Materialismo e Empiro-Criticismo
Notas e Críticas Sobre uma Filosofia Reacionária

V. I. Lênin

Capítulo VI - O Empirocriticismo e o Materialismo Histórico


37. As "Bases da Filosofia Social de Suvorov


Os Ensaios "de" filosofia marxista, que terminam com o artigo do camarada Suvorov, constituem uma coletânea do maior efeito, precisamente em virtude do caráter coletivo da obra. Quando os observardes com a palavra, cada um de uma vez, Bazarov afirmando que "a representação dos sentidos não é outra coisa, segundo Engels, senão a realidade exterior"; Bermann afirmando que a dialética de Marx e Engels é uma mistica; Lunatcharski atingindo a religião; Iuchkévitch introduzindo o Logos na "torrente irracional dos fatos dados"; Bogdanov chamando o idealismo de filosofia do marxismo; Hellfond depurando J. Dietzgen do materialismo, e, finalmente, S. Suvorov oferecendo seu artigo sobre as Bases da filosofia social, logo vereis que espírito anima a nova escola. A quantidade tornou-se qualidade. Os "pesquisadores", que, até o momento investigavam isoladamente em artigos e livros esparsos, realisaram um verdadeiro pronunciamento. As divergências parciais existentes entre os autores foram obscurecidas pelo fato de sua ação coletiva contra (e não "sobre") a filosofia do marxismo, e as características reacionárias da corrente de Mach puseram-se a descoberto desde então.

O artigo de Suvorov é, nessas condições, tanto mais interessante porque o autor não é nem um empiro-monista e nem um empiro-criticista, mas um "realista" estreito. O que o aproxima do restante do grupo não é, portanto, o que, em filosofia, distingue Bazarov, Iuchkévitch, Bogdanov, mas o que todos têm de comum contra o materialismo dialético. A comparação das reflexões sociológicas desse realista com as de um empiro-monista nos facilitará a descrição de sua tendência comum.

Suvorov escreve:

"Na gradação das leis que regem o processo mundial, as leis particulares e complexas reduzem-se, às vezes, a leis gerais e simples e obedecem todas à lei universal da evolução, que é a da economia das forças. Sua essência consiste em que todo sistema de forças se conserva e se desenvolve tanto mais quanto menos dispende e quanto mais acumula e em que seus dispêndios contribuem, além disso, para sua acumulação. As formas do equilíbrio móvel que, depois de muito tempo, fizeram nascer a ideia de uma finalidade objetiva (sistema solar, periodicidade dos fenômenos terrestres, processo vital), se constituem e se desenvolvem precisamente pela acumulação da energia que lhes é própria, e(m virtude de sua economia interior. A lei da economia das forças une e rege o desenvolvimento inorgânico, biológico e social" (p. 293).

Os nossos "positivistas" e os nossos "realistas" elaboram "leis universais" com extrema facilidade. Há somente a deplorar que tais leis não tenham mais valor do que as que Eugen Dühring elaborava com tanta habilidade. A "lei universal" de Suvorov é uma frase tão enfática e tão vazia quanto as leis universais de Dühring. Tentai aplicá-la ao primeiro dos três domínios indicados pelo autor, à evolução inorgânica. Vereis que, além da lei da conservação e da transformação da energia, não podereis aplicar-lhe, "universalmente", nenhuma "economia das forças". Ora, o autor já classificou à parte a lei da conservação da energia (p. 292)(1). Que resta, além dela, no domínio da evolução inorgânica? Aonde estão os complementos, as complicações, as novas descobertas, os novas fatos que permitiram ao autor transformar ("aperfeiçoar") a lei da conservação e da transformação da energia em lei da "economia das forças"? Não existem nem fatos e nem descobertas dessa categoria, e Suvorov silencia a esse respeito. Ele apenas lançou no papel, em grande estilo para causar efeito, como diria o Bazarov, de Turguenev(2), uma "lei universal" da "filosofia realista-monista" (p. 292). Eis com que madeira nos aquecemos! Valemos menos do que Dühring?

Considerai o segundo domínio da evolução, o domínio biológico. Que lei universal observamos no desenvolvimento dos organismos na luta pela existência e na seleção: a da economia das forças ou a do desperdício das forças? Pouco importa! A "filosofia realista-monista" permite interpretar diferentemente o "sentido" da lei universal, de acordo com os diversos domínios, e permite compreender, por exemplo, essa lei como a transformação dos organismos inferiores em organismos superiores. Pouco importa que a lei universal se torne, então, uma frase vazia; em compensação, o princípio do "monismo" fica a salvo. Quanto ao terceiro domínio (o domínio social), pode-se nele interpretar a "lei universal" de uma terceira maneira, como presidindo o desenvolvimento das forças produtivas. Uma "lei" é "universal" para que a ela se possa reduzir tudo quanto se queira.

"Ainda jovem, a ciência social já possui uma base solida e generalizações acabadas; no seculo XIX, elevou-se às alturas da teoria e esse é o maior mérito de Marx. Ele colocou a ciência social no nível de uma teoria social."

Engels dizia que Marx havia elevado o socialismo de utopia a ciência, mas isso não é suficiente para Suvorov. Seria de causar efeito se da ciência (mas existia ciência social antes de Marx?) ainda distinguíssemos a teoria... Essa distinção não tem sentido? Que bela coisa!

..."pela descoberta da lei fundamental da dinâmica social, lei em virtude da qual a evolução das forças produtivas determina o desenvolvimento econômico e social em sua integridade. Mas a evolução das forças produtivas corresponde ao acréscimo do rendimento do trabalho, à economia relativa dos dispêndios e à acumulação mais rápida da energia (vê-se aqui toda a fecundidade da "filosofia realista-monista": uma nova base energética é dada ao marxismo!)... eis aí um princípio econômico. Desse modo, Marx colocou, na base da teoria social, o princípio da economia das forças."

Esse "desse modo" é verdadeiramente notável! Repisemos o termo "economia", uma vez que Marx trata da economia política, e chamemos o produto das nossas reiterações de "filosofia realista-monista"!

Não, Marx não colocou, na base da sua teoria, nenhum princípio da economia das forças. Essas tolices são imaginadas por pessoas que os lauréis de Eugen Dühring não deixam dormir tranquilos. Marx deu uma definição absolutamente precisa do acréscimo das forças produtivas e estudou o processo concreto desse acréscimo. Suvorov imaginou um termo novo, aliás nada adequado e também confusionista, para designar a noção estudada por Marx. Que é, na verdade, a "economia das forças"? Como medi-la? Como aplicá-la? Que fatos precisos e definidos abrange? Suvorov nada nos explica e nada nos pode explicar, mergulhado em plena confusão. Ouvi ainda:

"Essa lei da economia social não é somente o princípio da unidade interior da ciência social (entendeis alguma coisa, leitor?); é igualmente o elo que liga a teoria social à teoria geral da existência" (p. 294).

Muito bem. Muito bem. A "teoria geral da existência" é, mais uma vez, descoberta por S. Suvorov, depois que inúmeros representantes da escolástica filosófica a descobriram muitas vezes, sob as mais variadas formas. Felicitemos os discípulos russos de Mach a proposito da descoberta de uma nova "teoria geral da existência"! Esperemos que sua próxima obra coletiva seja dedicada inteiramente à justificação e ao desenvolvimento dessa grande descoberta!

Um novo exemplo nos mostrará que forma assume a teoria de Marx sob a pena do nosso representante da filosofia realista ou realista-monista.

"As forças produtivas dos homens formam, em geral, uma gradação genética (ufa!) e compõem-se de sua energia de trabalho, das forças naturais dominadas pelo homem, da natureza modificada pela cultura e dos instrumentos de trabalho que representam a técnica produtiva... Essas forças desempenham, em relação ao processo do trabalho, uma função puramente econômica; economizam a energia do trabalho e elevam o rendimento do seu dispêndio" (p. 298).

As forças produtivas desempenham, em relação ao processo do trabalho, uma função econômica! É como se disséssemos que as forças vitais desempenham, em relação ao processo vital, uma função vital. Isso não é expôr Marx; isso é estorvar o marxismo com uma inverossímil falacia verbal.

Dessa falacia há mais ainda no artigo de Suvorov:

"A socialização de uma classe exprime-se pelo acréscimo do seu poder coletivo sobre os homens e sobre seus bens" (p. 313).

"A luta de classes tende ao estabelecimento de formas de equilíbrio entre as forças sociais" (p. 322)

As discórdias sociais, as rupturas e as lutas são, no fundo, fatos negativos, antissociais.

"O processo social é, essencialmente, o desenvolvimento da sociabilidade, das relações sociais entre os homens" (p. 328).

Encher-se-iam tomos para colecionar tais truísmos e é o que fazem os representantes da sociologia burguesa, e é um pouco forte pretender fazê-los passar por filosofia do marxismo. Se o artigo de Suvorov era um ensaio de vulgarização do marxismo, poder-se-ia não julgá-lo tão severamente. As intenções do autor eram boas, bastaria dizer-se. Mas sua experiência fracassou. Quando um grupo de discípulos russos de Mach nos serve tais coisas sob o título de Bases da filosofia social e quando encontramos os mesmos processos de "desenvolvimento" do marxismo nos opúsculos filosóficos de Bogdanov, a conclusão que se nos impõe é de que uma ligação indissolúvel une a teoria reacionária do conhecimento aos esforços da reação em sociologia.


Notas de rodapé:

(1) É característico que a descoberta da lei da conservação e da transformação da energia seja definida por Suvorov como a confirmação das proposições fundamentais da energética" (página 292). Nosso "realista", desejoso de ser marxista, não ouviu dizer que os materialistas vulgares Büchner & Cia. e o materialista dialético Engels viam nessa lei a confirmação das proposições fundamentais do materialismo? Nosso "realista" não percebeu essa diferença? Não! Ele pura e simplesmente seguiu a moda, repetiu Ostwald: nada mais. O pior é precisamente que os "realistas" desse gênero inclinam-se diante da moda, enquanto Engels, por exemplo, assimila o termo novo energia e dele se serve a partir de 1885 (Prefácio à 2.ª edição do Anti-Dühring) e de 1888 (Ludwig Feuerbach) como sinônimo das expressões força e movimento. Engels soube enriquecer seu materialismo com uma terminologia nova. Os "realistas" e os outros embrulhões, que se apoderaram do novo termo, não perceberam a diferença entre o materialismo e a energética! — N. L. (retornar ao texto)

(2) Bazarov: principal personagem do romance Pais e filhos, Turguenev, representando o tipo do intelectual russo "niilista" de meados do século XIX. — Nota do Tradutor (retornar ao texto)

Inclusão 01/02/2015