Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro décimo: A economia no período de transição
Capítulo XXVII - A inevitabilidade de um período de transição do capitalismo para o comunismo
141. Socialismo e comunismo


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O socialismo não aparece subitamente, logo depois da queda do capitalismo e a tomada do poder pelo proletariado. Ele é o resultado do longo período de transição e de transformação. Marx, e depois Lenine, distinguiram duas fases de transição e de transformação das relações capitalistas em relações comunistas.

A primeira fase do comunismo corresponde ao que nós chamamos de socialismo propriamente dito. Ela se caracteriza, principalmente, pela supressão da propriedade privada dos meios de produção, tornados propriedade da sociedade inteira. A supressão da propriedade privada dos meios de produção acarretou o desaparecimento da classe capitalista. O socialismo não conhece, pois, nem classes sociais de interesses opostos, nem luta de classes. A repartição dos artigos de consumo faz-se proporcionalmente à soma de trabalho fornecido por cada pessoa válida.

Marx escreveu:

Todo produtor recebe da sociedade exatamente tanto quanto lhe dá, e ele lhe dá todo o seu trabalho individual. A jornada de trabalho social representa a soma das horas individuais de trabalho: o tempo de trabalho individual de um produtor é a parte da jornada social que ele fornece. A sociedade dá-lhe quitação do tempo de trabalho fornecido (dedução feita do trabalho lançado no fundo social). Em troca desta quitação, o produtor recebe nos armazéns sociais os meios de consumo proporcionalmente ao valor de seu trabalho. Ele recebe, assim, da sociedade, sob outra forma, o trabalho que lhe dera.

O princípio que vigora aí é, evidentemente, idêntico ao que regula a troca de mercadorias de igual valor. O conteúdo e a forma modificaram-se de acordo cem as novas condições: ninguém pode dar outra coisa a não ser seu trabalho, e nada pode ser propriedade individual, exceto os meios de consumo individual. Também a repartição destes meios entre produtores individuais obedece ão mesmo princípio que a troca de mercadorias equivalentes: uma certa quantidade de trabalho é, sob uma forma dada, trocada por uma quantidade semelhante de trabalho sob outra forma.

Mas um homem pode ser física ou intelectualmente superior a outro. Ele poderá fornecer num certo tempo mais trabalho ou, então, trabalhar mais tempo; e. para termo de comparação, o trabalho deve ser definido ror sua intensidade ou por sua duração, sem o que ele cessará de ser uma medida. Este direito igual é, no trabalho desigual, um direito desigual. Ele não reconhece nenhum direito de classe, sendo cada um trabalhador como todos os outros; mas reconhece, tacitamente, como privilégios naturais, a desigualdade dos talentos in. dividuais e das capacidades de trabalho. E, portanto. por seu conteúdo, como todo o direito, um direito de desigualdade.

Um trabalhador é casado, outro é celibatário, e outro tem maior número de filhos; isto quer dizer que, com uma participação igual no consumo social, um recebe mais do que outro, um é mais rico do que outro.(1)

Enfim, a divisão do trabalho em trabalho intelectual e físico é inevitavelmente a causa de uma grande desigualdade de desenvolvimento intelectual, de necessidades culturais e, por conseguinte, de retribuição do trabalho.

É necessário, afim de afastar todos estes males, que o direito seja desigual em vez de ser igual. Mas estes males não podem ser evitados na primeira fase da sociedade comunista, no momento em que esta sociedade acaba de nascer, depois do longo e doloroso parto da sociedade capitalista. O direito não pode jamais estar acima de uma forma econômica e do desenvolvimento da cultura condicionada por esta forma.(2)

Um outro traço do socialismo é a existência do po-, der, de um poder que não terá mais, é verdade, funções repressivas, em regime socialista, porque ele não conterá nem classes sociais nem luta de classes. Mas, enquanto houver desigualdade na repartição dos meios de consumo proporcionalmente ao trabalho fornecido. o poder deverá defender este direito desigual.

É claro que o papel do poder nesta fase do desenvolvimento social é muito diferente de seu papel no momento da conquista do poder pelo proletariado, no período seguinte, de transformação da sociedade capitalista em sociedade socialista. O Estado socialista estará em vias de desaparecimento progressivo.

Uma vez definida a sociedade socialista, torna-se fácil definir a sociedade comunista.

O desaparecimento dos últimos vestígios de desigualdade, e em primeiro lugar a contradição entre o trabalho físico e intelectual, é o que distingue o comunismo do socialismo. Resulta dai um novo modo de repartição mais justo.

Os meios de consumo não são repartidos proporcionalmente ao trabalho fornecido para o fundo comum por cada membro válido da comunidade, mas de acordo com as necessidades de cada um.

Cada membro da sociedade comunista trabalhará de acordo com suas forças e consumirá de acordo com suas necessidades. De “meio de existência”, o trabalho se tornará uma “necessidade vital”. O Estado, órgão de coação, impedindo no regime socialista a repartição desigual dos meios de produção, terá desaparecido completamente.

O Estado só poderá desaparecer completamente quando a sociedade aplicar a regra: “De cada um conforme sua capacidade, a cada qual conforme suas necessidades”, isto é, quando os homens se acostumarem à observação das regras fundamentais da vida social e quando seu trabalho for tão produtivo para que possam obter produtos à vontade, segundo suas capacidades.

O horizonte estreito do direito burguês, que obriga a calcular com a dureza de um Shylock, que obriga a que um não trabalhe meia hora mais que o outro e não receba menor salário que um outro, será ultrapassado. A repartição dos produtos não exigirá a divisão em rações para cada um pela sociedade; cada um se servira livremente de acordo com suas necessidades.

É fácil de dizer, de um ponto de vista burguês, que uma tal organização social é “puramente utópica” e ridicularizar o socialismo, que promete a cada um o direito de receber da sociedade, sem o menor controle do trabalho dos cidadãos, seja lá qual for, a quantidade de carteiras, automóveis ou pianos. Ainda hoje a maioria dos “sábios” burgueses contenta-se com essas zombarias, que são uma demonstração de sua ignorância e de seu apego interessado ao capitalismo.

Sua ignorância, dizemos, porque não ocorreu ao espírito de nenhum socialista “prometer” a vinda da fase superior do comunismo e, porque as previsões formuladas pelos grandes socialistas supõem um rendimento de trabalho diferente do de hoje, e homens diferentes dos que são capazes de, como certas personagens da literatura russa, malbaratar as reservas da riqueza social e reclamar o impossível.(3)

O pensamento de Lenine era que o momento, em que poderemos designar para fim imediato a realização da igualdade comunista ideal, ainda não chegou. Não se trata, ainda, de uma palavra de ordem prática de ação revolucionária. Não formulamos senão uma previsão científica. A nossa tarefa atuai é a luta pela primeira fase do comunismo, pelo socialismo.


Notas de rodapé:

(1) C. MARX: Crítica do programa de Gotha. (retornar ao texto)

(2) Ibid. (retornar ao texto)

(3) V. LENINE: O Estado e a Revolução. (retornar ao texto)

 

Inclusão 15/06/2023