Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro sétimo: A renda territorial
Capítulo XVI - As formas pré-capitalistas da renda - A renda na pequena exploração camponesa
88. As formas pré-capitalistas da renda


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Até o presente temos suposto relações capitalistas na agricultura. Mas existe até mesmo nos países capitalistas mais desenvolvidos, ao lado das empresas agrícolas capitalistas, unia quantidade de pequenas empresas dependentes em parte da economia natural e em parte da economia mercantil; em numerosos países atrasados, pode-se observar sobrevivências do servilismo herdadas de um longínquo passado medieval. É isto que nos obriga a estudar estas relações sociais do ponto de vista da nossa teoria da renda territorial. Mas, para melhor compreender a natureza social das sobrevivências pré-capitalistas que anida se observam em numerosos países capitalistas, devemos examinar as relações pré-capitalistas em seu estado puro.

De início, definiremos o sistema feudal ou servilismo como regime em decomposição, do qual nasceu o capitalismo. Lenine deu do servilismo na agricultura a seguinte definição:

Todos sabem o que era o direito senhorial do ponto de vista jurídico, administrativo, usual. Mas raramente se pergunta qual era, naquele regime, a natureza das relações econômicas dos proprietários territoriais e dos camponeses. Os proprietários territoriais davam a tera aos camponeses, e, às vezes, davam-lhes também, a crédito, os meios de produção, bosques, gado, etc. Que valor tinha esta repartição das terras senhoriais entre os camponeses? Era uma espécie de salário, se se quer usar de uma expressão tomada às relações capitalistas atuais. Na produção capitalista, o salário do operário é pago em dinheiro. O lucro do capitalista é realizado sob a forma dinheiro. O trabalho necessário e o trabalho suplementar (isto é, o trabalho que paga o sustento do operário e o que dá ao capitalista a mais-valia não paga) estão reunidos na fábrica no processo único do trabalho, numa só jornada de trabalho, etc. Era bem ao contrário na empresa feudal. O trabalho necessário e o trabalho suplementar existiam também aí como existem na economia baseada na escravidão. Mas estas duas formas de trabalho estavam separadas no tempo e no espaço. O servo trabalhava três dias para o senhor e três dias para si. Trabalhava para o senhor na terra do senhor e cultivava o trigo do senhor. Trabalhava para si mesmo na terra que lhe fora dada em usufruto, para produzir o trigo necessário à sua família, isto é, para a manutenção da força de trabalho do proprietário territorial.

O sistema econômico servil do feudalismo é, portanto, idêntico, sob certo aspecto, ao sistema capitalista: em ambos os sistemas, o trabalhador não recebe senão o produto do seu trabalho necessário, e entrega, sem compensação, ao proprietário dos meios de produção, o produto de seu trabalho suplementar. Mas o sistema econômico do servilismo difere do sistema capitalista em três aspectos. Primeiramente, a economia feudal é uma economia natural, enquanto a economia capitalista é baseada no dinheiro. Em segundo lunar, a economia feudal baseia a exploração na ligação do trabalhador com a terra que lhe é dada pelo senhor, enquanto a economia capitalista se baseia ria liberação do trabalhador do solo. O senhor, proprietário territorial, devia, para receber rendimentos (isto é, o produto suplementar do trabalho), ter em suas terras camponeses usufruindo as parcelas, instrumentos de trabalho, gado, etc. O camponês sem terra, sem cavalo e sem instrumentos, era um objeto de exploração pelo senhor, O capitalista deve, pelo contrário, para receber rendimentos (lucro) estar em presença de um trabalhador sem terra e sem instrumentos, constrangido, portanto, a vender sua força de trabalho no mercado livre do trabalho, Em terceiro lugar, o camponês que recebeu uma parcela de terreno, deve estar pessoalmente dependente do proprietário territorial, porque, dispondo de uma terra, ele só trabalhará para o senhor, constrangido. O sistema econômico engendra aqui o constrangimento não econômico do servilismo, a dependência jurídica, a desigualdade de direitos, etc. Pelo contrário, o capitalismo ideal é a liberdade mais completa de contratos no mercado livre entre os proprietários e os proletários.

Tais são os traços essenciais do servilismo. Que devemos pensar do rendimento do produto suplementar que o proprietário territorial recebe do servo? É uma renda territorial no sentido capitalista da palavra? Não. A renda territorial capitalista ó um excedente em mais-valia recebido pelo fazendeiro capitalista locatário, além do lucro médio, e que ele paga ao proprietário territorial pelo usufruto da terra. A renda capitalista pressupõe a existência de três classes:

  1. a dos proprietários territoriais, latifundistas, que recebem a renda dos locatários capitalistas aos quais eles cedem o usufruto da terra;
  2. os locatários capitalistas que exploram os operários assalariados e cujo trabalho cria a mais-valia (uma parte desta mais-valia é cedida ao proprietário territorial pelos capitalistas locatários, que se apropriam do resto sob a forma de lucro médio);
  3. os operários assalariados que não têm nem meio de produção nem de existência e que devem, por consequência, vender sua força de trabalho aos capitalistas.

A renda territorial pré-capitalista representa, ao contrário da renda capitalista, não uma parte do rendimento da exploração do trabalho na agricultura, mas a totalidade desta renda. Ela não é outra coisa senão a forma de apropriação pelo proprietário territorial de todo o trabalho suplementar do servo. A renda territorial pré-capitalista supõe a existência de duas classes: 1.° proprietários territoriais que se apropriam do produto suplementar dos camponeses; 2.° os camponeses cultivadores que, ao contrário dos escravos e dos operários, são possuidores de meios de produção e gozam de uma certa independência econômica, o que faz com que a exploração de que são objeto não tome a forma de compra e venda força de trabalho, apresentando-se sob uma forma mais aberta: separação nítida do trabalho necessário (ou produto necessário) que o camponês cria para si e do trabalho suplementar (ou produto suplementar) que ele entrega ao proprietário territorial. As relações de produção contidas na noção de renda territorial capitalista são, portanto, bem nitidamente diferentes das dos regimes pré-capitalistas, e seria um erro grosseiro confundir estas duas formas da renda.

Marx distingue três etapas na evolução da renda pré-capitalista: a renda-trabalho, a renda-produto, e renda-dinheiro.

renda-trabalho quando o camponês trabalha parte de seu tempo na terra que lhe foi dada para satisfazer as necessidades de sua família e outra parte de seu tempo na terra do senhor em benefício do senhor. A separação entre o trabalho necessário e o trabalho suplementar apresenta-se aqui sob sua forma mais nítida e menos dissimulada.

A renda-produto não passa de uma transformação da renda-trabalho. O camponês entrega seu trabalho suplementar para o proprietário territorial, não mais sob a forma direta de trabalho, mas sob a de um tributo em produtos. Resultam daí modificações nas relações entre o proprietário territorial e o servo, modificações estas que já significam uma elevação do nível de produção. O proprietário territorial não está obrigado a manter uma vigilância imediata no trabalho do camponês como no caso da renda-trabalho. A renda-produto deixa mais independência ao camponês.

A renda-dinheiro é uma nova forma da renda-produto. Não é mais em espécie que o camponês paga seu tributo ao proprietário territorial, mas sim em dinheiro.

O verdadeiro caráter da renda pré-capitalista não se modifica pelo fato de tomar a forma dinheiro, continuando o proprietário territorial a apropriar-se da totalidade do produto suplementar do cultivador. Mas a renda dinheiro pressupõe, além disso, a realização deste produto, no mercado. A economia feudal é, no fundo, uma economia natural: a renda dinheiro só ó possível quando as trocas atingem já um certo grau de desenvolvimento. Ela torna-se, na medida em que se liga indissoluvelmente ao desenvolvimento das trocas, uma forma de decomposição da renda pré-capitalista. Seu desenvolvimento ulterior conduz tanto à economia capitalista e, por consequência, à renda capitalista, como à pequena economia camponesa liberal do servilismo e baseada na propriedade privada do solo.

continua>>>
Inclusão 29/05/2019