Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro sétimo: A renda territorial
Capítulo XV - A renda territorial na Economia Capitalista
78. A renda diferencial


capa

Vimos mais de uma vez o capitalista retirar de suas empresas um lucro suplementar superior ao lucro médio. Acontece isto quando, sendo a técnica de sua empresa superior à média, suas despesas de produção caem abaixo da média. A diferença entre o valor individual da mercadoria produzida numa empresa dada e o preço de produção determinado pelas despesas médias da produção, forma, neste caso, um lucro suplementar ou, mais exatamente, um lucro diferencial.

Não tem a renda territorial a mesma origem?

A qualidade do solo não é sempre igual. A terra é mais ou menos fértil, mais ou menos rica em hulha, petróleo, ouro; vastas superfícies estão cobertas de areia onde nada brota, podendo-se às vezes atravessar centenas de quilómetros sem encontrar a menor vegetação. O trabalho empregado num solo fértil, permanecendo todas as outras condições iguais, dá sempre, evidentemente, mais resultados do que o trabalho aplicado no deserto.

Consideremos três terrenos de fertilidade diferente. Suponhamos que com uma despesa igual de 100 rublos de capital:

Suponhamos que a taxa média do lucro seja de 20%. Qual será o preço individual da produção de um pud de trigo em cada terreno? O preço da produção é determinado, nós o sabemos, pelas despesas da produção, mais o lucro médio. Conhecidos para cada terreno a colheita, o capital gasto e o lucro médio, para determinar o preço individual da produção de um pud de trigo em cada terreno, devemos dividir o preço da produção da colheita de cada terreno pelo número de puds de trigo que ele produziu. Obteremos, então, o seguinte quadro:

Terrenos Produção de Trigos
puds
Despesas de Produção
rublos
Lucro Médio
Rublos
Preço individual da produção
de toda a colheita
rublos
Preço Individual da produção
deu um pud de trigo
110 100 20 120 120/110 1r 09
100 100 20 120 120/100 1r 20
90 100 20 120 120/90 1r 33
Totais 300 300 60 360  

O preço individual da produção de um pud de trigo, no primeiro terreno, é de 1 rublo e 09; no segundo é de 1 rublo e 20 e de 1 rublo e 33 no terceiro. Como será, nestas condições, determinado o preço social da produção de um pud de trigo? Admitamos, um instante somente, que ele seja determinado na agricultura como na indústria pelas despesas médias de produção. O preço médio da produção deverá ser igual à soma dos preços individuais da produção de todos os terrenos dividido pelo número de puds de trigo da colheita global: seja 300/300 = 1r. 20 copeks. Este preço médio da produção corresponde no caso ao preço individual do 2,º terreno. Mas o locatário do primeiro terreno, vendendo a 1r. 20 o pud de trigo, retirará um lucro suplementar de 11 copeks por pud, enquanto o locatário do 3.º terreno perderá 13 copeks por pud. Que fará este ultimo? Se em lugar da agricultura levássemos esta questão para a indústria, seria mais fácil responder à pergunta. Os lucros diferenciais também são possíveis na indústria: o capitalista pode receber um lucro diferencial se a técnica e, de um modo geral, o rendimento do trabalho de sua empresa é superior à média. Dada a livre concorrência, este lucro diferencial será temporário; durará enquanto os outros capitalistas não tenham por sua vez introduzido os mesmos melhoramentos técnicos que trarão uma diminuição do tempo socialmente necessário à produção da mercadoria. Os capitalistas, cuja técnica é inferior à média, deverão melhorá-la ou sucumbir, estão numa luta desigual. O locatário do 3.º terreno pode fazer como o capitalista cuja técnica é inferior à média? Não. O caminho dos melhoramentos lhe está fechado. De onde vem, com efeito, o superlucro do locatário do 1.º terreno? De onde vem a diminuição de lucro que sofre o proprietário do 3.º terreno? Esta diferença não resulta das diferenças de técnica, mas da desigual fertilidade do solo. Como qualidade natural, a fertilidade do solo não depende de nenhuma medida.

Um capital aplicado a um solo mais fértil dará sempre, sendo todas as outras condições iguais, um maior produto. Se os preços dos produtos da agricultura são determinados pelas despesas médias da produção, o locatário do 3.º terreno está, portanto, destinado a receber um lucro inferior à taxa média. Encontrar-se-ão naturalmente poucos capitalistas dispostos a colocarem seus capitais na exploração de semelhantes terrenos. O terceiro terreno ficará inculto. É pelo menos o que acontecerá se o pedido de trigo no mercado comercial for aberto pelo trigo dos dois terrenos mais férteis. Mas que acontecerá se o pedido cresce ao ponto de que as duas terras férteis não possam satisfazer? O pedido, sendo superior à oferta, produzir-se-á uma alta do preço do trigo. Até quando? Até o momento em que o preço atinja a 1 rublo e 33 copeks por pud, isto é, o preço da produção da terra menos fértil.

É somente neste momento que a cultura do 3.º terreno se tornará remuneradora, podendo o locatário desde então cobrir as despesas de produção e receber o lucro médio.

O preço da produção dos produtos da agricultura não pode, portanto, ser determinado, como o é na indústria, pelo custo médio da produção. Isto não seria possível senão quando a fecundidade maior de certos terrenos fosse uma vantagem tão temporária e tão fácil de se conseguir como a dos aperfeiçoamentos técnicos, ou, então, se a quantidade de terras férteis pudesse ser arbitrariamente aumentada da mesma forma que se aumenta a produção industrial quando o pedido de uma mercadoria é superior à oferta. Mas as qualidades naturais do solo são constantes e não podem ser profundamente modificadas por nenhuma intervenção humana; as boas terras são em quantidade limitada e não podem ser arbitrariamente ampliadas; resulta daí que o preço da produção dos produtos agrícolas não deve ser determinado pelo custo médio da produção, mas pelo custo da produção nas terras menos férteis.

O fato de ser a terra limitada - diz Lenine - criou uma espécie de monopólio: sendo todas as terras ocupadas pelos fazendeiros e sendo pedida no mercado toda a colheita de trigo do globo, inclusive a das regiões menos férteis e mais longínquas, compreende-se que o preço do trigo seja determinado pelo preço da produção da terra pior (ou pelo preço da produção nesta terra com a despesa menos produtiva de capital).(1)

Chegamos a concluir que o preço da produção da agricultura é determinado, não pelo custo da produção nas terras melhores ou nas terras médias, mas por este custo nas terras menos férteis. O preço individual da produção dos produtos da agricultura nas melhores terras está, portanto, sensivelmente abaixo do seu preço de venda determinado pelas condições da produção nas piores terras. As melhores terras dão, pois, em compensação com as piores, um excedente de rendimento que compreende toda a diferença entre seu preço individual de produção e o preço mais elevado da produção nas terras piores.

Voltemos ao nosso exemplo. Ainda que o preço individual da produção seja 1 rublo e 09 o pud no 1.º terreno, de 1 rublo e 20 no segundo terreno e de 1 rublo e 33 no terceiro, vender-se-á o trigo no mercado pelo preço de produção das terras ruins, isto é, a 1 rublo e 33 o pud, quaisquer que sejam o seu lugar de origem e as despesas individuais de produção. Ao preço de 1 rublo e 33 o pud, ou mais exatamente 1 rublo e 1/3, o locatário do primeiro terreno realizará 146 rublos e 2/3 da renda de seu trigo; o locatário do segundo terrena retirará 133 rublos e 1/3 e a do terceiro 120. As quantias se repartirão da seguinte maneira:

Terrenos Produto do trigo Recuperação do
capital gasto
Lucro médio Excedente do lucro em
comparação com o
3º terreno
146 r 2/3 100 r 20 r 26 r 2/3
133 e 1/3 100 r 20 r 13 r 1/3
120 r 100 r 20 r -

A diferença de fertilidade do solo tem por consequência que os locatários do 1.º e do 2.º terrenos receberão: um 26 rublos 2/3, e outro 13 rublos 1/3 a mais do que o 3º. Todos três receberão, além disso, sobre seu capital gasto, 20 rublos de lucro médio.

Nestas condições, é evidente que os proprietários dos dois primeiros terrenos não os alugarão senão com a condição de receber de seus locatários todo o excedente de renda devido à fecundidade do solo. Os locatários aceitarão esta condição porque, deduzido este excedente, ainda lhes ficará o lucro médio do capital colocado. O lucro diferencial resultante da exploração das melhores terras está transformado, assim, em renda territorial. Esta renda descontada das melhores terras é chamada renda diferencial. Em nosso exemplo, somente os dois primeiros terrenos darão renda diferencial. O 1.º demais, o 2.º de menos, e o 3.º não dará. Mas, se os pedidos de trigos aumentam ao ponto de que os três terrenos não possam satisfazê-lo, o que obriga a cultivar um 4.º terreno ainda menos fértil que o 3.º, este 3.º dará, por sua vez, uma renda diferencial.

A renda diferencial resulta neste caso das diferenças na fertilidade das terras, podendo resultar também da situação das mesmas. A distância em que se encontra uma terra, do mercado, tem muito mais importância na agricultura do que tem na indústria a distância da fábrica ao mercado. As matérias primas e, de um modo geral, os produtos da agricultura, têm em si mesmo um valor módico, sendo uma grande parte do seu valor constituído pelas despesas de transportes. Consideremos outra vez as três terras:

Se os pedidos de compra de trigo não podem ser cobertos pelas duas primeiras terras, se se tem necessidade do trigo da 3.ª, o preço no mercado deverá ser bastante elevado para cobrir as despesas de transporte dos produtos da 3.ª terra. Os preços do transporte do trigo do 1.º e 2.º terrenos para o mercado serão, por consequência, respectivamente inferiores de 3 fr. e 50 e de 1 fr. e 50 a carroça, aos preços de transporte dos produtos do 3.º terreno; mas o trigo será vendido ao preço do 3.º terreno independentemente de sua proveniência. As duas primeiras terras darão, consequentemente, uma renda diferencial de 3 fr. e 50 por carroça para o primeiro, e de 1 fr. e 50 para o segundo.

A renda diferencial resultante da situação dos terrenos desempenha papel imenso nas cidades modernas. Os terrenos situados no centro das cidades, nas ruas mais comerciais, na proximidade dos bancos e administrações, próximos às linhas de bonde, etc., dão sempre aos seus proprietários, sob a forma de renda diferencial, rendimentos fabulosos que, de maneira nenhuma, são determinados pelo grau de fertilidade do solo.

continua>>>

Notas de rodapé:

(1) LENINE. Obras completas, edição russa, t. IX. (retornar ao texto)

Inclusão 14/10/2018