O proletariado e o campesinato

Vladimir Ilitch Lênin

12 de novembro de 1905


Primeira edição: Novaia Jizn, 11, 12 de novembro de 1905. Assinado: N. Lênin. V. I. Lênin, Obras, 4ª ed. em russo, t. 10, págs. 22/25

Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 225-228

Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz

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O Congresso da União Camponesa que se realiza atualmente em Moscou voltou a colocar na ordem-do-dia a questão vital da atitude da social-democracia ante o movimento camponês. Esta questão sempre foi vital para os marxistas russos ao determinar seu programa e sua tática. Já no primeiro projeto de programa dos social-democratas russos, publicado em 1884 no estrangeiro pelo grupo Emancipação do Trabalho, dedicou-se a maior atenção ao problema camponês.

Não se pode mencionar uma só obra importante dos marxistas dedicada às questões gerais, nem um só órgão de imprensa social-democrata que, a partir de então, não tenha repetido, desenvolvido e aplicado aos diferentes casos as opiniões e palavras-de-ordem marxistas.

A questão do movimento camponês passou a ser vital agora não só por sua significação teórica, como também por sua própria importância para a prática imediata. Agora é preciso transformar nossas palavras-de-ordem gerais em apelos concretos do proletariado revolucionário ao campesinato revolucionário. Chegou o momento em que o campesinato atua como criador consciente de um novo regime da vida russa. E do grau a que se eleve sua consciência depende, em enorme medida, a marcha e o desenlace da grande revolução russa.

Que quer o campesinato da revolução? Que pode dar a revolução ao campesinato? Eis duas perguntas às quais deve responder todo político e, em particular, todo operário consciente, que é um político na acepção melhor, não vulgarizada pela politicagem burguesa, da palavra.

O camponês quer terra e liberdade. Sobre isto não pode haver divergências. Os operários conscientes apoiam com todas as suas forças o campesinato revolucionário. Os operários conscientes querem e procuram conseguir que o campesinato receba toda a terra e toda a liberdade. Toda a terra significa não se considerar satisfeito com espécie alguma de esmolas ou concessões parciais, significa orientar-se não no sentido do acordo entre os camponeses e os latifundiários, e sim da liquidação da propriedade feudal da terra. E o partido do proletariado consciente, a social-democracia, se pronunciou neste sentido com a maior decisão: em seu III Congresso, realizado em maio deste ano, o POSDR aprovou uma resolução na qual se falava claramente do apoio às reivindicações camponesas revolucionárias, inclusive o confisco de todas as terras de propriedade particular. Esta resolução mostra com clareza que o partido dos operários conscientes apoia a reivindicação camponesa de toda a terra. E, neste sentido, a resolução adotada na conferência da outra metade de nosso Partido coincide em absoluto, por seu conteúdo, com a do III Congresso do POSDR.

«Toda a liberdade» significa o caráter eletivo dos funcionários e dignitários que dirigem os assuntos públicos e sociais. «Toda a liberdade» significa a destruição completa de um poder estatal que não dependa íntegra e exclusivamente do povo, que não seja de eleição popular, que não preste ao povo contas de sua gestão nem seja revogável por ele. «Toda a liberdade» significa que não é o povo que deve submeter-se aos funcionários, e sim vice-versa.

Naturalmente, nem todos os camponeses que lutam pela terra e a liberdade têm plena consciência desta luta e chegam à reivindicação da república. Mas a orientação democrática das reivindicações camponesas está fora de qualquer dúvida. Por isso, o campesinato tem assegurado o apoio do proletariado para estas reivindicações. Os camponeses devem saber que a bandeira vermelha levantada nas cidades é a bandeira de luta pelas reivindicações imediatas e vitais não só dos operários industriais e agrícolas, como também de milhões e dezenas de milhões de pequenos agricultores.

Os restos do regime da servidão, em todas e cada uma de suas formas e variedades, continuam oprimindo impiedosamente até hoje toda a massa camponesa, e o proletariado, sob a bandeira vermelha, declarou guerra a esta opressão.

Mas a bandeira vermelha não simboliza unicamente a apoio do proletariado às reivindicações camponesas. Simboliza, ainda, as reivindicações independentes do proletariado Simboliza a luta não só pela terra e a liberdade, como também contra toda exploração do homem pelo homem, contra a miséria das massas populares, contra a dominação do capitai. E ante nós surge a segunda pergunta: que pode a revolução dar ao campesinato? Muitos amigos sinceros dos camponeses (inclusive, por exemplo, os socialistas revolucionários) não têm em conta esta questão, não vêem sua importância. Pensam que basta formular e responder a pergunta sobre o que desejam os camponeses e receber a resposta: terra e liberdade. Este é um grave erro. A liberdade completa e o caráter eletivo completo de todos os funcionários, até o chefe de Estado não eliminarão o domínio do capital, não acabarão com a riqueza de uns poucos e a miséria das massas. A liquidação completa da propriedade privada da terra não acabará tampouco com o domínio do capital, nem com a miséria das massas. Também na terra pertencente a todo o povo, organizará independentemente sua fazenda somente aquele que possuir capital, que tiver instrumentos, gado, máquinas, reservas de sementes, recursos monetários em geral, etc. E quem nada tiver, além de seus próprios braços, continuará sendo invariavelmente um escravo do capital, mesmo na república democrática, mesmo pertencendo a terra a todo o povo. A ideia de «socialização» da terra sem socialização do capital, a ideia de que é possível o usufruto igualitário do solo existindo o capital e a economia mercantil é um desvario. O socialismo conheceu em quase todos os países da Europa tempos em que a maioria partilhava estes e outros desvarios semelhantes. A experiência da luta da classe operária em todos os países mostrou na prática todo o perigo que encerra este erro, do qual se desembaraçaram completamente agora os proletários socialistas da Europa e da América.

Assim, pois, a bandeira vermelha dos operários conscientes significa, primeiro, que apoiamos com todas as nossas forças a luta camponesa por toda a liberdade e por toda a terra; segundo, que não nos detemos aí, e vamos muito mais adiante. Além de lutar pela liberdade e pela terra, lutamos pelo socialismo. A luta pelo socialismo é a luta contra a dominação do capital. Esta luta é travada, antes de tudo, pelos operários assalariados, que dependem direta e plenamente do capital. No que se refere aos pequenos patrões, têm em parte capital e, com frequência, exploram também os operários. Por isso, nem todos os pequenos camponeses engrossam as fileiras dos combatentes pelo socialismo, e sim unicamente aqueles que se colocam resoluta e conscientemente ao lado dos operários contra o capital, ao lado da propriedade social contra a propriedade privada.

Eis aí por que os social-democratas dizem que lutam ao lado de todo o campesinato contra os latifundiários e os funcionários e que, além disso, eles, os proletários da cidade, lutam ao lado dos proletários agrícolas contra o capital. A luta pela terra e a liberdade é uma luta democrática. A luta para destruir a dominação do capital é uma luta socialista.

Enviemos, pois, um caloroso abraço à União Camponesa, que aprovou a decisão de lutar com unidade e firmeza, abnegadamente e sem vacilações, pela liberdade completa e por toda a terra. Estes camponeses são democratas autênticos. Devemos explicar-lhes seus erros na compreensão das tarefas da democracia e do socialismo de maneira paciente e comedida, como a aliados a quem estamos unidos na grande luta comum. Estes camponeses são autênticos democratas revolucionários, com quem devemos marchar e marcharemos para a luta pela vitória completa da revolução atual. Sentimos a maior simpatia, uma simpatia absoluta, pelo plano de greve geral e pela decisão de levantarem-se, unidos, conjuntamente na próxima vez, os operários da cidade e todos os pobres do campo. Os operários conscientes farão todos os esforços para cooperar para a realização deste plano. Mas, nenhuma aliança, mesmo com os democratas revolucionários mais honrados e resolutos, fará com que os proletários esqueçam seu objetivo, ainda maior e mais importante: a luta pelo socialismo, para destruir integralmente a dominação do capital, para libertar de qualquer exploração todos os trabalhadores. Avante, operários e camponeses, para a luta comum pela terra e a liberdade! Avante, proletários, unidos pela social-democracia internacional, para a luta pelo socialismo!


Inclusão: 03/02/2022