Relatório no II Congresso de Toda a Rússia das Organizações Comunistas dos Povos do Oriente(N121)

V. I. Lénine

22 de novembro de 1919

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Escrito: em 22 de Novembro de 1919

Publicado: a 20 de Dezembro de 1919, no Izvéstia TsK RKP (b) nº 9

Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Edições "Avante!", 1977, t3, pp 210-218.

Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.39, pp. 318-331.

Transcrição e HTML: Manuel Gouveia

Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" — Edições Progresso Lisboa — Moscovo.


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Camaradas! Sinto profunda satisfação por poder saudar o congresso dos camaradas comunistas representantes das organizações muçulmanas do Oriente, e dizer algumas palavras sobre como se apresenta agora a situação na Rússia e em todo o mundo. O tema do meu relatório é o momento actual, e parece-me que nesta questão o mais essencial agora é a atitude dos povos do Oriente em relação ao imperialismo e o movimento revolucionário entre estes povos. É evidente que este movimento revolucionário dos povos do Oriente não pode agora desenvolver-se com êxito, não pode encontrar solução a não ser em ligação directa com a luta revolucionária da nossa República Soviética contra o imperialismo internacional. Devido a uma série de circunstâncias — entre outras o atraso da Rússia, a sua enorme extensão e o facto de servir de fronteira entre a Europa e a Ásia, entre o Ocidente e o Oriente — tivemos de suportar todo o peso — o que consideramos uma grande honra — de sermos os pioneiros da luta mundial contra o imperialismo. Por isso, todo o curso dos acontecimentos dos tempos mais próximos pressagia uma luta ainda mais vasta e mais obstinada contra o imperialismo internacional e estará inevitavelmente ligado à luta da República Soviética contra as forças do imperialismo unido — da Alemanha, da França, da Inglaterra e da América.

Quanto ao aspecto militar, sabeis quão favorável nos é a situação em todas as frentes. Não vou deter-me longamente nesta questão, direi apenas que a guerra civil, que o imperialismo internacional nos impôs pela força, causou durante dois anos sacrifícios incontáveis à República Socialista Federativa Soviética da Rússia, lançou sobre os camponeses e os operários um fardo tão pesado que frequentemente parecia que não poderiam suportá-lo. Mas, ao mesmo tempo, esta guerra, com a sua brutal violência, com o ataque implacavelmente brutal dos nossos pretensos «aliados», transformados em feras, que nos saqueavam já antes do começo da revolução socialista, esta guerra fez um milagre, transformando homens cansados da guerra e aparentemente incapazes de suportar mais outra guerra, em combatentes que não só durante dois anos suportaram a guerra como estão a terminá-la vitoriosamente. As vitórias que alcançámos actualmente sobre Koltchak, Iudénitch e Deníkine, estas vitórias marcam o início duma nova fase na história da luta do imperialismo mundial contra os países e nações que se ergueram para a luta pela sua libertação. Neste aspecto, os nossos dois anos de guerra civil não confirmaram apenas em absoluto aquilo que a história observara há muito: o carácter duma guerra e o seu triunfo dependem acima de tudo do regime interno do país que entra em guerra; a guerra é o reflexo da política interna conduzida por esse país antes da guerra. Tudo isto se reflecte inevitavelmente na condução da guerra.

A questão de saber qual a classe que fez a guerra e continua a guerra é uma questão muito importante. É apenas porque a nossa guerra civil é feita por operários e camponeses que se libertaram e é a continuação da luta política pela libertação dos trabalhadores dos capitalistas do seu país e de todo o mundo, é apenas por isso que, num país tão atrasado como a Rússia, esgotado por quatro anos de guerra imperialista, se encontraram homens com força de vontade para continuar esta guerra durante dois anos de sofrimentos e dificuldades incríveis e sem paralelo.

A história da guerra civil demonstrou-o de forma particularmente evidente no exemplo de Koltchak. Um adversário como Koltchak, que tinha ajuda de todas as potências mais fortes do mundo, que tinha uma linha de caminho-de-ferro protegida por uma centena de milhar de soldados das potências estrangeiras, entre os quais as melhores tropas dos imperialistas internacionais, como, por exemplo, as tropas japonesas, que se tinham preparado para a guerra imperialista mas que quase não tinham participado nela e, por conseguinte, tinham sofrido pouco; Koltchak, que se apoiava nos camponeses da Sibéria, os mais abastados, que não tinham conhecido a servidão e que, por isso, estavam naturalmente mais longe do que ninguém do comunismo — parecia que Koltchak representava uma força invencível, porque as suas tropas eram um destacamento avançado do imperialismo internacional. As tropas japonesas e checoslovacas e uma série de outras tropas de nações imperialistas actuam ainda actualmente na Sibéria. No entanto, a experiência de mais de um ano de poder de Koltchak sobre a Sibéria, com as suas imensas riquezas naturais, experiência apoiada a princípio pelos partidos socialistas da II Internacional, os mencheviques e os socialistas-revolucionários, que criaram a frente do Comité da Assembleia Constituinte e que, nessas condições, do ponto de vista do filisteu e do curso habitual da história, parecia sólida e invencível, mostrou de facto o seguinte: quanto mais Koltchak penetrava no coração da Rússia, mais se ia esgotando, e vemos no fim de contas a vitória completa da Rússia Soviética sobre Koltchak. Indubitavelmente temos aqui a prova prática de que as forças unidas dos operários e dos camponeses libertos do jugo dos capitalistas realizam verdadeiros milagres. Temos aqui a prova prática de que a guerra revolucionária, quando realmente arrasta e interessa as massas trabalhadoras oprimidas, quando lhes dá a consciência de que lutam contra os exploradores, a prova de que tal guerra revolucionária provoca a energia e a capacidade de realizar milagres.

Penso que aquilo que o Exército Vermelho fez, a sua luta e a história da sua vitória terão uma importância gigantesca, mundial, para todos os povos do Oriente. Ela mostrará aos povos do Oriente que, por mais fracos que sejam estes povos, por invencível que pareça o poderio dos opressores europeus, que utilizam na luta todas as maravilhas da técnica e da arte militar, apesar disso, a guerra revolucionária conduzida pelos povos oprimidos, se esta guerra conseguir verdadeiramente despertar milhões de trabalhadores e de explorados, esta guerra revolucionária encerra em si tais possibilidades, tais milagres que a libertação dos povos do Oriente é actualmente perfeitamente realizável na prática, não só do ponto de vista das perspectivas da revolução internacional, mas também do ponto de vista da experiência directamente militar, adquirida na Ásia, na Sibéria, experiência adquirida pela República Soviética, que sofreu uma invasão militar de todos os países poderosos do imperialismo.

Além disso, esta experiência da guerra civil na Rússia mostrou-nos, bem como aos comunistas de todos os países, como no fogo da guerra civil, juntamente com o desenvolvimento do entusiasmo revolucionário, se produz uma forte consolidação interna. A guerra põe à prova todas as forças económicas e organizativas de cada nação. No fim de contas, depois de dois anos de experiência, por mais infinitamente dura que a guerra tenha sido para os operários e os camponeses que sofrem fome e frio, na base destes dois anos de experiência pode dizer-se que estamos a vencer e venceremos porque temos uma retaguarda e uma retaguarda forte; que os camponeses e os operários, apesar da fome e do frio, estão unidos, fortaleceram-se e respondem a cada duro golpe aumentando a coesão das suas forças e o seu poderio económico, e só por isso foram possíveis as vitórias sobre Koltchak, Iudénitch e os seus aliados, as mais fortes potências do mundo. Os dois últimos anos mostram-nos, por um lado, a possibilidade de desenvolver a guerra revolucionária, e, por outro lado, o reforço do Poder Soviético sob os duros golpes da invasão estrangeira, que tem por objectivo esmagar rapidamente o foco da revolução, esmagar a República dos operários e dos camponeses que ousaram declarar guerra ao imperialismo internacional. Mas em vez de esmagar os operários e os camponeses da Rússia, apenas os temperaram.

Tais são os resultados principais, tal é o conteúdo principal do momento que estamos a viver. Aproximamo-nos de vitórias decisivas sobre Deníkine, o último inimigo que permanece no nosso território. Sentimo-nos fortes e podemos repetir mil vezes que não nos enganamos quando afirmamos que a edificação interna da República se fortaleceu, e que sairemos da guerra contra Deníkine muito mais fortes e preparados para realizar a tarefa da construção do edifício socialista, construção à qual, durante a guerra civil, pudemos dedicar demasiado pouco tempo e forças, e à qual só agora, ao entrar na via livre, poderemos sem qualquer dúvida entregar-nos inteiramente.

Na Europa Ocidental vemos a desagregação do imperialismo. Sabeis que há um ano até mesmo os socialistas alemães, tal como a imensa maioria dos socialistas que não compreendiam a situação, acreditavam que se desenrolava uma luta entre dois grupos do imperialismo mundial e consideravam que essa luta encerrava em si toda a história, que não existia força capaz de dar outra coisa; parecia-lhes que mesmo aos socialistas não restava senão aderir a um dos grupos de poderosos abutres mundiais. Assim pareciam as coisas em fins de Outubro de 1918. Mas vemos que desde então, ao longo de um ano, se produziram na história mundial fenómenos sem precedentes, amplos e profundos, que abriram os olhos a muitos dos socialistas que durante a guerra imperialista eram patriotas e justificavam o seu comportamento dizendo que se encontravam perante o inimigo; justificavam a aliança com os imperialistas ingleses e franceses que, diziam, traziam a libertação do imperialismo alemão. Vejam quantas ilusões esta guerra destruiu! Vemos a desagregação do imperialismo alemão, a qual conduziu não só à revolução republicana, mas também à revolução socialista. Sabeis que, presentemente, a luta de classes se agudizou ainda mais na Alemanha e se aproxima cada vez mais a guerra civil, a luta do proletariado alemão contra os imperialistas alemães, que se pintaram com cores republicanas, mas continuam a ser representantes do imperialismo.

Todos sabem que a revolução social amadurece na Europa Ocidental não de dia para dia, mas de hora para hora, e o mesmo acontece na América e na Inglaterra, entre esses pretensos representantes da cultura e da civilização, vencedores dos Hunos, os imperialistas alemães. E quando as coisas chegaram à Paz de Versalhes (N122) , toda a gente pôde ver que a Paz de Versalhes é cem vezes mais espoliadora do que a de Brest (N123) , que nos tinha sido imposta pelos saqueadores alemães, e que esta Paz de Versalhes é o maior golpe que puderam desferir em si próprios os capitalistas e os imperialistas desses desditosos países vencedores. A Paz de Versalhes abriu os olhos precisamente às nações vencedoras e demonstrou que não temos perante nós representantes da cultura e da civilização, mas temos, na Inglaterra e na França, Estados que, embora democráticos, são governados por abutres imperialistas. A luta interna entre estes abutres desenvolve-se tão rapidamente que podemos exultar sabendo que a Paz de Versalhes é apenas uma vitória aparente dos imperialistas triunfantes e marca de facto a falência de todo o mundo imperialista e o abandono decidido pelas massas trabalhadoras dos socialistas que, durante a guerra, se aliaram aos representantes do imperialismo apodrecido e defenderam um dos grupos de abutres em luta. Os trabalhadores abriram os olhos porque a Paz de Versalhes foi uma paz espoliadora e mostrou que na realidade a França e a Inglaterra lutavam contra a Alemanha para reforçarem o seu poder sobre as colónias e para aumentarem o seu poderio imperialista. Essa luta interna desenvolve-se cada vez mais amplamente. Vi hoje um radiotelegrama de Londres, datado de 21 de Novembro, no qual jornalistas americanos — que não podem ser suspeitos de simpatia pelos revolucionários — dizem que se observa na França uma explosão de ódio sem precedentes contra os americanos, porque os americanos se recusam a ratificar o tratado de Paz de Versalhes.

A Inglaterra e a França venceram, mas endividaram-se até ao pescoço em relação à América, a qual decidiu que, por mais que os ingleses e os franceses se considerem vencedores, será ela que levará a nata e pagar-se-á com juros pela sua ajuda durante a guerra, e é para assegurar isto que deve servir a esquadra americana que está agora a ser construída e que pelas suas dimensões deixa para trás a inglesa. Uma prova da brutalidade do imperialismo rapace dos americanos, é que os agentes da América compram mercadoria viva, mulheres e raparigas, e as levam para a América, desenvolvendo a prostituição. A livre e civilizada América abastece os prostíbulos de mercadoria viva! Na Polónia e na Bélgica surgem conflitos com os agentes americanos. Isto é uma pequena ilustração daquilo que se passa em enormes proporções em cada pequeno país que recebeu ajuda da Entente. Tomemos, por exemplo, a Polónia. Vedes que ali os agentes e especuladores americanos vêm comprar todas as riquezas da Polónia que se gaba de ser presentemente uma potência independente. Os agentes da América estão a comprar a Polónia: não há nenhuma fábrica, não há nenhum ramo da indústria que não esteja já no bolso dos americanos. A América tornou-se tão insolente que começa a escravizar a França, «grande e livre vencedora», que anteriormente era um país de usurários e que hoje está mais que endividada para com a América, já não tem forças económicas, não lhe bastam nem o seu trigo nem o seu carvão, não pode desenvolver em grandes proporções as suas forças materiais, e a América exige que todo o tributo lhe seja rigorosamente pago. Assim, a falência económica da França, da Inglaterra e de outros países poderosos torna-se cada vez mais clara. Em França, as eleições deram a supremacia aos clericais. O povo francês, a quem enganaram dizendo que devia dar todas as suas forças em nome da liberdade e da democracia contra a Alemanha, recebeu agora como recompensa uma dívida infinita, o escárnio dos rapaces imperialistas americanos e, além disso, teve uma maioria clerical constituída por representantes da reacção mais selvagem.

Em todo o mundo a situação tornou-se incomensuravelmente mais embrulhada. A nossa vitória sobre Koltchak e Iudénitch, esses lacaios do capital internacional é grande, mas é ainda muito maior, embora não tão clara, a vitória que estamos a alcançar à escala internacional. Esta vitória consiste na desagregação interna do imperialismo, que não pode lançar as suas tropas contra nós. A Entente tentou-o sem o menor resultado, porque as suas tropas desagregam-se quando se encontram com as nossas tropas, quando tomam conhecimento da nossa Constituição Soviética russa, traduzida nas suas línguas. Apesar da influência dos chefes do socialismo apodrecido, a nossa Constituição atrai sempre as simpatias das massas trabalhadoras. Todos compreendem agora a palavra «Soviete», a Constituição soviética foi traduzida em todas as línguas e é conhecida por todos os operários. Eles sabem que é a Constituição dos trabalhadores, que é o regime político dos trabalhadores, que apelam à vitória sobre o capitalismo internacional, sabem que é uma conquista que alcançámos sobre os imperialistas internacionais. Esta nossa vitória repercutia-se em todos os países imperialistas, uma vez que lhes retirámos, lhes conquistámos as suas próprias tropas, retirámos-lhes a possibilidade de as lançar contra a Rússia Soviética.

Eles tentaram fazer a guerra com tropas estrangeiras, com tropas da Finlândia, da Polónia, da Letónia, mas nada conseguiram. Há algumas semanas, o ministro inglês Churchill gabou-se num discurso na Câmara — e sobre isto foram enviados telegramas para todo o mundo — que estava organizada uma campanha de catorze povos contra a Rússia soviética e que até ao Ano Novo isto daria a vitória sobre a Rússia. E é verdade que participaram nisto muitos povos — a Finlândia, Ucrânia, Polónia, Geórgia, os checoslovacos, os japoneses, os franceses, os ingleses, os alemães. Mas sabemos o que resultou daí! Sabemos que os estonianos abandonaram as tropas de Iudénitch e que agora se trava nos jornais uma polémica furiosa porque os estonianos não querem ajudá-lo, e a Finlândia, por muito que a sua burguesia o quisesse, também não ajudou Iudénitch. Deste modo, também a segunda tentativa de invasão contra nós fracassou. A primeira etapa foi o envio das próprias tropas da Entente, que estavam equipadas segundo todas as regras da técnica militar, pelo que parecia que iam vencer a República Soviética. Elas abandonaram já o Cáucaso, Arkhánguelsk, a Crimeia, e apenas continuam ainda em Múrmansk, bem como os checoslovacos na Sibéria, mas não são mais do que ilhotas. A primeira tentativa para nos vencer com as suas próprias tropas terminou numa vitória para nós. A segunda tentativa consistiu em enviar contra nós as nações nossas vizinhas, que no aspecto financeiro dependiam inteiramente da Entente, e em obriga-las a asfixiar-nos como ninho do socialismo. Mas também essa tentativa terminou num fracasso: revelou-se que nenhum desses pequenos Estados é capaz de conduzir semelhante guerra. Mais do que isso, o ódio à Entente intensificou-se em cada pequeno Estado. Se a Finlândia não avançou para tomar Petrogrado quando Iudénitch tinha já tomado Krásnoe Seló, foi porque vacilou e viu que podia viver independente ao lado da Rússia Soviética, mas não poderia viver em paz com a Entente. Isto aconteceu com todos os pequenos povos. Isto aconteceu com a Finlândia, Lituânia, Estlândia (1*) , Polónia, onde reina um chauvinismo total, mas onde existe ódio à Entente, que desenvolve ali a sua exploração. E agora, sem o mínimo exagero, avaliando exactamente o curso dos acontecimentos, podemos dizer que não só a primeira, mas também a segunda etapa da guerra internacional contra a República Soviética fracassou. Só nos resta agora vencer as tropas de Deníkine, já meio derrotadas.

Tal é a actual situação russa e internacional, que caracterizei brevemente no meu relatório. Permitam-me, para terminar, que me detenha na situação que se está a criar em relação às nacionalidades do Oriente. Vós sois representantes das organizações comunistas e dos partidos comunistas dos diferentes povos do Oriente. Devo dizer que se os bolcheviques russos puderam abrir uma brecha no velho imperialismo, assumir a tarefa extraordinariamente difícil, mas também extraordinariamente grata, de criar os novos caminhos da revolução, uma tarefa ainda maior e ainda mais nova se coloca perante vós, representantes das massas trabalhadoras do Oriente. Torna-se inteiramente claro que a revolução socialista, que se aproxima em todo o mundo, não será apenas a vitória do proletariado de cada país sobre a sua burguesia. Isso seria possível se as revoluções se fizessem rápida e facilmente. Sabemos que os imperialistas não consentirão, que todos os países estão armados contra o seu bolchevismo interno e que só pensam em como vencer o bolchevismo em sua própria casa. É por isso que nasce em cada país a guerra civil, para a participação na qual ao lado da burguesia são atraídos os velhos socialistas conciliadores. Assim, a revolução socialista não será apenas, nem principalmente, uma luta dos proletários revolucionários em cada país contra a sua burguesia; não, será a luta de todas as colónias e países oprimidos pelo imperialismo, de todos os países dependentes, contra o imperialismo internacional. No programa do nosso partido adoptado em Março deste ano, dissemos, ao caracterizar a aproximação da revolução social mundial, que a guerra civil dos trabalhadores contra os imperialistas e os exploradores em todos os países avançados começa a fundir-se com a guerra nacional contra o imperialismo internacional. É o que confirma e confirmará cada vez mais a marcha da revolução. O mesmo acontecerá também no Oriente.

Sabemos que as massas populares do Oriente se levantarão como participantes independentes, como criadores duma vida nova, porque centenas de milhões de homens destes povos pertencem a nações dependentes, que não gozam de plenos direitos, que têm sido até agora objecto da política internacional do imperialismo, que para a cultura e a civilização capitalistas existiram apenas como adubo. E quando se fala da distribuição de mandatos sobre as colónias, sabemos perfeitamente que é uma distribuição de mandatos para a dilapidação e a pilhagem, que é uma distribuição do direito de uma parte insignificante da população da terra de explorar a maioria da população do globo terrestre. Essa maioria, que até agora se encontrava completamente fora do progresso histórico porque não podia constituir uma força revolucionária independente, deixou de desempenhar, como sabemos, no princípio do século XX, um papel passivo. Sabemos que depois de 1905 houve revoluções na Turquia, na Pérsia e na China, que na Índia se desenvolveu o movimento revolucionário. A guerra imperialista contribuiu também para o crescimento do movimento revolucionário, porque foi preciso arrastar para a luta dos imperialistas da Europa regimentos inteiros dos povos coloniais. A guerra imperialista despertou também o Oriente, cujos povos arrastou para a política internacional. A Inglaterra e a França armaram os povos coloniais e ajudaram-nos a familiarizar-se com a técnica militar e as máquinas aperfeiçoadas. Eles servir-se-ão desses conhecimentos contra os senhores imperialistas. Depois do período do despertar do Oriente começa na revolução actual o período da participação de todos os povos do Oriente na decisão dos destinos de todo o mundo, para não serem apenas objecto de enriquecimento. Os povos do Oriente acordam para a acção prática, para que cada povo decida a questão do destino de toda a humanidade.

É por isso que penso que na história do desenvolvimento da revolução mundial, que, a julgar pelo começo, se prolongará por muitos anos e exigirá muitos esforços, vós tereis de desempenhar um grande papel na luta revolucionária, no movimento revolucionário, e de fundir-vos nesta luta com a nossa luta contra o imperialismo internacional. A vossa participação na revolução internacional colocar-vos-á uma tarefa complexa e difícil cuja realização servirá de base ao êxito comum, porque aqui pela primeira vez a maioria da população começa a actuar num movimento independente e será um factor activo na luta para derrubar o imperialismo internacional.

A maioria dos povos do Oriente está numa situação pior do que a Rússia, o país mais atrasado da Europa, mas nós conseguimos unir os camponeses e os operários russos na luta contra os vestígios do feudalismo e o capitalismo e a nossa luta foi tão fácil porque camponeses e operários se uniram contra o capital e o feudalismo. A ligação com os povos do Oriente é aqui particularmente importante, porque a maioria dos povos do Oriente são representantes típicos das massas trabalhadoras; não são operários que passaram pela escola das fábricas capitalistas, mas representantes típicos duma massa trabalhadora e explorada de camponeses esmagados por uma opressão medieval. A revolução russa mostrou que, depois de terem vencido o capitalismo, os proletários, unidos a uma massa de muitos milhões de camponeses trabalhadores dispersos, se insurgiram vitoriosamente contra a opressão medieval. A nossa República Soviética deve agora agrupar em torno de si todos os povos do Oriente, que estão a despertar, a fim de lutar com eles contra o imperialismo internacional.

Coloca-se-vos aqui uma tarefa que não se tinha colocado antes aos comunistas de todo o mundo; apoiando-vos na teoria e na prática gerais do comunismo, precisais, adaptando-vos às condições específicas inexistentes nos países europeus, de saber aplicar essa teoria e essa prática a condições nas quais a massa principal é o campesinato, em que é necessário lutar não contra o capital, mas contra os vestígios medievais. Esta é uma tarefa difícil e específica, mas particularmente grata, pois arrasta uma massa que nunca participou na luta e, por outro lado, graças à organização de células comunistas no Oriente, obtereis a. possibilidade de estabelecer a mais estreita ligação com a III Internacional. Deveis encontrar as formas específicas desta aliança dos proletários avançados de todo o mundo com as massas trabalhadoras e exploradas do Oriente, que vivem frequentemente em condições medievais. Nós realizámos no nosso país, em pequena escala, aquilo que vós realizareis em grande escala, em grandes países. E espero que realizareis com êxito esta segunda tarefa. Graças às organizações comunistas do Oriente, de que sois aqui representantes, tendes uma ligação com o proletariado revolucionário de vanguarda. Coloca-se-vos a tarefa de continuardes a preocupar-vos por que, dentro de cada país, a propaganda comunista seja feita numa linguagem compreensível pelo povo.

É evidente que só o proletariado de todos os países avançados do mundo pode alcançar a vitória definitiva, e nós, os russos, começámos uma obra que o proletariado inglês, francês ou alemão consolidará; mas vemos que eles não vencerão sem a ajuda das massas trabalhadoras de todos os povos coloniais oprimidos, e em primeiro lugar dos povos do Oriente. Devemos compreender que a vanguarda só por si não pode efectuar a passagem ao comunismo. A tarefa consiste em despertar a actividade revolucionária para que as massas trabalhadoras manifestem a sua iniciativa e se organizem, independentemente do nível em que se encontram, em traduzir na língua de cada povo a verdadeira doutrina comunista, que foi destinada aos comunistas dos países mais avançados, em realizar as tarefas práticas que devem ser realizadas imediatamente e em unir-se na luta comum com os proletários dos outros países.

Tais são os problemas cuja solução não encontrareis em nenhum livro comunista, mas cuja solução encontrareis na luta comum que a Rússia começou. Tereis que colocar este problema e resolvê-lo pela vossa experiência independente. Sereis ajudados nisto, por um lado, pela aliança estreita com a vanguarda de todos os trabalhadores dos outros países e, por outro, pela vossa capacidade para abordar os povos do Oriente que representais aqui. Tereis que basear-vos no nacionalismo burguês que desperta nestes povos, e que não pode deixar de despertar, e que tem uma justificação histórica. Deveis paralelamente abrir caminho para as massas trabalhadoras e exploradas de cada país, e dizer-lhes numa linguagem acessível que a sua única esperança de se libertarem é a vitória da revolução mundial e que o proletariado internacional é o único aliado de todas as centenas de milhões de trabalhadores e de explorados do Oriente.

Tal é a tarefa de extraordinária amplitude que se vos coloca e que, graças à época de revolução e ao crescimento do movimento revolucionário — disto não se pode duvidar — , será resolvida com êxito e levada até à vitória completa sobre o imperialismo internacional pelos esforços comuns das organizações comunistas do Oriente.


Notas de rodapé:

(1*) Estlândia: antigo nome da Estónia. (N. Ed.) (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

(N121) O II Congresso de Toda a Rússia das Organizações Comunistas dos Povos do Oriente, convocado pelo Bureau Central das Organizações Comunistas do Povos do Oriente anexo ao CC do PCR (b), realizou-se em Moscovo de 22 de Novembro a 3 de Dezembro de 1919. (retornar ao texto)

(N122) O Tratado de Paz de Versalhes, com o qual terminou a guerra imperialista mundial de 1914-1918, foi assinado cm 28 de Junho de 1919 pelos EUA, o Império Britânico, a França, a Itália, o Japão e as potências a eles aliadas, por um lado, e a Alemanha, por outro. O Tratado de Paz de Versalhes visava confirmar a partilha do mundo capitalista em favor das potências vencedoras e criar um sistema de relações entre os países destinado ao estrangulamento da Rússia Soviética e à derrota do movimento revolucionário em todo o mundo. (retornar ao texto)

(N123) Paz de Brest-Litovsk: tratado assinado em 3 de Março de 1918, em Brest-Litovsk, entre a Rússia Soviética e as potências centrais (Alemanha, Áustria, Hungria, Bulgária e Turquia) em condições extremamente duras para a Rússia Soviética. A paz foi concluída apesar de uma resistência tenaz de Trótski e do grupo antipartido dos «comunistas de esquerda»; foi unicamente graças aos enormes esforços de Lénine que o tratado da paz com a Alemanha foi assinado. Depois da vitória da revolução na Alemanha, que derrubou o regime monárquico, o CECR anulou em 13 de Novembro de 1918 o expoliador e injusto Tratado de Brest-Litovsk. (retornar ao texto)

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Inclusão: 22/12/2019