uma resposta rápida: porque foi necessário, para o confeccionar, por um lado, comprar matérias-primas (a lã) e, por outro, gastos para transformar a lã em pano, certa quantidade de trabalho. Admitamos que o preço da matéria-prima é 100$. De que depende o preço da lã? Uma vez mais, do preço das matérias (digamos o preço da ovelha menos os ossos, a carne e a pele) e do trabalho (tosquia). Mas o preço da ovelha reduz-se, por sua vez, aos gastos de alimentação e manutenção. De modo que, finalmente, podemos reduzir todos os gastos necessários para a produção de todos os materiais a gastos de trabalho. Se continuamos o nosso raciocínio, chegamos, inevitavelmente, a um último termo, no qual só vamos descobrir, para além do trabalho de certas categorias de trabalhadores, materiais que existem já na natureza e que portanto não podem ser considerados como participando nos gastos de produção (na medida em que não se reduzem a trabalho).

E isto é verdade não só para o pano como para todos os demais elementos necessários ao alfaiate.

De maneira que, como os produtores consideram apenas o fabrico de mercadorias e como são, por sua vez, os proprietários e os comerciantes do que produzem, chegamos à conclusão que o nível do preço de um produto, em torno do qual se fazem sentir no mercado variações limitadas, é finalmente determinado pelos gastos de trabalho.

continua>>>


Notas de rodapé:

(1) Para maior simplicidade, não entremos em conta com os gastos de reparação da máquina. (retornar ao texto)

Inclusão 26/06/2018