VIII Congresso do PCR(b)(N88)

V. I. Lénine

18-23 de Março 1919

Link Avante

Publicado: em 22 e 25 de Março e 1 e 2 de Abril no Pravda nº 62, 64, 70 e 71
Fonte: Obras Escolhidas em seis tomos, Edições "Avante!", 1979, t3, pp 89-130.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.38, pp. 151-173, 174-184, 187-205, 207-210.
Transcrição e HTML: Manuel Gouveia
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo.

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RELATÓRIO SOBRE O PROGRAMA DO PARTIDO
19 DE MARÇO

(Aplausos.) Camaradas: de acordo com a distribuição dos temas acordada com o camarada Bukhárine, compete-me esclarecer o ponto de vista da comissão sobre toda uma série de pontos concretos e mais discutidos ou que neste momento mais interessam ao partido.

Começarei brevemente com os pontos que o camarada Bukhárine abordou no final do seu relatório como pontos de divergência entre nós no seio da comissão. O primeiro refere-se ao carácter da estrutura da parte geral do programa. Em meu entender, o camarada Bukhárine não expôs aqui com toda a exactidão porque é que a maioria da comissão rejeitou todas as tentativas de redigir o programa suprimindo tudo o que se dizia acerca do velho capitalismo. O camarada Bukhárine falou de um modo que por vezes decorria das suas palavras que a maioria da comissão receava aquilo que se diria, receava que a maioria da comissão fosse acusada de insuficiente respeito pelo passado. Não há dúvida de que, exposta desse modo a posição da maioria da comissão, ela aparece bastante ridícula. Mas isso está longe da verdade. A maioria da comissão rejeitou essas tentativas porque elas seriam erradas. Não corresponderiam à verdadeira situação. O imperialismo puro, sem a base fundamental do capitalismo, nunca existiu, não existe em parte alguma e nunca existirá. Isso é uma generalização errada de tudo quanto se disse acerca dos consórcios, dos cartéis, dos trusts, do capitalismo financeiro, quando o capitalismo financeiro era descrito como se sob ele não houvesse nenhuma das bases do velho capitalismo.

Isto é errado. Isto será particularmente errado para a época da guerra imperialista e para a época posterior à guerra imperialista. Já Engels escrevia numa das suas reflexões sobre a guerra futura que ela provocaria devastações muito mais cruéis do que as causadas pela guerra dos Trinta Anos(N89), que a humanidade desceria em grau considerável ao selvagismo, que o nosso aparelho artificial do comércio e da indústria se desmoronaria(N90). No princípio da guerra, os sociais-traidores e os oportunistas gabavam-se da vitalidade do capitalismo e ridicularizavam os «fanáticos ou semianarquistas», como eles nos chamavam. «Vejam - diziam -, essas predições não se realizaram. Os acontecimentos demonstraram que elas eram justas só em relação a uma parte muito pequena dos países e por um período de tempo muito curto!» Mas hoje, não só na Rússia e não só na Alemanha, mas também nos países vencedores, começa precisamente um desmoronamento gigantesco do capitalismo moderno, que muito frequentemente elimina este aparelho artificial e ressuscita o velho capitalismo.

Quando o camarada Bukhárine dizia que se podia tentar apresentar um quadro integral do desmoronamento do capitalismo e do imperialismo, nós na comissão objectámos contra isto, e eu devo objectar aqui: experimentai e vereis que não conseguireis. O camarada Bukhárine fez tal tentativa lá, na comissão, e desistiu por si próprio. Estou plenamente convencido de que se houvesse alguém capaz de fazê-lo, seria em primeiro lugar o camarada Bukhárine, que se ocupou muito e muito pormenorizadamente desta questão. Eu afirmo que tal tentativa não pode ter êxito, porque o problema é falso. Nós estamos a viver agora na Rússia as consequências da guerra imperialista e o começo da ditadura do proletariado. Ao mesmo tempo, em toda uma série de regiões da Rússia, que estiveram isoladas umas das outras mais do que anteriormente, vivemos frequentemente o renascimento do capitalismo e o desenvolvimento do seu primeiro estádio. Não é possível fugir disto. Se o programa fosse escrito como queria o camarada Bukhárine, seria um programa errado. No melhor dos casos reproduziria o que de melhor se disse acerca do capitalismo financeiro e do imperialismo, mas não reproduz a realidade, porque nesta realidade precisamente não existe tal integralidade. Um programa composto por partes heterogéneas é deselegante (mas isto, naturalmente, não tem importância), mas qualquer outro programa seria simplesmente errado. Por mais desagradável que isso seja, por muito desarmonioso que seja, não escaparemos a esta heterogeneidade, a esta construção com materiais diversos, durante um período muito longo. Quando conseguirmos escapar a ela, então elaboraremos outro programa. Mas então viveremos já na sociedade socialista. Seria ridículo pretender que as coisas serão então como agora.

Vivemos numa época em que renasceram toda uma série dos mais elementares fenómenos fundamentais do capitalismo. Basta considerar o colapso dos transportes, que sentimos tão bem, ou, mais exactamente, tão mal, sobre nós próprios. Isto acontece também em outros países, mesmo nos países vencedores. E que significa o colapso dos transportes no sistema capitalista? - O regresso às formas mais primitivas da produção mercantil. Nós sabemos muito bem o que são os mechótchniki(1*). Ao que parece, os estrangeiros não compreendiam até agora esta palavra. E agora? Falai com os camaradas que vieram para o Congresso da III Internacional. Verifica-se que na Alemanha e na Suíça começam a aparecer palavras idênticas. E não é possível incluir esta categoria em nenhuma ditadura do proletariado, e será preciso voltar aos alvores da sociedade capitalista e da produção mercantil.

Escapar a esta triste realidade pela criação de um programa acabado e integral significa escapar para algo de etéreo, para além das nuvens, redigir um programa errado. E não foi de modo nenhum o respeito pelo passado, como polidamente insinuava o camarada Bukhárine, que nos obrigou a introduzir aqui passagens do velho programa. As coisas seriam assim: o programa foi redigido em 1903 com a participação de Lénine; o programa, sem dúvida, é mau, mas como o que mais agrada aos velhos é recordar o passado, acontece que, por respeito pelo passado, se elaborou, numa época nova, um novo programa no qual se repete o velho. Se assim fosse, era caso para rir de pessoas tão extravagantes. Eu afirmo que não é assim. O capitalismo que era descrito em 1903 continua a subsistir em 1919 na república proletária soviética, precisamente em consequência da decomposição do imperialismo, em consequência da sua falência. É o capitalismo que podemos encontrar, por exemplo, nas províncias de Samara e Viatka, não muito afastadas de Moscovo. Numa época em que a guerra civil dilacera o país, não sairemos tão cedo desta situação, da existência dos mechótchniki. Eis porque outra estrutura do programa seria errada. Há que dizer as coisas tal como elas são: o programa deve conter aquilo que é absolutamente indiscutível, aquilo que efectivamente foi comprovado, e só então será um programa marxista.

Teoricamente, o camarada Bukhárine compreende-o perfeitamente e diz que o programa deve ser concreto. Mas uma coisa é compreender e outra é aplicar na prática. O concreto no camarada Bukhárine é uma exposição livresca do capitalismo financeiro. Na realidade observamos fenómenos heterogéneos. Em cada província agrícola, ao lado da indústria monopolizada observamos a livre concorrência. Em nenhuma parte do mundo existiu nem existirá capitalismo monopolista sem a livre concorrência numa série de sectores. Descrever tal sistema seria descrever um sistema afastado da vida e errado. Se Marx dizia da manufactura que ela era uma superstrutura da pequena produção em massa(N91), o imperialismo e o capitalismo financeiro são superstruturas do velho capitalismo. Se se destrói a parte superior, aparece o velho capitalismo. Defender o ponto de vista de que existe um imperialismo integral, sem o velho capitalismo, é tomar os desejos por realidade.

É um erro natural, no qual é muito fácil incorrer. E se tivéssemos perante nós um imperialismo integral, que tivesse transformado radicalmente o capitalismo, a nossa tarefa seria cem mil vezes mais fácil. Teríamos um sistema no qual tudo estaria subordinado apenas ao capital financeiro. Então só teríamos que eliminar a parte superior e colocar o resto nas mãos do proletariado. Isto seria extraordinariamente agradável, mas isto não existe na realidade. Na realidade, o desenvolvimento é tal que nos obriga a proceder de modo completamente diferente. O imperialismo é uma superstrutura do capitalismo. Quando aquele se desmorona, vemo-nos perante a cúpula derrubada e os fundamentos descobertos. Eis porque o nosso programa, se quer ser exacto, deve dizer aquilo que existe. Existe o velho capitalismo, que numa série de ramos se desenvolveu até se transformar em imperialismo. As suas tendências são exclusivamente imperialistas. Os problemas essenciais só podem ser examinados do ponto de vista do imperialismo. Não existe nenhuma questão importante de política interna ou externa que possa resolver-se doutro modo que não seja do ponto de vista desta tendência. O programa agora não fala disso. Na realidade existe um imenso subsolo do velho capitalismo. Existe a superstrutura do imperialismo que conduziu à guerra, e desta guerra resultou o começo da ditadura do proletariado. Não podereis escapar a esta fase. Este facto caracteriza o próprio ritmo do desenvolvimento da revolução proletária em todo o mundo e permanecerá um facto durante muitos anos.

É possível que as revoluções da Europa ocidental se realizem duma maneira mais fácil, mas, não obstante, a reorganização de todo o mundo, a reorganização da maioria dos países, exigirá muitos e muitos anos. E isto quer dizer que no período de transição que atravessamos não podemos escapar a esta realidade variegada. Esta realidade, composta por elementos heterogéneos, não pode ser afastada, por mais deselegante que seja, não se lhe pode tirar nada. Seria errado o programa redigido de modo diferente do que está redigido.

Dizemos que chegámos à ditadura. Mas é preciso saber como chegámos. O passado retém-nos, agarra-nos com milhares de mãos e não nos deixa dar um passo em frente ou obriga-nos a dar estes passos tão mal como estamos a fazer. E nós dizemos: para compreender a situação em que nos encontramos é preciso dizer como caminhámos, o que é que nos trouxe até à própria revolução socialista. Trouxe-nos o imperialismo, trouxe-nos o capitalismo nas suas formas primitivas de economia mercantil. É necessário compreender tudo isto, porque só tendo em conta a realidade poderemos resolver problemas como, por exemplo, o da atitude em relação ao campesinato médio. Com efeito, donde pôde surgir o camponês médio na época do capitalismo puramente imperialista? Mesmo nos países simplesmente capitalistas ele não existia. Se formos resolver o problema da nossa atitude para com este fenómeno quase medieval (o campesinato médio), encarando-o exclusivamente do ponto de vista do imperialismo e da ditadura do proletariado, não conseguiremos de modo nenhum ligar ponta com ponta, e faremos muitos galos na cabeça. Mas, se precisamos de modificar a nossa atitude para com o campesinato médio, então tenham a bondade de dizer também, na parte teórica, de onde vem ele e o que é ele. É um pequeno produtor de mercadorias. Este é o á-bê-cê do capitalismo que é preciso dizer, porque ainda não saímos deste á-bê-cê. Eludir isto e dizer: «Para quê aprender o á-bê-cê, quando já estudámos o capitalismo financeiro?», é uma absoluta falta de seriedade.

O mesmo devo dizer em relação à questão nacional. Também aqui o camarada Bukhárine toma o desejo por realidade. Diz que não se pode reconhecer o direito das nações à autodeterminação. A nação é a burguesia juntamente com o proletariado. Nós, proletários, reconheceremos o direito dessa burguesia desprezível à autodeterminação! Isto não está de acordo com nada! Não, desculpem, isto está de acordo com aquilo que existe. Se excluís isto, caireis na fantasia. Referis-vos ao processo de diferenciação que tem lugar no seio da nação, o processo de separação entre o proletariado e a burguesia. Mas vejamos ainda como se fará essa diferenciação.

Tomemos, por exemplo, a Alemanha, modelo de país capitalista avançado, que no aspecto da organização do capitalismo, do capitalismo financeiro, estava acima da América. Ela estava abaixo em muitos aspectos, no aspecto da técnica e da produção, no aspecto político, mas no aspecto da organização do capitalismo financeiro, no aspecto da transformação do capitalismo monopolista em capitalismo monopolista de Estado, a Alemanha estava acima da América. Pareceria um modelo. E que se passa ali? Diferenciou-se o proletariado alemão da burguesia? Não! As informações dizem que só em algumas grandes cidades a maioria dos operários está contra os adeptos de Scheidemann. Mas como se passou isto? Por meio da aliança dos spartakistas com os três vezes malditos mencheviques independentes alemães, que confundem tudo e querem casar o sistema dos Sovietes com a Constituinte! Isto é o que acontece mesmo nessa Alemanha! E trata-se dum país avançado.

O camarada Bukhárine diz: «Para que precisamos do direito das nações à autodeterminação?» Devo repetir aquilo que lhe objectei quando ele, no Verão de 1917, propôs que se pusesse de lado o programa mínimo e se mantivesse apenas o programa máximo. Respondi então: «Não te vanglories ao partir para a guerra; fá-lo antes no regresso.» Quando tivermos conquistado o poder e ao fim de algum tempo fá-lo-emos. Conquistámos o poder, esperámos um pouco, e agora estou de acordo em fazê-lo. Passámos inteiramente à construção socialista, repelimos a primeira investida que nos ameaçava; isso agora é oportuno. O mesmo se pode dizer quanto ao direito das nações à autodeterminação. «Quero reconhecer apenas o direito das classes trabalhadoras à autodeterminação», diz o camarada Bukhárine. Isto significa que você quer reconhecer aquilo que na realidade ainda não se alcançou em nenhum país, excepto na Rússia. É ridículo.

Vejamos a Finlândia: um país democrático, mais desenvolvido, mais culto do que nós. Nela tem lugar um processo de separação, de diferenciação do proletariado de modo peculiar, muito mais doloroso que no nosso país. Os finlandeses sofreram a ditadura da Alemanha, agora sofrem a ditadura das potências aliadas. Mas graças ao facto de que nós reconhecemos o direito das nações à autodeterminação, o processo de diferenciação foi ali facilitado. Recordo-me muito bem da cena em que, no Smólni(N92), tive que entregar a acta a Svinhufvud(N93) que, traduzido em russo, significa «cabeça de porco» -, representante da burguesia finlandesa, que desempenhou um papel de verdugo. Apertou-me a mão amavelmente e trocámos cumprimentos. Que desagradável que foi! Mas era preciso fazê-lo, porque então aquela burguesia enganava o povo, enganava as massas trabalhadoras dizendo que os moscovitas, os chauvinistas, os grão-russos, queriam estrangular os finlandeses. Era preciso fazê-lo.

Não tivemos que fazer ontem a mesma coisa com a República da Bachquíria(N94)? Quando o camarada Bukhárine dizia: «Pode-se reconhecer esse direito a alguns», pude mesmo anotar que na sua lista figuravam os hotentotes, bosquímanos e indianos. Ao ouvir esta enumeração, pensava: como pôde o camarada Bukhárine esquecer-se duma ninharia, esquecer-se dos bachquires? Na Rússia não existem bosquímanos, nem ouvi dizer que os hotentotes tenham pretendido ter a sua república autónoma; mas temos bachquires, quirguises e toda uma série de outros povos aos quais não podemos negar esse reconhecimento. Não o podemos negar a nenhum dos povos que vivem dentro das fronteiras do antigo Império Russo. Admitamos mesmo que os bachquires derrubassem os exploradores e que nós ajudássemos a fazê-lo. Mas isto só é possível se a revolução tiver alcançado a plena maturidade. E é preciso fazê-lo com cuidado, para não entravarmos com a nossa intervenção esse mesmo processo de diferenciação do proletariado que devemos acelerar. Que podemos nós então fazer em relação a povos como os quirguises, usbeques, tadjiques e turcomanos, que ainda hoje se encontram sob a influência dos seus mollahs? Entre nós, na Rússia, depois duma longa experiência com os popes, a população ajudou-nos a derrubá-los. Mas vós sabeis como até agora se tem aplicado mal o decreto sobre o casamento civil. Podemos nós dirigir-nos a esses povos e dizer-lhes: «Nós derrubaremos os vossos exploradores»? Não podemos fazê-lo porque eles estão completamente dominados pelos seus mollahs. É preciso esperar o desenvolvimento da nação em questão, a diferenciação do proletariado relativamente aos elementos burgueses, o que é inevitável.

O camarada Bukhárine não quer esperar. Deixa-se dominar pela impaciência: «Para quê? Se nós derrubámos a burguesia e instaurámos o Poder Soviético e a ditadura do proletariado, para que vamos actuar assim?» Isto funciona como um apelo animador, contém uma indicação do nosso caminho, mas se no programa nos limitamos apenas a proclamar isto, não será um programa, mas uma proclamação. Nós podemos proclamar o Poder Soviético, a ditadura do proletariado e o maior desprezo pela burguesia, que mil vezes o merece, mas no programa é preciso escrever com absoluta precisão aquilo que existe. Teremos assim um programa irrefutável.

Mantemo-nos num ponto de vista estritamente de classe. Aquilo que escrevemos no programa é o reconhecimento do que aconteceu na realidade depois da época em que escrevemos sobre a autodeterminação das nações em geral. Então ainda não existiam repúblicas proletárias. Quando elas surgiram, e só à medida que surgiram, pudemos escrever aquilo que aqui escrevemos: «União federativa de Estados, organizados segundo o tipo soviético.» O tipo soviético não são ainda os Sovietes tal como existem na Rússia, mas o tipo soviético está a tornar-se internacional. Isto é a única coisa que podemos dizer. Ir mais além, avançar mais um passo, mais um milímetro, já seria errado e por isso não serviria para o programa.

Nós dizemos: é necessário ter em consideração o grau em que se encontra uma nação determinada no caminho que vai do medievalismo à democracia burguesa e da democracia burguesa à democracia proletária. Isto é absolutamente correcto. Todas as nações têm direito à autodeterminação, não vale a pena falar especialmente dos hotentotes e dos bosquímanos. A gigantesca maioria, talvez nove décimos de toda a população da terra, talvez 95%, cabe dentro desta caracterização, pois todos os países se encontram no caminho que vai do medievalismo à democracia burguesa ou da democracia burguesa à proletária. É um caminho absolutamente inevitável. Não é possível dizer mais, porque seria incorrecto, porque não seria aquilo que existe. Rejeitar a autodeterminação das nações e incluir a autodeterminação dos trabalhadores é totalmente incorrecto, porque tal formulação da questão não tem em conta as dificuldades, as vias tortuosas, que segue a diferenciação no seio das nações. Na Alemanha ela segue uma via diferente da nossa. Em alguns aspectos é mais rápida, noutros aspectos é uma via mais lenta e sangrenta. No nosso país nenhum partido aceitou uma ideia tão monstruosa como a de combinar os Sovietes com a Constituinte. Ora nós temos que viver ao lado dessas nações. Os adeptos de Scheidemann já dizem agora que nós queremos conquistar a Alemanha. Isto é, naturalmente, ridículo e absurdo. Mas a burguesia tem os seus interesses e a sua imprensa, que em centenas de milhões de exemplares o grita a todo o mundo, e Wilson, em seu próprio interesse, apoia-o. Os bolcheviques têm, dizem, um grande exército e querem, por meio da conquista, implantar o seu bolchevismo na Alemanha. Os melhores homens da Alemanha - os spartakistas - disseram-nos que se atiçam os operários alemães contra os comunistas: vejam, diz-se, como as coisas vão mal entre os bolcheviques! E não podemos dizer que as coisas entre nós vão muito bem. E os nossos inimigos na Alemanha agem sobre as massas com o argumento de que a revolução proletária na Alemanha significaria as mesmas desordens que na Rússia. As nossas desordens são uma doença nossa, de longa duração. Lutamos com dificuldades desesperadas ao criar no nosso país a ditadura do proletariado. Enquanto a burguesia ou a pequena burguesia, ou mesmo uma parte dos operários alemães, se encontrarem sob a influência do espantalho de que «Os bolcheviques querem estabelecer o seu regime pela violência», até esse momento a fórmula «autodeterminação dos trabalhadores» não facilitará a situação. Devemos fazer com que os sociais-traidores alemães não possam dizer que os bolcheviques impõem o seu sistema universal, que pretensamente pode ser levado a Berlim nas baionetas dos soldados vermelhos. E era o que podia resultar do ponto de vista da negação do princípio da autodeterminação das nações.

O nosso programa não deve falar de autodeterminação dos trabalhadores, porque isso é errado. Deve falar daquilo que existe. Uma vez que as nações se encontram em diferentes graus do caminho do medievalismo à democracia burguesa, e da democracia burguesa à proletária, esta tese do nosso programa é absolutamente exacta. Tivemos neste caminho demasiados ziguezagues. Cada nação deve obter o direito à autodeterminação, o que contribui para a autodeterminação dos trabalhadores. Na Finlândia o processo de separação entre o proletariado e a burguesia desenvolve-se duma maneira notavelmente clara, forte e profunda. Ali tudo se passará, em qualquer caso, de modo diferente de entre nós. Se nós disséssemos que não reconhecemos nenhuma nação finlandesa, mas apenas as massas trabalhadoras, isso seria o maior dos absurdos. Não se pode deixar de reconhecer aquilo que existe: a realidade obrigar-nos-á ela própria a reconhecê-la. Nos diversos países, a demarcação do proletariado e da burguesia segue vias próprias. Neste caminho temos que actuar com extrema prudência. Devemos ser especialmente prudentes em relação às diferentes nações, porque não há pior coisa que a desconfiança duma nação. Entre os polacos processa-se a autodeterminação do proletariado. Eis os últimos números sobre a composição do Soviete de deputados operários de Varsóvia(N95): sociais-traidores polacos, 333; comunistas, 297. Isto mostra que ali, segundo o nosso calendário revolucionário, Outubro já não está longe. Ali está-se em Agosto ou Setembro de 1917. Mas, em primeiro lugar, não foi publicado ainda decreto que obrigue todos os países a viver de acordo com o calendário revolucionário bolchevique, e se fosse publicado não seria cumprido. Em segundo lugar, actualmente a situação é tal que a maioria dos operários polacos, mais avançados e cultos que os nossos, adopta o ponto de vista do social-defensismo, do social-patriotismo. É preciso esperar. Aqui não se pode falar de autodeterminação das massas trabalhadoras. Devemos fazer propaganda a favor dessa diferenciação. Isso fazemo-lo, mas não há sombra de dúvida de que não se pode deixar de reconhecer neste momento a autodeterminação da nação polaca. Isto é claro. O movimento proletário polaco segue o mesmo caminho que o nosso, caminha para a ditadura do proletariado, mas não como na Rússia. E ali assustam os operários dizendo-lhes que os moscovitas, os grão-russos, que sempre oprimiram os polacos, querem introduzir na Polónia o seu chauvinismo grão-russo, encoberto com a designação de comunismo. Não é pela violência que se introduz o comunismo. Um dos melhores camaradas entre os comunistas polacos, quando eu lhe disse: «Vocês farão de modo diferente», respondeu-me: «Não, nós faremos o mesmo mas faremos melhor que vocês.» Não tive absolutamente nada para objectar a este argumento. É preciso conceder-lhes a possibilidade de realizar esse modesto desejo: fazer um Poder Soviético melhor do que o nosso. Não é possível deixar de ter em conta que o caminho a seguir tem ali algumas peculiaridades e não se pode dizer: «Abaixo o direito das nações à autodeterminação! Concedemos o direito à autodeterminação apenas às massas trabalhadoras.» Esta autodeterminação segue vias muito complicadas e difíceis. Ela não existe em parte alguma, com excepção da Rússia, e não se deve, prevendo todos os estádios do desenvolvimento dos outros países, decretar nada de Moscovo. Eis por que esta proposta é inaceitável por princípio.

Passo aos pontos seguintes que me compete esclarecer, de acordo com o plano elaborado entre nós. Coloquei em primeiro lugar a questão dos pequenos proprietários e do camponês médio. O parágrafo 47 diz a este respeito:

«Em relação ao campesinato médio, a política do PCR consiste em integrá-los gradual e planificadamente no trabalho da construção socialista. O partido coloca-se como tarefa afastá-los dos kulaques, atraí-los para o lado da classe operária, mediante uma atitude atenta para com as suas necessidades, combatendo o seu atraso com medidas de influência ideológica e nunca com medidas repressivas, procurando, em todos os casos em que sejam afectados os seus interesses vitais, estabelecer acordos práticos com eles, fazendo-lhes concessões na determinação dos métodos de aplicação das transformações socialistas.»

Parece-me que formulamos aqui aquilo que os fundadores do socialismo disseram muitas vezes em relação ao campesinato médio. A insuficiência deste ponto reside apenas em ser insuficientemente concreto. Num programa dificilmente poderíamos dar mais. Mas no congresso não se deve colocar apenas questões programáticas, e devemos conceder à questão do campesinato médio uma atenção particular, triplamente particular. Temos dados segundo os quais nas insurreições que se verificaram em alguns lugares é claramente visível um plano geral, e este plano está claramente ligado ao plano militar dos guardas brancos, que decidiram para Março a ofensiva geral e a organização duma série de insurreições. A presidência do congresso tem um projecto de apelo ao congresso, que vos será comunicado(N96). Estas insurreições mostram-nos com a maior clareza que os socialistas-revolucionários de esquerda e uma parte dos mencheviques - em Briansk foram os mencheviques que trabalharam para a insurreição - desempenham o papel de agentes directos dos guardas brancos. Ofensiva geral dos guardas brancos, insurreições nos campos, interrupção do tráfego ferroviário: não se conseguirá, ao menos deste modo, derrubar os bolcheviques? É aqui que aparece de forma particularmente clara, particularmente vital e insistente, o papel do campesinato médio. No Congresso devemos não só sublinhar de modo especial a nossa atitude transigente em relação ao campesinato médio, mas também pensar em toda uma série de medidas, o mais concretas possível, que dêem pelo menos algumas vantagens directas ao campesinato médio. Estas medidas são insistentemente exigidas tanto pelos interesses da nossa própria conservação como pelos interesses da luta contra todos os nossos inimigos, que sabem que o camponês médio vacila entre nós e eles, e que procuram afastá-lo de nós. A nossa situação é neste momento tal que dispomos de reservas imensas. Sabemos que tanto a revolução polaca como a húngara amadurecem muito rapidamente. Essas revoluções dar-nos-ão reservas proletárias, aliviarão a nossa situação e fortalecerão enormemente a nossa base proletária, que no nosso país é fraca. Isto pode acontecer nos meses mais próximos, mas não sabemos quando acontecerá. Sabeis que agora começou um momento agudo, e por isso agora a questão do campesinato médio adquire uma enorme importância prática.

Quereria deter-me seguidamente no tema da cooperação - é o §48 do nosso programa. Até certo ponto, este parágrafo envelheceu. Quando o redigimos na comissão, existia no país a cooperação, mas não havia comunas de consumidores, mas alguns dias depois saiu o decreto da fusão de todas as formas de cooperação numa única comuna de consumo. Não sei se este decreto foi publicado e se a maioria dos presentes o conhece. Senão, amanhã ou depois será publicado(N97). Neste sentido, este parágrafo já envelheceu, mas parece-me que ele é apesar de tudo necessário, pois todos nós sabemos bem que dos decretos à sua aplicação há uma distância considerável. Já andamos à volta das cooperativas desde Abril de 1918, e, embora tenhamos conseguido um êxito considerável, não é ainda decisivo. Atingimos por vezes uma união da população em cooperativas em tais proporções que 98% da população rural em muitos uézdi já estão agrupados. Mas estas cooperativas, que existiam na sociedade capitalista, estão totalmente impregnadas do espírito da sociedade burguesa e a sua direcção encontra-se nas mãos dos mencheviques e socialistas-revolucionários, de especialistas burgueses. Não fomos ainda capazes de submetê-las à nossa influência, e aqui a nossa tarefa está por resolver. O nosso decreto marca um passo em frente no sentido da criação das comunas de consumo, decreta que em toda a Rússia todas as formas de cooperação devem fundir-se. Mas até este decreto, mesmo se o aplicarmos integralmente, deixará subsistir no seio da futura comuna de consumo a secção autónoma da cooperação operária, porque os representantes das cooperativas operárias, que conhecem as coisas na prática, nos disseram e demonstraram que a cooperação operária, como organização mais desenvolvida, deve ser conservada, na medida em que a sua acção é provocada pela necessidade. Tivemos no partido muitas divergências e discussões a propósito da cooperação, houve fricções entre os bolcheviques que trabalham nas cooperativas e os bolcheviques que trabalham nos Sovietes. Em princípio parece-me que a questão deve ser resolvida, sem qualquer dúvida, no sentido de que este aparelho, o único que o capitalismo tinha preparado entre as massas, o único que actua entre as massas camponesas, que permanecem ainda no estádio do capitalismo primitivo, deve ser conservado a todo o custo, deve ser desenvolvido e, em qualquer caso, não deve ser rejeitado. Aqui a tarefa é difícil, porque na maioria dos casos as cooperativas têm como chefes especialistas burgueses, frequentemente verdadeiros guardas brancos. Daí surge o ódio contra eles, ódio legítimo, daí surge a luta iniciada contra eles. Mas é preciso, naturalmente, travá-la duma forma hábil: é preciso acabar com as intenções contra-revolucionárias dos cooperadores, mas a luta não deve ser dirigida contra o aparelho da cooperação. Devemos submeter a nós o próprio aparelho, eliminando estes elementos contra-revolucionários. Aqui a tarefa coloca-se precisamente como em relação aos especialistas burgueses, que é outra questão a que desejo referir-me.

A questão dos especialistas burgueses suscita muitas fricções e desacordos. Quando intervim há dias no Soviete de Petrogrado, entre as perguntas escritas que me fizeram, várias eram consagradas à questão dos vencimentos. Perguntaram-me: será possível, numa república socialista, pagar até 3000 rublos? Em suma, incluímos esta questão no programa, porque o descontentamento que ela provocou foi bastante longe. A questão dos especialistas burgueses coloca-se no exército, na indústria, nas cooperativas, coloca-se em toda a parte. É uma questão muito importante do período de transição do capitalismo para o comunismo. Só poderemos construir o comunismo quando, mediante os meios da ciência e da técnica burguesas, o tornarmos mais acessível às massas. Não há outro modo de construir a sociedade comunista. E para a construir deste modo é preciso tomar o aparelho da burguesia, é preciso atrair para o trabalho todos estes especialistas. No programa desenvolvemos intencionalmente esta questão em pormenor, para que ela seja radicalmente resolvida. Sabemos perfeitamente o que significa o atraso cultural na Rússia, o que ele faz ao Poder Soviético, que em princípio deu uma democracia proletária incomparavelmente mais elevada, que deu um modelo desta democracia para todo o mundo, sabemos como esta falta de cultura avilta o Poder Soviético e engendra a burocracia. Em palavras, o aparelho soviético é acessível a todos os trabalhadores, mas de facto, como todos sabemos, está muito longe de ser acessível para todos. E não porque as leis o impeçam, como acontecia sob a burguesia: as nossas leis, pelo contrário, favorecem-no. Mas as leis só por si não bastam. É necessário um enorme trabalho educativo, organizativo e cultural, que não pode ser feito pela lei, rapidamente, que exige um trabalho imenso e prolongado. Esta questão dos especialistas burgueses deve ser resolvida no actual congresso duma maneira absolutamente precisa. Essa solução dará a possibilidade aos camaradas, que indubitavelmente seguem com atenção os trabalhos do congresso, de se apoiarem na sua autoridade e de ver com que dificuldades deparamos. Ajudará os camaradas que a cada passo deparam com esta questão a tomar parte, pelo menos, no trabalho de propaganda.

Os camaradas representantes dos spartakistas no congresso, aqui em Moscovo, contaram-nos que na Alemanha ocidental, onde a indústria está mais desenvolvida, onde é maior a influência dos spartakistas entre os operários, os engenheiros e directores de muitas das empresas mais importantes, embora ali ainda não tivessem triunfado os spartakistas, aproximavam-se dos spartakistas e diziam-lhes: «Iremos convosco.» Isto não aconteceu no nosso país. E evidente que ali o nível cultural mais elevado dos operários, uma maior proletarização do pessoal técnico e talvez toda uma série de outras causas que não conhecemos, criaram ali relações um tanto diferentes das nossas.

Em todo o caso, este é um dos principais obstáculos ao nosso avanço. Necessitamos agora mesmo, sem esperar a ajuda dos outros países, imediatamente e agora mesmo, de aumentar as forças produtivas. Não o podemos fazer sem especialistas burgueses. É preciso dizê-lo duma vez para sempre. Naturalmente, a maioria desses especialistas está impregnada até à medula da concepção do mundo burguesa. É preciso rodeá-los duma atmosfera de colaboração fraternal, de comissários operários, de células comunistas, colocá-los numa situação em que não possam escapar-se, mas é preciso dar-lhes a possibilidade de trabalhar em melhores condições que sob o capitalismo, pois esta camada, educada pela burguesia, não trabalhará de outro modo. Não é possível fazer trabalhar pela força toda uma camada social; nós experimentámo-lo bem na prática. É possível obrigá-los a não participar activamente na contra-revolução, pode-se intimidá-los de forma que não se atrevam a estender a mão aos apelos dos guardas brancos. A este respeito os bolcheviques actuam com energia. Isso pode-se fazer e nós fazemo-lo suficientemente. Todos aprendemos a fazê-lo. Mas não é possível por esse método obrigar a trabalhar toda uma camada social. Esta gente está habituada a um trabalho cultural, impulsionaram-no nos quadros do regime burguês, isto é, enriqueceram a burguesia com imensas aquisições materiais, mas davam-nas ao proletariado em doses ínfimas. Mas, não obstante, impulsionaram a cultura, nisto consistia a sua profissão. E à medida que vêem que a classe operária promove camadas organizadas e avançadas que não só apreciam a cultura, como também contribuem para a levar às massas, mudam de atitude em relação a nós. Quando um médico vê que, na luta contra as epidemias, o proletariado desperta a iniciativa dos trabalhadores, adopta para connosco já uma atitude totalmente diferente. No nosso país existe uma grande camada destes médicos, engenheiros, agrónomos e cooperadores burgueses, e, quando eles virem na prática que o proletariado integra nesta obra massas cada vez mais amplas, serão vencidos moralmente, e não apenas cortados politicamente da burguesia. A nossa tarefa tornar-se-á então mais fácil. Então integrar-se-ão por si próprios no nosso aparelho e tornar-se-ão uma parte dele. Para isso é preciso fazer sacrifícios. Pagar para isso nem que seja dois mil milhões de rublos é uma bagatela. Seria pueril recear este sacrifício, pois significaria não compreender as tarefas que temos perante nós.

A desorganização dos transportes, a desorganização da indústria e da agricultura, minam a própria existência da República Soviética. Aqui devemos adoptar as medidas mais enérgicas que ponham em tensão ao máximo todas as forças do país. Não devemos seguir em relação aos especialistas uma política de pequenas tricas. Estes especialistas não são servidores dos exploradores, são homens cultos que na sociedade burguesa serviam a burguesia, e dos quais os socialistas de todo o mundo disseram que, na sociedade proletária, nos servirão a nós. Neste período de transição devemos dar-lhes, na medida do possível, as melhores condições de existência. Esta será a melhor política, a maneira mais económica de administrar. Doutro modo nós, economizando algumas centenas de milhares de rublos, podemos perder tanto que já não possamos recuperar o perdido nem com milhares de milhões.

Quando discutimos a questão dos vencimentos com o comissário do trabalho, camarada Schmidt, ele apontou os factos seguintes. Ele disse que nós fizemos pela igualização dos salários aquilo que não fez em parte nenhuma nem pode fazer durante dezenas de anos nenhum país burguês. Vejamos os vencimentos de antes da guerra: um trabalhador manual recebia um rublo por dia, ou seja, 25 rublos por mês, e um especialista recebia 500 rublos por mês, sem contar aqueles a quem se pagavam centenas de milhares de rublos. O especialista recebia vinte vezes mais que o operário. A variação dos nossos vencimentos actuais vai de 600 a 3000 rublos - a diferença é apenas de um para cinco. Fizemos muito no que respeita à igualização. É certo que hoje pagamos demasiado aos especialistas, mas pagar-lhes um excedente pela sua ciência não só vale a pena como é obrigatório e teoricamente necessário. Em minha opinião, no programa esta questão é tratada de forma bastante pormenorizada. É necessário sublinhá-la fortemente. É preciso resolvê-la aqui, não apenas do ponto de vista dos princípios, mas proceder de modo a que todos os congressistas, de regresso às suas localidades, nos relatórios às suas organizações, em toda a sua actividade, consigam que ela seja aplicada. Já conseguimos produzir no seio da intelectualidade vacilante uma enorme viragem. Se ontem falávamos de legalizar os partidos pequeno-burgueses e hoje prendemos os mencheviques e os socialistas-revolucionários, isso quer dizer que nestas vacilações aplicamos um sistema perfeitamente determinado. Através dessas vacilações passa uma linha única e muito firme: cortar a contra-revolução e utilizar o aparelho cultural burguês. Os mencheviques são os piores inimigos do socialismo, porque se vestem com roupagens proletárias, mas os mencheviques são uma camada não proletária. Nesta camada existe apenas um ínfimo estrato superior proletário, mas ela própria é composta pela pequena intelectualidade. Esta camada está a passar para o nosso lado. Nós conquistá-la-emos toda, como camada. Sempre que eles vêm para nós, dizemos-lhes: «Bem-vindos». Em cada uma dessas vacilações, uma parte deles junta-se a nós. Assim aconteceu com os mencheviques, com os novojiznistas(N98), com os socialistas-revolucionários; assim acontecerá com todos estes elementos vacilantes, que durante muito tempo ainda vão dificultar os nossos passos, choramingar e passar de um campo para outro; com eles não há nada a fazer. Mas nós, através de todas essas vacilações, receberemos as camadas dos intelectuais cultos nas fileiras dos trabalhadores soviéticos e eliminaremos os elementos que continuem a apoiar os guardas brancos.

Outra das questões que, segundo a distribuição dos temas acordada, me compete tratar, é a questão do burocratismo e da integração das amplas massas no trabalho soviético. Há muito tempo que se ouvem queixas contra o burocratismo, queixas indubitavelmente fundamentadas. Na luta contra o burocratismo, nós fizemos o que nenhum outro Estado do mundo fez. Aniquilámos até aos seus fundamentos esse aparelho, aparelho que era totalmente burocrático e de opressão burguesa, e que o continua a ser mesmo nas repúblicas burguesas mais livres. Consideremos, por exemplo, os tribunais. Aqui a tarefa era certamente mais fácil, aqui não era necessário criar um novo aparelho, pois todos podem julgar na base do sentimento revolucionário do direito das classes trabalhadoras. Estamos aqui ainda muito longe de ter levado a obra até ao fim, mas em toda uma série de aspectos fizemos dos tribunais aquilo que eles devem ser. Criámos órgãos nos quais podem participar sem excepção não só os homens mas também as mulheres, que constituíam o sector da população mais atrasado e mais inerte.

Os empregados dos outros ramos da administração são burocratas mais empedernidos. Aqui a tarefa é mais difícil. Não podemos viver sem este aparelho, todos os ramos da administração criam a necessidade de tal aparelho. Sofremos aqui as consequências do facto de que a Rússia era um país com um insuficiente desenvolvimento capitalista. Na Alemanha isso será provavelmente mais fácil, porque o seu aparelho burocrático passou por uma melhor escola, na qual espremem as pessoas até à medula, mas onde obrigam a trabalhar e não a gastar os assentos das cadeiras, como acontece nas nossas administrações. Dispersámos estes velhos elementos burocráticos, remexemo-los e depois começámos de novo a colocá-los em novos lugares. Os burocratas tsaristas começaram a passar para as instituições soviéticas e a praticar o burocratismo, a disfarçar-se de comunistas e, para assegurar um maior êxito na sua carreira, a obter cartões do PCR. Assim, expulsos pela porta, voltam a entrar pela janela. Aqui o que mais se faz sentir é a insuficiência de forças cultas. Poderíamos despedir estes burocratas, mas não é possível reeducá-los de repente. O que se nos coloca aqui antes de mais nada são tarefas organizativas, culturais e educativas.

Só quando toda a população participar na administração se poderá lutar contra o burocratismo até ao fim, até à vitória completa. Nas repúblicas burguesas isto não só não é possível como a própria lei o impede. As melhores repúblicas burguesas, por mais democráticas que sejam, têm milhares de entraves legislativos que impedem a participação dos trabalhadores na administração. Fizemos com que estes entraves não se mantivessem no nosso país, mas até hoje não conseguimos que as massas trabalhadoras possam participar na administração: além da lei existe ainda o nível cultural, que não pode ser submetido a nenhuma lei. Este baixo nível cultural faz com que os Sovietes, sendo pelo seu programa órgãos de administração pelos trabalhadores, são de facto órgãos de administração para os trabalhadores pela camada avançada do proletariado, mas não pelas massas trabalhadoras.

Aqui temos perante nós uma tarefa que só pode ser resolvida por meio de um longo trabalho de educação. Agora esta tarefa é excessivamente difícil porque, como já tive ocasião de indicar por mais de uma vez, a camada de operários que administra é excessivamente, incrivelmente pequena. Temos de obter reforços. Segundo todos os indícios, tal reserva cresce dentro do país. A enorme sede de conhecimentos e os enormes êxitos alcançados no campo da instrução, adquirida a maior parte das vezes pela via extra-escolar, o êxito gigantesco na instrução das massas trabalhadoras, não deixam lugar à menor dúvida. Este êxito não cabe em quaisquer quadros escolares, mas é um êxito colossal. Todos os indícios dizem que num futuro próximo obteremos uma enorme reserva, que tomará o lugar dos representantes desta pequena camada do proletariado excessivamente carregada de trabalho. Mas, em qualquer caso, agora a nossa situação é a este respeito extraordinariamente difícil. A burocracia foi vencida. Os exploradores foram eliminados. Mas o nível cultural não subiu, e por isso os burocratas ocupam os seus antigos postos. Só se pode fazer recuar a burocracia mediante a organização do proletariado e do campesinato numa escala consideravelmente mais vasta que até agora, a par da aplicação efectiva de medidas tendentes a integrar os operários na administração. Todos conheceis estas medidas no domínio de cada comissariado do povo, e não me deterei nelas.

O último ponto que me resta tratar é o papel dirigente do proletariado e a privação do direito de voto. A nossa Constituição reconhece a preponderância do proletariado sobre o campesinato e priva os exploradores do direito de voto(N99). Foi este o ponto que mais atacaram os democratas puros da Europa ocidental. Nós respondíamos-lhes e respondemos-lhes que se esqueceram das teses mais fundamentais do marxismo, que esqueceram que nos seus países se trata da democracia burguesa, enquanto nós passámos à democracia proletária. Não há no mundo um único país que tenha feito sequer a décima parte do que fez a República Soviética nos últimos meses pelos operários e os camponeses pobres no sentido de os integrar na administração do Estado. Isto é uma verdade absoluta. Ninguém poderá negar que para a democracia de facto e não no papel, para a integração dos operários e camponeses, nós fizemos aquilo que não fizeram nem podiam fazer em centenas de anos as melhores repúblicas democráticas. Foi isso que determinou a importância dos Sovietes, graças a isso os Sovietes tornam-se uma palavra de ordem do proletariado de todos os países.

Mas isto de modo nenhum nos impede de chocar com a cultura insuficiente das massas. A questão da privação do direito de voto da burguesia não a interpretamos de modo nenhum de um ponto de vista absoluto, porque teoricamente é perfeitamente admissível que a ditadura do proletariado reprima a burguesia a cada passo, mas possa não privar a burguesia do direito de voto. Teoricamente isto é plenamente concebível, e precisamente por isso também não propomos a nossa Constituição como modelo para os outros países. Dizemos apenas que aquele que concebe a transição para o socialismo sem a repressão da burguesia não é socialista. Mas se é indispensável reprimir a burguesia como classe, não é indispensável privá-la do direito de voto e da igualdade. Nós não queremos liberdades para a burguesia, não reconhecemos a igualdade entre exploradores e explorados, mas encaramos esta questão no programa de tal modo que medidas do tipo da desigualdade entre operários e camponeses não são de modo nenhum prescritas na Constituição. A Constituição estabeleceu-as depois de terem sido aplicadas na prática. Não foram sequer os bolcheviques que elaboraram a Constituição Soviética, foram os mencheviques e os socialistas-revolucionários que a elaboraram contra si mesmos antes da revolução bolchevique. Elaboraram-na como a elaborou a própria vida. A organização do proletariado realizou-se muito mais depressa que a organização do campesinato, o que fez dos operários o apoio da revolução e lhes deu de facto a preponderância. A tarefa seguinte consiste em passar gradualmente desta preponderância à sua igualização. Ninguém, nem antes nem depois da Revolução de Outubro, expulsou a burguesia dos Sovietes. A própria burguesia saiu dos Sovietes.

É assim que se coloca a questão do direito de voto da burguesia. A nossa tarefa consiste em colocar esta questão com toda a clareza. Não nos desculpamos de modo nenhum pela nossa conduta, mas enumeramos os factos com absoluta precisão, tal como eles são. Como assinalámos, a nossa Constituição foi obrigada a incluir essa desigualdade, porque o nível cultural é fraco, porque a nossa organização é fraca. Mas não transformamos isto num ideal, mas, pelo contrário, o partido compromete-se no programa a trabalhar sistematicamente pela supressão desta desigualdade entre o proletariado mais organizado e o campesinato. Suprimiremos esta desigualdade logo que consigamos elevar o nível cultural. Então poderemos prescindir dessas restrições. Já hoje, depois de escassos 17 meses de revolução, essas restrições têm muito pouca importância na prática.

Estes são, camaradas, os pontos essenciais em que considerei necessário deter-me na discussão geral do programa, para deixar para a discussão a sua apreciação mais aprofundada. (Aplausos.)

2
DISCURSO DE ENCERRAMENTO ACERCA DO RELATÓRIO SOBRE O PROGRAMA DO PARTIDO
19 DE MARÇO

(Aplausos.) Camaradas: Nesta parte da questão não pude repartir a tarefa por consulta prévia com o camarada Bukhárine duma forma tão pormenorizada como o fizemos em relação ao relatório. Talvez não houvesse mesmo necessidade disso. Parece-me que os debates que decorreram aqui mostraram sobretudo uma coisa: a ausência de qualquer contraproposta definida e formalizada. Falou-se muito de pontos particulares, de modo fragmentário, mas não houve nenhuma contraproposta. Deter-me-ei nas principais objecções, que se dirigiram em primeiro lugar contra a parte introdutória. O camarada Bukhárine disse-me que pertence ao número daqueles que defendem a ideia de que se pode unir na introdução a caracterização do capitalismo e a caracterização do imperialismo num todo coerente, mas que, na falta disso, teremos que aceitar o projecto existente.

Muitos dos oradores manifestaram o ponto de vista - manifestou-o de modo particularmente decidido o camarada Podbélski - de que o projecto, na forma em que vos é apresentado, é errado. As provas do camarada Podbélski foram extremamente estranhas. Por exemplo, a de que no primeiro parágrafo a revolução é chamada revolução de tal data. Não sei por que motivo isso lembrou ao camarada Podbélski que mesmo esta revolução é numerada. Posso dizer que no Conselho de Comissários do Povo manuseamos muitos papéis numerados, o que é muitas vezes cansativo, mas para quê trazer também aqui essa impressão? Com efeito, que tem que ver aqui o número? Nós fixamos a data da festa e comemoramo-la. Como se poderá negar que o poder foi tomado precisamente em 25 de Outubro? Se procurais modificar isso, será artificial. Se lhe chamais revolução de Outubro-Novembro, permitireis assim que se diga que ela não se fez num dia. Mas, naturalmente, ela decorreu durante um período mais prolongado - não em Outubro, nem em Novembro, nem sequer num ano. O camarada Podbélski atacou o facto de num parágrafo se falar da revolução social futura. Com base nisso pintou o programa quase como um atentado à «honra de sua majestade» a revolução social. Estamos em plena revolução social e falam-nos dela no futuro! Tal argumento é claramente inconsistente, pois no nosso programa trata-se da revolução social à escala mundial.

Dizem-nos que abordamos a revolução do ponto de vista económico. Isso é ou não é necessário? Aqui numerosos camaradas que se deixam levar pela paixão chegaram até a falar no sovnarkhoz(2*) mundial e na subordinação de todos os partidos nacionais ao Comité Central do PCR. Ao camarada Piatakov pouco faltou para dizê-lo. [Piatakov (do lugar): «Pensa que isso seria mau?»] Se ele faz agora a observação de que isto seria bastante bom, devo responder que se no programa houvesse qualquer coisa de semelhante, não seria necessário criticá-lo: os autores de tal proposta derrotar-se-iam a si próprios. Estes camaradas que se deixam levar pela paixão não tiveram em conta que no programa devemos partir daquilo que existe. Um desses camaradas, creio que Sunitsa, que criticou muito energicamente o programa, dizendo que era pobre, etc., um desses camaradas que se deixam levar pela paixão disse que não pode concordar que deva haver o que existe, e propõe que o que deve haver é aquilo que não existe. (Risos.) Penso que, pelo seu erro evidente, esta formulação da questão provoca um riso legítimo. Eu não disse que deve haver só aquilo que existe. Disse que devemos partir daquilo que está absolutamente estabelecido. Devemos dizer e demonstrar aos proletários e camponeses trabalhadores que a revolução comunista é inevitável. Alguém disse aqui que não se deve dizer isso? Se alguém experimentasse fazer semelhante proposta, ser-lhe-ia demonstrado que não é assim. Ninguém disse nem dirá nada de semelhante, pois é um facto indubitável que o nosso partido chegou ao poder apoiando-se não apenas no proletariado comunista, mas também em todo o campesinato. Vamos limitar-nos a dizer a todas essas massas que vêm agora connosco: «A obra do partido é apenas realizar a edificação socialista. A revolução comunista está feita, realizai vós o comunismo»? Tal ponto de vista é inteiramente inconsistente, é teoricamente errado. O nosso partido absorveu directamente, e ainda mais indirectamente, milhões de pessoas que agora compreendem a questão da luta de classes, a questão da transição do capitalismo para o comunismo.

Agora pode dizer-se - e, naturalmente, não há nisso qualquer exagero - que em parte alguma, em nenhum outro país, a população trabalhadora se interessou tanto pela questão da transformação do capitalismo em socialismo como actualmente no nosso. No nosso país pensa-se nisso muito mais do que em qualquer outro país. Não deverá o partido dar resposta a esta questão? Devemos demonstrar cientificamente como se operará esta revolução comunista. Neste aspecto todas as restantes propostas ficam-se por metade. Ninguém quis suprimir isto por completo. Falou-se de modo vago: talvez se possa reduzir, não citar o velho programa, pois que ele é errado. Mas, se era errado, como teríamos podido basear-nos nele durante tantos anos do nosso trabalho? Talvez tenhamos um programa comum quando se constituir a República Soviética mundial, mas até então ainda escreveremos certamente alguns programas. Mas escrevê-los agora, quando existe apenas uma República Soviética no lugar do velho Império Russo, seria prematuro. Nem sequer a Finlândia, que sem dúvida se encaminha para uma República Soviética, a realizou ainda; a Finlândia, que se distingue de todos os restantes povos que povoavam o antigo Império Russo por ter maior cultura. De maneira que pretender agora dar no programa a expressão de um processo acabado seria o maior dos erros. Isto seria o mesmo que incluir no nosso programa o sovnarkhoz mundial. Entretanto, nós próprios ainda não conseguimos habituar-nos a esta palavra bárbara de «sovnarkhoz», e há casos de estrangeiros, segundo se diz, que procuram nos guias para ser ver existe essa estação. (Risos.) Não podemos decretar para todo o mundo estas palavras.

Para ser internacional o nosso programa deve ter em conta os elementos de classe economicamente característicos de todos os países. É característico de todos os países que o capitalismo ainda se está a desenvolver em muitos lugares. Isto é verdade para toda a Ásia, para todos os países que passam à democracia burguesa, é verdade também para toda uma série de partes da Rússia. O camarada Ríkov, que conhece muito bem os factos no domínio da economia, falou-nos da nova burguesia existente no nosso país. Isto é verdade. Ela não nasce apenas entre os nossos funcionários soviéticos - pode nascer também aí, em número insignificante -, nasce entre o campesinato e os artesãos libertos do jugo dos bancos capitalistas e cortados actualmente do transporte ferroviário. Isto é um facto. De que modo quereis eludi-lo? Com isso não fareis mais do que alimentar as vossas ilusões, ou introduzir um livro insuficientemente meditado numa realidade muito complexa. Ela demonstra-nos que mesmo na Rússia a economia mercantil capitalista vive, actua e se desenvolve, gera a burguesia como em qualquer sociedade capitalista.

O camarada Ríkov disse: «Lutamos contra a burguesia que nasce no nosso país porque a economia camponesa ainda não desapareceu, e esta economia gera a burguesia e o capitalismo.» Não possuímos dados exactos sobre isto, mas que isto acontece, é indubitável. Em todo o mundo a República Soviética só existe por agora nos limites do antigo Império Russo. Ela cresce e desenvolve-se numa série de países, mas ainda não existe em nenhum outro país. Por isso pretender no nosso programa aquilo que ainda não alcançámos é uma fantasia, é querer escapar a uma realidade desagradável que nos mostra que as dores de parto da república socialista noutros países serão indubitavelmente muito mais duras do que as que nós sofremos. Para nós foi fácil porque legalizámos em 26 de Outubro de 1917 aquilo que os camponeses exigiam nas resoluções dos socialistas-revolucionários. Isso não acontece em nenhum outro país. O camarada suíço e o camarada alemão disseram que na Suíça os camponeses se armaram contra os grevistas como nunca, e que na Alemanha não se nota a menor aragem de liberdade nos campos no sentido do aparecimento de Sovietes de operários agrícolas e pequenos camponeses. No nosso país, depois dos primeiros meses de revolução, os Sovietes de deputados camponeses estenderam-se a quase todo o país. Nós, um país atrasado, criámo-los. Aqui coloca-se um problema gigantesco que os povos capitalistas ainda não resolveram. E em que é que nós somos uma nação capitalista exemplar? Até 1917 ainda tínhamos sobrevivências do regime de servidão. Mas nenhuma nação de estrutura capitalista mostrou ainda como se resolve esta questão na prática. Nós alcançámos o poder em condições excepcionais, quando o jugo do tsarismo obrigou a realizar com grande vigor uma transformação radical e rápida, e soubemos apoiar-nos nestas condições excepcionais durante vários meses em todo o campesinato no seu conjunto. Este é um facto histórico. Pelo menos até ao Verão de 1918, até à formação dos comités de camponeses pobres, mantivemo-nos como poder porque nos apoiámos em todo o campesinato no seu conjunto. Em nenhum país capitalista isso é possível. E este facto económico fundamental que vós esqueceis quando falais de refazer radicalmente todo o programa. Sem isto o vosso programa não assentará numa base científica.

Temos a obrigação de partir da tese marxista, por todos reconhecida, de que o programa deve ser edificado sobre uma base científica. Deve explicar às massas como surgiu a revolução comunista, porque é que ela é inevitável, qual a sua importância, a sua essência, a sua força, o que é que ela deve resolver. O nosso programa deve ser um guia para a agitação, um guia como foram todos os programas, como foi, por exemplo, o Programa de Erfurt(N100). Cada parágrafo deste programa continha centenas de milhares de discursos e artigos de agitadores. No nosso programa cada parágrafo é aquilo que deve saber, assimilar e compreender cada trabalhador. Se ele não compreender o que é o capitalismo, se ele não compreender que o pequeno campesinato e a economia artesanal geram inevitável e obrigatoriamente esse capitalismo de modo permanente, se não compreender isto, embora se declare cem vezes comunista e alardeie o mais radical comunismo, esse comunismo não vale um tostão. Nós só apreciamos o comunismo quando ele é economicamente fundamentado.

A revolução socialista modificará muitas coisas mesmo em alguns países avançados. O modo de produção capitalista continua a existir em todo o mundo, conservando muitas vezes as suas formas menos desenvolvidas, apesar de que o imperialismo reuniu e concentrou o capital financeiro. Em nenhum país, nem mesmo no mais desenvolvido, se pode encontrar o capitalismo exclusivamente sob a sua forma mais perfeita. Mesmo na Alemanha não existe nada de semelhante. Quando nós reuníamos materiais referentes às nossas tarefas concretas, o camarada responsável pelo Departamento Central de Estatística informou que na Alemanha o camponês alemão tinha escondido dos serviços de abastecimento 40% dos seus excedentes de batatas. Num Estado capitalista, no qual o capitalismo se encontra em pleno desenvolvimento, continuam a existir pequenas propriedades camponesas com pequena venda livre, com pequena especulação. Tais factos não se podem esquecer. Encontrar-se-ão muitos entre os trezentos mil membros do partido aqui representados que compreendam completamente esta questão? Seria presunção ridícula supor que, como nós, que tivemos a sorte de redigir o projecto, que sabemos tudo isso, a massa dos comunistas também chegou até aqui. Não, eles necessitam deste á-bê-cê, precisam dele cem vezes mais do que nós, pois não pode haver comunismo em pessoas que não assimilaram, que não conseguiram compreender o que é o comunismo e o que é a economia mercantil. Em cada dia, em cada questão de política económica prática, de abastecimentos, agrícola ou referente ao Conselho Superior da Economia Nacional, chocamos com estes factos da pequena economia mercantil. E não devíamos falar disto no programa! Se assim procedêssemos só demonstraríamos que não sabemos resolver esta questão, que o êxito da revolução no nosso país se explica por condições excepcionais.

Vêm ao nosso país camaradas da Alemanha para estudar as formas do regime socialista. E nós devemos proceder de modo a demonstrar aos camaradas estrangeiros a nossa força, para que eles vejam que na nossa revolução não nos afastamos um milímetro da realidade, para lhes fornecer materiais que serão irrefutáveis para eles. Seria ridículo apresentar a nossa revolução como um ideal para todos os países, imaginar que ela fez toda uma série de descobertas geniais e introduziu um montão de inovações socialistas. Nunca ouvi ninguém dizê-lo e afirmo que nunca ouviremos ninguém. Temos a experiência prática da realização dos primeiros passos para destruir o capitalismo num país em que existe uma relação particular entre o proletariado e o campesinato. Nada mais. Se imitarmos a rã, bufando e inchando, faremos rir todo o mundo, seremos uns simples fanfarrões.

Educámos o partido do proletariado com base no programa marxista, e da mesma maneira devemos educar as dezenas de milhões de trabalhadores que há no nosso país. Reunimo-nos aqui como dirigentes ideológicos e devemos dizer às massas: «Educámos o proletariado e partimos, sempre e antes de mais nada, de uma análise económica precisa.» Esta tarefa não é assunto do manifesto. O manifesto da III Internacional é um apelo, uma proclamação, uma chamada de atenção para aquilo que temos pela frente, um apelo aos sentimentos das massas. Procurai demonstrar cientificamente que tendes uma base económica e que não construís na areia. Se não podeis fazê-lo, não vos ponhais a redigir um programa. E, para o fazer não podemos actuar de outra maneira senão realizando tudo aquilo que vivemos durante 15 anos. Se há 15 anos dissemos que caminhávamos para a futura revolução social, e agora chegámos a ela, isto enfraquece-nos? Isto reforça-nos e revigora-nos. Tudo se reduz a que o capitalismo passa a imperialismo, e o imperialismo leva ao começo da revolução socialista. Isto é fastidioso e demorado e nenhum país capitalista passou ainda por este processo. Mas é necessário assinalar este processo no programa.

Eis porque as objecções teóricas que foram feitas não resistem nem a uma sombra de crítica. Não duvido de que se puséssemos a trabalhar três ou quatro horas por dia dez ou vinte literatos experientes na exposição das suas ideias, ao fim de um mês redigiriam um programa melhor, mais completo. Mas exigir que isso se faça em um ou dois dias, como disse o camarada Podbélski, é ridículo. Não trabalhámos um ou dois dias e nem sequer duas semanas. Repito, se se pudesse escolher para um mês uma comissão de trinta pessoas e pô-la a trabalhar várias horas por dia, sem que, além disso, as incomodassem as chamadas telefónicas, não há duvida de que fariam um programa cinco vezes melhor. Mas aqui ninguém contestou o fundo da questão. Um programa que não fale das bases da economia mercantil e do capitalismo não será um programa marxista internacional. Para ser internacional, não lhe basta proclamar a República Soviética mundial ou a supressão das nações, como declarou o camarada Piatakov: não há necessidade de quaisquer nações, o que é necessário é a união de todos os proletários. Naturalmente, isto é uma coisa maravilhosa, e há-de ser assim, mas num estádio totalmente diferente do desenvolvimento comunista. O camarada Piatakov diz com ostensiva superioridade: «Em 1917 éreis atrasados e agora avançastes.» Avançámos quando colocámos no programa aquilo que começou a corresponder à realidade. Quando dissemos que as nações avançam da democracia burguesa para o poder proletário, dissemos aquilo que existe, e em 1917 isso era aquilo que desejáveis.

Quando existir entre nós e os spartakistas uma plena confiança fraternal, que é necessária para o comunismo unificado, a confiança fraternal que nasce em cada dia e talvez se crie dentro de alguns meses, então será inscrita no programa. Mas enquanto isso ainda não existe, proclamá-lo significa atraí-los para aquilo a que eles ainda não chegaram pela sua própria experiência. Dizemos que o tipo soviético adquiriu importância internacional. O camarada Bukhárine mencionou os comités ingleses de delegados de fábrica. Não são de modo nenhum o mesmo que os Sovietes. Eles crescem, mas estão ainda em gestação. Quando vierem ao mundo, então «veremos». Mas dizer que nós oferecemos os Sovietes russos aos operários ingleses não resiste nem a uma sombra de crítica.

Devo deter-me seguidamente na questão da autodeterminação das nações. Esta questão assumiu uma importância exagerada na nossa crítica. Aqui a fraqueza da nossa crítica manifestou-se no facto de que tal questão, que em essência desempenha na estrutura geral do programa, na soma geral das reivindicações programáticas, um papel menos que secundário - esta questão adquiriu na nossa crítica uma importância especial.

Quando o camarada Piatakov falou, eu fiquei espantado, sem saber se eram considerações acerca do programa ou uma discussão entre dois bureaux de organização. Quando o camarada Piatakov disse que os comunistas ucranianos actuam segundo as directivas do CC do PCR(b), não compreendi com que tom o disse. Em tom de pena? Não suspeitaria tal coisa no camarada Piatakov, mas o sentido do seu discurso foi este: para quê todas essas autodeterminações quando existe um excelente Comité Central em Moscovo! Este é um ponto de vista infantil. A Ucrânia estava separada da Rússia por condições excepcionais, e o movimento nacional não criou ali raízes profundas. Onde ele se manifestou os alemães liquidaram-no. Isto é um facto, mas um facto excepcional. Até em relação à língua a questão coloca-se de tal maneira que não se sabe se o ucraniano é uma língua de massas ou não. As massas trabalhadoras das outras nações estavam cheias de desconfiança em relação aos grão-russos, como nação de kulaques e opressores. Isto é um facto. O representante finlandês contou-me que entre a burguesia finlandesa, que odiava os grão-russos, se ouve dizer: «Os alemães mostraram-se mais ferozes, a Entente mostrou-se mais feroz, preferimos os bolcheviques.» Eis a imensa vitória que obtivemos sobre a burguesia finlandesa na questão nacional. Isto não nos impedirá de modo nenhum de lutar contra ela como inimigo de classe, escolhendo para isso os meios adequados. A República Soviética, que se formou no país cujo tsarismo oprimia a Finlândia, deve dizer que respeita o direito à independência das nações. Concluímos um tratado com o governo finlandês vermelho(N101), que existiu durante pouco tempo, e fizemos-lhes certas concessões territoriais, pelas quais ouvi muitas objecções puramente chauvinistas: «Então ali há bons pesqueiros e vós entregaste-los.» São as objecções a respeito das quais eu disse: raspa certos comunistas e encontrarás chauvinistas grão-russos.

Parece-me que este exemplo relativo à Finlândia, tal como o relativo aos bachquires, mostra que na questão nacional não se pode raciocinar procurando a todo o custo a unidade económica. Claro que ela é necessária! Mas devemos consegui-la através da propaganda, da agitação, da união voluntária. Os bachquires desconfiam dos grão-russos porque os grão-russos têm mais cultura e aproveitaram a sua cultura para espoliar os bachquires. Por isso nesses lugares longínquos a palavra «grão-russo» significa para os bachquires «opressor», «trapaceiro». Isto deve ser tido em conta e deve ser combatido. Mas isto é uma coisa demorada. Isto não se pode anular com nenhum decreto. Devemos ser muito prudentes nesta questão. A prudência é particularmente necessária por parte duma nação como a grão-russa, que despertou em todas as outras nações um ódio furioso contra ela, e só agora aprendemos a corrigir isto, e mesmo assim mal. Temos por exemplo, no Comissariado da Instrução Pública ou à volta dele, comunistas que dizem: a escola é única, portanto não se atrevam a ensinar noutra língua que não seja a russa! Penso que semelhante comunista é um chauvinista grão-russo. Ele vive em muitos de nós e devemos combatê-lo.

Por isso devemos dizer às outras nações que somos internacionalistas até ao fim e que procuramos a união voluntária dos operários e camponeses de todas as nações. Isto não exclui de modo algum as guerras. A guerra é uma outra questão, que decorre da essência do imperialismo. Se nós lutamos contra Wilson, e Wilson transforma uma nação pequena em instrumento seu, dizemos que combateremos esse instrumento. Nunca nos pronunciámos contra isto. Jamais dissemos que a república socialista pode existir sem força militar. Em determinadas condições a guerra pode ser uma necessidade. Mas agora, na questão da autodeterminação das nacionalidades, o fundo da questão está em que diversas nações seguem uma via histórica idêntica, mas com ziguezagues e atalhos muito diferentes, e em que as nações mais cultas avançam com toda a certeza de maneira diferente daquelas que são menos cultas. A Finlândia avançou de modo diferente. A Alemanha avança de modo diferente. O camarada Piatakov tem mil vezes razão ao dizer que necessitamos da unidade. Mas é preciso lutar por ela com a propaganda, com a influência do partido, com a criação de sindicatos únicos. Contudo, também aqui não se pode actuar segundo um só padrão. Se suprimíssemos este ponto ou o redigíssemos doutra maneira, riscaríamos do programa a questão nacional. Isso poderia fazer-se se houvesse homens sem particularidades nacionais. Mas tais homens não existem, e não podemos de modo nenhum construir a sociedade socialista doutra maneira.

Penso, camaradas, que o programa proposto aqui deve ser tomado como base, deve ser remetido à comissão, completando-a, com representantes da oposição, ou, melhor dizendo, com os camaradas que fizeram aqui propostas práticas, e esta comissão eleve apresentar: l) as emendas ao projecto enumerado e 2) as objecções teóricas em relação às quais não pode haver acordo. Penso que esta será a maneira mais prática de colocar a questão e que nos dará mais rapidamente uma decisão acertada. (Aplausos.)

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RELATÓRIO SOBRE O TRABALHO NO CAMPO
23 DE MARÇO

(Aplausos prolongados.) Camaradas: Devo desculpar-me por não ter podido assistir a todas as reuniões da secção eleita pelo congresso para estudar a questão do trabalho no campo. O meu relatório será por isso completado pelos discursos dos camaradas que participaram nesta secção desde o princípio dos seus trabalhos. A secção elaborou finalmente as teses entregues à comissão e que vos serão submetidas. Quereria deter-me no significado geral da questão tal como ela se colocou perante nós como resultado do trabalho da secção e tal como, em minha opinião, se colocou agora perante o partido no seu conjunto.

Camaradas: É absolutamente natural que no desenvolvimento da revolução proletária tenhamos de colocar em primeiro lugar ora um ora outra das questões mais complexas e importantes da vida social. É absolutamente natural que numa revolução que afecta, e não pode deixar de afectar, as bases mais profundas da vida, as mais amplas massas da população, nenhum partido, nenhum governo, por muito próximo que esteja das massas, está de modo algum em condições de abarcar de uma vez todos os aspectos da vida. E se agora temos de deter-nos na questão do trabalho no campo e desta questão destacar principalmente a situação do campesinato médio, isso nada pode ter de estranho nem de anormal do ponto de vista do desenvolvimento da revolução proletária em geral. É compreensível que a revolução proletária teve que começar pelas relações fundamentais entre duas classes hostis, entre o proletariado e a burguesia. A tarefa fundamental era entregar o poder nas mãos da classe operária, assegurar a sua ditadura, derrubar a burguesia e privá-la das fontes económicas do seu poder, que, incontestavelmente, representam um obstáculo a toda a construção socialista em geral. Todos nós, dado que conhecemos o marxismo, nunca duvidámos da verdade de que na sociedade capitalista, pela própria estrutura económica desta sociedade, a importância decisiva cabe ou ao proletariado ou à burguesia. Agora vemos muitos ex-marxistas - por exemplo, do campo menchevique - afirmar que no período da luta decisiva entre o proletariado e a burguesia pode predominar a democracia em geral. Assim falam os mencheviques, inteiramente coincidentes com os socialistas-revolucionários. Como se não fosse a própria burguesia que cria ou suprime a democracia segundo o que mais lhe convenha! E uma vez que é assim, não se pode sequer falar de democracia em tempo de luta aguda entre a burguesia e o proletariado. Não podemos deixar de surpreender-nos pela rapidez com que esses marxistas ou pseudomarxistas - por exemplo, os nossos mencheviques - pela rapidez com que eles se desmascaram a si próprios, pela rapidez com que se revela a sua verdadeira natureza, a sua natureza de democratas pequeno-burgueses.

Durante toda a sua vida, Marx lutou acima de tudo contra as ilusões da democracia pequeno-burguesa e do democratismo burguês. Marx ridicularizou acima de tudo as palavras ocas acerca da liberdade e da igualdade quando elas encobrem a liberdade dos operários de morrer de fome ou a igualdade entre aquele que vende a sua força de trabalho e o burguês, que, aparentemente, compra livremente e em condições de igualdade no mercado livre a força do seu trabalho, etc. Marx explicou isto em todas as suas obras económicas. Pode dizer-se que todo O Capital de Marx é consagrado a esclarecer a verdade de que as forças fundamentais da sociedade capitalista são e só podem ser a burguesia e o proletariado: a burguesia, como edificadora desta sociedade capitalista, como seu dirigente, como seu motor; o proletariado como seu coveiro, como a única força capaz de substituí-la. É difícil encontrar um único capítulo de qualquer obra de Marx que não seja dedicado a isto. Pode dizer-se que os socialistas de todo o mundo juraram e trejuraram na II Internacional uma infinidade de vezes perante os operários que compreendiam esta verdade. Mas quando as coisas chegaram à luta verdadeira, e além disso decisiva, entre o proletariado e a burguesia pelo poder, vimos que os nossos mencheviques e socialistas-revolucionários, e também os chefes dos velhos partidos socialistas de todo o mundo esqueceram esta verdade e começaram a repetir de modo puramente mecânico as frases filistinas sobre a democracia em geral.

Entre nós procura-se por vezes dar a essas palavras um sentido como que mais «forte», dizendo: «Ditadura da democracia». Isto é já um perfeito absurdo. Sabemos muito bem da história que a ditadura da burguesia democrática não significa mais que a repressão dos operários insurrectos. Assim tem acontecido a partir de 1848, de qualquer modo não mais tarde, mas podemos encontrar também mais cedo exemplos isolados. A história mostra-nos que é precisamente na democracia burguesa que se desenvolve ampla e livremente a luta mais aguda entre o proletariado e a burguesia. Tivemos oportunidade de nos convencer na prática da justeza desta verdade. E se as medidas do Governo Soviético a partir de Outubro de 1917 se distinguiram pela sua firmeza em todas as questões fundamentais, isso é precisamente porque nós nunca nos afastámos desta verdade, nunca a esquecemos. Só a ditadura duma classe - o proletariado - pode decidir a questão na luta contra a burguesia pela dominação. Só a ditadura do proletariado pode derrotar a burguesia. Só o proletariado pode derrubar a burguesia. Só o proletariado pode arrastar atrás de si as massas contra a burguesia.

No entanto, daqui não decorre de modo algum - isso seria um profundíssimo erro - que na edificação ulterior do comunismo, quando a burguesia tiver já sido derrubada, quando o poder político estiver já nas mãos do proletariado, possamos prescindir também no futuro dos elementos médios, intermédios.

É natural que no princípio da revolução - da revolução proletária - toda a atenção dos seus participantes se concentre naquilo que é principal, fundamental: em estabelecer a dominação do proletariado e assegurar essa dominação mediante a vitória sobre a burguesia, assegurar que a burguesia não possa voltar novamente ao poder. Sabemos muito bem que a burguesia continua a manter até hoje vantagens devidas às riquezas que possui noutros países ou que consistem, por vezes mesmo no nosso país, em riqueza monetária. Sabemos bem que existem elementos sociais mais experimentados que os proletários e que ajudam a burguesia. Sabemos muito bem que a burguesia não abandonou a ideia de recuperar o seu poder nem cessou as tentativas de restaurar a sua dominação.

Mas isso está muito longe de ser tudo. A burguesia, que se atém acima de tudo ao princípio de que «a pátria é onde se está bem», a burguesia que no aspecto do dinheiro sempre foi internacional, a burguesia, à escala mundial é ainda hoje mais forte que nós. A sua dominação está a ser rapidamente minada, ela vê exemplos como a revolução húngara - da qual tivemos a felicidade de vos informar ontem e que outras informações vêm confirmar hoje -, começa já a compreender que a sua dominação vacila. Não possui já liberdade de acção. Mas agora, se se considerar os recursos materiais à escala mundial, não se pode deixar de reconhecer que materialmente a burguesia ainda é agora mais forte do que nós.

Por isso nove décimos da nossa atenção, da nossa actividade prática, foram e deviam ser dedicados a esta questão fundamental: derrubar a burguesia, consolidar o poder do proletariado, suprimir qualquer possibilidade de regresso da burguesia ao poder. Isto é perfeitamente natural, legítimo, inevitável, e neste aspecto fizeram-se muitas coisas com êxito.

Agora devemos colocar na ordem do dia a questão das outras camadas. Devemos - esta foi a nossa conclusão geral na secção agrária, e estamos certos de que neste ponto estarão de acordo todos os funcionários do partido, porque não fizemos mais que resumir a experiência das suas observações -, devemos colocar na ordem do dia, em toda a sua amplitude, a questão do campesinato médio.

Haverá naturalmente quem, em vez de estudar a marcha da nossa revolução, em vez de reflectir sobre quais as tarefas que se nos colocam hoje, em vez disto aproveite cada passo do Poder Soviético para o escárnio e as críticas do tipo que observamos nos senhores mencheviques e socialistas-revolucionários de direita. São pessoas que não compreenderam até agora que têm de escolher entre nós e a ditadura burguesa. Temos tido em relação a eles muita paciência e muita benevolência, dar-lhes-emos uma vez mais a possibilidade de pôr à prova essa nossa benevolência, mas num futuro próximo poremos fim a esta paciência c benevolência, e se não fizerem a sua escolha propor-lhes-emos seriamente que vão ter com Koltchak. (Aplausos.) Não esperamos que essa gente tenha dotes intelectuais muito brilhantes. (Risos.) Mas poder-se-ia esperar que, depois de sentirem sobre si próprios a ferocidade de Koltchak, compreendessem que temos direito a exigir-lhes que escolham entre nós e Koltchak. Se nos primeiros meses que se seguiram a Outubro muitos ingénuos tiveram a estupidez de pensar que a ditadura do proletariado era algo passageiro e acidental, agora até os mencheviques e os socialistas-revolucionários deveriam compreender que há algo de logicamente necessário na luta que se trava sob a investida de toda a burguesia internacional.

De facto só duas forças se criaram: a ditadura da burguesia e a ditadura do proletariado. Quem não aprendeu isto lendo Marx, quem não o aprendeu lendo as obras de todos os grandes socialistas, jamais foi socialista, não entende nada do socialismo e apenas se chama a si próprio socialista. A essa gente, damos-lhe um prazo curto para que reflicta e exigimos-lhe que decida esta questão. Se falei deles é porque agora dizem ou dirão: « Os bolcheviques colocaram a questão do campesinato médio, querem namorá-lo.» Sei perfeitamente que este tipo de argumentos e outros piores ocupam amplo espaço na imprensa menchevique. Nós repudiamo-los, jamais daremos importância à charlatanice dos nossos inimigos. Os homens capazes de continuar até hoje a correr entre a burguesia e o proletariado podem dizer o que quiserem. Nós seguimos o nosso caminho.

O nosso caminho é determinado, antes de mais nada, pela avaliação de classe das forças. Na sociedade capitalista desenvolve-se a luta entre a burguesia e o proletariado. Enquanto essa luta não tiver terminado, continuaremos a concentrar a nossa atenção redobrada para a levar até ao fim. Ainda não foi levada até ao fim. Já conseguimos fazer muito nesta luta. Agora a burguesia internacional já não pode actuar com as mãos livres. A melhor prova disso é que eclodiu a revolução proletária húngara. Por isso é claro que a nossa obra de construção no campo saiu já do quadro em que tudo estava subordinado à exigência fundamental da luta pelo poder.

Esta obra de construção atravessou duas fases principais. Em Outubro de 1917 tomámos o poder juntamente com o campesinato no seu conjunto. Era uma revolução burguesa, porquanto não se tinha ainda desenvolvido no campo a luta de classes. Como já disse, só no Verão de 1918 começou a verdadeira revolução proletária no campo. Se não tivéssemos sabido desencadear essa revolução, o nosso trabalho teria sido incompleto. A primeira etapa consistiu em tomar o poder na cidade, em instaurar a forma soviética de governo. A segunda etapa consistiu naquilo que é fundamental para todos os socialistas e sem o qual os socialistas não são socialistas: a diferenciação dos elementos proletários e semiproletários no campo, a sua união com o proletariado urbano para lutar contra a burguesia rural. Esta etapa também já terminou no fundamental. As organizações que inicialmente criámos para isto, os comités de camponeses pobres, consolidaram-se tanto que considerámos possível substituí-las por Sovietes eleitos regularmente, isto é, reorganizar os Sovietes rurais de tal forma que se tornem órgãos de dominação de classe, órgãos do poder proletário no campo. Medidas como a lei sobre o regime socialista da terra e sobre as medidas de transição para a agricultura socialista - aprovada não há muito pelo Comité Executivo Central e que todos naturalmente conhecem - resumem a obra realizada do ponto de vista da nossa revolução proletária.

Fizemos o principal, aquilo que constitui a tarefa primeira e fundamental da revolução proletária. E precisamente porque o fizemos, colocou-se na ordem do dia um problema mais complexo: a atitude em relação ao campesinato médio. Quem pense que a formulação deste problema é algo semelhante ao enfraquecimento do carácter do nosso poder, um enfranquecimento da ditadura do proletariado, uma mudança, ainda que parcial, uma mudança ainda que mínima da nossa política fundamental, não compreenderá absolutamente nada das tarefas do proletariado, das tarefas da revolução comunista. Estou convencido de que no nosso partido não existem tais pessoas. Quis apenas prevenir os camaradas contra pessoas que se encontram fora do partido operário e que falarão assim, não porque isso decorra de alguma concepção do mundo, mas simplesmente para prejudicar a nossa causa e ajudar os guardas brancos, por outras palavras, para excitar contra nós o camponês médio, que sempre vacilou, que não pode deixar de vacilar e vacilará ainda durante muito tempo. Para o excitar contra nós, dir-lhe-ão: «Olhai, eles estão a namorar-vos! Isso significa que tiveram em conta as vossas insurreições, significa que começaram a vacilar», etc., etc. É preciso que todos os nossos camaradas estejam armados contra tal agitação. E estou convencido de que estarão armados se conseguirmos agora formular esta questão do ponto de vista da luta de classes.

É perfeitamente claro que esta questão fundamental constitui um problema mais complexo, mas não menos vital: como determinar com exactidão a atitude do proletariado em relação ao campesinato médio? Camaradas, esta questão não apresenta dificuldades para os marxistas, do ponto de vista teórico, assimilado pela imensa maioria dos operários. Recordarei, por exemplo, que no livro de Kautsky sobre a questão agrária, escrito ainda na altura em que Kautsky expunha correctamente a doutrina de Marx e era considerado uma autoridade indiscutível nesta matéria, neste livro sobre a questão agrária ele diz a propósito da transição do capitalismo para o socialismo: a tarefa do partido socialista consiste em neutralizar o campesinato, isto é, em conseguir que o camponês permaneça neutral na luta entre o proletariado e a burguesia, que o camponês não possa prestar à burguesia uma ajuda activa contra nós.

Durante o longo período de dominação da burguesia, o campesinato apoiava o seu poder, estava ao lado da burguesia. O que é compreensível, se se tiver em conta a força económica da burguesia e os meios políticos da sua dominação. Não podemos esperar que o camponês médio se coloque imediatamente ao nosso lado. Mas se seguirmos uma política correcta, ao fim de algum tempo terminarão essas vacilações e o camponês poderá colocar-se ao nosso lado.

Já Engels que, juntamente com Marx, lançou as bases do marxismo científico, isto é, da doutrina pela qual se guia constantemente o nosso partido, e sobretudo durante a revolução - já Engels estabelecia uma subdivisão do campesinato em pequeno, médio e grande, divisão que ainda hoje corresponde à realidade na imensa maioria dos países europeus. Engels dizia: «Talvez não seja necessário reprimir pela violência em toda a parte mesmo o grande campesinato.»(N102) E nenhum socialista sensato pensou jamais que pudéssemos empregar alguma vez a violência contra o campesinato médio (o pequeno é nosso amigo). Assim falava Engels em 1894, um ano antes da sua morte, quando a questão agrária se colocou na ordem do dia. Este ponto de vista mostra-nos uma verdade por vezes esquecida, mas com a qual todos estamos de acordo em teoria. No que se refere aos latifundiários e capitalistas, a nossa tarefa é a expropriação completa. Mas não admitimos nenhumas violências em relação ao campesinato médio. Mesmo em relação ao campesinato rico, não dizemos de forma tão decidida como em relação à burguesia: expropriação absoluta do campesinato rico e dos kulaques. No nosso programa estabelece-se essa diferença. Nós dizemos: repressão da resistência do campesinato rico, repressão das suas intenções contra-revolucionárias. Isto não é a expropriação completa.

A diferença fundamental que determina a nossa atitude em relação à burguesia e ao campesinato médio - expropriação completa da burguesia e aliança com o campesinato médio que não explora outrem - esta linha fundamental é reconhecida em teoria por todos. Mas esta linha na prática não é observada de modo consequente, na base não aprenderam ainda a observá-la. Quando o proletariado, depois de derrubar a burguesia e consolidar o seu próprio poder, empreendeu a obra de criação da nova sociedade nos seus diversos aspectos, a questão do campesinato médio passou para primeiro plano. Nenhum socialista do mundo negou que a edificação do comunismo seguirá caminhos diferentes nos países de grande agricultura e nos países de pequena agricultura. Esta é uma verdade elementar, primária. Desta verdade decorre que, à medida que nos aproximamos das tarefas da edificação do comunismo, devemos concentrar a nossa atenção principal em certa medida exactamente no campesinato médio.

Muito depende da maneira como definirmos a nossa atitude relativamente ao campesinato médio. Esta questão está resolvida do ponto de vista teórico, mas conhecemos perfeitamente, por experiência própria, a diferença entre a solução teórica de uma questão e a aplicação prática dessa solução. Deparámos com esta diferença, tão característica da grande revolução francesa, quando a Convenção francesa brandia grandes medidas, mas não tinha o apoio necessário para aplicá-las, não sabia sequer em que classe devia apoiar-se para aplicar esta ou aquela medida.

Encontramo-nos em condições infinitamente mais favoráveis. Graças a todo um século de desenvolvimento, sabemos em que classe nos apoiamos. Mas sabemos também que a experiência prática desta classe é muito e muito insuficiente. Para a classe operária, para o partido operário, o fundamental estava claro: derrubar o poder da burguesia e dar o poder aos operários. Mas como fazê-lo? Todos recordam com que dificuldades, após quantos erros, passámos do controlo operário à direcção da indústria pelos operários. E tratava-se no entanto de um trabalho dentro da nossa própria classe, dentro do meio proletário, com o qual sempre tivemos de tratar. Agora devemos determinar a nossa atitude em relação a uma nova classe, em relação a uma classe que o operário urbano não conhece. É necessário determinar a nossa atitude em relação a uma classe que não tem uma posição estável, definida. O proletariado na sua massa é pelo socialismo, a burguesia na sua massa é contra o socialismo; determinar as relações entre estas duas classes é fácil. Mas quando passamos a uma camada como o campesinato médio, verifica-se que é uma classe que vacila. Ela é em parte proprietária e em parte trabalhadora. Não explora outros trabalhadores. Durante dezenas de anos viu-se obrigada a defender a sua situação com enorme esforço, experimentou ela própria a exploração dos latifundiários e dos capitalistas, sofreu tudo, mas ao mesmo tempo é proprietária. Por isso a nossa atitude em relação a esta classe vacilante apresenta enormes dificuldades. Baseando-nos na nossa experiência de mais de um ano, em mais de meio ano de trabalho proletário no campo e no facto de que já se produziu a diferenciação de classes no campo, devemos sobretudo evitar aqui a precipitação, a teorização inábil, a pretensão de considerar pronto aquilo que estamos a elaborar, que ainda não elaborámos. Na resolução que vos propõe a comissão eleita pela secção, e que vos será lida por um dos oradores seguintes, encontrareis uma advertência suficiente a este respeito.

Do ponto de vista económico, é claro que devemos ajudar o campesinato médio. Nisto não existe qualquer dúvida do ponto de vista teórico. Mas com os nossos costumes, com o nosso nível cultural, com a nossa insuficiência de forças culturais e técnicas que poderíamos oferecer ao campo e com a incapacidade com que frequentemente nos dirigimos ao campo, os camaradas recorrem frequentemente à coacção, com o que deitam tudo a perder. Ainda ontem um camarada me deu uma brochura intitulada Instruções e regras sobre a organização do trabalho do partido na província da Níjni Nóvgorod, editado pelo comité do PCR (bolchevique) de Níjni Nóvgorod, e nesta brochura leio, por exemplo, na página 41: «O decreto sobre o imposto extraordinário deve recair com todo o seu peso sobre os ombros dos kulaques rurais, dos especuladores e em geral sobre o elemento médio do campesinato». É o que se chama ter «compreendido»! Ou é uma gralha tipográfica, mas deixar passar tais gralhas é intolerável! Ou é um trabalho feito à pressa, precipitadamente, que mostra como é perigosa qualquer precipitação neste assunto. Ou ainda é - e esta é a pior hipótese, que eu não quereria levantar em relação aos camaradas de Níjni Nóvgorod - simplesmente uma incompreensão. É muito provável que seja um simples descuido(N103).

Na prática apresentam-se casos como o que um camarada nos contou na comissão. Um dia foi rodeado por camponeses que lhe perguntaram: «Define se eu sou um camponês médio ou não. Tenho dois cavalos e uma vaca. Tenho duas vacas e um cavalo», etc. E este agitador que anda por todos os distritos deveria dispor de um termómetro infalível para o aplicar ao camponês e dizer se é ou não um camponês médio. Para isso é preciso conhecer toda a história da propriedade desse camponês, a sua atitude para com os grupos inferiores e superiores, e não podemos sabê-lo com exactidão.

Aqui é preciso ter muita habilidade prática, conhecer as condições locais. E isso ainda não o temos. Não devemos envergonhar-nos de confessá-lo; devemos reconhecê-lo abertamente. Jamais fomos utopistas nem imaginámos que íamos edificar a sociedade comunista com as mãos puras de comunistas puros, que devem nascer e educar-se numa sociedade puramente comunista. Isso são contos para crianças. Temos de edificar o comunismo com os escombros do capitalismo, e só a classe temperada na luta contra o capitalismo o pode fazer. O proletariado, como sabeis perfeitamente, não está isento dos defeitos e debilidades da sociedade capitalista. Luta pelo socialismo e, ao mesmo tempo, combate os seus próprios defeitos. A parte melhor e avançada do proletariado, que lutou encarniçadamente nas cidades durante decénios, pôde assimilar nesta luta toda a cultura da vida da cidade, da capital, e até certo ponto assimilou-a. Vós sabeis que o campo, mesmo nos países avançados, foi condenado à ignorância. Naturalmente, nós elevaremos a cultura do campo, mas isto é uma obra de anos e anos. É isto que os nossos camaradas esquecem por toda a parte e é isto que desenhou perante nós com particular relevo cada palavra dos homens das províncias, não dos intelectuais daqui, não dos funcionários - a estes temo-los ouvido muito -, mas de homens que observaram na prática o trabalho no campo. Estas vozes tiveram para nós um valor especial na secção agrária. Estas vozes são especialmente valiosas agora - estou convencido disso - para todo o congresso do partido, pois não são retiradas dos livros ou dos decretos, mas da própria vida.

Tudo isto nos incita a trabalhar no sentido de introduzir a maior clareza possível na nossa atitude em relação ao campesinato médio. Isto é muito difícil, porque esta clareza não existe na vida. Esta questão não só não está resolvida como é insolúvel se se quiser resolvê-la duma só vez e imediatamente. Há pessoas que dizem: «Não se devia escrever tal quantidade de decretos», e censuram o governo soviético por se ter posto a escrever decretos sem saber como levá-los à prática. No fundo essas pessoas não se apercebem de como vão deslizando para o campo dos guardas brancos. Se esperássemos que a redacção de uma centena de decretos fosse mudar toda a vida do campo, seríamos uns rematados idiotas. Mas se renunciássemos a indicar nos decretos o caminho a seguir, seríamos traidores ao socialismo. Estes decretos, que na prática não puderam ser aplicados imediata e integralmente, desempenharam um grande papel para a propaganda. E se anteriormente fazíamos a nossa propaganda com base em verdades gerais, hoje fazemos propaganda com o trabalho. Isto também é propaganda, mas é uma propaganda pela acção, não no sentido de acções isoladas de quaisquer arrivistas, que tanto nos faziam rir na época dos anarquistas e do velho socialismo. O nosso decreto é um apelo, mas não no espírito anterior: «Operários, erguei-vos, derrubai a burguesia!» Não, é um apelo às massas, um apelo à acção prática. Os decretos são instruções que chamam à acção prática de massas. Isso é que é importante. Não importa que contenham muitas coisas inúteis, muitas coisas que não serão aplicadas na prática. Mas há neles material para a acção prática, e a tarefa do decreto consiste em ensinar medidas práticas às centenas, milhares e milhões de homens que escutam a voz do Poder Soviético. São um ensaio de acção prática no terreno da edificação socialista no campo. Se os encararmos assim, obteremos muito da soma das nossas leis, decretos e disposições. Não os encararemos como disposições absolutas que é necessário aplicar imediatamente, custe o que custar.

É preciso evitar tudo quanto possa estimular na prática determinados abusos. Em alguns lugares colaram-se a nós carreiristas, aventureiros, que se chamam a si próprios comunistas e nos enganam, que penetraram nas nossas fileiras porque os comunistas estão actualmente no poder, porque os elementos mais honestos dos «funcionários» não vieram trabalhar connosco em consequência das suas ideias retrógradas, enquanto os arrivistas não têm quaisquer ideias, qualquer honestidade. Esta gente, cuja única aspiração é fazer carreira, emprega nas localidades a coacção e pensa que faz bem. Mas, na prática, isto conduz por vezes a que os camponeses digam: «Viva o Poder Soviético, mas abaixo a comuna!» (isto é, o comunismo). Tais casos não são inventados, mas tomados da vida real, dos relatórios dos camaradas da base. Não devemos esquecer o gigantesco dano que provoca qualquer falta de moderação, qualquer impaciência e precipitação.

Tivemos de apressar-nos a todo o custo para sair, mediante um salto desesperado, da guerra imperialista que nos tinha conduzido à ruína, tivemos de fazer esforços desesperados para esmagar a burguesia e as forças que ameaçavam esmagar-nos a nós. Tudo isso era imprescindível, sem isso não poderíamos ter podido vencer. Mas se se procede do mesmo modo em relação ao campesinato médio, isso será tão idiota, tão estúpido e tão desastroso para a nossa causa que só provocadores podem trabalhar assim conscientemente. A tarefa deve ser aqui colocada de modo completamente diferente. Não se trata aqui de quebrar a resistência dos exploradores notórios, vencê-los e derrubá-los - tarefa que antes nos colocávamos. Não, na medida em que resolvemos esta tarefa principal, colocam-se na ordem do dia tarefas mais complexas. Aqui nada se criará pela violência. A violência em relação ao campesinato médio é muitíssimo prejudicial. Trata-se de uma camada social muito numerosa, de muitos milhões de pessoas. Nem mesmo na Europa, onde ela não atinge em parte nenhuma tanta força, onde a técnica e a cultura, a vida urbana e os caminhos-de-ferro estão desenvolvidos em proporções gigantescas, e onde teria sido mais fácil pensá-lo, ninguém, nem um só dos socialistas mais revolucionários propôs a aplicação de medidas violentas em relação ao campesinato médio.

Quando tomámos o poder, apoiámo-nos em todo o campesinato no seu conjunto. Então todos os camponeses tinham uma só tarefa: lutar contra os latifundiários. Mas ainda hoje continuam a ter preconceitos contra a grande exploração agrícola. O camponês pensa: «Se houver grande exploração agrícola, voltarei a ser jornaleiro.» Isto é errado, naturalmente. Mas a ideia de grande exploração está ligada, na mentalidade do camponês, ao ódio, à recordação de como os latifundiários oprimiram o povo. Este sentimento persiste, ainda não está morto.

Devemos acima de tudo basear-nos na verdade de que aqui não é possível, pela própria natureza do assunto, conseguir nada com os métodos de violência. A tarefa económica apresenta-se aqui de um modo completamente diferente. Aqui não há uma cúpula que se pode cortar, conservando todos os alicerces, todo o edifício. Aqui não existe a cúpula que os capitalistas eram na cidade. Actuar aqui pela violência significa deitar tudo a perder. Aqui é necessário um prolongado trabalho de educação. Devemos dar ao camponês, que não só no nosso país mas em todo o mundo é prático e realista, exemplos concretos para lhe demonstrar que a «comuna» é melhor que tudo. Naturalmente não conseguiremos nada de positivo se aparecem no campo pessoas impacientes, que esvoaçam para ali da cidade, chegam, falam um bocado, promovem algumas intrigas intelectuais, ou mesmo nada intelectuais, e vão-se embora depois de se inimizarem com toda a gente. Isto acontece. Em vez de respeito, eles provocam troça, e merecidamente.

A respeito desta questão, devemos dizer que encorajamos as comunas, mas que elas devem ser organizadas de modo que conquistem a confiança do camponês. Até lá continuaremos a ser alunos dos camponeses e não seus mestres. Nada é mais estúpido do que as pessoas que, sem conhecerem a agricultura nem as suas particularidades, se precipitaram para o campo apenas porque ouviram falar da utilidade das explorações colectivas, porque estão cansados da vida urbana e desejam trabalhar no campo, do que tais pessoas considerarem-se em tudo mestres dos camponeses. Nada é mais estúpido do que a própria ideia da violência no terreno das relações económicas do camponês médio.

A tarefa aqui não consiste em expropriar o camponês médio, mas em ter em conta as condições particulares da vida do camponês, em aprender com o camponês os métodos de passar a um regime melhor e não ousar dar ordens! Esta é a regra que nos impusemos. (Aplausos de todo o congresso.) Esta é a regra que procurámos expor no nosso projecto de resolução, pois a este respeito, camaradas, pecámos de facto bastante. Não nos envergonhamos de o confessar. Não tínhamos experiência. A própria luta contra os exploradores tomámo-la da experiência. Se por vezes nos condenaram por causa dela, podemos dizer: «Senhores capitalistas, sois os culpados disso. Se não tivésseis oferecido uma resistência tão feroz, tão insensata, insolente e desesperada, se não vos tivésseis aliado à burguesia de todo o mundo, a revolução teria assumido formas mais pacíficas.» Agora, depois de termos repelido um ataque raivoso de todos os lados, podemos passar a outros métodos, porque não actuamos como um círculo, mas como um partido que conduz milhões de homens. Milhões de homens não podem compreender imediatamente a mudança de rumo, e por isso a cada passo os golpes contra os kulaques caem sobre o camponês médio. Isto não é surpreendente. O que é preciso é compreender que isto é devido a condições históricas já ultrapassadas, e que as novas condições e as novas tarefas em relação a esta classe exigem uma nova psicologia.

Os nossos decretos em relação às explorações camponesas são basicamente justos. Não temos motivos para renunciar a nenhum deles nem para lamentar um único. Mas se os decretos são justos, é injusto impô-los pela força ao camponês. Em nenhum decreto se fala disso. Eles são justos como caminhos indicados, como apelos a medidas práticas. Quando dizemos: «Encorajai a associação», damos directivas que devem ser experimentadas muitas vezes para encontrar a forma definitiva da sua aplicação. Uma vez que se disse que é necessário conseguir o assentimento voluntário, isto significa que é preciso convencer o camponês e convencê-lo na prática. Ele não se deixará convencer por palavras e faz bem em não se deixar convencer. O mau seria que se deixasse convencer pela simples leitura dos decretos e dos panfletos da agitação. Se fosse possível transformar assim a vida económica, toda esta transformação não valeria um tostão. Primeiro é preciso demonstrar que essa associação é melhor, é preciso associar as pessoas de tal modo que se associem realmente em vez de brigarem entre si; mostrar que a associação é vantajosa. É assim que o camponês coloca a questão e é assim que a colocam os nossos decretos. E se o não conseguimos até agora, não há nisso nada de vergonhoso, devemos reconhecê-lo abertamente.

Por agora resolvemos apenas a tarefa fundamental de qualquer revolução socialista: a tarefa de vencer a burguesia. Resolvemos esta tarefa no fundamental, embora esteja a começar um semestre terrivelmente difícil em que os imperialistas de todo o mundo fazem os últimos esforços para nos esmagar. Agora podemos dizer, sem o menor exagero, que eles próprios compreenderam que depois deste semestre a sua causa será absolutamente desesperada. Ou aproveitam agora o nosso esgotamento e vencem um país isolado, ou nós sairemos vencedores não apenas no que se refere ao nosso país. Neste meio ano em que a crise dos abastecimentos se junta à dos transportes e as potências imperialistas procuram empreender a ofensiva em várias frentes, a nossa situação é extremamente difícil. Mas este será o último meio ano difícil. E preciso como antes mobilizar todas as forças para lutar contra o inimigo externo, que nos ataca.

Mas, quando falamos das tarefas do trabalho no campo, devemos, apesar de todas as dificuldades, apesar de que toda a nossa experiência visa o esmagamento imediato dos exploradores, ter presente e não esquecer que no campo as tarefas se colocam de modo diferente em relação ao campesinato médio.

Todos os operários conscientes - de Petrogrado, de Ivánovo-Voznessensk, de Moscovo - que estiveram no campo, todos nos contaram exemplos de como uma série de mal-entendidos, aparentemente os mais inultrapassáveis, uma série de conflitos, aparentemente os mais graves, eram eliminados ou atenuados quando intervinham operários sensatos, que falavam não de modo livresco, mas numa linguagem compreensível para o camponês, que falavam não como comandantes que se permitem dar ordens apesar de não conhecerem a vida no campo, mas como camaradas que explicam a situação e que apelam para o seu sentimento de trabalhadores contra os exploradores. E na base desta explicação fraterna conseguia-se aquilo que não puderam conseguir centenas de outros, que se comportavam como comandantes e superiores.

Este é o espírito que inspira toda a resolução que agora propomos à vossa consideração.

No meu breve relatório procurei deter-me no aspecto de princípio, na importância política geral desta resolução. Procurei demonstrar - e quero crer que consegui demonstrar - que do ponto de vista dos interesses da revolução no seu conjunto não existe nenhuma viragem, não existe nenhuma mudança de linha. Os guardas brancos e os seus auxiliares gritam ou gritarão que sim. Deixá-los gritar. Isso não nos preocupa. Desenvolvemos as nossas tarefas do modo mais consequente. Precisamos de transferir a nossa atenção da tarefa de esmagar a burguesia para a tarefa de organizar a vida do campesinato médio. Devemos viver em paz com ele. Na sociedade comunista o campesinato médio só estará do nosso lado quando aliviarmos e melhorarmos as condições económicas da sua vida. Se amanhã pudéssemos dar 100 000 tractores de primeira qualidade, fornecer-lhes gasolina, fornecer-lhes condutores (sabeis bem que por agora isto é uma fantasia), o camponês médio diria: «Sou pela comuna» (isto é, pelo comunismo). Mas, para fazer isto, temos primeiro de vencer a burguesia internacional, temos de a obrigar a dar-nos esses tractores, ou então elevar a nossa produtividade até ao ponto de podermos fornecê-los nós mesmos. Só assim esta questão estará colocada correctamente.

O camponês necessita da indústria da cidade, não pode viver sem ela, e ela está nas nossas mãos. Se empreendermos correctamente a tarefa, o camponês ficar-nos-á agradecido porque lhe levaremos da cidade esses produtos, esses instrumentos, essa cultura. E não serão os exploradores, os latifundiários, que lhos levarão, mas camaradas trabalhadores como ele, que ele aprecia profundamente, mas aprecia de modo prático, aprecia apenas a sua ajuda efectiva, rejeitando - rejeitando com profunda razão - os métodos de comando, as «prescrições» vindas de cima.

Primeiro ajudai, depois conquistai a confiança. Se se realizar este trabalho correctamente, se se organizar correctamente cada passo dos nossos grupos nos uézdi, nos vólosti(3*), nos destacamentos de abastecimento, em qualquer organização, se cada um dos nossos passos for atentamente verificado deste ponto de vista, conquistaremos a confiança do camponês e só então poderemos marchar em frente. Agora devemos prestar-lhe ajuda, aconselhá-lo. Não se tratará da ordem de um comandante, mas do conselho de um camarada. Então o camponês estará inteiramente ao nosso lado.

É isto, camaradas, o que contém a nossa resolução, é isto que, parece-me, deve tornar-se a decisão do congresso. Se aprovarmos isto, se todo o trabalho das nossas organizações partidárias for determinado por isto, então realizaremos também a segunda grande tarefa que se nos coloca.

Como derrubar a burguesia, como reprimi-la - isso já o aprendemos e orgulhamo-nos disso. Como regular as relações com os milhões de camponeses médios, como conquistar a sua confiança, isto não o aprendemos e é preciso dizê-lo abertamente. Mas compreendemos a tarefa, colocámo-la e dizemos cheios de esperança, com pleno conhecimento de causa e com toda a decisão: realizaremos com êxito esta tarefa, e então o socialismo será absolutamente invencível. (Aplausos prolongados.)

4
RESOLUÇÃO SOBRE A ATITUDE EM RELAÇÃO AO CAMPESINATO MÉDIO

Quanto à questão do trabalho no campo, o VIII Congresso, baseando-se no programa do partido aprovado em 22 de Março de 1919 e apoiando inteiramente a lei, já aplicada pelo Poder Soviético, do regime socialista da terra e das medidas de transição para a agricultura socialista, considera que no momento actual tem particular importância aplicar de forma mais correcta a linha do partido em relação ao campesinato médio, no sentido de observar uma atitude mais atenta para com as suas necessidades, de eliminar as arbitrariedades da parte dos poderes locais e de procurar o acordo com ele.

1) Confundir os camponeses médios com os kulaques, tornar extensivas àqueles, em maior ou menor grau, as medidas dirigidas contra os kulaques, significa violar do modo mais grosseiro não só todos os decretos do Poder Soviético e toda a sua política, mas também todos os princípios fundamentais do comunismo que apontam para o acordo do proletariado com o campesinato médio durante o período da luta decisiva do proletariado pelo derrubamento da burguesia, como uma das condições da transição indolor para a supressão de toda a exploração.

2) O campesinato médio, que tem raízes económicas relativamente fortes, em consequência do atraso da técnica agrícola em relação à industrial mesmo nos países capitalistas avançados, para não falar já na Rússia, subsistirá durante um período bastante longo depois do começo da revolução proletária. Por isso a táctica dos funcionários soviéticos no campo, tal como a dos militantes do partido, deve ser prevista para um longo período de colaboração com o campesinato médio.

3) O partido deve conseguir a todo o custo que todos os funcionários soviéticos que trabalham no campo tenham uma consciência absolutamente clara e firme da verdade, plenamente estabelecida pelo socialismo científico, de que o campesinato médio não pertence aos exploradores, pois não retira lucros do trabalho alheio. Esta classe de pequenos produtores não pode perder com o socialismo, mas, pelo contrário, ganhará em grande medida com o derrubamento do jugo do capital, que a explora de mil maneiras em qualquer república, mesmo a mais democrática. A política inteiramente justa do Poder Soviético no campo garante assim a aliança e o acordo do proletariado vitorioso com o campesinato médio.

4) Encorajando todo o tipo de cooperação, assim como as comunas agrícolas de camponeses médios, os representantes do Poder Soviético não devem consentir a mínima coacção na sua criação. Só têm valor as associações criadas pelos camponeses por sua livre iniciativa e cujas vantagens foram verificadas por eles na prática. A excessiva precipitação nesta matéria é prejudicial, pois só reforçará as prevenções do campesinato médio contra as inovações. Aos representantes do Poder Soviético que se permitam empregar a coacção não só directa, mas mesmo indirecta, para agrupar os camponeses nas comunas, devem ser exigidas as mais severas responsabilidades e devem ser afastados do trabalho no campo.

5) Todas as requisições arbitrárias, isto é, que não se baseiem em indicações precisas das leis do poder central, devem ser implacavelmente castigadas. O Congresso insiste no reforço neste aspecto do controlo do Comissariado do Povo da Agricultura, do Comissariado do Povo do Interior e do CECR(4*).

6) No momento actual, a extrema ruína, provocada em todos os países do mundo por quatro anos de guerra imperialista em defesa dos interesses expoliadores dos capitalistas e particularmente agudizada na Rússia, coloca os camponeses médios numa situação difícil. Tendo isto em conta, a lei do Poder Soviético sobre o imposto extraordinário, diferentemente de todas as leis de todos os governos burgueses do mundo, insiste em que o peso do imposto recaia inteiramente sobre os kulaques, sobre os representantes pouco numerosos do campesinato explorador, que acumulou grandes riquezas durante a guerra. Mas o campesinato médio deve pagar um imposto extraordinariamente moderado, apenas numa proporção plenamente de acordo com as suas possibilidades e que não seja excessiva para ele. O partido exige que, em relação ao campesinato médio, a percepção do imposto extraordinário seja atenuada em todos os casos, e que não se hesite mesmo em diminuir a soma total do imposto.

7) O Estado socialista deve desenvolver a mais ampla ajuda ao campesinato, que consistirá principalmente em abastecer os camponeses médios com produtos da indústria urbana e, em particular, com instrumentos agrícolas aperfeiçoados, sementes e toda a espécie de materiais para elevar o nível da agricultura e garantir o trabalho e a vida dos camponeses. Se a actual ruína não permite a aplicação destas medidas imediata e totalmente, as autoridades soviéticas locais têm a obrigação de procurar todos os meios possíveis para prestar ao campesinato pobre e médio uma ajuda real de todo o tipo que os apoie no difícil momento presente. O partido considera indispensável destinar a esse fim uma grande verba do Estado.

8) É preciso conseguir, em particular, que se aplique efectiva e inteiramente a lei do Poder Soviético que exige às explorações soviéticas, às comunas agrícolas e a todas as associações semelhantes o dever de conceder ajuda imediata e variada aos camponeses médios dos arredores. Só com base nesta ajuda efectiva é realizável o acordo com o campesinato médio. Só assim se pode e se deve conquistar a sua confiança. O Congresso chama a atenção de todos os funcionários do partido para a necessidade de levar à prática imediata e realmente todas as reivindicações indicadas na parte agrária do programa do partido, a saber: a) regulação da exploração camponesa da terra (eliminação das parcelas dispersas, das parcelas alongadas, etc.), b) fornecimento aos camponeses de sementes melhoradas e de adubos artificiais, c) melhoria das espécies de gado dos camponeses, d) difusão dos conhecimentos agronómicos, e) assistência agronómica aos camponeses, f) reparação de material agrícola dos camponeses nas oficinas de reparação soviéticas, g) organização de centros de aluguer, estações experimentais, campos modelo, etc., h) melhoramento das terras camponesas.

9) As associações cooperativas de camponeses devem receber ampla ajuda do Estado, tanto financeira como organizativa, a fim de elevar a produção agrícola, em particular a fim de transformar os produtos agrícolas, melhorar as terras dos camponeses, apoiar a indústria artesanal, etc.

10) O congresso recorda que nem as decisões do partido nem os decretos do Poder Soviético se afastaram nunca da linha do acordo com o campesinato médio. Assim, por exemplo, no que se refere ao importantíssimo problema da construção do Poder Soviético no campo, quando foram fundados os comités de .camponeses pobres foi publicada uma circular assinada pelo presidente do Conselho de Comissários do Povo e pelo Comissário do Povo dos Abastecimentos que assinalava a necessidade de incluir também nos comités de camponeses pobres representantes do campesinato médio. Quando os comités de camponeses pobres foram suprimidos, o Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia apontou de novo a necessidade de incluir nos Sovietes de vólost representantes do campesinato médio(N104). A política do governo operário e camponês e do partido comunista deve continuar a aplicar-se neste espírito de acordo do proletariado e do campesinato pobre com o campesinato médio.


Notas de rodapé:

(N88) O VIII Congresso do PCR(b) realizou-se em 18-23 de Março de 1919 em Moscovo. Nos trabalhos do Congresso participaram 301 delegados com direito a voto consultivo, representando 313 766 membros do Partido. A ordem de trabalhos do Congresso era constituída pelos seguintes pontos: 1) relatório do Comité Central; 2) programa do PCR(b); 3) criação da Internacional Comunista; 4) situação militar e política militar; 5) trabalho no campo; 6) questões de organização; 7) eleição do Comité Central. V. I. Lénine pronunciou discursos na abertura e no encerramento do Congresso, apresentou o relatório do CC do PCR(b), relatórios sobre o trabalho do Partido e o trabalho no campo e pronunciou um discurso sobre a questão militar. A questão central do Congresso era a discussão e aprovação de um novo programa do Partido. O projecto do novo programa foi elaborado por uma comissão eleita no VII Congresso do PCR(b) e encabeçada por Lénine. Todas as partes fundamentais do projecto do programa foram escritas por Lénine. O novo programa definia as tarefas do Partido para todo o período de transição do capitalismo para o socialismo. Ao discutir o programa, o Congresso rejeitou as concepções de Bukhárine, que propunha que se excluísse do programa a caracterização do capitalismo pré-monopolista e da pequena produção mercantil. Esta posição era fundamentalmente errada, opunha-se à teoria leninista da revolução socialista e estava ligada à negação da necessidade de o proletariado apoiar os movimentos democráticos, da aliança da classe operária com o campesinato trabalhador na construção do socialismo e, ao mesmo tempo, ignorava o aparecimento e crescimento de elementos capitalistas a partir da pequena produção mercantil e subestimava o perigo dos kulaques. Bukhárine e Piatakov exigiam também que se retirasse do programa o ponto sobre o direito das nações à autodeterminação; esta proposta chauvinista da grande potência minava as bases da política nacional do Partido. O Congresso rejeitou as propostas de Bukhárine e Piatakov c aprovou o programa leninista do Partido. Em ligação com o relatório de Lénine sobre o trabalho no campo, o Congresso adoptou uma resolução sobre a passagem da política de neutralização do campesinato médio a uma política de sólida aliança com ele, apoiando-se nos camponeses pobres na luta contra os kulaques, e conservando o proletariado o papel dirigente nesta aliança. A resolução do Congresso sobre a aliança com o campesinato médio teve uma enorme importância para unir todos os trabalhadores para a luta contra os intervencionistas e os guardas brancos, para a edificação do socialismo. No que diz respeito à questão militar, o Congresso aprovou uma resolução destinada a reforçar o Exército Vermelho regular e a manter nele uma disciplina férrea, sublinhando especialmente o papel do núcleo proletário no exército, o papel dos comissários e das células do Partido na educação política e na instrução militar do Exército Vermelho. O Congresso apontou a necessidade de utilizar os velhos especialistas militares e de aproveitar os avanços da ciência militar burguesa. Rejeitou energicamente as propostas da chamada «oposição militar», que se pronunciou contra a formação do Exército Vermelho regular e defendeu as sobrevivências da anarquia no exército. Ao mesmo tempo, o Congresso submeteu a uma severa crítica os erros e as insuficiências no trabalho do Conselho Militar Revolucionário da república e, em particular, a actividade do seu presidente, Trótski, e exigiu que se melhorasse o trabalho das instituições militares centrais. Na resolução sobre a questão da organização, o Congresso replicou ao grupo oportunista de Saprónov-Ossinski, que negava o papel dirigente do Partido no sistema da ditadura do proletariado. O Congresso sublinhou a necessidade de elevar as exigências para a entrada no Partido de elementos não operários e não camponeses e de não admitir que piorasse a composição social do Partido. Foi decidido realizar um registo geral dos membros do Partido. Em ligação com a formação de partidos comunistas nas regiões nacionais do país, o VIII Congresso do PCR(b) rejeitou o principio da estrutura federativa do Partido e considerou necessária a existência de um único Partido Comunista centralizado. O Congresso elegeu um Comité Central encabeçado por Lénine. O Congresso saudou a criação da Internacional Comunista e aderiu inteiramente à sua plataforma. (retornar ao texto)

(N89) Guerra dos trinta anos, de 1618-1648: guerra europeia, resultado da agudização das contradições entre diversos grupos dos Estados europeus, que tomou a forma de luta entre os católicos e os protestantes. Na sua primeira etapa, a guerra teve um carácter de resistência às forças reaccionárias da Europa feudal-absolutista, mas mais tarde, sobretudo desde 1635, transformou-se numa série de invasões da Alemanha por conquistadores estrangeiros rivais. A guerra terminou em 1648, sendo assinado o Tratado da Paz de Vestefália, que consagrou a desunião política da Alemanha. (retornar ao texto)

(N90) Ver F. Engels, Introdução ao escrito de Sigismund Borckheim Em Memória dos Patrioteiros Alemães, 1806-1807. In Karl Marx/Friedrich Engels, Werke, Bd-21, S. 350/351. (retornar ao texto)

(1*) Da palavra russa mechok, saco. Pequenos especuladores que se dedicavam a açambarcar géneros para depois revender. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(N91) Ver K. Marx, O Capital, t.l. In Karl Marx/Friedrich Engels, Werke, Bd-23, S. 390. (retornar ao texto)

(N92) Smólni: edifício do antigo Instituto Smólni em Petrogrado, sede do Governo Soviético antes de ser transferido para Moscovo, em Março de 1918. (retornar ao texto)

(N93) Trata-se da entrega por Lénine, em Dezembro de 1917, do decreto do Conselho de Comissários do Povo sobre o reconhecimento da independência da Finlândia, ao chefe do governo finlandês burguês Svinhufvud. Em 4 de Janeiro de 1918, o CECR ratificou o decreto sobre o reconhecimento da independência da Finlândia. (retornar ao texto)

(N94) Lénine alude às conversações sobre a formação da República Soviética Autónoma da Bachquíria, que se realizaram em Março de 1919. Em consequência das conversações foi assinado o acordo que estabelecia a organização da República Soviética Autónoma da Bachquíria, na base da Constituição Soviética, e determinava as fronteiras e a divisão administrativa da república. (retornar ao texto)

(N95) O Soviete de deputados operários de Varsóvia foi criado em 11 de Novembro de 1918. Surgiram sovietes de deputados operários também em muitas outras cidades e centros industriais da Polónia. O Soviete de deputados operários de Varsóvia empreendeu a introdução de facto da jornada de trabalho de oito horas nas empresas, lançou-se à luta contra a sabotagem dos empresários, aprovou uma decisão sobre a ligação com a Rússia revolucionária, etc. No Verão de 1919 os Sovietes foram liquidados pelo governo burguês polaco.(retornar ao texto)

(N96) Este projecto foi aprovado pelo Congresso nesse mesmo dia como Apelo do VIII Congresso do PCR(b) às Organizações do Partido e publicado no dia seguinte, 20 de Março, no Pravda. (retornar ao texto)

(N97) O Decreto sobre as comunas de consumo foi aprovado pelo Conselho de Comissários do Povo em 16 de Março de 1919 e publicado no jornal Ivéstia VTsIK em 20 de Março de 1919. Segundo o decreto, todas as cooperativas existentes nas cidades e no campo seriam unificadas numa só comuna de consumo. Todas as comunas de consumo locais deviam formar uniões de gubérnia, com um só centro: a União Central das Cooperativas de Consumo. Devido ao facto de que a nova denominação das cooperativas levou nalguns lugares à falsa interpretação do decreto, o CECR, na resolução de 30 de Junho de 1919 Sobre as sociedades de consumo operárias e camponesas, decidiu substituir a denominação «comuna de consumo» pela denominação «sociedade de consumo», a que a população estava habituada. (retornar ao texto)

(N98) Novojiznistas: mencheviques-internacionalistas que se agrupam em torno do jornal Nóvaia Jizn (Vida Nova), que se publicou em Petrogrado de Abril de 1917 a Julho de 1918. (retornar ao texto)

(N99) A Constituição da RSFSR, aprovada pelo V Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia em Junho de 1918, concedia privilégios ao proletariado nas eleições para os Sovietes. Os deputados ao Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia eram eleitos segundo as seguintes normas de representação: 1 deputado por 25000 eleitores da população urbana e 1 deputado por 125 000 habitantes das localidades rurais. O parágrafo 23 da Constituição declarava: «Guiando-se pelos interesses da classe operária no seu conjunto, a República Socialista Federativa Soviética da Rússia priva determinadas pessoas e determinados grupos de direitos, que são utilizados por eles em prejuízo dos interesses da revolução socialista.» Esta cláusula manteve-se em vigor até ao VIII Congresso dos Sovietes da URSS que, em 1936, adoptou a nova Constituição da URSS, de acordo com a qual todos os cidadãos adquiriram um direito igual de eleger e ser eleito para os Sovietes. (retornar ao texto)

(2*) Sovnarkhoz: abreviatura de Soviet Narodnogo Khoziaistva (Conselho da Economia Nacional), organismo dirigente da economia soviética nos primeiros anos da revolução. (N. Ed). (retornar ao texto)

(N100) O Programa de Erfurt do Partido Social-Democrata Alemão foi aprovado no Congresso efectuado em Erfurt, em Outubro de 1891. O programa baseava-se na doutrina marxista sobre a queda inevitável do modo de produção capitalista e a sua substituição pelo modo de produção socialista; sublinhava-se nele a necessidade de a classe operária conduzir uma luta política e acentuava-se a importância de o partido como organizador dessa luta, etc. Não obstante o programa continha sérias concessões ao oportunismo e silenciava a questão da ditadura do proletariado. F. Engels fez a crítica pormenorizada do projecto inicial do programa na sua obra Para a Crítica do Projecto do Programa Social-Democrata de 1891. Os dirigentes da social-democracia alemã silenciaram perante as massas do partido a crítica feita por Engels, e não tomaram em consideração, na elaboração do texto definitivo do programa, as importantes observações de Engels. (retornar ao texto)

(N101) Trata-se da República Socialista Finlandesa proclamada nos fins de Janeiro de 1918, depois da passagem do poder para as mãos dos operários. Em l de Março de 1918, em Petrogrado, foi assinado um tratado entre a República Socialista Operária Finlandesa e a RSFSR. Baseado nos princípios da plena igualdade de direitos, no respeito pela soberania de ambas as partes, foi o primeiro tratado na história entre dois Estados socialistas. Em Maio de 1918, em consequência da intervenção das forças armadas alemãs, depois de uma tenaz guerra civil, a revolução na Finlândia foi esmagada. (retornar ao texto)

(N102) F Engels, A Questão Camponesa na França e na Alemanha. In Karl Marx/Friedrich Engels, Werke, Bd. 22, S. 503. (retornar ao texto)

(N103) A propósito da passagem citada, os delegados da organização de Níjni Nóvgorod do partido entregaram à presidência do congresso uma declaração na qual se assinalava que as palavras «camponeses médios em geral» são um erro de impressão lamentável: deve-se ler «uma parte dos camponeses médios». (retornar ao texto)

(3*)Vólost: unidade administrativa territorial, subdivisão do uezd nas zonas rurais da Rússia. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(4*) Comité Executivo Central de toda a Rússia. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(N104) V. I. Lénine tem em vista a resolução do VI Congresso Extraordinário dos Sovietes de Toda a Rússia Sobre a Edificação do Poder Soviético no Centro, os Comités de Camponeses Pobres e os Sovietes Locais. (retornar ao texto)

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Inclusão 23/01/2019