Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro nono: O imperialismo e a queda do capitalismo
Capítulo XXIII - As sociedades por ações e seu papel na centralização do capital
117. Dividendos, lucro de fundadores, capital fictício


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O domínio efetivo de um punhado de grandes capitalistas sobre as sociedades por ações não pode deixar de se fazer sentir na divisão dos lucros.

O lucro de cada acionista é, já dissemos mais acima, proporcional à parte do capital representada por suas ações. Mas errar-se-ia acreditando que todo o lucro dessas sociedades é repartido segundo esse principio. Os grandes acionistas tomam conta dos cargos de diretores, de administradores e fixam-se emolumentos tais que absorvem, na realidade, sob essa forma, uma parte importante do lucro. Os grandes capitalistas ganham assim duplamente: 1.º eles tiram uma parte do lucro geral dos acionistas; 2.º, possuindo o maior número das ações, eles recebem a parte maior dos dividendos, isto é, do lucro repartido entre os acionistas.

Os seus lucros e os dos seus apaniguados não ficam só nisso.

Ao ser fundada uma sociedade por ações, as ações vendem-se por seu preço nominal. Se são emitidas 5.000 para um capital de 500.000 francos, cada ação se venderá a 100 francos. Mas suponhamos que um capitalista, tendo comprado uma ação ao ser fundada a sociedade, queira depois vendê-la. Vendê-la-á por 100 francos? Isso dependerá dos dividendos anuais. Suponhamos que a ação dê um lucro de 15 francos por ano. O vendedor quererá, evidentemente, receber, em troca, dinheiro suficiente para que um depósito feito num banco lhe renda juros equivalentes. Se a taxa média de juros é de 5%, o acionista não cederia de modo algum em vender por 100 francos sua ação, quando o mesmo dinheiro depositado num banco lhe renderia três vezes menos. A ação será vendida evidentemente por três vezes o seu preço nominal, isto é, por 300 francos.(1)

Esses trezentos francos não representam o capital francos são pagos pelo direito de receber sob forma de real da empresa (máquinas, mercadorias, etc.) senão na proporção de 100 francos; os restantes duzentos dividendo os juros bancários. (Os trezentos francos colocados num banco renderiam efetivamente por ano tanto quanto a ação, ou sejam 15 francos).

Os trezentos francos dispendidos pelo comprador da ação não constituem o preço de um valor real: o comprador não recebe uma mercadoria na produção da qual um trabalho socialmente necessário tenha sido gasto, ele não compra senão o direito de receber, no futuro, um certo rendimento, os dividendos.

Poderemos dizer, de outra maneira, que o preço das ações representa os dividendos capitalizados.

Nesta capitalização do dividendo, como na da renda territorial, as contradições da sociedade capitalista manifestam-se com um vigor excepcional: por um lado, a mais-valia não pode ser criada sem valor real: máquinas, matéria prima e, sobretudo, força de trabalho. Por outro lado, a distribuição da mais-valia é de tal maneira independente da produção desta, que o direito de receber uma determinada parte da mais-valia se paga em dinheiro e se torna uma espécie de capital.

Este capital é denominado, em oposição ao capital real, composto de valores reais, de capital fictício.

O capitalista fundador, tendo comprado uma ação por seu preço nominal — de 100 francos em nosso exemplo — por ocasião da fundação da empresa, considera-a como um capital fictício de trezentos francos, do mesmo modo que o proprietário territorial dá a suas terras um “valor” determinado, apesar de não as ter vendido.

Esse fundador receberá, realmente, pelos cem francos que pagou, um lucro de fundador (de 15%); a pessoa que lhe comprar a ação não receberá na realidade senão um juro bancário de 5%. O fundador, vendendo sua ação por trezentos francos, receberá duzentos francos a mais do que a ação lhe custou e esses duzentos francos de diferença entre o capital real e o capital fictício constituirão o que se chama o lucro de fundador. É o preço pelo qual o fundador, vendendo a ação, renuncia ao direito de receber, pelo dinheiro que colocou na empresa, o lucro patronal superior aos juros bancários.

O caráter parasitário da classe capitalista ressalta com força do que acabamos de dizer. Basta ter uma ação para obter o lucro, embora o possuidor da ação não tenha nunca visto a empresa onde se criou para ele a mais-valia; basta ser fundador, para receber os lucros de fundador, sem mexer o dedo mínimo. Se o capitalista podia, antes, desempenhar de um certo modo um papel progressista, graças à sua “visão de mestre”, superintendendo o curso da produção e organizando-a, a grande massa dos capitalistas, que compra e vende ações e recebe os dividendos, cai atualmente no parasitismo. Toda a organização e a técnica da empresa descansa nos operários assalariados. O ínfimo punhado de tratantes capitalistas, que se mantêm à testa da sociedade por ações, só tem a seu cargo a “direção geral” dos negócios.

Esses magnatas do capital, usando de seu poder, não se limitam a espoliar o lucro das empresas. Em caso de fracasso, fazem os pequenos acionistas pagar o prejuízo. Conhecendo melhor que estes últimos a situação dos negócios, apressam-se, quando estes tomam rumo perigoso, a vender suas ações antes que o deficit de sua empresa seja conhecido. Sendo deficitária a produção, eles podem pagar por algum tempo, com prejuízo mesmo, ótimos dividendos, afim de fazer subir a cotação das ações e vendê-las por um preço elevado; descobrem depois o jogo e são os compradores das ações que perdem.

Modificando-se a cotação das ações (seu preço de compra e de venda) segundo os dividendos que rendem, sofrem altas e baixas de acordo com as altas e baixas dos dividendos. Dessa maneira explica-se a especulação com as ações e com todos os outros valores que dão direito a um certo lucro. Prevendo uma baixa, os capitalistas esforçam-se ansiosamente por vender suas ações; prevendo uma alta, todos se esforçam, ao contrário, por comprá-las. Milhões são rapidamente adquiridos e perdidos dessa maneira no jogo da Bolsa (a agiotagem); a arraia miúda dos acionistas é quem sofre quase sempre; acontece mesmo muitas vezes que seja vítima de armadilhas preparadas pelos grandes homens de negócios. Os lucros e os prejuízos dessas especulações não traduzem nem aumento nem diminuição real de valores e não significam senão uma distribuição nova desses valores: patenteia-se, assim, o caráter parasitário da burguesia.


Nota de rodapé:

(1) Não exatamente 300 francos, pois diversos outros fatores, tais como os riscos, podem modificar a cotação da ação. (retornar ao texto)

 

Inclusão 10/06/2023