Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro nono: O imperialismo e a queda do capitalismo
Capítulo XXVI - Contradições entre as forças produtivas e as relações de produção na época imperialista - Decomposição interior e queda do capitalismo
138. A teoria do super-imperialismo


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Aonde nos conduz, nestas condições, o desenvolvimento do capitalismo?

O raciocínio “abstrato” poderia levar-nos à seguinte conclusão: o capitalismo conduz, pela luta, os capitalistas à união, à formação de monopólios; é possível que esta união e estes monopólios cheguem, pelas lutas, por entendimentos, pela “absorção” dos mais fracos, a formar um truste mundial único do universo capitalista, que remediará as contradições existentes entre as diversas partes da economia mundial.

Uma teoria deste gênero foi formulada por autores sociais democratas e especialmente por Carlos Kautski, que outrora foi marxista revolucionário.

Que há de verdadeiro nesta teoria?

Demos por um momento a palavra a Lenine:

“Do ponto de vista puramente econômico — escreve Kautski — é possível que o capitalismo atravesse uma nova fase em que a política do cartel aplicar-se-á à política exterior: esta será a fase do ultra-imperialismo”, isto é, de um imperialismo, de uma associação de imperialistas do universo e não da luta entre eles, uma fase de cessação de guerra no regime capitalista, unia fase “de exploração geral do mundo pelo capital financeiro internacionalmente associado”.

consideremos os dados econômicos da questão e perguntemos se é possível o ultra-imperialismo “de um ponto de vista puramente econômico”.

Se se entender por isto a abstração “pura”, tudo se reduz à seguinte afirmação: a evolução atual tende para os monopólios e, por consequência, para um monopólio universal único, para um truste mundial. Isso é incontestável e completamente quimérico.

Se, pelo contrário, se fala das condições “ puramente econômicas” da época do capital financeiro como de uma época histórica concreta, referindo-se aos princípios do século XX, a realidade econômica concreta da economia mundial dá a melhor resposta às abstrações mortas do “ultra-imperialismo”.

As opiniões de Kautski acerca do ultra-imperialismo encorajam a concepção profundamente errônea e favoravel aos apologistas do imperialismo, de que a dominação do capital financeiro atenua a desigualdade e as contradições interiores da economia mundial, quando, na realidade, ela as acentua.

Conhecemos três regiões de capitalismo altamente desenvolvido: America, Europa Central e Grã-Bretanha... Nós temos duas regiões de capitalismo francamente desenvolvido: Rússia e Asia Oriental. Na primeira destas duas regiões a densidade da população é bem fraca e bastante forte na segunda; a concentração política é grande na primeira e inexistente na segunda. A partilha da China apenas começou e a luta entre o Japão, os Estados Unidos e outros países por esta partilha torna-se cada vez mais feroz.

Confrontai com esta realidade, com a imensa diversidade das condições econômicas e políticas, com a extrema diferença de proporções de crescimento dos diversos países, com a luta encarniçada que exaspera os Estados imperialistas; confrontai com isto a ideia de ultra-imperialismo lançada por Kautski. Os “carteis” internacionais, nos quais Kautski vê os embriões do ultra-imperialismo, não nos estão mostrando o exemplo da partilha — sem cessar recomeçada — do mundo, ora pacífica, ora armada, e, depois, pacífica novamente?

O capital financeiro americano e outros, repartido calmamente o mundo, com a participação da Alemanha no sindicato internacional do trilho, ou no truste internacional da marinha mercante, não procede a uma nova partilha do mundo, conforme a nova correlação das forças que se estabeleceram por vias absolutamente não pacíficas?

Pergunta-se: Que outro meio, senão a guerra. pode remediar, dentro do capitalismo, uma discordância entre o desenvolvimento das forças produtivas e a acumulação do capital, por uma parte, e a partilha das colônias e das esferas de influência do capital financeiro, por outra?(1)

A formação de um “truste mundial único” parece ser apenas uma concepção lógica se se prolonga mentalmente, ao infinito, a curva do desenvolvimento capitalista. Mas, considerando o desenvolvimento concreto do capitalismo moderno, verifica-se que suas contradições são tão grandes que devem provocar uma formidável explosão que atingiria o capitalismo antes do mesmo se transformar, pelo crescimento, num truste mundial único.(2)

(A passagem de Lenine que acabamos de citar foi escrita antes do fim da guerra mundial).

Mas, depois da guerra mundial, nós vimos, em vez da “nova organização da vida nas bases do direito e da justiça”, que nos prometiam os imperialistas, em vez do truste mundial único e da atenuação das contradições do capitalismo, que nos prometia Kautski, nós vimos, apesar da estabilização, continuarem a agravar-se as contradições do regime capitalista.

A luta pelos mercados, longe de desaparecer, tornou-se mais feroz; as contradições entre os imperialistas “aliados”, que pareciam ter sido atenuadas durante a ação comum, reapareceram: formam-se novos agrupamentos de potências, novos conflitos amadurecem.

Os novos senhores dos mares, os Estados Unidos, encontram no Japão um poderoso rival.

A Inglaterra, enfraquecida pela guerra, não renuncia a reconquistar suas posições anteriores. A França com ela rivaliza na Alemanha, na Polônia, na Tceheco-eslováquia, na Africa, e em certas regiões da Asia; a Itália fascista e belicosa tem pretensões sobre os Balkans, Norte da Africa e Oriente próximo. A luta pela influência nas semi-colônias, tais como a China, envenena-se cada vez mais; o desmembramento da Europa Central, a formação de pequenos Estados no território do antigo Império austro-húngaro e as fronteiras ocidentais do antigo Império russo, ainda mais complicam e agravam os antagonismos.

A Alemanha, que foi, antes da guerra, um dos mais ricos países do mundo, está devastada e espoliada, Perdeu suas colônias e algumas de suas províncias mais ricas, além de uma parte de suas melhores fábricas; sob o pretexto de desarmamento, destruíram-lhe grandes riquezas industriais; tomaram-lhe a frota comercial, grande quantidade de locomotivas e vagões; impuseram-lhe uma formidável contribuição de guerra.(3)

Depois de sete ou oito anos de privações e de esforços, a Alemanha começa, agora, a refazer-se de sua derrota. Nem bem recobrou suas forças e logo começou a reivindicar “seu lugar ao sol”. Amadurecem novos conflitos: aqui, entre a Alemanha e a Polônia; lá, entre a Alemanha, que reclama a restituição das colônias, e outros países. Outros Estados europeus, prevendo uma nova guerra, procuram assegurar-se o concurso da Alemanha.

Muito se tem falado da “última das guerras”; as conferências de desarmamento sucedem-se, mas os armamentos continuam: a Inglaterra, o Japão, a França constroem frotas aéreas e navais; os armamentos dos Estados Unidos são ainda mais grandiosos.

Experimentam-se, no silêncio dos laboratórios científicos, novos engenhos de destruição; neles se preparam as futuras batalhas de artilharia, a guerra química, a guerra aérea.

A Europa atual tem mais homens em armas do que a Europa de 1913.

A Europa atual é um paiol; uma faísca será suficiente para provocar uma deflagração formidável.(4)

As teorias sobre o super-imperialismo e sobre a atenuação das contradições do capitalismo não podem servir, neste momento, senão para desarmar a vigilância do proletariado na luta contra o capitalismo e as guerras que ele traz em si.


Notas de rodapé:

(1) V. LENINE: O imperialismo. (retornar ao texto)

(2) Não há lei cuja ação possa ser estendida indefinidamente. Sempre chega um momento em que, em consequência de mutações das condições, uma lei deixa de ser aplicável. Isto é tão verdadeiro nas ciências sociais como nas naturais. Segundo a lei de modificação do volume dos gases, conforme as variações da temperatura, um gás resfriado a 273º abaixo de zero deveria ter um volume igual a zero, ou, por outra, desapareceria completamente, pois ele perde 1/273 de seu volume, a cada resfriamento de um grau. Como nós temos que lidar com gases concretos e não com raciocínios abstratos, o gás não desaparecerá. Antes que nós conseguíssemos levá-lo a 273º abaixo de zero, ele se liquefaria; ora, a lei em apreço não se aplica aos líquidos. É a mesma coisa para as tendências de união dos capitalistas: pode-se projetá-la abstratamente, no infinito, mas a realidade concreta traça-lhe limites determinados. (retornar ao texto)

(3) Todo o mundo se recorda que os Aliados enunciaram solenemente, em 1918, sob a influência do presidente Wilson, ao principio de contribuições de guerra. Não obstante, eles impuseram aos vencidos, sob o título de reparações de prejuízos de guerra, uma contribuição que, de início, subia a centenas de biliões. (retornar ao texto)

(4) Depois do fim de guerra, as hostilidades continuaram até hoje em alguns pontos do globo, como em Marrocos, Siria, China, etc. (retornar ao texto)

 

Inclusão 10/06/2023