Informe sobre o momento atual e sobre a posição diante do governo provisório
Conferência de Petrogrado do POSDR(b)
14/22 de abril(27 de abril/5 de maio) de 1917

Vladimir Ilitch Lênin

14 (27) de abril de 1917


Primeira edição: Breve resumo aparecido a 8 de maio (25 de abril) de 1917 no jornal Pravda, nº 40. Publicado na íntegra pela primeira vez, em 1925, no livro As Conferências de Petrogrado e de Toda a Rússia do POSDR(b) em Abril de 1917. V. I. Lênin, Obras, 4.ª ed. em russo, t. 24, págs. 115/120

Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 317-322

Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz

HTML: Fernando Araújo.

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Determinamos com antecipação, o muito mais exatamente do que outros partidos, a linha política, que foi referendada por resoluções. A vida deu-nos uma situação completamente nova. O erro principal que cometem os revolucionários consiste em que olham para trás, para as velhas revoluções. A vida, em troca, oferece muitíssimas coisas novas, que é necessário incluir na cadeia geral dos acontecimentos.

Determinamos com absoluta justeza as forças motrizes da revolução. Os acontecimentos corroboraram nossas velhas teses bolcheviques, mas nossa desgraça consiste em que os camaradas desejariam continuar sendo «velhos» bolcheviques. Só entre o proletariado e o campesinato houve movimento de massas. A burguesia da Europa ocidental sempre esteve contra a revolução. Essa é a situação a que estamos acostumados. Mas as coisas ocorreram de maneira diversa. A guerra imperialista cindiu a burguesia da Europa, em virtude do que os capitalistas anglo-franceses passaram a ser, com fins imperialistas, partidários da revolução russa. Os capitalistas ingleses organizaram uma verdadeira conspiração com Guchkov, Miliukov e os altos comandos do exército. Os capitalistas anglo-franceses colocaram-se ao lado da revolução. Os jornais europeus informam sobre numerosas viagens de emissários da Inglaterra e da França para manter negociações com os «revolucionários» do tipo de Guchkov. É um aliado imprevisto da revolução. E isto levou a que a revolução tenha resultado em algo que ninguém esperava. Encontramos aliados não só na burguesia russa, como também nos capitalistas anglo-franceses. Quando disse isto mesmo num informe no estrangeiro,(1) um menchevique me replicou que não tivéramos razão, pois, segundo ele, ocorreu que a burguesia tinha sido necessária para o êxito da revolução. Respondi-lhe dizendo que isso tinha sido «necessário» unicamente para que a revolução triunfasse em oito dias. Não em vão Miliukov já tinha declarado antes da revolução que, se o caminho da vitória passasse pela revolução, ele estava contra a vitória. E preciso não esquecer estas palavras de Miliukov.

Assim, pois, a revolução se desenvolveu em sua primeira etapa como ninguém esperava. Os bolcheviques responderam à pergunta de se é possível «defender a pátria» da seguinte maneira: se triunfa uma revolução burguesa-chauvinista (nº 47 de Sotsial-Demokrat), a defesa da pátria será impossível.(2) A originalidade da situação consiste na dualidade de poderes. No estrangeiro, onde não chega nenhum jornal mais esquerdista do que o Rech e onde a imprensa burguesa anglo-francesa fala do poder soberano do governo provisório e do «caos» personificado pelos sovietes de deputados onerá- rios e soldados, ninguém tem uma ideia exata da dualidade de poderes. Só chegando aqui nos inteiramos de que o soviete dos deputados operários e soldados entregou o poder ao governo provisório. O soviete de deputados operários e soldados encarna a ditadura do proletariado e dos soldados; destes, a maioria é de camponeses. Trata-se, pois, da ditadura do proletariado e do campesinato. Ora, esta «ditadura» chegou a um acordo com a burguesia. Impõe-se, pois, rever o «velho» bolchevismo. A situação que se criou mostra que a ditadura do proletariado e dos camponeses se entrelaçou com o poder da burguesia. É uma situação surpreendentemente original. Não se conhece revolução alguma na qual os proletários e camponeses revolucionários, encontrando-se armados, firmaram uma aliança com a burguesia e, tendo o poder, cederam-no a ela. A burguesia possui a força do capital e a força da organização. E é surpreendente que os operários tenham, apesar de tudo, conseguido organizar-se bastante. A revolução burguesa na Rússia terminou, uma vez que o poder passou para as mãos da burguesia. Os «velhos bolcheviques» refutam isto: «não terminou: não existe ditadura do proletariado e dos camponeses». Mas o soviete de deputados e soldados é exatamente esta ditadura.

O movimento agrário pode seguir dois caminhos. Os camponeses apoderar-se-ão das terras e não estourará a luta entre o proletariado agrícola e os camponeses acomodados. Mas isto é pouco provável, pois a luta de classes não espera. Repetir agora o que dizíamos em 1905 e não falar da luta de classes no campo é uma traição à causa proletária.

Hoje já vemos nos acordos de vários congressos camponeses a ideia de esperar até a Assembleia Constituinte para resolver a questão agrária; isto é um triunfo dos camponeses acomodados, que se inclinam para os democratas constitucionalistas. Os camponeses já se estão apoderando da terra. Os social-revolucionários os contêm, propondo esperar até a Assembleia Constituinte. É preciso unir a reivindicação de tomar a terra agora mesmo com a propaganda de criar sovietes de deputados assalariados agrícolas. A revolução democrático-burguesa terminou. É preciso aplicar de um modo novo o programa agrário. A mesma luta que se trava agora aqui pelo poder entre grandes e pequenos proprietários se registrará também no campo. Só a terra, é pouco para os camponeses. Aumentou muito o número de explorações agrícolas que carecem de cavalos. Ao dizer aos camponeses que tomem a terra agora mesmo, somos os únicos que desenvolvemos hoje a revolução agrária. A terra precisa ser tomada organizadamente. Não se deve destruir os bens. O movimento agrário, portanto, é apenas uma previsão, e não um fato. A tarefa dos marxistas consiste em explicar aos camponeses a questão do programa agrário; seu centro de gravidade deve transferir-se para o soviete de deputados assalariados agrícolas. Mas devemos estar preparados para o caso de que o campesinato se una à burguesia como o fez o soviete de deputados operários e soldados. Por conseguinte, é preciso desenvolver ainda mais o movimento agrário. O campesinato acomodado, como é natural, tenderá para a burguesia, para o governo provisório e pode acabar mais direitista do que Guchkov.

Por ora, triunfou o poder da burguesia. A situação econômica dos camponeses os separa dos latifundiários. Do que os camponeses necessitam não é o direito à terra, e sim os sovietes de deputados assalariados agrícolas. Quem aconselha os camponeses a esperar até a Assembleia Constituinte os engana.

Nossa tarefa consiste em extrair do pântano pequeno-burguês a linha de classe: a burguesia realiza magnificamente sua obra, fazendo todas as promessas que se quiser, mas aplicando na prática sua política de classe.

A correlação de forças nos sovietes de deputados operários e soldados é tal que o poder é entregue ao governo provisório e os próprios socialistas se limitam a «comissões de contato». É certo que este governo é integrado pelos homens melhores e de maior confiança de sua classe, mas, não obstante, de uma classe determinada. A pequena burguesia entregou-se inteiramente a eles. Se não separamos a linha proletária, trairemos a causa do proletariado. A burguesia domina pelo embuste ou pela violência. Agora, predominam o agrado e o embuste, e isto adormece a revolução. Fazem concessões nas questões secundárias. No fundamental, (a revolução agrária) nada fazem. Quem não vê que, na Rússia, com exceção dos bolcheviques, que existe e é vitorioso em toda parte o «defensismo» revolucionário, não vê os fatos. E semelhante «defensismo» revolucionário significa abandonar todos os princípios socialistas em benefício dos interesses rapaces do grande capital, encobertos com a frase de «defesa da pátria»; significa abandonar posições à pequena burguesia. Quando eu falava da massa «defensista»-revolucionária «de boa-fé», estava considerando não uma categoria moral, e sim uma definição de classe. As classes representadas nos sovietes de deputados operários e soldados não estão interessadas numa guerra de rapina. Na Europa a coisa é diferente. Ali o povo é oprimido, os pacifistas mais oportunistas são perseguidos frequentemente até mais do que nós, os pravdistas. Em nosso país, ao contrário, o soviete de deputados operários e camponeses aplica sua posição «defensista»-revolucionária não por meio da violência, e sim da confiança das massas. A Europa é toda ela uma prisão militar. Ali o capital governa cruelmente. Em toda a Europa é preciso derrotar a burguesia, e não convencê-la. Na Rússia, os soldados estão armados: eles mesmos se deixaram enganar pacificamente, concordando apenas em «defender-se» de Guilherme II. Ali, na Europa, não existe um «defensismo» revolucionário «de boa-fé», como na Rússia, onde o povo entregou o poder à burguesia por ignorância, por rotina, pelo costume de suportar o cajado, por tradição. Steklov e Chkheidze — chefes, em palavras, mas na realidade reboquistas da burguesia — estão mortos politicamente, apesar de suas virtudes, do conhecimento do marxismo. etc. Em nosso país, o poder se encontra nas mãos dos soldados, que têm um espírito «defensista». A situação objetiva de classe dos capitalistas é uma coisa. Lutam para si. Os soldados são proletários e camponeses. Isto é outra coisa. Têm eles qualquer interesse em conquistar Constantinopla? Não, seus interesses de classe estão contra a guerra! Eis porque é possível instruí-los, fazê-los mudar de opinião. O quid da situação política neste momento consiste em saber explicar a verdade às massas. É impossível considerar que nos «apoiamos» na massa revolucionária, etc., enquanto não explicarmos aos soldados ou às massas inconscientes o significado da palavra-de-ordem, de «abaixo a guerra».

Que é o soviete de deputados operários e soldados? Seu significado de classe é o poder direto. Em nosso país não existe, naturalmente, plena liberdade política. Mas em lugar algum existe hoje a liberdade que temos na Rússia. «Abaixo a guerra» não significa jogar fora as baionetas, e sim a passagem do poder a outra classe. O centro de gravidade de toda a posição atual consiste em explicar isto. O blanquismo procurava tomar o poder apoiando-se numa minoria. Em nosso país a situação é completamente diversa. Estamos ainda em minoria, mas reconhecemos a necessidade de conquistar a maioria. Diferentemente dos anarquistas, necessitamos do Estado para passar ao socialismo. A Comuna de Paris deu-nos um modelo de Estado do tipo dos sovietes de deputados operários — do poder direto dos operários organizados e armados —, de ditadura dos operários e dos camponeses. O papel dos sovietes, o significado desta ditadura, consiste na violência organizada frente à contrarrevolução, em proteger as conquistas da revolução no interesse da maioria, apoiando-se na maioria. No Estado não pode existir a dualidade de poderes. Os sovietes de deputados são um tipo de Estado no qual a polícia é impossível. Nele, o próprio povo governa a si mesmo e não é possível o retorno à monarquia. O exército e o povo devem fundir-se: aí temos a vitória da liberdade! Todos devem aprender a manejar as armas. Para manter a liberdade é necessário o armamento de todo o povo: nisso consiste a essência da comuna. Não somos anarquistas que negam a organização do Estado, isto é, a violência em geral, e do Estado dos próprios operários organizados e armados, a organização do Estado através de seus sovietes, em particular. A vida entrelaçou a ditadura do proletariado e do campesinato com a ditadura da burguesia. O passo seguinte será a ditadura do proletariado, mas este ainda não se encontra suficientemente organizado e instruído, é preciso instruí-lo. A vida requer que em todo o Estado existam sovietes de deputados operários e de outros deputados. Não há outro caminho. Isso é a Comuna de Paris! O soviete de deputados operários não é uma organização profissional, como quer a burguesia. O povo tem um critério mais justo: no soviete vê o poder. Vê que o caminho para sair da guerra é a vitória dos sovietes de deputados operários. Este é o tipo de Estado com o qual se pode marchar para o socialismo. Significa muito pouco que um grupo tome o poder. A revolução russa alcançou um nível mais elevado: não pode existir outro poder além do soviete, e a burguesia o teme. Enquanto os sovietes não se apossarem do poder, nós não o tomaremos. Os sovietes devem ser empurrados para o poder por uma força viva. De outro modo, não sairemos da guerra que os capitalistas fazem enganando o povo. Todos os países se encontram à beira do desastre; é preciso reconhecer isto; não existe outra saída além da revolução socialista. O governo deve ser derrotado, mas nem todos compreendem isto de forma justa. Se o poder do governo provisório se apoia nos sovietes de deputados operários, não se pode derrotá-lo de forma alguma. Pode-se e deve-se derrotá-lo conquistando a maioria nos sovietes. Ou para diante, no sentido do poder total dos sovietes de deputados operários e soldados, ou para trás, no sentido da guerra imperialista: não há outro caminho. Kautsky negava a possibilidade da revolução durante a guerra; a vida já o desmentiu.

No que se refere à nacionalização e ao controle dos bancos, é economicamente possível, não há nada que o impeça deste ponto-de-vista, posto que o poder se encontra nas mãos dos operários. Compreender-se^á que, com tais opiniões sobre as tarefas do proletariado, não se pode sequer falar de unificação com os «defensistas».

Sobre a nova denominação do Partido: a palavra «social-democracia» é inexata, é equivocada do ponto-de-vista científico. Marx e Engels reconheceram-no mais de uma vez. Se «toleraram» esta palavra foi porque depois de 1871 existia uma situação especial: era necessária uma preparação lenta das massas populares, a revolução não estava na ordem-do-dia. A democracia é também um Estado e a Comuna de Paris já se elevara acima disto. E agora todo o mundo se encontra, de fato, ante uma questão: a passagem ao socialismo. O social-democrata Plekhanov e demais social-chauvinistas de todo o mundo traíram o socialismo. Devemos chamar-nos «Partido Comunista».


Notas de rodapé:

(1) V. I. Lênin. As Tarefas do POSDR na Revolução Russa (Obras, 4.ª ed. em russo, t. 23, pág. 346 — Nota da Compilação) (retornar ao texto)

(2) V. I. Lênin, Algumas Teses (Obras, 4.ª ed. em russo, t. 21, pág. 368. — Nota da Compilação) (retornar ao texto)

Inclusão: 10/02/2022