Materialismo e Empiro-Criticismo
Notas e Críticas Sobre uma Filosofia Reacionária

V. I. Lênin

Capítulo V - A Revolução Moderna nas Ciências Naturais e o Idealismo Filosófico


33. Um "Físico Idealista" Russo


Difíceis condições de trabalho quase me impediram de tomar conhecimento da literatura russa sobre o assunto em questão. Por isso, limitar-me-ei a resumir um muito importante artigo devido à pena do nosso filósofo ultrarreacionário, o sr. Lopatin. Esse artigo, intitulado Um físico idealista, foi publicado nas Questões de Filosofia e Psicologia (setembro-outubro de 1907), Legitimo filósofo idealista russo, o sr. Lopatin não manifesta maior simpatia pelos idealistas europeus contemporâneos do que a União do Povo Russo tem pelos partidos reacionários da Europa ocidental. Nada é mais instrutivo do que ver correntes filosóficas similares se manifestarem em meios tão profundamente diferentes quanto à cultura e aos costumes. O artigo do sr. Lopatin é, como dizem os franceses, um entusiasta èloge(1) de N. I. Chichkin, físico russo falecido em 1906. O sr. Lopatin admirou-se do fato de esse homem instruído, que tanto se interessava por Hertz e pela nova física em geral, ter não somente pertencido à ala direita do partido "kadete" (p. 339), mas também por ter sido profundamente crente, por ter aceito, em filosofia, as ideias de V. Soloviov, etc., etc.. Apesar de suas preferencias pelas regiões em que a filosofia se avizinha da policia, o sr. Lopatin soube dar ao leitor algumas indicações características das concepções gnoseológicas do físico idealista.

"Por sua aspiração constante à mais ampla critica dos processos de pesquisas, das hipóteses e dos fatos científicos, para de ter minar-lhes o valor como materiais de construção de uma concepção integral, acabada, do universo, foi um autêntico positivista — escreve o sr. Lopatin. Sob esse ponto de vista, N. I. Chichkin era antípoda de um grande número de seus contemporâneos. Já me esforcei, em varias oportunidades nos meus artigos, publicados aqui mesmo, por mostrar de' que materiais contradito- rios e muitas vezes frágeis está formada a pretendida concepção científica: nela se encontram fatos demonstrados, generalizações mais ou menos apressadas, hipóteses comodas num momento dado nesse ou naquele campo científico, e até ficções cientificas auxiliares, isso tudo elevado à dignidade de verdades objetivas incontestáveis, do ponto de vista das quais todas as outras ideias e todas as outras crenças filosóficas ou religiosas devem ser julgadas, depois de terem sido depuradas de tudo quanto encerrem de estranho a tais verdades. Nosso tão talentoso pensador materialista, professor V. I. Vernadski, demonstrou, com uma clareza exemplar, tudo quanto há de oco e de indevido nas pretensões de transformar as concepções cientificas de determinada época histórica num sistema imutável e obrigatório. Esse erro, portanto, não é unicamente do grande publico que lê (o sr. Lopatin acrescenta aqui, em nota: "Escreveram-se para esse público diversas obras populares destinadas a convencê-lo da existência de um catecismo científico que comem respostas a todas as perguntas. As obras tipicas desse gênero são: Força e matéria, de Büchner, e Os enigmas do universo, de Haeckel") e de certos sábios especializados; coisa mais estranha, nele incidem frequentemente filósofos oficiais, cujos esforços às vezes tendem apenas a demonstrar que nada dizem além do que já foi dito pelos representantes das ciências especiais e que o dizem em sua própria linguagem.

N. I. Chichkin não possuía nenhum dogmatismo preconcebido. Foi partidário convicto da explicação mecanicista dos fenômenos da natureza, mas essa explicação não passava, para ele, de um método de pesquisa. (Ah! ah! estribilhos conhecidos!)... Ele não supunha, de modo algum, que a teoria mecânica tivesse descoberto o próprio fundo dos fenômenos estudados, nela vendo apenas o meio mais comodo e mais fecundo de grupar os fenômenos e explicá-los com fins científicos. Do mesmo modo, a concepção mecanicista da natureza e a concepção materialista da natureza, a seu ver, estavam longe de coincidir (tudo como nos autores dos Ensaios de filosofia marxista!)... Muito ao contrário, parecia-lhe que a teoria mecanicista dez na assumir, nas questões de ordem superior, uma atitude rigorosamente critica e mesmo conciliadora"...

Isso se chama, na linguagem dos discípulos de Mach, "superar" a oposição "unilateral, estreita e antiquada" do materialismo e do idealismo.

"A questão do começo e do fim das coisas, da essência intima do nosso espírito, da vontade livre, da imortalidade da alma, formuladas em todo seu alcance, não pertencem à sua alçada (trata-se da teoria mecanicista), uma vez que, sendo método de pesquisa, é limitada por sua aplicação exclusiva aos fatos da experiência física" (p. 342) [As duas últimas linhas constituem, sem dúvida, um plagio do Empiromonismo, de Bogdanov.]

"A luz pode ser considerada como substância, como movimento, como eletricidade, como sensação" escrevia Chichkin no seu artigo sobre "os fenômenos psicológicos do ponto de vista mecanicista" (Questões de Filosofia e Psicologia, t. I, página 127).

Não se pode duvidar que o sr. Lopatin tenha tido razão em classificar Chichkin entre os positivistas e esse físico tenha pertencido sem reservas, na nova física, à escola de Mach. Referindo-se à luz, Chichkin pretende dizer que as diferentes maneiras de considerá-la representam métodos diferentes de "organização da experiência" (segundo a terminologia de A. Bogdanov) igualmente legítimos, de acordo com o ponto de vista admitido, ou diferentes "complexos de elementos" (segundo a terminologia de Mach), não sendo, em nenhum caso, a teoria da luz elaborada pelos físicos uma representação da realidade objetiva. Mas Chichkin raciocina o pior possível. "A luz pode ser considerada como matéria, como movimento"... A natureza não conhece nem matéria sem movimento e nem movimento sem matéria. A primeira "antinomia." de Chichkin é, portanto, destituída de sentido. "Como eletricidade..a eletricidade é um movimento da matéria; Chichkin não tem razão nesse ponto, absolutamente. A teoria eletromagnética da luz demonstrou que a luz e a eletricidade são formas de movimento de uma só e mesma matéria (o éter). "Como sensação..."; a sensação é uma imagem da matéria em movimento. Nada podemos saber nem das formas da matéria e nem das formas do movimento senão por intermédio das nossas sensações; ora, as sensações são determinadas pela ação da matéria em movimento sobre nossos órgãos dos sentidos. Tal é o que dizem as ciências naturais. A sensação de luz vermelha reflete as vibrações do éter de uma velocidade aproximada de 450 trilhões por segundo. A sensação de luz azul reflete as vibrações do éter de uma velocidade aproximada de 620 trilhões por segundo. As vibrações do éter existem independentemente das nossas sensações de luz. Nossas sensações de luz dependem da ação das vibrações do éter sobre o órgão humano da visão. Nossas sensações refletem a realidade objetiva, isto é, existente independentemente da humanidade e das sensações humanas. Os argumentos de Chichkin contra o materialismo reduzem-se à sofistica mais corriqueira.


Notas de rodapé:

(1) Éloge: elogio. Em francês, no texto original. Nota do Tradutor (retornar ao texto)

Inclusão 28/01/2015