Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro nono: O imperialismo e a queda do capitalismo
Capítulo XXV - A luta pelos mercados estrangeiros e o militarismo
129. A inelutabilidade das guerras na época do capitalismo de monopólio - O militarismo - A guerra imperialista de 1914-1918


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Os Estados capitalistas, tendendo irresistivelmente a desenvolver seu poderio e entrando em contradição uns com os outros, evidentemente não podem contentar-se, quando dispõem de um poder formidável, em recorrer aos meios “pacíficos” que mais acima mencionamos.

A luta agrava-se entre eles ao ponto de tomarem, mais dia, menos dia, a forma de conflitos armados entre os Estados concorrentes.

A luta pelas colônias, a conquista e escravidão destas, a necessidade de reprimir o movimento operário nas metrópoles, originam o armamento dos Estados capitalistas. Estes armamentos desempenham um grande papel nos acordos “pacíficos” que se concluem entre os Estados, pois as vantagens que cada um recebe correspondem em larga medida à sua força.

Quando as contradições se agravam entre os Estados capitalistas, quando se torna impossível resolver os litígios por transações, recorre-se às armas.

As contradições da economia capitalista, chegadas à última fase de seu desenvolvimento, engendram, assim, necessariamente, as guerras imperialistas. Estas contradições provocaram à grande guerra de 1914-1918, cujas consequências ainda hoje se fazem sentir.

Antes mesmo desta guerra, já um pequeno número de Estados tinha repartido entre si a maior parte do globo. Só a Inglaterra possuía a quarta parte da superfície habitada da Terra. A Alemanha, jovem Estado capitalista em vias de um rápido desenvolvimento, surgiu relativamente tarde na arena do mercado internacional, isto é, num momento em que as melhores colônias já estavam repartidas entre as outras potências. A Alemanha lutou imediatamente, com grande energia, para conseguir uma influência no mercado mundial, para conquistar “seu lugar ao sol”, como gostavam de se expressar seus imperialistas. O capitalismo alemão pôs-se a conquistar uma após outras as posições cobiçadas: penetrou vigorosamente nos países atrasados do mundo, que, não estando ainda completamente submetidos aos países capitalistas desenvolvidos, já eram, entretanto, semi-colônias e campo de lutas imperialistas.

“Uma vintena de anos antes da guerra, o capital germânico começou a penetrar na China, onde rivalizou com os capitais japoneses, ingleses e às vezes russos; a Ásia ocidental — o Império turco em primeiro lugar — e os Balkans foram também objetos da cobiça dos capitalistas alemães. Sonhando submeter estes vastos países, projetaram então a criação de uma estrada de ferro ligando Berlim ao centro mais importante da Ásia Ocidental, Bagdad, via Constantinopla.

As aspirações da Alemanha estavam, numa certa parte do mundo, em contradição com os interesses da Rússia imperial, que sonhava com a anexação de Gonstantinopla e dos estreitos; elas se chocavam também com os interesses da Inglaterra, que tinha repartido com a Rússia a Pérsia em esferas de influência e pretendia instalar-se lá definitivamente, depois de ter submetido a Turquia, os países otomanos vizinhos ao canal de Suez, o Egito e a Palestina.

Enfim, a Alemanha chocava-se, na sua política colonial no continente africano, com os interesses do imperialismo francês e italiano.

O mercado russo era objeto de uma encarniçada luta, gozando a Alemanha nesse mercado, graças a um tratado de comércio, uma posição bastante favorável. A Inglaterra e a França também tinham aí, por outro lado, importantes interesses. Os capitais franceses e ingleses (aos quais se ajuntavam os capitais belgas) desempenhavam um papel de primeira grandeza nos bancos e nas mais importantes empresas petrolíferas, hulheiras e metalúrgicas da Rússia.

O desenvolvimento da potência econômica alemã ameaçava antes de mais nada o poder britânico. A Alemanha rapidamente alcançava a Inglaterra em certos pontos, em outros mesmo já a ultrapassava.

A Inglaterra apenas tinha exportações e frota comercial superiores às da Alemanha, mas as desta ultima se encontravam em pleno desenvolvimento.

Num domínio tão importante como o da produção do ferro, a Alemanha impunha sua hegemonia no mercado europeu; seus produtos penetravam vitoriosamente nas colônias britânicas e na própria Grã-Bretanha, onde o aparecimento das mercadorias alemãs, à preços baratos, causou sensação.

A Inglaterra, acostumada à hegemonia do mercado mundial, senhora de imensas colônias, a Inglaterra que tinha no Suez e em Gibraltar a chave do mercado mundial, naturalmente aspirava aumentar seu poderio fazendo: planos de uma nova expansão colonial e projetando a construção de novas estradas de ferro transcontinentais (Constantinopla-Cairo-Cap).

O desenvolvimento do poderio alemão opunha-se ao poderio inglês, ameaçando a hegemonia comercial da Grã-Bretanha. Estes antagonismos entre os capitais ingleses e alemães foram, na realidade, a causa principal da guerra mundial.

A França cobiçava as riquezas hulheiras alemãs vizinhas às suas fronteiras, pois os seus reis do ferro não encontravam em seu próprio pais carvão em quantidade suficiente.(1) A França e a Alemanha disputavam o mercado russo e as colônias africanas. Embora menos decisivo que o conflito anglo-alemão, o conflito franco-alemão não foi menos importante.(2)

As guerras imperialistas contemporâneas não são mais que uma forma agravada da concorrência capitalista e, do mesmo modo que é possível imaginar-se a ordem capitalista sem propriedade privada e sem conflitos de interesses privados, não se pode conceber o capital financeiro sem as guerras que provoca.

A inelutabilidade destas guerras obriga os Estados capitalistas a consagrarem, mesmo em tempo de paz, formidáveis quantias para os armamentos. O poderio militar de um Estado capitalista contribue para “manter a ordem” no interior e no exterior e desempenha um grande papel na partilha “pacífica” do mundo, isto é, na repartição dos mercados e das esferas de influência. Mesmo nos tempos de paz, os Estados capitalistas fazem entre si uma feroz concorrência no domínio dos armamentos.

Até à guerra de 1914, a Inglaterra mantinha uma marinha de guerra superior às duas mais poderosas marinhas de guerra reunidas, isto é, às frotas francesa e alemã. A rivalidade de armamento no mar era sobretudo encarniçado entre a Alemanha e a Inglaterra. Depois da guerra, a Inglaterra cedem pouco a pouco à primazia aos Estados Unidos. “Nós fabricamos cruzadores em série”, declarava um militarista norte-americano em resposta aos armamentos marítimos das potências européias. A França detêm no momento a hegemonia do ar; sua frota aérea é mais forte do que as frotas reunidas das duas potências mais fortes do continente. A construção da artilharia pesada e a preparação da guerra química são objeto de incessantes trabalhos dos “fazedores da paz” dos dois continentes. Seis Estados militares de primeira grandeza gostaram em três anos, de 1910 a 1912, com seus exércitos e marinhas, vinte e dois biliões e meio de francos.(3) Depois da guerra mundial os gastos necessários para os armamentos continuam crescendo extraordinariamente.

A fabricação dos “fornecimentos de guerra” torna-se um dos ramos mais importantes da indústria dos grandes países capitalistas. As usinas de Krupp na Alemanha (parcialmente transformadas hoje) e as usinas de Creusotl, na França, fábricas de armas universalmente conhecidas, colocam-se entre as mais importantes empresas capitalistas do mundo.

O desenvolvimento da indústria de guerra contribue por sua vez para suscitar conflitos. Compreende-se que estes conflitos deem proveitos aos reis do canhão aos quais eles asseguram aumento da produção e dos lucros. Não é, pois, de admirar, que a atividade dos capitalistas tenda quase sempre, nestas condições, em apressar as conflagrações, aliás inevitáveis.

Tais são os resultados da caça ao lucro na época do desenvolvimento dos monopólios capitalistas.


Notas de rodapé:

(1) Por seu lado, os industriais alemães cobiçavam o ferro francês da bacia de Briey. (N. do T.) (retornar ao texto)

(2) A Alemanha perdeu na grande guerra: um oitavo do seu território, um décimo de sua população, todas as suas colônias, três quartos da produção de minerais, um sexto da colheita de batatas, um sétimo da colheita de trigo e de centeio, um quarto da produção de hulha, dois terços da produção mineral, cinco e nove décimos da frota mercante e uns sessenta e oito biliões de marcos da fortuna popular. (N. do T.) (retornar ao texto)

(3) M. PAVLOVITCH: O Imperialismo e a luta pelas grandes vias de comunicação de ferra e mar. (retornar ao texto)

 

Inclusão 10/06/2023