Discurso aos agitadores enviados às províncias
Informação jornalística

Vladimir Ilitch Lênin

6 de fevereiro (24 de janeiro) de 1918


Primeira edição: Pravda, nº 18, 6 de fevereiro(24 de janeiro) de 1918. V. I. Lênin, Obras, 4.ª ed. em russo, t. 26, págs. 466/470

Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 370-374

Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz

HTML: Fernando Araújo.

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Camaradas:

Todos sabem que a maioria dos operários, soldados e camponeses, tanto da Grande Rússia, como de outras nações que integravam a Rússia — antes à força e hoje como partes da livre República da Rússia — reconheceram o Poder Soviético. Espera-nos uma luta não muito grande contra os restos miseráveis das tropas contrarrevolucionárias de Kaledin, o qual, ao que parece, se vê obrigado em seu Don a se salvar dos cossacos revolucionários.

É quando cai o último baluarte da contrarrevolução, podemos dizer com segurança que o Poder Soviético se consolida. É se consolidará. Isto é inteiramente compreensível para todos, pois a experiência visível provou que somente este poder, os próprios operários, soldados e camponeses unidos em seus sovietes, podem levar a Rússia ao caminho da livre convivência entre todos os trabalhadores.

Temos diante de nós dois inimigos fortes. O primeiro é o capital internacional. Levanta-se diante de nós, observando furioso a consolidação do Poder Soviético, que tanto odeia. É indubitável que estes multimilionários não podem deixar de fazer a guerra, para apoderar-se de qualquer pedaço arrebatado a outro. É indubitável, também, que, por enquanto, são mais fortes do que a República soviética.

Mas acontece que os capitalistas, ainda que mais fortes do que nós, enviam já seus representantes a nossos comissários e, talvez, reconheçam o Poder Soviético e, inclusive, a anulação dos empréstimos, este golpe terrível, o mais doloroso, em seus empanturrados bolsos. É os discursos dos representantes da oligarquia financeira mundial mostram que os capitalistas internacionais meteram-se em um beco-sem-saída. Livrar-se-iam com muito gosto da guerra e se lançariam com todas as suas forças contra a odiada República Soviética, que leva o incêndio a toda a Europa e à América, mas não podem fazê-lo.

Nossa revolução é fruto da guerra; se não houvesse a guerra, veríamos a união dos capitalistas de todo o mundo, sua coesão à base da luta contra nós. Pensam em uma só coisa: que não caiam sobre seus telhados as chispas de nosso incêndio. Mas é impossível isolar a Rússia com uma muralha chinesa. Não há no mundo uma só organização operária que não tenha acolhido com entusiasmo nossos decretos sobre a terra, de nacionalização dos bancos, etc.

É possível que no futuro tenhamos que sustentar uma luta tenaz; mas os camaradas certamente sabem que, na maioria dos países, os operários, oprimidos por seus capitalistas, já estão despertando; e, por muito que se enfureçam os sequazes de Kaledin em todos países, inclusive se conseguirem assestar temporariamente um golpe na Rússia, sua situação não se consolidaria com isso. Nossa situação, ao contrário, é inteiramente estável, pois temos ao nosso lado os operários de todos os países. (Aplausos).

O outro inimigo nosso é a ruína. Por isso é mais necessário ainda lutar contra a ruína quando a situação dos sovietes se consolidou. É são precisamente os camaradas que devem travar esta luta. Sua viagem, a viagem dos agitadores dos dois partidos governamentais que encabeçam hoje o Poder dos Sovietes, adquire grande importância. É me parece que nas províncias longínquas espera-os o trabalho tenaz, porém grato, de fortalecer o Poder Soviético, de levar ao campo as ideias revolucionárias, de acabar com a ruína e libertar o campesinato trabalhador dos culaques rurais.

Espera-nos um trabalho duro e tenaz: curar as feridas causadas pela guerra. A burguesia de outros países europeus se havia preparado mais do que a nossa. Ali existia uma distribuição justa dos produtos, o que torna mais fácil seu trabalho de hoje; existia uma substituição corretamente organizada dos soldados na frente. Nem o poder do tsar, nem o poder vacilante burguês-conciliador de Kerenski conseguiam nada disso.

A isso se deve o fato de a Rússia encontrar-se hoje em ™a situação particularmente difícil. Para construir, sobre ‘is rumas, os alicerces da sociedade socialista, a Rússia tem diante de si tarefas de organização, tarefas de luta contra os elementos cansados e simplesmente marginais que agravam a ruína em proveito próprio.

Espera-nos, camaradas, como já disse, um trabalho tenaz, mas grato: organizar a economia no campo e fortalecer o Poder Soviético. Mas há ajudantes à sua disposição, pois sabemos que a consciência ditará, a cada operário e a cada camponês que vive de seu próprio trabalho, que fora do Poder Soviético é impossível salvar-se da fome e do desastre. É nós podemos salvar a Rússia. Todos os dados provam que na Rússia existe trigo, e haveria trigo se se fizesse em tempo seu inventário, e se ele fosse distribuído equitativamente. Se passarem os olhos sobre os infinitos espaços da Rússia e sobre a desorganização das ferrovias, se convencerão de que precisamos reforçar o controle e a distribuição do trigo existente, pois a fome nos ataca a todos. Isto pode ser conseguido com uma só condição: que cada operário, cada camponês, cada cidadão compreenda que ele próprio, e só ele, pode ajudar-se. Ninguém os ajudará, camaradas. toda a burguesia, os funcionários e sabotadores, são seus adversários, pois eles sabem que, se o povo distribui entre si este patrimônio popular, que se encontrava até agora nas mãos dos capitalistas e dos culaques, limpará a Rússia de parasitas e ervas daninhas. Por isso agruparam todas as forças contra os trabalhadores, desde Kaledin e Dutov até a sabotagem e o suborno dos elementos marginais, ou dos que simplesmente estão cansados e são incapazes de se opor, por velha rotina, ao costume explorador da burguesia. Hoje subornam soldados inconscientes e ignorantes para organizar assaltos às adegas; amanhã, os administradores de ferrovias para reter os comboios enviados à capital; mais tarde, aos armadores para reter as barcaças que transportam trigo, etc. Mas quando o povo compreender que somente a organização lhe permitirá estreitar suas fileiras e estabelecer uma disciplina fraternal, nenhuma velhacaria da burguesia será perigosa para ele.

Esta é a sua tarefa, camaradas; para isso devem orientar a união, a organização e o estabelecimento do Poder Soviético. Lá, nos povoados, encontrarão camponeses «burgueses», culaques, que tentarão acabar com o Poder Soviético. Será fácil lutar contra eles, porque a massa estará ao seu lado. Ela verá que do centro do país não se enviam ao campo expedições punitivas, mas agitadores que levam a luz aos povoados, para unir estreitamente em cada um deles os que trabalham, os que não viveram à custa de outros.

Tomemos o problema da terra: a terra foi declarada patrimônio do povo, e se está pondo fim a todas as formas de propriedade. Com isso, deu-se um grande passo adiante na abolição da exploração.

Neste terreno se travará a luta entre os ricaços e os camponeses trabalhadores, e é preciso ajudar os camponeses pobres, não de uma maneira livresca, mas com a experiência, com a própria luta. Arrancamos a terra aos latifundiários, não para que vá parar nas mãos dos ricaços e dos culaques, mas para que a recebam os camponeses pobres. Isto lhes granjeará a simpatia deles.

É preciso cuidar igualmente de que os instrumentos agrícolas e as máquinas não fiquem nas mãos dos culaques e dos ricaços. Devem pertencer ao Poder Soviético e ser entregues em usufruto temporário às massas trabalhadoras, através dos comitês regionais. É as próprias massas trabalhadoras devem atentar para que estas máquinas não se convertam em meio de enriquecimento dos culaques e sejam utilizadas somente para a lavra de suas terras.

Qualquer camponês os ajudará em seu difícil trabalho. Expliquem no campo que é necessário impor limites aos culaques e aos parasitas. É preciso distribuir os produtos corretamente, de modo proporcional, para que seja o povo trabalhador quem goze os frutos do trabalho popular. É ao ricaço que estenda sua garra ávida para os bens do povo, é preciso contrapor dez trabalhadores.

A receita dos sovietes é de 8 bilhões de rublos, enquanto os gastos sobem a 28 bilhões. Como é natural, em tais condições nos arrebentaremos, se não somos capazes de arrastar esta carroça do Estado, que o regime tzarista afundou no barro.

A guerra exterior terminou ou está terminando. É uma questão decidida. Agora começa a guerra interior. A burguesia, ocultando em suas arcas o que saqueou, pensa tranquilamente: «Não importa, esconder-nos-emos à espera da nossa hora». O povo deve segurar este «gatuno» e obrigá-lo a devolver o que saqueou. este trabalho tem que ser realizado por vocês em cada lugar. Não se pode deixar que eles se escondam, a fim de que não nos arruíne a catástrofe completa. Não é a polícia — morta e enterrada — que deve obrigá-los a devolver o que roubaram; isso deve ser feito pelo próprio povo, pois não há outro meio de lutar contra eles.

Tinha razão um velho bolchevique que explicava a um cossaco o que é o bolchevismo.

Quando o cossaco lhe perguntou: «É verdade que vocês, os bolcheviques, saqueiam?», o velho respondeu: «Sim, nós saqueamos o que foi saqueado».

Nos nos afundaremos neste mar se não tirarmos dessas arcas tudo o que está escondido, tudo o que foi saqueado no decorrer de anos de desavergonhada e criminosa exploração.

Dentro em pouco aprovaremos no Comitê Executivo Central uma lei estabelecendo um novo imposto sobre os proprietários; mas vocês mesmos devem aplicá-la, nos diferentes lugares, para que a mão do trabalhador caia sobre cada centena de rublos reunidos durante a guerra. Não devem fazê-lo com armas na mão: a guerra com as armas terminou, enquanto que esta outra guerra apenas começa.

A força dos exploradores não derrubará nossa revolução se realizarmos, agora, o trabalho, organizadamente, pois atrás de nós e conosco está todo o proletariado mundial.


Inclusão: 11/02/2022