Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro Primeiro: O Valor Regulador do Regime de Produção de Mercadorias
Capítulo II - A forma-valor e o dinheiro
13. O dinheiro, meio de circulação


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Até agora conhecemos apenas uma função essencial do dinheiro, que é a de servir de equivalente geral, de medida comum para a expressão dos valores das mercadorias(1).

Na sociedade moderna não se expressa o valor de uma mercadoria em unidades de tempo socialmente necessário, em horas e minutos, mas sim em dinheiro. Esta determinação do valor ocorre antes que a mercadoria tenha sido trocada por dinheiro real; posso dizer que dez quilos de centeio valem um tanto dinheiro. Certamente que se estas moedas e os seus valores não existissem, esta medida do valor das mercadorias com a ajuda do dinheiro, por «ideal» que fosse, seria impossível e inclusivamente seria tão absurdo pensar nela como pedir a um homem que represente em metros o comprimento de uma peça, sem existirem na realidade metros de um comprimento determinado.

Mas o dinheiro serve apenas de medida de valor (e de padrão de preços)?

Não. Na economia mercantil o dinheiro serve não só para expressar o valor das mercadorias, mas também, na qualidade de intermediário, para realizar as trocas.

Numa sociedade em que a troca atinge um alto grau de desenvolvimento, é pouco corrente que o possuidor de mercadorias troque directamente a mercadoria que produziu (ou de modo geral, que vende) pela mercadoria que precisa para o seu próprio consumo. Se não existisse o dinheiro, o camponês produtor e vendedor do centeio ou do leite e que quer obter petróleo teria de enfrentar grandes dificuldades. Poderia acontecer que o comerciante de petróleo não precisasse nem de pão nem de leite, mas queria antes pano. Seria pois necessário que o camponês que precisa de petróleo encontrasse no mercado um comerciante de pano que precisasse e lhe comprasse o leite, podendo depois receber do comerciante de petróleo, em troca do que adquirisse, o petróleo de que precisava. Se o comerciante de pano não precisasse nem de pão nem de leite e quisesse outra mercadoria qualquer, a troca seria ainda mais complicada. Antes de obter o petróleo o camponês precisava de uma série de intermediários.

Hoje em dia ainda se encontra este sistema nos povos primitivos, entre os quais as trocas estão muito pouco desenvolvidas. Um viajante relata, nestes termos, como teve de proceder em África para alugar uma canoa:

Era divertido ver-me pagar o aluguer da canoa... O agente de Sand queria que lhe pagasse em marfim, que eu não tinha. Soube que Mohamed-Ibn-Salib tinha um dente de elefante e que estava disposto a trocá-lo por pano, o que não simplificou a questão, uma vez que eu não tinha pano. Finalmente, soube que Mohamed-Ibn-Marib tinha pano e estava disposta a trocá-lo por arame. Por sorte eu tinha arame. Dei a Mahamed-Ibn-Marib a quantidade desejada, que por sua vez entregou a Mohamed-Ibn-Salib uma quantidade correspondente de pano; Ibn-Salib, por sua vez, entregou ao agente de Sand o dente de marfim. Só depois desta operação pude dispor da canoa(2).

Chamemos M1 à mercadoria que o nosso viajante possuía (o arame) e M2 à de que necessitava (a canoa). O viajante queria efectuar a seguinte troca:

M1M2

Não conseguiu realizá-la directamente e só chegou ao seu objectivo por diversos intermediários, ou seja:

M1 (arame) — M3 (pano) — M4 (marfim) — M2 (canoa)

Os valores de uso do pano e do marfim interessavam, em si mesmos, ao nosso viajante? De modo algum. Então porque os adquiriu? Para finalmente obter através deles a mercadoria que precisava para seu uso pessoal, ou seja, a canoa.

Numa economia de troca desenvolvida há apenas um intermediário, o dinheiro, em vez de numerosas mercadorias intermediárias que mudam segundo as circunstâncias e cujo número em certos casos pode ser muito elevado.

O camponês que vende trigo já não precisa de procurar um comerciante de petróleo que queira trigo. Pode vender o seu trigo a qualquer comprador que tenha dinheiro. Logo, com o seu dinheiro poderá comprar petróleo; e o comerciante de petróleo poderá, por sua vez, comprar com o dinheiro obtido aquilo de que necessita.

A circulação das mercadorias em que o camponês participou apresenta-se sob a forma seguinte:

M1 (trigo) — D (dinheiro) — M2 (petróleo)

Aqui o dinheiro serve de intermediário entre duas mercadorias. Uma vez mais o dinheiro revela o seu papel relacionador, aproxima uma mercadoria de outra, que, sem ele, não poderiam encontrar-se ou só muito dificilmente.

Esta é a segunda função do dinheiro, intermediário geral na troca de mercadorias ou, seguindo os termos de Marx, meio de circulação das mercadorias.

Ao desempenhar esta função, o dinheiro manifesta particularidades notáveis sobre as quais só nos deteremos brevemente, mas voltaremos a elas ao referirmos o papel-moeda.

Primeiro, parece que o dinheiro dura mais tempo que as demais mercadorias no processo de circulação. Qualquer mercadoria, uma vez comprada, serve para satisfazer as nossas necessidades. Comemos o pão. Usamos a roupa. Mas suponhamos que «vendi» pão e que «comprei» dinheiro, o que acontece depois a este dinheiro? Parece que também se «gasta». Mas que significa «gastar» dinheiro (enquanto dinheiro e não enquanto metal)? Quer dizer: usá-lo para comprar digamos petróleo. Que acontece ao dinheiro nesta operação? Não se come nem se perde, só passa a outras mãos, às mãos do comerciante de petróleo. E este comerciante, por sua vez, «gastá-lo-á» a comprar, suponhamos, pano. O mesmo dinheiro servirá de intermediário numa nova troca de mercadorias.

M2 (petróleo) — D (dinheiro) — M3 (pano)

O dinheiro passará às mãos do possuidor de pano para figurar num novo ciclo de trocas. Assim, o dinheiro, meio de circulação, passa de mão em mão e pode inclusivamente, no mesmo dia, servir para várias trocas, ou seja, participar várias vezes no processo M—D—M.

Não é difícil calcular qual deve ser a quantidade de dinheiro necessária para assegurar, num dado momento, a circulação das mercadorias.

Suponhamos que há no mercado mercadorias por dois mil escudos. Significará isto que para assegurar a sua circulação normal são precisos dois mil escudos em dinheiro? Não. Pois cada escudo poderá servir várias vezes num dia e contribuir para trocas de mercadorias que custam mais de um escudo. O camponês que vendeu o trigo por um escudo, por exemplo, comprará imediatamente um escudo de petróleo. O comerciante de petróleo poderá então comprar pano e o comerciante de pano, lã. Suponhamos que a circulação deste escudo, neste dia, pára por aqui. Onde chegámos? O mesmo escudo, no mesmo dia, serviu para a troca destas diferentes mercadorias:

Pão por 1 escudo
Petróleo por 1 escudo
Pano por 1 escudo
por 1 escudo
Em resumo, mercadorias por 4 escudos

O escudo passou quatro vezes de uma mão a outra. Quanto mais rápida é a circulação do dinheiro, mais mercadorias põe em circulação. Mas nem todos os escudos circulam no mercado com a mesma rapidez. No entanto, pode-se calcular a velocidade média de circulação dos escudos (ou de outra qualquer unidade monetária) no mercado, e então é fácil concluir que a soma de dinheiro necessária para a circulação deve ser igual à soma de todas as mercadorias em circulação dividida pela velocidade média da circulação da unidade monetária. Se cada escudo serve, em média, para cinco operações diárias, não serão necessários, no nosso exemplo, dois mil escudos de dinheiro para dois mil escudos de mercadorias, mas sim 2.000 : 5, ou seja, quatrocentos escudos.

Mais tarde teremos que completar esta exposição, que por agora nos basta.


Notas de rodapé:

(1) dinheiro, padrão do preço, só desempenha uma função particular na qualidade de medida do valor. (retornar ao texto)

(2) TRACHTENBERG, O Papel Moeda (em russo), Livraria do Estado, Moscovo, 1925. (retornar ao texto)

Inclusão 26/06/2018