Capitalismo e Agricultura nos Estados Unidos

V. I. Lênin


13. Como se minimiza a eliminação da pequena produção pela grande na agricultura


Alguém poderia objetar: se a eliminação da pequena produção se realiza "também" sob a forma da intensificação (e da "capitalização") da economia nas farms menores, seria possível de um modo geral considerar como possuindo algum valor o agrupamento segundo a superfície? Não existiriam, a partir daí, duas tendências opostas, tornando impossível qualquer conclusão, por mais geral que fosse?

Para responder a esta objeção é necessário apresentar todo o conjunto da agricultura americana e sua evolução. Para isto, é preciso tentar comparar e confrontar os três agrupamentos que representam, por assim dizer, o máximo fornecido pelas estatísticas sociais no domínio da agricultura no curso dos últimos anos.

Esta comparação e confrontação são possíveis. Elas só requerem a constituição de um quadro que, à primeira vista, pode parecer bastante abstrato e complexo e, como consequência, de natureza a "enfadar" o leitor. Entretanto, com um esforço de atenção relativamente mínimo, a "leitura", assimilação e análise deste quadro não oferecem qualquer dificuldade.

Para comparar os três diferentes agrupamentos é preciso considerar apenas os percentuais dos diferentes grupos. Os cálculos correspondentes são todos fornecidos pelo recenseamento americano de 1900. Reduzimos cada tipo de agrupamento a três grupos principais. Quanto à superfície, consideramos:

1. as pequenas farms (até 100 acres); 2. as farms médias (de 100 a 175 acres); e 3. as grandes farms (de 175 acres e mais). Quanto ao valor do produto, consideramos: 1. as farms não-capitalistas (até 500 dólares); 2. as farms médias (de 500 a 1 000 dólares); e 3. as farms capitalistas (1 000 dólares e mais). Quanto à principal fonte de renda, consideramos: 1. as farms fracamente capitalistas (gado, algodão); 2. as farms médias (feno e cereais mistas), e 3 as farms altamente capitalistas (as culturas especiais, "mercantis", enumeradas acima, na parte 12, sob as rubricas 5 a 14). Em cada grupo, consideramos primeiramente, a percentagem das farms, isto é, o número de farms do grupo considerado em relação ao número total das farms dos Estados Unidos. Em seguida, a percentagem da superfície, ou seja, a superfície total das farms do grupo em relação à superfície total do conjunto das farms dos Estados Unidos. A quantidade de terra pode servir como indicador do caráter extensivo da economia (infelizmente, só dispomos dos dados sobre a superfície total, e não sobre a superfície cultivada considerada separadamente, o que seria mais preciso). Se a percentagem da superfície total for superior à do número de farms (por exemplo, se a 17,2% de farms correspondem 43,1% de terra), isto significa que estamos tratando de grandes farms, maiores que a média, representando, neste caso, mais do dobro da média. Se a percentagem da terra é inferior à das farms, chega-se à conclusão inversa.

Em seguida, consideram-se os indicadores do caráter intensivo da agricultura, o valor dos instrumentos e máquinas e o montante das despesas com adubos. Ainda neste caso, considera-se a percentagem do valor e do montante de despesas referentes a determinado grupo, em relação ao volume total para o conjunto do país. E ainda aí, se a percentagem é superior à percentagem da terra, deduz-se que a intensidade é superior à média, etc.

Enfim, para determinar com precisão o caráter capitalista das explorações, agrícolas, emprega-se o mesmo procedimento no tocante à soma global das despesas com salários; e, para determinar o volume da produção, faz-se a mesma coisa em relação ao valor global dos produtos da agricultura de todo o país.

Desta forma, foi constituído o quadro da página 74, que passamos a explicar e analisar.

COMPARAÇÃO DOS TRÊS GRUPOS
(As cifras indicam a percentagem em relação ao total; a soma das três casas horizontais é igual a cem)
  Segundo a principal fonte de renda da farm Segundo a superfície da farm Segundo o valor do produto da farm  
  farms
fracamente
capitalistas
Médias Altamente
capitalistas
Pequenas Médias Grandes Não
capitalistas
Médias capitalista  
Número de farms 46,0 41,5 12,5 57,5 24,8 17,7 58,8 24,0 17,2 índice do
caráter
extensivo
da
agricultura
Numero de acres da
superfície total
52,9 38,5 8,6 17,5 22,9 59,6 33.3 23,6 43,1
Capital
constante
Valor dos
instrumentos
e máquinas
37,2 42,7 20,1 31,7 28,9 39,4 25,3 28,0 46,7 índices do
caráter
intensivo
da
agricultura
Gastos com
fertilizantes
36,5 31,8 31,7 41,9 25,7 32,4 29,1 26,1 44,8
Capital
variável
Gastos na
contratação
de operários
35,2 38,2 26,6 22,3 23,5 54,2 11,3 19,6 69,1 índice do
caráter
capitalista
da
produção
Volume
da
produção
Valor
do
produto
45,0 39,0 16,0 33,5 27,3 39,2 22,1 25,6 52,3  

Consideremos o primeiro agrupamento: segundo a principal fonte de renda. Aí, as farms estão agrupadas, por assim dizer, de acordo com a especialidade da agricultura: de certo modo, de maneira análoga à qual se agrupam as empresas industriais segundo os ramos da indústria. Com a diferença de que o quadro é infinitamente mais complicado na agricultura.

A primeira coluna mostra-nos um grupo de farms fracamente capitalistas, que compreendem quase a metade do número total das farms: 46,0%, englobando 52,9% das terras; o que significa que se trata de explorações com uma extensão superior á média (elas reúnem as explorações de pecuária extensiva, particularmente grandes, e as farms algodoeiras, com uma dimensão inferior à média). As percentagens do valor das máquinas (37,2%) e do montante de despesas com adubos (36,5%), são inferiores à percentagem da terra: portanto, a intensidade é inferior à média. O mesmo ocorre com o indicador do caráter capitalista da exploração (35,2%) e com o valor dos produtos (45.0%). A produtividade do trabalho é inferior à média.

A segunda coluna é a das farms médias. Em decorrência do fato de que as explorações "médias", sob todos os aspectos, em relação aos três agrupamentos, entrem neste grupo médio, todas as percentagens são aí mais próximas umas das outras. As variações são relativamente pouco importantes.

A terceira coluna é a das farms altamente capitalistas. Já analisamos detalhadamente a importância das cifras desta coluna, Notemos que é apenas sobre este tipo de farms que possuímos — tanto para 1900 quanto para 1910 — dados precisos e comparáveis, que atestam que estas culturas altamente capitalistas têm um ritmo de desenvolvimento mais rápido que a média.

De que maneira este crescimento mais rápido de tais culturas se evidencia através da classificação habitual dos censos na maioria dos países? Isto é o que mostra a coluna seguinte: a do grupo das pequenas farms segundo a superfície.

Este grupo reúne grande número de farms (57,5% do total) - Ele possui apenas 17,5% da superfície total, ou seja, menos de um terço da média. Como consequência, é o grupo que possui menos terra, o mais "pobre". Mas nós constatamos mais adiante, que a intensidade da agricultura (valor das máquinas e despesas com adubos), seu caráter capitalista (gastos com mão-de-obra), e sua produtividade do trabalho (valor do produto) são superiores à média: 22,3 a 41,9% para 17,5% de superfície.

O que significa isto? É evidente que este grupo, "pequeno" quanto à superfície, compreende um número particularmente grande de farms altamente capitalistas (ver a coluna vertical anterior). A uma maioria de agricultores realmente pequenos, detentores de pouca terra e pouco capital, acrescenta-se aqui uma minoria de agricultores, poderosos por seu capital, e que organizaram em uma pequena parcela de terra uma grande exploração capitalista por sua escala. Em relação à América como um todo, estes agricultores representam apenas 12,5% (= percentagem das farms altamente capitalistas); o que significa que, ainda que eles entrassem todos no grupo das farms consideradas pequenas (segundo a sua superfície), restariam neste grupo 45% (57,5 menos 12,5) de farmers sem terra e capital em quantidade suficiente. Com efeito, é evidente que uma parte, ainda que pequena, das farms altamente capitalistas são explorações médias e grandes por sua superfície, de modo que a cifra de 45% minimiza ainda mais o número real dos farmers que possuem pouca terra e nenhum capital.

Não é difícil perceber a que ponto se embeleza a situação destes 45% — no mínimo 45% — de farmers deserdados de terra e capital, ao se incluir no mesmo grupo os 10, 12, etc., por cento de agricultores melhor providos que a média em capital, instrumentos, máquinas, dinheiro para a compra de adubos, contratação de operários, etc.

Não entraremos em mais pormenores sobre as farms médias e grandes do grupo considerado. Isto nos levaria a repetir apenas sob uma forma modificada, o que foi dito a respeito das pequenas farms. . . Assim, se, por exemplo, os dados sobre as pequenas farms por sua superfície embelezam a situação desastrosa da pequena produção, os dados sobre as farms consideradas grandes de acordo com o mesmo indicador, aparentemente minimizam a concentração real operada na agricultura pela grande produção. A seguir, veremos uma expressão estatística exata desta concentração minimizada.

Chegamos à seguinte tese geral, que pode ser enunciada como uma lei aplicável ao agrupamento das explorações segundo a superfície, em qualquer país capitalista:

Quanto mais rápida e ampla é a intensificação da agricultura, mais o agrupamento segundo a superfície contribui para embelezar a situação de asfixia da pequena produção agrícola, do pequeno agricultor que não dispõe de terra nem de capital; mais ele dissimula a agudização real da contradição de classe entre o grande produtor florescente e o pequeno produtor ameaçado pela ruína; mais ele minimiza a concentração do capital nas mãos dos grandes produtores e a eliminação dos pequenos.

O terceiro e último agrupamento — segundo o valor dos produtos — fornece a esta tese uma confirmação incontestável. A percentagem das explorações não-capitalistas (ou com um rendimento fraco, se se considera o rendimento global) é de 58,8%, ou seja, ela supera, ainda que ligeiramente, a percentagem das 'pequenas" explorações (57,5%). A quantidade de terra que possuem é muito maior: 33,3% (contra 17,5% do grupo dos "pequenos" farmers). Contudo, sua participação no valor global dos produtos é uma vez e meia menor: 21,1% contra 33,5%!

Por que isto? Porque não figuram neste grupo as explorações altamente capitalistas em pequenos lotes de terra, que inflaram de maneira falsa e artificial a parcela de capital pertencente aos pequenos agricultores sob a forma de máquinas, adubos, etc.

O empobrecimento e asfixia (e como consequência, a ruína) da pequena produção na agricultura revelam-se, desta forma, bem mais acentuados do que se poderia supor de acordo com os dados sobre as pequenas farms.

Os dados sobre as farms pequenas e grandes segundo a superfície não consideram, em absoluto, o papel do capital; e é compreensível que, negligenciando este "detalhe" da economia capitalista, se apresente sob um falso ângulo a situação da pequena produção, se embeleze falsamente tal situação, pois ela "poderia" ser suportável "se" o capital não existisse, isto é, o poder do dinheiro e as relações entre o trabalhador assalariado e o capitalista, entre o farmer e o comerciante e credor! Portanto, a concentração da agricultura pelas grandes farms é bem inferior à sua concentração pela grande produção, isto é, pela produção capitalista: 17,7% das "grandes" farms concentram 39,2% do valor do produto (pouco mais do dobro da média), enquanto 17,2% das farms capitalistas concentram 52,3% do valor global do produto, ou seja, mais do triplo da média. Mais da metade de toda a produção agrícola de um país onde se distribuem gratuitamente enormes quantidades de terras desocupadas — e que os Malinov * (* Malinov, personagem de Almas Mortas de Gogol. Tipo loquaz do vão sonhador, sinônimo do visionário quimérico, indiferente a realidade que o cerca.) denominam um país de explorações "baseadas no trabalho familiar" — está concentrada em cerca de 1/6 de explorações capitalistas, que despendem, com a contratação de operários, quatro vezes a média por farm (69,1% para 17,2% das farms), e uma vez e meia a média por acre de superfície total (69,1% de gastos com mão-de-obra assalariada para 43,1% da superfície total).

No outro pólo, mais da metade, quase 3/5 do número total de explorações (58,8%), fazem parte das farms não-capitalistas. Elas possuem um terço de toda a terra (33,3%), mas esta terra é mais mal equipada em máquinas que a média (25,3% do valor das máquinas), mais mal adubada (29,1% dos gastos com adubos), o que faz com que sua produtividade seja uma vez e meia inferior à média. Possuindo um terço da superfície total, esta enorme massa das farms mais oprimidas pelo jugo do capital fornece menos de um quarto (22,1%) do produto total e de seu valor total. Com relação ao valor do agrupamento segundo a superfície, chegamos à conclusão geral de que ele não pode ser considerado como inteiramente inútil. Isto com a condição de que jamais seja esquecido que ele minimiza a eliminação da pequena produção pela grande - e tanto mais quanto mais ampla e rápida é a intensificação da agricultura — e que as diferenças entre as explorações segundo o montante de capital investido numa mesma superfície são mais importantes. Com os modernos métodos de investigação que fornecem um conjunto muito valioso e rico de dados sobre cada exploração, seria suficiente, por exemplo, combinar dois métodos de agrupamento; dividir, por exemplo, cada um dos cinco grupos definidos segundo a superfície total, em dois ou três grupos de acordo com a utilização de trabalho assalariado. Se isto não é feito, é sobretudo porque se receia apresentar uma imagem muito crua da realidade, um quadro por demais eloquente da opressão, miséria, ruína, expropriação da massa dos pequenos agricultores, cuja situação é embelezada de uma forma tão "cômoda" e tão "discreta" através das explorações capitalistas "modelo", igualmente "pequenas" por sua superfície, e que constituem uma pequena minoria entre à massa dos despossuídos. Do ponto de vista da ciência, ninguém ousará contestar que o capital, do mesmo modo que a terra desempenha um papel na agricultura moderna. Do ponto de vista da técnica estatística ou da quantidade de trabalhos estatísticos, o número global de 10-15 grupos não é em absoluto excessivo se se compara, por exemplo, com os 18 + 7 grupos segundo a superfície que são encontrados nas estatísticas alemãs de 1907. Estas estatísticas, que reúnem uma documentação muito rica referente a 5.736.082 explorações, repartidas por este número de grupos de acordo com a superfície, constituem um modelo de rotina administrativa, de incoerências científicas, um jogo de cifras absurdas, pois aí não se encontra nem sombra de algum fundamento sensato; racional, teórico ou prático, que possa explicar a adoção de um tal número de agrupamentos.


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Inclusão 15/03/2012