Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro décimo: A economia no período de transição
Capítulo XXVIII - O problema da reprodução na economia soviética
151. O caminho do socialismo na agricultura da U. R. S. S. — Papel da cooperação


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Já notamos mais de uma vez que o desenvolvimento da agricultura será diferente na U. R. S. S. do que é no regime capitalista. Na sociedade capitalista, a imensa maioria dos camponeses transforma-se, cedo ou tarde, em proletários privados dos meios de produção e dos meios de existência, levando, portanto, uma vida miserável. As leis da concentração da produção na agricultura conduzem inflexivelmente a este resultado.

A agricultura da U. R. S. S. apresenta a particularidade de desenvolver-se no seio de uma economia em que o poder político e os postos dominantes pertencem à classe operária. Muito antes da Revolução Russa, Engels determinou, com uma perspicácia genial, na Questão camponesa na França e na Alemanha, a atitude que o proletariado deveria adotar, no dia seguinte ao da tomada do poder, em relação à pequena agricultura.

Donos do poder político, evidentemente não pensaremos em expropriar pela força os pequenos agricultores (com ou sem indenização, pouco importa), como faremos em relação aos grandes proprietários latifundistas. Nossa tarefa consistirá, antes de tudo, em transformar a produção e a propriedade privada individual dos pequenos agricultores em produção e propriedade coletiva, sem recorrer, entretanto, à violência, pelo exemplo e o oferecimento do concurso da sociedade”.

E mais longe:

“Estamos resolutamente ao lado do pequeno agricultor. Faremos o impossível para que ele viva melhor e para facilitar-lhe a passagem à associação fraternal, caso ele se decida; se ele não está em ponto de se decidir, deixar-lhe-emos bastante tempo para pensar”:

Engels, frizando que a pequena agricultura está condenada no regime capitalista, admite a possibilidade de um desenvolvimento não capitalista da pequena agricultura para o socialismo, sob a ditadura do proletariado; ele nos põe em guarda contra o uso do constrangimento em relação à pequena agricultura; ele nos recomenda que procedamos pelos exemplos, pela persuasão, pela organização do apoio da cooperação camponesa. O artigo de Lenine sobre a cooperação desenvolve as mesmas ideias, juntando-lhes os complementos necessários. Lenine indica, em termos precisos, as formas que deve tomar esta evolução de milhões de pequenos proprietários para o socialismo, nas condições da ditadura do proletariado.

“Não se pode pôr em dúvida que a cooperação seja, no Estado capitalista, uma instituição capitalista coletiva. Não se pode por em dúvida que, enquanto juntamos na nossa realidade econômica atual, as empresas capitalistas, num solo tornado propriedade social e sob o controle do poder da classe operária, às empresas do tipo “socialista consequente” (os meios de produção, o solo sobre o qual a empresa é construída, enfim, a própria empresa, tudo pertence ao Estado), apresenta-se a questão de uma terceira forma de empresas que não eram anteriormente independentes em principio: as cooperativas. No regime capitalista, as cooperativas distinguem-se das empresas particulares pelo fato de serem empresas coletivas.

Elas distinguem-se, no capitalismo de Estado, das empresas provenientes desta última pelo fato de serem particulares, a princípio, e coletivas, depois. No nosso regime, as cooperativas distinguem-se das empresas capitalistas pelo fato de serem empresas coletivas, mas, desde o momento em que elas são fundadas no solo pertencente ao Estado, com os meios de produção pertencentes ao Estado, isto é, à classe operária, elas não se distinguem das empresas socialistas”.(1)

A ditadura do proletariado modifica, portanto, radicalmente, a natureza da cooperação. Forma coletiva do capitalismo no regime capitalista, ela se torna socialista no regime proletário. As utopias dos teóricos do liberalismo russo e dos ideólogos da pequena burguesia, que baseiam no desenvolvimento da cooperação, no regime capitalista, suas esperanças de uma evolução não capitalista da pequena agricultura para o socialismo, tornam-se, desde então, para a politica econômica do Estado proletário, tarefas perfeitamente realizáveis.

Os sonhos dos cooperadores de outrora eram frequentemente bem fantasistas, e até irrisórios à força de serem fantasistas. Mas, de onde vinha seu caráter fantasista? Da incompreensão da significação primordial da luta econômica da classe operária pela derrocada da dominação dos exploradores. Os exploradores estão atualmente derrubados em nosso pais, e muitas coisas, que eram fantásticas, românticas e mesmo triviais nas visões dos cooperadores de antigamente, tornam-se à mais nua realidade”.

Lenine mostra, depois, a importância que a cooperação adquire na realidade soviética, em presença dos milhões de pequenos agricultores guiados em sua atividade econômica pelos interesses da propriedade privada e não pelos ideais socialistas.

“Fizemos, inaugurando a Nep, uma concessão ao camponês considerado como comerciante, uma concessão ao comércio privado; daí decorre precisamente inversamente do que se pensa) a imensa importância da cooperação. Na verdade, só temos necessidade, depois da Nep, de fazer penetrar larga e profundamente a população da Rússia na cooperação, porque conhecemos o grau de ligação do interesse particular, do interesse comercial particular, do controle e da vigilância desse interesse pelo Estado; conhecemos a grande subordinação deste interesse aos interesses gerais, o que foi, antes, para numerosos socialistas, o obstáculo. Na verdade, a posse pelo Estado de todos os grandes meios de produção, o poder nas mãos do proletariado, a união deste proletariado com inúmeros milhões de Pequenos camponeses e camponeses pobres, assegurada a direção dos camponeses pelo proletariado, não está aí tudo o que é preciso para fazer da cooperação (da cooperação unicamente, que tratávamos antigamente de mercadora e que teríamos numa certa medida o direito de tratar assim agora, sob a Nep), tudo o que nos é necessário para a construção de uma sociedade integralmente socialista? Isto não é ainda a construção da sociedade socialista, mas é todo o necessário para esta construção. E é isto que numerosos praticistas nossos subestimam. Vê-se nossa cooperação com desdem, sem compreender a importância excepcional que ela encerra: primeiro por princípio (os meios de produção pertencem ao Estado) e, em segundo lugar, do ponto de vista da mais simples, da mais fácil e da mais accessível transição do camponês para uma nova-ordem social”.

Falando da concentração da produção da agricultura no regime capitalista observamos o fanatismo da propriedade privada e a falta de confiança na produção socializada que vigora na psicologia do pequeno agricultor, aproximadamente sem partilha. Esta psicologia não se poderia modificar instantaneamente logo após a tomada do poder pelo proletariado. Suas raízes emergem do mais fundo das relações de produção. A prática do comunismo de guerra mostra com vigor que é impossível constranger os milhões de pequenos agricultores a passar da propriedade privada ao socialismo. É preciso pegar o camponês, proprietário e comerciante, pelo interesse, conduzi-lo precisamente à produção coletiva.

“Tentamos outrora -— disse Bukharine — impelir os camponeses para o comunismo pelo inflexível sistema das requisições e do comunismo de guerra. A nova política econômica defendida por Lenine conjuga, pelo contrário, os interesses coletivos — os da edificação do socialismo — com os interesses privados. Ela consiste em não fazer o camponês entrar à força no domínio do comunismo, mas, apelando para os seus interesses de pequeno proprietário, conduzi-lo insensivelmente, sem que ele próprio disso se aperceba, ao comunismo.(2)

Era preciso achar o meio de reunir o interesse privado e o interesse coletivo aos fins essenciais da transformação progressiva da pequena agricultura em grande agricultura socialista. Tal é precisamente a missão da cooperação que, apelando para os interesses dos pequenos proprietários e dos camponeses, os assimila à economia coletiva pela “mais simples, mais fácil e mais accessível transição”, segundo a expressão de Lenine.

Mas, como interessar o camponês na cooperação?

A cooperação deve ser politicamente concebida de modo que apresente sempre, e de um modo geral, uma certa vantagem para a propriedade privada (taxas elevadas de juros bancários, etc). A cooperação deve receber créditos do Estado, e estes créditos devem ser superiores, embora pouco, dos que concedemos às empresas particulares e mesmo à indústria pesada.

Uma ordem social só se cria com o apoio financeiro de uma classe determinada. Não é preciso lembrar as centenas de milhões e biliões que custou o aparecimento do capitalismo “livre”. Tenhamos consciência da necessidade de sustentar, acima de tudo, a ordem cooperativa, e vamos agir nesse sentido. (Lenine).

Tudo o que precede coincide perfeitamente com o que dizia Engels da necessidade de assegurar ao camponês o apoio da sociedade para a passagem da produção e da propriedade privada à produção e à propriedade coletiva. :

Concluindo: no regime da ditadura do proletariado, estando socializados os meios de produção, o caminho que conduz a pequena agricultura ao socialismo passa pela cooperação.


Notas de rodapé

(1) V. LENINE: Da cooperação. (retornar ao texto)

(2) N. BUKHARINE: Três discursos. (retornar ao texto)

 

Inclusão 15/06/2023