Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro quarto: A teoria do lucro e o preço de produção
Capítulo VII - O lucro e o preço de produção na economia capitalista
36. O preço de produção e a teoria do valor do trabalho


capa

Ao fazer o balanço do que dissemos até agora, chegamos às seguintes conclusões:

  1. Qualquer capitalista ao vender a sua mercadoria tenta recuperar as despesas de produção e, além disso, obter o maior lucro passível.
  2. No processo de concorrência e transferência de capitais o lucro dos capitalistas tende para uma taxa média que depende da composição orgânica e do tempo de rotação do capital da sociedade inteira.
  3. Portanto, o ponto de equilíbrio em torno do qual oscilam os preços na sociedade capitalista determina-se pelas despesas de produção mais o lucro médio.

Este regulador da sociedade capitalista chama-se preço de produção.

Mas uma pergunta se impõe. Esta conclusão não estará em contradição com o que dissemos acerca do valor? Estabelecemos que o preço de uma mercadoria se determina, em última análise, pelo trabalho socialmente necessário para a sua produção. Ao calcular o preço das mercadorias considerámos continuamente as horas de trabalho, e agora não falamos mais do que dos gastos do capitalista, gastos de produção e gastos gerais, e de lucro.

É verdade que não se tratava no capítulo do valor da sociedade capitalista com o seu sistema de exploração do trabalho, mas sim de um regime simples de produção de mercadorias.

Mas quais são as relações entre os preços de produção de que falámos agora e os valores das mercadorias de que falámos antes? É muito importante responder a esta pergunta, porque todos os nossos raciocínios se apoiavam na teoria do valor.

Voltemos por um instante à sociedade de que falámos atrás. Esta sociedade possui um capital de 2.400.000.000$ e todas as suas empresas se podem dividir, considerando a composição orgânica do capital, em três categorias:

Em milhões de escudos
Capital constante (c) Capital Variável (v) Mais-valia (m)
Ramos da indústria de alta composição orgânica de capital 1000 200 200
Ramos da indústria de composição orgânica de capital inferior 200 200 200
Outras 600 200 200
Totais 1800 600 600

Consideremos por um momento os ramos da produção inscritas sob o título «Outras». Têm um capital constante de 600.000.000$, um capital variável de 200.000.000$, uma composição orgânica do capital igual a 600 : 200 = 3 : 1. Tal é precisamente a composição orgânica do capital da sociedade inteira (1800 / 600 = 3 / 1) ; as empresas inscritas sob esta rubrica têm portanto uma composição orgânica de capital média. Admitamos que 2$ representam uma hora de trabalho socialmente necessário. Calculemos quantas horas deste trabalho estão materializadas nas mercadorias de todas as empresas, ou noutros termos, qual o valor das mercadorias produzidas por este capital. (Para isso vamos supor que o capital constante está gasto e que o seu valor se transferiu totalmente para as mercadorias num só movimento de rotação efectuado exactamente num ano).

Valor do capital constante
transferido
para as mercadorias
Valor do capital variável
transferido
para as mercadorias
Mais-valia
materializada
em mercadorias
Total
Ramos da indústria de alta composição orgânica de capital 1000 200 200 1400
Ramos da indústria de composição orgânica inferior 200 200 200 600
Outras 600 200 200 1000
Totais 1800 600 600 3000

Portanto, as mercadorias das empresas de alta composição orgânica do capital materializam 700 milhões de horas de trabalho; o valor destas mercadorias é de 1.400.000.000$, o valor das mercadorias dos ramos da indústria de composição orgânica do capital média é de 1.000.000.000$, e o das mercadorias das empresas de capital de composição orgânica inferior é de 600.000.000$.

Qual será, portanto, o preço de produção das mercadorias destas fábricas?

A taxa média de lucro é, na sociedade que estudamos, 25%, e as fábricas de maquinaria, como os estabelecimentos de indústrias análogas, gastaram um capital igual a 1000 c + 200 v, quer dizer, 1.200.000.000$, logo, o preço de produção das máquinas construídas tem de ser igual às despesas de produção (1.200 milhões) mais o lucro médio de 25%. Quer dizer: 1200 x 25 / 100 = 300.000.000$, ou seja,

1.200.000.000$ + 300.000.000$ = 1.500.000.000$

Da mesma maneira se pode calcular o preço de produção das empresas têxteis e outras de composição orgânica do capital média:

Despesas de produção
(Em milhões de escudos)
Lucro médio
(Em milhões de escudos)
Preço de produção
(Em milhões de escudos)
600 capital constante + 200 capital variável
25 % sobre 800 = 800 x 25 / 100 800 + 200 = 1000

Façamos o mesmo cálculo para as empresas de composição orgânica inferior:

Gastos de produção Lucro médio
(Em milhões de escudos)
Preço de produção
(Em milhões de escudos)
200 c + 200 v 25 % sobre 400 = 100 400 + 100 = 500

Comparemos agora os preços de produção das mercadorias dos diferentes ramos com o seu valor:

Valor trabalho
das mercadorias
Preço de produção
das mercadorias
Medida em que o preço é superior
ou inferior ao valor
Ramos da indústria de alta composição orgânica de capital
(construção de máquinas, etc.)
1400 1500 + 100
Ramos da indústria de composição orgânica de capital inferior
(padarias, etc.)
1000 1000 =
Outras
(indústria têxtil, etc.)
600 500 - 100
Totais 3000 3000 igualdade

Que nos ensinam estes cálculos?

Os proprietários das fábricas de máquinas, empresas de capital de alta composição orgânica, ao vender as máquinas ao preço de produção recebem mais que o valor destas máquinas; ao contrário, os proprietários das padarias recebem menos. Porquê? Porque os «padeiros», de facto, deviam receber, em consequência de a composição orgânica do capital da sua empresa ser inferior, uma taxa de lucro superior à taxa média, mas tiveram de renunciar a este excedente de lucro. Fizeram-no contra vontade, para que os proprietários das empresas que constroem máquinas não vão preferir colocar os seus capitais na padaria, mais lucrativa, o que inevitavelmente provocaria uma baixa dos preços.

Portanto, neste processo de nivelação da taxa de lucro os capitalistas padeiros e seus semelhantes perderam 100.000.000$; as empresas construtoras de máquinas ganham, precisamente, em excedentes, essa soma.

Nos ramos de produção de capital de composição orgânica média, os nossos cálculos ensinam-nos que o preço de produção das mercadorias é igual ao valor.

Do mesmo modo, se compararmos a soma dos preços de produção de todas as mercadorias da sociedade com o valor, vemos que estas duas dimensões são iguais; e isto compreende-se: os construtores de maquinaria ganharam tanto como os padeiros perderam. Do ponto de vista puramente quantitativo, ou noutros termos, do ponto de vista das dimensões do valor e do preço de produção, existe certa relação entre ambos os factos, e é então evidente que se o valor não desaparece na sociedade capitalista, só se manifesta com eficácia sob a sua forma anterior na sociedade considerada no seu conjunto. O preço de produção cresce sobre a base do valor, nasce do valor: porque finalmente a taxa de lucro média não é mais que a relação da mais-valia de todas as empresas da sociedade com o valor do capital desta sociedade.

Mas a conexão entre o preço de produção e o valor não termina aqui: a conexão quantitativa entre a dimensão das mercadorias e o seu preço de produção explica-se alternativamente por conexões mais profundas que continuam a existir no trabalho dos homens na produção, relações expressas pelo valor do preço de produção.

Quais as relações de produção que encontram a sua expressão no valor? As dos proprietários individuais das mercadorias, as que o mercado rege espontaneamente por meio das coisas. O valor, ao reger as relações entre os homens, ensina aonde tem de ir o trabalho do produtor individual de mercadorias, ou noutros termos, o valor regula a repartição do trabalho social numa sociedade onde o trabalho social, na realidade, toma formas individuais baseadas na propriedade individual.

Mas se no regime de produção simples de mercadorias a repartição do trabalho social se faz através do valor, se o trabalho se dirige em linha recta, nesta sociedade, para o ramo da produção que tem o preço superior ao valor, na economia capitalista as coisas não são exactamente iguais: aqui é o preço de produção que tem o papel de regulador: a diferença entre o preço individual e o preço de produção determina em que medida uma empresa é mais ou menos lucrativa, a quantidade de lucros que pode dar ao capitalista pelo seu capital e decide, por isso mesmo, para onde tem que ir o capital.

Deste modo, o preço de produção conduz a uma repartição determinada dos capitais entre os ramos da economia e as diferentes empresas. Mas compreende-se que ao regular a repartição dos capitais o preço de produção regula também a repartição do trabalho social: porque uma determinada repartição dos capitais provoca uma determinada repartição do trabalho na sociedade. Na economia mercantil simples a repartição do trabalho social faz-se directamente por meio do valor, na sociedade capitalista faz-se indirectamente por meio dos preços de produção e da repartição dos capitais. Isto porque existem na economia capitalista, para além da relação entre proprietários de mercadorias, outras relações sociais: primeiro as que existem entre os capitalistas e os operários, e em segundo lugar as que existem entre os diferentes grupos de capitalistas industriais(1).

As relações sociais da economia mercantil simples (quer dizer, as relações entre diferentes proprietários de mercadorias que regulam espontaneamente as suas relações por meio das mercadorias no mercado) não desaparecem no regime capitalista, mas tornam-se mais complexas e tomam outra forma, porque outras relações se acrescentam a elas.

E, se é assim, compreende-se que o valor, expressão das relações da economia mercantil simples, não desaparece na economia capitalista, e só toma nela uma forma mais complicada, precisamente a do preço da produção. Ainda que estas duas formas não coincidam exactamente, um laço profundo existe entre elas.


Notas de rodapé:

(1) A teoria do valor trabalho só estuda um tipo de relações de produção entre os homens (considerados como proprietários de mercadorias); a teoria dos preços de produção supõe, em troca, a existência de três tipos de relações de produção da saciedade capitalista (relações entre os proprietários de mercadorias, relações entre os capitalistas e os operários, relações entre os diferentes grupos de capitalistas industriais). I. ROUBINE, Ensaios sobre a Teoria do Valor de Karl Marx, Moscovo, 1924. (retornar ao texto)

Inclusão 26/06/2018
Última alteração 16/08/2018