Ao Comité Central do POSDR

V. I. Lénine

30 de Agosto (12 de Setembro) de 1917

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Escrito: 30 de Agosto (12 de Setembro) de 1917
Publicado: pela primeira vez em 7 de Novembro de 1920, no nº250 do Pravda
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Edições "Avante!", 1986, t2, pp 151-154.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.34, pp. 119-121.
Transcrição e HTML: Manuel Gouveia
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo.

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É possível que estas linhas cheguem com atraso, pois os acontecimentos desenvolvem-se com uma velocidade por vezes vertiginosa. Escrevo isto na quarta-feira, 30 de Agosto, e os destinatários não lerão isto antes de sexta-feira, 2 de Setembro. Apesar deste risco, considero meu dever escrever o que se segue.

A insurreição de Kornílov representa uma viragem totalmente inesperada (inesperada pelo momento e pela forma) e incrivelmente brusca dos acontecimentos.

Como qualquer viragem brusca, ela exige uma revisão e uma modificação da táctica. E, como em qualquer revisão, é preciso ser arquiprudente para não cair em falta de princípios.

É minha convicção que caem em falta de princípios aqueles que (como Volodárski) resvalam para o defensismo ou (como outros bolcheviques) para o bloco com os socialistas-revolucionários, para o apoio ao Governo Provisório. Isto é arquierrado, é falta de princípios. Nós seremos defensistas depois da passagem do poder para o proletariado, depois de propor a paz, depois do rompimento dos tratados secretos e das ligações com os bancos, e só depois. Nem a tomada de Riga, nem a tomada de Petrogrado farão de nós defensistas. (Gostaria muito que dessem isto a ler a Volodárski.) Até então, somos pela revolução proletária, somos contra a guerra, não somos defensistas.

E nem mesmo agora devemos apoiar o governo de Kérenski. Seria falta de princípios. Perguntarão: será que não deveremos lutar contra Kornílov? Evidentemente que sim! Mas isto não é uma e a mesma coisa; aqui há um limite, que alguns bolcheviques ultrapassam caindo na «política de acordos», deixando-se arrastar pela corrente dos acontecimentos.

Nós combateremos, nós combatemos contra Kornílov, tal como as tropas de Kérenski, mas nós não apoiamos Kérenski, antes desmascaramos a sua fraqueza. E esta é a diferença. Esta diferença é bastante subtil, mas arquiessencial e que não se deve esquecer.

Em que consiste então a modificação da nossa táctica depois da insurreição de Kornílov?

Em que modificamos a forma da nossa luta contra Kérenski. Sem debilitar em nada a hostilidade para com ele, sem retirar uma só palavra dita contra ele, sem renunciar à tarefa do derrubamento de Kérenski, dizemos: é preciso ter em conta o momento; não vamos derrubar Kérenski agora; nós agora abordamos de outra maneira a tarefa da luta contra ele, a saber: explicando ao povo (que luta contra Kornílov) a fraqueza e as hesitações de Kérenski. Também anteriormente fazíamos isto. Mas agora tornou-se o principal: nisto consiste a mudança.

A mudança consiste além disto em que agora o principal é o reforço da agitação por uma espécie de “reivindicações parciais” a Kérenski – prende Miliukov, arma os operários de Petrogrado, chama as tropas de Cronstadt, de Víborg e de Helsingfors a Petrogrado, dissolve a Duma de Estado, prende Rodzianko, legaliza a entrega das terras dos latifundiários aos camponeses, introduz o controlo operário sobre o pão e sobre as fábricas, etc., etc. E devemos apresentar estas reivindicações não apenas a Kérenki, não tanto a Kérenski como aos operários, soldados e camponeses, entusiasmados pelo curso da luta contra Kornílov. Há que entusiasmá-los mais, encorajá-los a desancar os generais e oficiais que se pronunciaram a favor de Kornílov, há que insistir para que eles reivindiquem imediatamente a entrega da terra aos camponeses, sugerir-lhes a necessidade da prisão de Rodzianko e Miliukov, da dissolução da Duma de Estado, do encerramento do Retch e de outros jornais burgueses e de uma investigação a seu respeito. É preciso sobretudo empurrar nesta direcção os socialistas-revolucionários “de esquerda”.(N119)

Seria errado pensar que nos afastámos mais da tarefa da conquista do poder pelo proletariado. Não. Aproximámo-nos extraordinariamente dela, não de forma directa mas lateral. E é necessário, neste mesmo instante, fazer campanha não tanto directamente contra Kérenski, como indirectamente contra ele, indirectamente, a saber: exigindo uma guerra activa, muito activa, e verdadeiramente revolucionária, contra Kornílov. Só o desenvolvimento desta guerra pode conduzir-nos ao poder, mas na agitação deve-se falar pouco disso (recordando firmemente que amanhã mesmo os acontecimentos podem colocar-nos no poder e que então nós não o largamos). Parece-me que se deveria comunicar isto numa carta (e não na imprensa) aos agitadores, às comissões de agitadores e propagandistas, e aos membros do partido em geral. Há que lutar implacavelmente contra as frases sobre a defesa do país, sobre a frente única da democracia revolucionária, sobre o apoio ao Governo Provisório, etc., etc., precisamente porque são frases. O momento agora é de acção: vós, senhores socialistas-revolucionários e mencheviques, já há muito que gastastes estas frases. O momento agora é de acção, a guerra contra Kornílov deve ser feita revolucionariamente, arrastando as massas, levantado-as, inflamando-as (e Kérenski tem medo das massas, tem medo do povo). Na guerra contra os alemães, é preciso acção precisamente agora: propor incondicional e imediatamente a paz em condições precisas. Se se fizer isso é possível conseguir uma paz rápida, ou transformar a guerra em guerra revolucionária, de outro modo todos os mencheviques e socialistas-revolucionários continuarão lacaios do imperialismo.

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P. S. Tendo lido, depois de ter escrito isto, seis números do Rabótchi(N120), devo dizer que se verifica uma completa coincidência entre nós. Aplaudo de todo o coração os excelentes editoriais, o resumo da imprensa e os artigos de V.M-n e Vol-i. Sobre o discurso de Volodárski, li a sua carta à redacção(N121), que também «liquida» as minhas censuras. Uma vez mais saudações e os meus melhores votos!


Notas de rodapé:

(N119) Socialistas-revolucionários de esquerda: o partido dos socialistas-revolucionários de esquerda (internacionalistas) foi criado como organização no seu I Congresso de Toda a Rússia que se realizou de 19 a 28 de Novembro (de 2 a 11 de Dezembro) de 1917. Antes dessa data os socialistas-revolucionários de esquerda existiam como ala esquerda do partido dos socialistas-revolucionários, tendo começado a formar-se durante a Primeira Guerra Mundial. Entre os seus dirigentes contavam-se M. A. Spiridónova, B. D. Kamkov e M. A. Natanson (Bóbrov). A ala esquerda do partido socialista-revolucionário começou a crescer rapidamente depois das jornadas de Julho de 1917. Este processo reflectiu o crescimento dos sentimentos de esquerda do campesinato. No II Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia os socialistas-revolucionários de esquerda constituíam a maioria da fracção dos socialistas-revolucionários, que se dividiu quanto à questão da participação no Congresso: os socialistas-revolucionários de direita, cumprindo as indicações do CC do partido socialista-revolucionário, abandonaram o Congresso, enquanto os socialistas-revolucionários de esquerda permaneceram no Congresso e em relação às questões mais importantes da ordem do dia votaram ao lado dos bolcheviques. Os bolcheviques, considerando necessário constituir um bloco com o partido socialista-revolucionário de esquerda, que naquela altura tinha um número considerável de partidários entre os camponeses, propuseram aos socialistas-revolucionários de esquerda que entrassem para o Governo Soviético, mas eles rejeitaram a proposta. Não obstante, como resultado das negociações realizadas em Novembro e princípios de Dezembro de 1917, alcançou-se um acordo entre os bolcheviques e os socialistas-revolucionários de esquerda sobre a participação destes últimos no governo. Os socialistas-revolucionários de esquerda comprometeram-se a aplicar na sua actividade a política geral do Conselho de Comissários do Povo (CCP) e a entrarem numa série de colégios dos Comissários do Povo. Os socialistas-revolucionários de esquerda, embora colaborassem com os bolcheviques, discordavam destes em questões fundamentais da construção do socialismo e pronunciavam-se contra a ditadura do proletariado. Em Janeiro e Fevereiro de 1918, o CC dos socialistas-revolucionários de esquerda iniciou uma luta contra a conclusão do Tratado de Brest-Litovsk e, quando este foi concluído e ratificado pelo IV Congresso dos Sovietes em Março, os socialistas-revolucionários de esquerda retiraram-se do Conselho de Comissários do Povo, continuando contudo a participar nos colégios dos comissariados do povo e nos órgãos locais de poder. Com o desenvolvimento, no Verão de 1918, da revolução socialista nos campos e após a criação dos comités de camponeses pobres, começaram a crescer entre os socialistas-revolucionários de esquerda as tendências anti-soviéticas. Em Julho o CC dos socialistas-revolucionários de esquerda organizou em Moscovo o assassínio do embaixador alemão Mirbach e um levantamento armado contra o poder soviético, esperando com isso frustar o Tratado de Brest e provocar uma guerra entre a Rússia Soviética e a Alemanha. Considerando estes factos, o V Congresso dos Sovietes da Rússia, após o esmagamento da revolta de Julho, resolveu expulsar dos Sovietes os socialistas-revolucionários de esquerda que compartilhavam o ponto de vista da sua direcção. Tendo perdido todo o apoio das massas o partido dos socialistas-revolucionários de esquerda tomou o caminho da luta armada contra o Poder Soviético. Uma parte dos socialistas-revolucionários de esquerda, partidários da cooperação com os bolcheviques, formou os partidos dos “comunistas populistas” e dos “comunistas revolucionários”. Um número considerável de membros destes partidos foi posteriormente admitido no Partido Comunista. (retornar ao texto)

(N120) Rabótchi (O Operário): diário, órgão central do Partido Bolchevique; publicou-se de 25 de Agosto (7 de Setembro) a 2 (15) de Setembro de 1917 em lugar do jornal Pravda, fechado pelo Governo Provisório burguês. (retornar ao texto)

(N121) Na carta “A todos os camaradas”, publicada no Rabótchi, nº2, de 26 de Agosto (8 de Setembro) de 1917, V. Volodárski desmentiu a informação publicada numa série de jornais, incluindo Nóvaia Jizn, sobre o seu discurso na reunião de 24 de Agosto (7 de Setembro) do Comité Executivo Central dos Sovietes de Deputados Operários e Soldados e do Comité Executivo do Soviete de Deputados Camponeses acerca da situação na frente. Os jornais publicaram a sua carta falseando-a e atribuindo-lhe a seguinte frase: “a defesa é actualmente a coisa mais importante”. Volodárski, desmentindo esta informação, escrevia que no seu discurso expunha as teses da declaração da fracção bolchevique em relação ao rompimento da linha da frente realizada pelas tropas alemãs na frente de Riga, a qual condenava energicamente a política imperialista do Governo Provisório e exortava a uma saída revolucionária da guerra imperialista. (retornar ao texto)

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Inclusão 07/06/2019