Carta aos operários e camponeses por motivo da vitória sobre Koltchak

Vladimir Ilitch Lênin

23 de agosto de 1919


Primeira edição: Pravda, nº 190, 28 de agosto de 1919. V. I. Lênin, Obras, 4.ª ed. em russo, t. 29, págs. 511/518

Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 489-496

Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz

HTML: Fernando Araújo.

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Camaradas:

As tropas vermelhas libertaram do domínio de Koltchak toda a região dos Urais e iniciaram a libertação da Sibéria. Os operários e camponeses dos Urais e da Sibéria recebem com entusiasmo o Poder Soviético, porque este varre com vassoura de ferro toda a canalha dos latifundiários e capitalistas, que atormentou o povo com impostos, ultrajes e castigos corporais, ao restaurar o jugo tzarista.

O entusiasmo geral, nossa alegria pela libertação dos Urais e pela entrada das tropas vermelhas na Sibéria não devem permitir que nos tranquilizemos. O inimigo não está aniquilado, longe disso; nem sequer foi definitivamente dobrado.

É preciso empenhar todas as forças a fim de expulsar, da Sibéria, Koltchak e os japoneses, junto com os demais bandidos estrangeiros, e é preciso um esforço ainda maior para aniquilar o inimigo e impedir que reincida uma ou mais vezes em suas atividades criminosas.

Como consegui-lo?

A dura experiência sofrida pelos Urais e pela Sibéria, bem como a de todos os países extenuados por quatro anos de guerra imperialista não deve passar despercebida para nós.

Eis os cinco principais ensinamentos que todos os operários e camponeses devem extrair desta experiência, para se preservarem da repetição das calamidades causadas pela «koltchakada».

Primeiro ensinamento. Para proteger o poder dos operários e camponeses contra os bandidos, ou seja, contra os latifundiários e capitalistas, precisamos de um poderoso Exército Vermelho. Demonstramos com fatos e não com palavras que podemos formá-lo, que aprendemos a dirigi-lo e a vencer os capitalistas, apesar de estes receberem doe países mais ricos do mundo copiosa ajuda em armas e munições. Os bolcheviques demonstraram isto com fatos. Todos os operários e camponeses — se são conscientes — devem acreditar neles, e não em palavras (crer somente em palavras é uma idiotice), mas baseando-se na experiência de milhões e milhões de pessoas dos Urais e da Sibéria. A tarefa mais difícil é harmonizar o armamento dos operários e camponeses com o seu comando pelos oficiais que, em sua maioria, simpatizam com os latifundiários e capitalistas. Esta tarefa só pode ser resolvida com a condição de possuirmos uma magnífica capacidade para organizar uma disciplina severa e consciente, com a condição de que a camada dirigente dos comissários operários goze da confiança das amplas massas. Os bolcheviques resolveram esta tarefa tão difícil; temos muitos casos de traição por parte dos ex-oficiais e, não obstante, não só possuímos o Exército Vermelho, como este aprendeu a vencer os generais tsaristas e os da Inglaterra, França e América do Norte.

Por isso, todo aquele que queira verdadeiramente libertar-se da «koltchakada» deve consagrar todas as suas energias, todos os meios de que disponha e toda a sua capacidade à tarefa de formar e fortalecer o Exército Vermelho. Cumprir conscienciosamente todas as leis referentes ao Exército Vermelho e todas as suas ordens, manter nele a disciplina por todos os meios, prestar ajuda ao Exército Vermelho com tudo o que cada um possa dar, é o dever primordial, fundamental e essencial de todo operário e camponês consciente que não deseje a «koltchakada».

Deve-se temer, tanto quanto o fogo, o espírito de insubordinação, a indisciplina dos destacamentos isolados, a desobediência ao poder central, já que isto, como foi demonstrado nos Urais, na Sibéria e na Ucrânia, leva ao fracasso.

Quem não ajuda em tudo e abnegadamente o Exército Vermelho, quem não mantém com todas as suas forças a ordem e a disciplina é um traidor e um renegado, é um partidário da «koltchakada», e deve ser exterminado sem piedade.

Com um Exército Vermelho forte seremos invencíveis. Sem um exército forte seremos fatalmente vítimas de Koltchak, Denikin e Yudenitch.

Segundo ensinamento. O Exército Vermelho não pode ser forte se o Estado carece de grandes reservas de cereais, já que sem isso não é possível deslocar com facilidade o Exército nem prepará-lo como é devido. Sem estas reservas não se podem manter os operários que trabalham para o Exército.

Todo operário e camponês consciente deve saber e lembrar que a causa principal de que os êxitos de nosso Exército Vermelho não sejam bastante rápidos e sólidos consiste agora, precisamente, em que o Estado possui reservas insuficientes de cereais. Quem não entrega ao Estado o grão excedente ajuda Koltchak, é um traidor dos operários e camponeses, é culpado da morte e dos tormentos de outras dezenas de milhões de operários e camponeses que formam o Exército Vermelho.

Os patifes, os especuladores e os camponeses completamente ignorantes raciocinam assim: será melhor vender o grão a preço livre, pois ganharei muito mais do que se o vender ao preço de tabela fixado pelo Estado.

Mas acontece que a venda livre aumenta a especulação, enriquece uns poucos, sacia somente os ricos e deixa a massa operária faminta. Vimo-lo na prática nos lugares que mais produzem trigo da Sibéria e da Ucrânia.

Com a venda livre do trigo, o capital triunfa, enquanto os trabalhadores passam fome e calamidades.

Com a venda livre do trigo eleva-se seu preço até milhares de rublos por pud, desvaloriza-se a moeda e sai ganhando um punhado de especuladores, enquanto o povo empobrece.

Com a venda livre do trigo, os depósitos das reservas do Estado ficam vazios, o exército se vê reduzido à impotência, a indústria é paralisada e a vitória de Koltchak ou de Denikin torna-se inevitável.

Só os ricos, só os inimigos declarados do poder operário e camponês estão conscientemente a favor da venda livre do trigo. Aquele que, por ignorância, é partidário da venda livre do trigo, deve compreender, com o exemplo da Sibéria e da Ucrânia, porque a venda livre do trigo significa a vitória de Koltchak e Denikin.

Há ainda camponeses ignorantes que raciocinam assim: que o Estado me dê primeiro boas mercadorias aos mesmos Preços de antes da guerra em troca do trigo, e então lhe darei o excedente de cereal; caso contrário, não o entregarei. Baseando-se nestas reflexões, os pilantras e partidários dos latifundiários «pescam» frequentemente os camponeses ignorantes com seu anzol.

Não é difícil compreender que o Estado operário, totalmente arruinado pela guerra de rapina que os capitalistas empreenderam durante quatro anos para se apoderar de Constantinopla, e que depois continua sendo arruinado por vingança, pelos Koltchak e Denikin, ajudados pelos capitalistas do mundo inteiro; não é difícil compreender que o Estado operário não pode suprir agora de mercadorias os camponeses, porque a indústria está paralisada. Não temos nem cereais, nem combustível, nem indústria.

Todo camponês sensato estará de acordo em que é necessário dar a crédito o excedente de trigo ao operário faminto, com a condição de que receba produtos industriais.

Esta é hoje a situação. Todos os camponeses conscientes e sensatos, todos, exceto os pilantras e especuladores, convirão em que é necessário dar a crédito ao Estado operário absolutamente todos os excedentes de trigo, já que desse modo o Estado restabelecerá a indústria e proporcionará aos camponeses produtos industriais.

Podem perguntar-nos: os camponeses confiarão no Estado operário para lhe entregar a crédito os excedentes de trigo?

Nós responderemos: Primeiro, o Estado distribui um certificado de crédito em papel-moeda. Segundo, todos os camponeses sabem por experiência que o Estado operário, isto é, o Poder Soviético, ajuda os trabalhadores, luta contra os latifundiários e os capitalistas. Por isso, o Poder Soviético se chama poder operário e camponês. Terceiro, os camponeses não têm outra solução senão acreditar ou no operário ou no capitalista; outorgar sua confiança e crédito ao Estado operário ou ao Estado dos capitalistas. Não há outra alternativa, na Rússia ou em qualquer país do mundo. Quanto mais conscientes são os camponeses tanto mais firmemente estão a favor dos operários, tanto mais forte é sua decisão de ajudar por todos os meios o Estado operário, a fim de tornar impossível a restauração do poder dos latifundiários e capitalistas.

Terceiro ensinamento. A fim de aniquilar totalmente Koltchak e Denikin, é preciso manter a ordem revolucionaria mais severa, é preciso observar estritamente as leis e as prescrições do Poder Soviético e vigiar para que todos as cumpram.

No exemplo das vitórias de Koltchak na Sibéria e nos Urais todos vimos claramente que a menor desordem, a mais leve infração das leis do Poder Soviético, a menor falta de atenção ou negligência contribui imediatamente para fortalecer os latifundiários e capitalistas, para tornar possíveis suas vitórias. Na realidade, os latifundiários e capitalistas não foram aniquilados e não se consideram vencidos: cada operário e cada camponês sensato vê, sabe e compreende que só estão derrotados, que se ocultaram, encolheram, e se mascararam muito amiúde com a cor «soviética», «protetora». Muitos latifundiários infiltraram-se nas explorações agrícolas soviéticas, e os capitalistas, nas diferentes «direções-gerais»_e «organismos centrais» como empregados soviéticos; estão atentos para aproveitar a cada instante os erros do Poder Soviético e suas debilidades, com o objetivo de derrubá-lo e de poder ajudar hoje os tchecoslovacos e amanhã Denikin.

É preciso empenhar todas as forças para descobrir e agarrar estes bandidos, os latifundiários e capitalistas disfarçados, em todos os esconderijos em que estão encolhidos, desmascará-los e castigá-los sem piedade, porque os trabalhadores têm neles os inimigos mais ferozes, hábeis, instruídos, experimentados, que esperam pacientemente o momento oportuno para consumar a conspiração; são sabotadores que não se detêm diante de crime algum para causar dano ao Poder Soviético. Com estes inimigos dos trabalhadores, com os latifundiários, capitalistas e sabotadores, com os brancos, é preciso ser implacável.

Para saber agarrá-los é preciso ser hábil, prudente, consciente, é preciso manter-se alerta contra a menor desordem, contra o menor desvio na execução conscienciosa das leis do Poder Soviético. Os latifundiários e capitalistas são fortes não só por seus conhecimentos e sua experiência, não só porque são ajudados pelos países mais ricos do mundo, mas também por força do costume e da ignorância das amplas massas, que querem continuar vivendo «à antiga» e não compreendem a necessidade de cumprir estrita e conscienciosamente as leis do Poder Soviético.

A mínima infração da lei, a menor violação da ordem soviética já é uma brecha que será imediatamente aproveitada pelos inimigos dos trabalhadores, é um pretexto que facilita os êxitos de Koltchak e Denikin. É criminoso esquecer que a «koltchakada» começou por um pequeno descuido em relação aos tchecoslovacos, por uma pequena insubordinação de alguns regimentos.

Quarto ensinamento. É criminoso esquecer não só que a «koltchakada» começou por pequenas coisas, como também que os mencheviques («social-democratas») e os esserristas («socialistas revolucionários») ajudaram-na a nascer e sustentaram-na diretamente. Já é hora de aprender a julgar os partidos políticos por seus atos, e não por suas palavras.

Chamando a si mesmos de socialistas, os mencheviques e os esserristas são de fato auxiliares dos brancos, auxiliares dos latifundiários e capitalistas. Isto foi demonstrado na prática não só por alguns acontecimentos, mas por duas grandes épocas na história da revolução russa: 1) a «kerenskiada» e 2) a «koltchakada». Em ambas as ocasiões, os mencheviques e os esserristas, «socialistas» e «democratas» em palavras desempenharam de fato o papel de auxiliares dos guardas brancos. Não cometeremos acaso uma idiotice se acreditarmos agora, quando nos propõem uma vez mais que permitamos que eles façam uma «tentativa», chamando esta permissão de «uma frente única socialista (ou democrática)»? É possível que depois da «koltchakada» ainda restem camponeses, a não ser alguns indivíduos isolados, que não compreendam que a «frente única» com os mencheviques e esserristas é a unidade com os cúmplices de Koltchak?

Podem replicar-nos: os mencheviques e os esserristas perceberam seus erros e renunciaram a qualquer aliança com a burguesia. Mas isto não é verdade. Primeiro: os mencheviques e os esserristas de direita nem sequer renunciaram a esta aliança; nem há um limite fixo com estes «direitistas», e ele não existe por culpa dos mencheviques e esserristas de «esquerda». Estes últimos «condenam» em palavras seus «direitistas», mas inclusive os melhores mencheviques e esserristas continuam de fato impotentes em relação aqueles direitistas, a despeito de todas as suas manifestações. Segundo: mesmo os melhores mencheviques e esserristas propugnam precisamente as ideias koltchakistas, ideias que ajudam a burguesia, Koltchak, Denikin e encobrem sua causa capitalista, imunda e sangrenta. Estas ideias são: governo do povo, sufrágio universal, igual e direto, Assembleia Constituinte, liberdade de imprensa, etc. Em todo o mundo vemos as repúblicas capitalistas justificando precisamente com esta mentira «democrática» a dominação dos capitalistas e as guerras pela escravização das colônias. Em nosso país vemos que tanto Koltchak, como Denikin, Yudenitch, ou qualquer outro general, exibem prodigamente tais promessas «democráticas». Pode-se acreditar em quem, em troca de promessas verbais, ajuda um bandido declarado? Os mencheviques e os esserristas, todos sem exceção, ajudam os bandidos declarados, os imperialistas internacionais, enfeitando com lemas pseudo-democráticos seu poder, sua cruzada contra a Rússia, sua dominação, sua política. Todos os mencheviques e esserristas nos propõem a «união», com a condição de que façamos concessões aos capitalistas e aos seus cabeças, Koltchak e Denikin. Propõem, por exemplo, que «renunciemos ao terror» (quando contra nós atua o terror dos multimilionários de toda a Entente, de toda a união dos países mais ricos, que organizam conspirações na Rússia) ou que abramos um caminho para o comércio livre do trigo, etc. Estas «condições» dos mencheviques e esserristas significam o seguinte: nós, os mencheviques e esserristas, oscilamos em direção aos capitalistas e queremos uma «frente única» com os bolcheviques, contra os quais lutam os capitalistas aproveitando-se de cada concessão! Não, senhores mencheviques e esserristas, não e na Rússia que os senhores podem, hoje em dia, encontrar gente capaz de lhes dar crédito. Os operários e camponeses conscientes da Rússia compreenderam que os mencheviques e os esserristas são cúmplices dos guardas brancos, alguns conscientes e perversos, outros por incompreensão e obstinação em seus velhos erros, mas todos eles são cúmplices dos guardas brancos.

Quinto ensinamento. Para esmagar Koltchak e a «koltchakada», para não permitir que eles levantem outra vez a cabeça, todos os camponeses devem decidir-se, sem vacilar, em favor do Estado operário. Tenta-se intimidar os camponeses (particularmente os mencheviques e os esserristas, todos eles, até os de «esquerda») com o espantalho da «ditadura de um só partido», do partido dos bolcheviques comunistas.

Com o exemplo de Koltchak, os camponeses aprenderam a não temer este espantalho.

Ou a ditadura (isto é, o poder férreo) dos latifundiários e capitalistas, ou a ditadura da classe operária.

Não há meio-termo. Com o meio-termo sonham em vão os filhinhos de papai, os intelectualóides, os indivíduos que estudaram mal em maus livros. Em parte alguma do mundo há meio-termo nem pode havê-lo.

Ou a ditadura da burguesia (disfarçada com pomposas frases dos esserristas e dos mencheviques sobre o governo do povo, a Assembleia Constituinte, as liberdades, etc.) ou a ditadura do proletariado. Quem não aprendeu isto na história de todo o século XIX é um idiota incurável. Mas na Rússia vimos como os mencheviques e os esserristas sonhavam com o meio-termo durante o período de Kerenski e sob o regime de Koltchak.

A quem favoreceram estes sonhos? A quem ajudaram? A Koltchak e a Denikin. Os que sonham com o meio-termo são cúmplices de Koltchak.

Nos Urais e na Sibéria, os operários e os camponeses confrontaram na prática a ditadura da burguesia e a da classe operária. A ditadura da classe operária é realizada pelo mesmo Partido bolchevique que já em 1905, e antes ainda, se fundiu com todo o proletariado revolucionário.

A ditadura da classe operária significa: o Estado operário esmagará sem vacilar os latifundiários e os capitalistas, esmagará os traidores que ajudam estes exploradores, vencê-los-á.

O Estado operário é inimigo implacável do latifundiário e do capitalista, do especulador e do larápio, inimigo da propriedade privada da terra e do capital, inimigo do poder do dinheiro.

O Estado operário é o único amigo fiel e único apoio dos trabalhadores e dos camponeses. Nenhuma vacilação em favor do capital, união dos trabalhadores na luta contra ele, poder operário e camponês, Poder Soviético: eis o que de fatosignifica a «ditadura da classe operária».

Os mencheviques e os esserristas querem infundir temor aos camponeses com estas palavras. Não o conseguirão. Depois de Koltchak, os operários e os camponeses, até nos lugares afastados, compreenderam que estas palavras significam precisamente aquilo sem o que não pode haver salvação contra Koltchak.

Abaixo os vacilantes, os pusilânimes, os que se desviam para a ajuda ao capital, cativados pelas palavras de ordem e as promessas do capital! Luta sem piedade contra o capital e aliança dos trabalhadores, aliança dos camponeses com a classe operária: este é o último e mais importante ensinamento da «koltchakada».

N. Lênin
23 de agosto de 1919


Inclusão: 11/02/2022