Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro quinto: O capital comercial e o lucro comercial
Capítulo IX - O capital comercial e o lucro comercial na economia capitalista
48. O lucro da cooperativa


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Até agora, não examinamos senão as relações puramente capitalistas no comércio e na indústria. Ora, mesmo no período do capitalismo florescente, subsistem, ao lado das grandes empresas capitalistas, diversas formas de pequena produção, seja artesanato, trabalho de ofício, trabalho camponês, etc. Todas estas formas de produção se ligam mais ou menos ao capital comercial e dele dependem. E ligam-se nos mais variados sentidos: pelo escoamento das mercadorias do pequeno produtor, pela aquisição de matérias primas e, enfim, pelo consumo. Os pequenos produtores encontram-se com o capital comercial, na qualidade de produtores de mercadorias, compradores de matérias primas e compradores de artigos de consumo. Quando um grande industrial encontra no mercado um grande comerciante, trata-se de igual para igual. O capital comercial ambiciona, como acabamos de ver, um lucro igual ao do capital industrial, que é constrangido a lhe ceder, nas condições normais, este lucro descontado da sua própria mais-valia. É bem diferente quando um grande comerciante encontra no mercado um pequeno produtor. Este último é, no sentido econômico, muito mais fraco que o grande capitalista, diante do qual ele fica em completa dependência. Decorre daí que o comerciante se esforça, por todas as maneiras, de tirar partido de sua situação dominante para explorar e escravizar o pequeno produtor. A constante carência de dinheiro do pequeno produtor, seu fraco conhecimento do mercado, etc., permitem ao comerciante de lhe comprar as mercadorias a baixo preço e de lhe vender os meios de produção e de consumo a preços artificialmente elevados, tirando, por consequência, desta exploração reforçada, um certo superlucro. O produto suplementar do pequeno produtor torna-se lucro comercial para o capitalista comerciante.

Naturalmente, nasce entre os pequenos produtores o desejo de se emanciparem desta dependência do capital comercial, ou, pelo menos, de atenuar quanto possível os seus efeitos. Formam-se as cooperativas de venda, de compra de matérias primas e de consumo, etc., cujo objetivo é substituir o capital comercial no abastecimento de seus membros em artigos de consumo, em matérias primas, etc., e também na venda de seus produtos, em condições mais vantajosas.

As cooperativas são, portanto, associações de operários e de pequenos produtores, que têm por objetivo a defesa de seus membros na qualidade de consumidores ou de produtores, contra a exploração do capital comercial.

Examinemos, afim de melhor compreender a natureza da cooperação, uma cooperativa de consumo. Entra-se para ela fazendo um depósito em dinheiro. A assembleia geral dos cooperadores é o órgão dirigente; um conselho administrativo eleito por assembleia geral é o órgão executivo. Uma comissão de controle e de revisão, igualmente eleita, controla a atividade do conselho administrativo. O lucro obtido pela cooperativa é repartido de diversas maneiras entre seus membros. Em certos casos, a cooperativa vende suas mercadorias a seus membros a preços reduzidos; em outros, ao preço do mercado, mas, no fim do ano, lhes dá um dividendo de tanto por cento.

Como considerar o lucro obtido pela cooperativa? Qual é sua origem e sua natureza social?

Está bastante difundida entre os cooperativistas burgueses a opinião de que o lucro em dinheiro recebido pelo cooperador não pode ser considerado como lucro comercial, sendo simplesmente o resultado de economias feitas nas compras.

É justa esta opinião? Consideremos uma cooperativa de consumo e suponhamos, para maior simplicidade, que ela só vende tecidos. Num ano ela obteve 25 mil francos de lucros para 1.000 cooperadores. Este lucro foi repartido da seguinte maneira 2.500 francos para o capital de reserva, 2.500 francos para o desenvolvimento dos negócios, e 20.000 francos de dividendo a 1.000 cooperadores. Cada um recebeu, portanto, a média de 20 francos. Não nos interessa que eles tenham recebido estes 20 francos sob a forma de uma diminuição dos preços das mercadorias, ou em dinheiro recebido no fim do exercício anual. Podem estes 20 francos ser considerados como resultado de economias nas compras? Tal poderá ser a ideia do cooperador, sobretudo se ele os recebe sob a forma de diminuição dos preços de mercadorias compradas na cooperativa. Mas de onde vem esta economia, por que a cooperativa vende mais barato que o comerciante? Evidentemente não é porque ela venda com prejuízo. Uma cooperativa que tal fizesse não duraria muito tempo. É mesmo difícil de admitir que esta barateza relativa (em comparação com os preços do comércio privado) possa ser o resultado de uma organização mais econômica do comércio. O problema é fácil de se resolver, desde que não se esqueça qual é a fonte de lucro do capital comercial. Este, como já o dissemos, não é senão a parte da mais-valia cedida pelo capital industrial. O lucro da cooperativa tem a mesma origem. A cooperação também recebe suas mercadorias do industrial que lhes vende, como ao capitalista comerciante, um pouco abaixo do seu valor. Entretanto, o comerciante embolsa esta diferença sob a forma de lucro comercial do capital colocado na sua empresa, ao passo que a cooperativa o transmite, de uma ou de outra forma, a seus membros.

A mais-valia criada pelos operários da indústria é, portanto, também, a fonte dos lucros realizados pela cooperação.

Tudo isto naturalmente se refere à cooperação de consumo e a cooperação de compra de matérias primas e de meios de produção dos pequenos produtores. Quanto à cooperação para a venda de produtos, o lucro que tiram os pequenos produtores vem de que, evitando recorrer ao capital comercial intermediário, guardam assim a parte suplementar do seu produto que tenham de lhe entregar;

O caráter e a importância social da cooperativa de consumo mudam na medida em que a parte de mais-valia cedida pelo capital industrial é repartida entre os operários e os pequenos produtores. Neste caso, a cooperação torna-se evidentemente um meio de defesa dos pequenos produtores contra o jugo do capitai comercial e um meio de melhorar — em certos limites pelo menos — a condição dos operários assalariados. O capitalismo, porém, traça para a cooperação o limites bem estreitos. O fato de que o operário receba a mercadoria a preço mais baixo, acarreta, no regime capitalista, uma baixa do valor de sua força de trabalho. O capitalista pode, pois, aproveitar-se disto para diminuir os salários. Os operários não podem, portanto, defender as vantagens que lhe dá a cooperação para o consumo, senão quando, ao lado de sua cooperativa, existem poderosos sindicatos ou um partido político.

Por outro lado, as diversas formas de cooperação de compra ou venda, dos pequenos produtores, artesãos e camponeses, tendem cada vez mais, no regime capitalista. a se transformar em organizações que permitem aos pequenos produtores acomodados tornarem-se pequenos e médios capitalistas. Esta questão, porém, sai dos limites deste capítulo. Ao tratar da acumulação capitalista nós a examinaremos em detalhe. (Livro VIII).


Inclusão 21/09/2018