Esboço inicial das teses sobre a questão agrária
Para o II Congresso da Internacional Comunista

Vladimir Ilitch Lênin

Junho de 1920


Primeira edição: Escrito no início de junho de 1920. Publicado em julho de 1920. V. I Lênin, Obras, 4.ª ed. em russo, t. 31, págs. 129/141

Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 539-549

Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz

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O camarada Markhlevski expôs admiravelmente em seu artigo as causas pelas quais a II Internacional, hoje Internacional amarela, não só não foi capaz de determinar a tática do proletariado revolucionário na questão agrária, mas nem sequer foi capaz de formular este problema de maneira apropriada. Além disso, o camarada Markhlevski estabelecem as bases teóricas do programa agrário comunista da III Internacional.

Sobre estas bases se pode (e creio que se deve) elaborar a resolução geral do Congresso da Internacional Comunista a ser realizada em 15 de julho de 1920, quanto à questão agrária.

As linhas que se seguem constituem o esboço inicial da referida resolução.

1. Só o proletariado urbano e industrial, dirigido pelo Partido Comunista, pode libertar as massas trabalhadoras rurais do jugo do capital e da grande propriedade agrária dos latifundiários, da ruína econômica e das guerras imperialistas, inevitáveis vez por outra enquanto se mantiver o regime capitalista. As massas trabalhadoras do campo não têm outra salvação senão selar uma aliança com o proletariado comunista e apoiar abnegadamente sua luta revolucionária para derrubar o jugo dos latifundiários (grandes proprietários agrários) e da burguesia.

Por outro lado, os operários industriais não poderão cumprir sua missão histórico-universal de libertar a humanidade da opressão do capital e das guerras, se estes operários se encerrarem no limite estritamente corporativos, estritamente profissionais, e se limitarem, satisfeitos, à preocupação de melhorar sua situação, que, às vezes, é sofrível do ponto de vista pequeno-burguês. Isto é precisamente o que ocorre em muitos países avançados em que existe uma «aristocracia operária», que constitui a base dos partidos pseudo socialistas da II Internacional, e que, na realidade, é formada pelos piores inimigos do socialismo, ao qual traíram, pelos chauvinistas pequeno-burgueses, os agentes da burguesia no seio do movimento operário. O proletariado só atua como classe verdadeiramente revolucionaria, autenticamente socialista, quando em suas manifestações e atos procede como vanguarda de todos os trabalhadores e explorados, como seu chefe na luta para derrubar os exploradores, coisa que não pode ser levada a cabo sem a introdução da luta de classes no campo, sem o agrupamento das massas de trabalhadores rurais em torno do Partido Comunista do proletariado urbano, sem que este eduque aquelas.

2. As massas trabalhadoras e exploradas do campo, que o proletariado urbano deve conduzir à luta ou, pelo menos, atrair para seu lado, são representadas em todos os países capitalistas pelas classes seguintes:

Em primeiro lugar, pelo proletariado agrícola, os operários assalariados (contratados por ano, por temporada, por jornada), que ganham seu sustento trabalhando por salário em empresas agrícolas capitalistas. A tarefa fundamental dos Partidos Comunistas de todos os países consiste em organizar esta classe independentemente, à parte dos demais grupos da população rural (no terreno político, militar, sindical, cooperativo, cultural, etc.), desenvolver entre ela uma intensa propaganda e agitação, atraí-la para o lado do Poder Soviético e da ditadura do proletariado.

Em segundo lugar, pelos semiproletários ou camponeses que trabalham em parcelas, isto é, os que ganham seu sustento, em parte, por meio do trabalho assalariado em empresas capitalistas agrícolas e industriais e, em parte, trabalhando na terra própria ou tomada em arrendamento, o que lhes fornece apenas certa parte dos produtos necessários para a subsistência de suas famílias. Este grupo da população trabalhadora do campo é muito numeroso em todos os países capitalistas; os representantes da burguesia e os «socialistas» amarelos da II Internacional dissimulam sua existência e sua situação especial, em parte, enganando, conscientemente os operários e, em parte, caindo cegamente sob a influência da rotina das concepções vulgares e confundindo estes trabalhadores com a massa comum dos «camponeses» em geral. Tal processo de enganar à maneira burguesa os operários manifesta-se, sobretudo, na Alemanha e na França, e também nos Estados Unidos, assim como em outros países. Quando os Partidos Comunistas organizarem devidamente seu trabalho, este grupo será seu partidário seguro, porque a situação destes semiproletários é sumamente penosa e porque, sob o Poder Soviético e a ditadura do proletariado, suas vantagens serão enormes e imediatas.

Em terceiro lugar, pelos pequenos camponeses, isto é, os pequenos lavradores que possuem, quer como propriedade, quer por arrendamento, uma parcela de terra tão reduzida que, para cobrir as necessidades de suas famílias e de sua exploração, não precisam contratar assalariados. Esta categoria, como tal, sai ganhando de um modo absoluto com o triunfo do proletariado, que lhe garante imediata e completamente: a) supressão dos arrendamentos ou a eliminação da entrega de uma parte da colheita (por exemplo os métayers — parceiros — na França, bem como na Itália, etc.) aos grandes proprietários agrários; b) supressão das hipotecas; c) supressão das múltiplas formas de opressão e dependência em relação aos grandes proprietários agrários (usufruto dos bosques, etc.); d) ajuda imediata a suas explorações agrícolas por parte do poder estatal proletário (a possibilidade de empregar os instrumentos de lavra e parte das instalações das grandes empresas agrícolas capitalistas expropriadas pelo proletariado; a transformação imediata pelo poder estatal proletário das cooperativas e associações agrícolas — que sob o capitalismo serviam principalmente aos camponeses ricos e médios — em organizações destinadas a ajudar, em primeiro lugar, os camponeses pobres, isto é, os proletários, semiproletários o pequenos camponeses, etc.), e muitas outras vantagens.

Por outro lado, os Partidos Comunistas devem ter bem presente que no período de transição do capitalismo ao comunismo, ou seja, durante a ditadura do proletariado, neste setor, ou, pelo menos, em parte dele, são inevitáveis as vacilações, no sentido de tender a uma liberdade de comércio ilimitada. bem como a ter liberdade de exercer direitos de propriedade privada, pois este setor, já sendo (se bem que em pequena parte) vendedor de artigos de consumo, está corrompido pela especulação e pelos hábitos de proprietário. Não obstante, se o proletariado vitorioso segue uma política firme, se ajusta resolutamente as contas com os grandes proprietários de terra e os camponeses ricos, as vacilações deste setor não podem ser consideráveis e não poderão mudar o fato de que, em seu conjunto, estará do lado da revolução proletária.

3. Os três grupos assinalados, em seu conjunto, constituem em todos os países capitalistas a maioria da população rural. Por isso, está inteiramente assegurado o êxito da revolução proletária não só na cidade, mas também no campo. É muito difundida a opinião contrária, mas esta se mantém unicamente, primeiro, porque a ciência e a estatística burguesas empregam sistematicamente o embuste, dissimulando por todos os meios o profundo abismo que separa as classes rurais indicadas dos seus exploradores, latifundiários e capitalistas, bem como os semiproletários e os pequenos camponeses, de um lado, e os camponeses ricos, de outro; em segundo lugar, mantém-se devido à incapacidade e falta de desejo dos heróis da II Internacional amarela e da «aristocracia operária» dos países avançados, corrompida pelas sinecuras imperialistas, para desenvolver um verdadeiro trabalho proletário revolucionário de propaganda, agitação e organização entre os camponeses pobres; os oportunistas dirigiam e dirigem toda a sua atenção à tarefa de inventar formas de conciliação teórica e prática com a burguesia, inclusive o camponês rico e médio (deste falaremos mais adiante), e não à da derrubada revolucionaria do governo burguês e da burguesia pelo proletariado; em terceiro lugar, mantém-se devido à incompreensão obstinada, que já tem a solidez de um preconceito (relacionado com todos os preconceitos democrático-burgueses e parlamentares), desta verdade, perfeitamente demonstrada pelo marxismo no terreno teórico e completamente confirmada pela experiência da revolução proletária na Rússia, ou seja: que a população rural das três categorias acima citadas, embrutecida ao extremo, dispersada, oprimida, condenada em todos os países mais avançados a vegetar em condições de vida semibárbara, interessada do ponto-de-vista econômico, social e cultural no triunfo do socialismo, é capaz de apoiar energicamente o proletariado revolucionário somente depois deste ter conquistado o poder político, só depois deste ter ajustado definitivamente as contas com os grandes latifundiários e capitalistas, só depois de que esta gente oprimida veja na prática que tem um chefe e um defensor organizado, bastante poderoso e firme para ajudar e dirigir, para indicar o caminho acertado.

4. Por «camponeses médios», no sentido econômico, devem ser entendidos os pequenos agricultores que possuem, quer a título de propriedade, quer como arrendamento, pequenas parcelas de terra, de tal modo que, em primeiro lugar, proporcionem sob o capitalismo, em regra geral, não só o rendimento necessário para sustentar pobremente sua família e sua exploração agrícola, mas também a possibilidade de obter certo excedente, que pode, pelo menos nos melhores anos, converter-se em capital; e que, em segundo lugar, permitam recorrer, em muitos casos (por exemplo: em uma de cada duas ou três explorações agrícolas, ao emprego de mão-de-obra assalariada. Um exemplo concreto de campesinato médio em um país capitalista avançado é oferecido na Alemanha, segundo o censo de 1907, pelo grupo das explorações de 5 a 10 hectares, um terço das quais empregam operários assalariados.(1) Na França, país em que estão mais desenvolvidos os cultivos especiais, por exemplo, a viticultura, que requerem maior emprego de mão-de-obra, o grupo correspondente emprega, provavelmente, em proporções ainda maiores o trabalho assalariado.

O proletariado revolucionário não pode — pelo menos em futuro imediato e nos primeiros tempos do período da dita dura do proletariado — realizar o trabalho de atrair esta camada. Tem que se limitar à tarefa de neutralizá-la, isto é. de fazer com que seja neutra na luta entre o proletariado e a burguesia. As vacilações deste setor entre as duas forças são inevitáveis, e no início da nova época sua tendência predominante, nos países capitalistas desenvolvidos, será favorável à burguesia. Com efeito, aqui prevalecem a mentalidade e o espírito de proprietário; o interesse pela especulação, pela «liberdade» de comércio e de propriedade é imediato; o antagonismo em relação aos operários assalariados é direto. O proletariado triunfante melhorará imediatamente a situação deste setor, suprimindo os arrendamentos e as hipotecas. Na maioria dos Estados capitalistas o poder proletário não deve de modo algum suprimir imediata e completamente a propriedade privada; em todo caso, não só deverá garantir aos camponeses pequenos e médios a conservação de suas parcelas de terra, como também aumentá-las até as proporções da superfície que eles normalmente arrendam (supressão dos arrendamentos).

As medidas deste tipo, juntamente com a luta implacável contra a burguesia, garantem por completo o êxito da política de neutralização. A passagem para o cultivo coletivo só deve ser levada a cabo pelo poder estatal proletário com as maiores precauções e de modo gradativo, usando o exemplo, sem exercer coação alguma sobre os camponeses médios,

5. Os camponeses ricos (Grossbauern) são os patrões capitalistas na agricultura, que geralmente, exploram sua terra contratando vários assalariados; estes camponeses ricos só estão relacionados com o «campesinato» por seu nível cultural pouco elevado, por seu modo de viver, por seu trabalho pessoal manual em sua fazenda. Os camponeses ricos constituem o setor mais numeroso das camadas burguesas, inimigas diretas e decididas do proletariado revolucionário. Em seu trabalho no campo, os Partidos Comunistas devem prestar especial atenção à luta contra este setor, à libertação da maioria da população rural trabalhadora e explorada da influência ideológica e política destes exploradores, etc.

Depois do triunfo do proletariado na cidade surgirá inevitavelmente toda sorte de manifestações de resistência, de sabotagem e ações armadas diretas de caráter contrarrevolucionário por parte deste setor. Por esta razão, o proletariado revolucionário deve iniciar imediatamente a preparação ideológica e orgânica das forças necessárias para desarmar totalmente este setor e, juntamente com a derrubada dos capitalistas na indústria, descarregar-lhe, na primeira manifestação de resistência, o golpe mais decisivo, implacável, aniquilador, armando para esse fim o proletariado rural e organizando sovietes no campo, nos quais não se deve permitir a participação dos exploradores, assegurando o predomínio dos proletários e semiproletários.

Não obstante, a desapropriação, mesmo dos camponeses ricos, não deve ser de modo algum a tarefa imediata do proletariado vitorioso, pois ainda não existem condições materiais, particularmente técnicas, e tampouco sociais para coletivizar estas explorações. Em certos casos, provavelmente excepcionais, serão confiscados os lotes que são dados em arrendamento ou que são imprescindíveis aos camponeses pobres da vizinhança; a estes também será preciso garantir, sob determinadas condições, o usufruto gratuito, de parte da maquinaria agrícola dos camponeses ricos, etc. Mas, como regra geral, o poder estatal proletário deve deixar aos camponeses ricos suas terras, confiscando-as somente se opõem resistência ao poder dos trabalhadores e explorados. A experiência da revolução proletária da Rússia, onde a luta contra os camponeses ricos complicou-se e prolongou-se devido a uma série de condições especiais, demonstrou, apesar de tudo, que este setor, depois de receber uma boa lição à menor tentativa de resistência, é capaz de cumprir lealmente as tarefas que lhe atribui o Estado proletário, e até mesmo, se bem que com extraordinária lentidão, começa a ter respeito em relação ao poder que defende todos os trabalhadores e que se mostra implacável com os ricos parasitários.

As condições especiais que complicaram e frearam a luta do proletariado, já triunfante sobre a burguesia, contra os camponeses ricos da Rússia se reduzem principalmente a que a revolução russa, depois da insurreição do 25 de outubro (7 de novembro) de 1917, passou por uma fase de luta «democrática geral», isto é, em sua base, democrático-burguesa, de todo o campesinato em seu conjunto contra os latifundiários, em seguida, à debilidade cultural e numérica do proletariado urbano; e, finalmente, à enorme extensão do país e ao péssimo estado de suas vias de comunicação. Como nos países adiantados não existe este freio, o proletariado revolucionário da Europa e da América do Norte deve preparar mais energicamente e chegar com maior rapidez, decisão e êxito ao triunfo completo sobre a resistência dos camponeses ricos, deixá-los sem a menor possibilidade de opor resistência. Isto é absolutamente imprescindível, já que antes de obter este triunfo completo, definitivo, as massas de proletários e semiproletários rurais e de pequenos camponeses não estarão em condições de reconhecer como consolidado o poder estatal proletário.

6. O proletariado revolucionário deve proceder ao confisco imediato e absoluto das terras dos latifundiários e grandes proprietários, isto é, dos que, nos países capitalistas, exploram de modo sistemático, quer diretamente, quer por meio de seus arrendatários, os operários assalariados e os pequenos camponeses (às vezes inclusive camponeses médios) das regiões vizinhas, sem tomar parte alguma no trabalho manual, e que pertencem em sua maior parte a famílias descendentes dos senhores feudais (nobreza na Rússia, Alemanha e Hungria; senhores restaurados na França; lordes na Inglaterra; antigos escravistas na América do Norte), ou aos magnatas financeiros particularmente enriquecidos, ou ainda a uma mistura destas duas categorias de exploradores e parasitas.

Nas fileiras dos Partidos Comunistas não se deve permitir de modo algum a propaganda ou a aplicação de uma indenização em favor dos grandes latifundiários pelas terras expropriadas, porque nas condições atuais da Europa e da América do Norte isto significaria uma traição ao socialismo e uma carga de novos tributos sobre as massas trabalhadoras e exploradas, que são as que mais sofreram por causa da guerra, que multiplicou o número de milionários e aumentou suas riquezas.

Quanto ao modo de exploração das terras confiscadas pelo proletariado triunfante aos grandes latifundiários, a Rússia, devido a seu atraso econômico, realizou de preferência a repartição destas terras, entregando-as em usufruto aos camponeses: só em casos relativamente raros, o Estado proletário manteve as chamadas «explorações soviéticas», dirigindo-as por sua conta e transformando os antigos assalariados em membros dos sovietes que administram os bens do Estado. Nos países capitalistas avançados, a Internacional Comunista considera justo manter de preferência as grandes empresas agropecuárias e a exploração destas na forma das «explorações soviéticas» da Rússia.

Seria, entretanto, grave erro, exagerar ou generalizar esta norma e nunca admitir a entrega de uma parte da terra dos expropriadores expropriados aos pequenos camponeses, e às vezes até aos camponeses médios das regiões vizinhas.

Em primeiro lugar, a objeção habitual, que consiste em alegar que as grandes explorações agrícolas são tecnicamente superiores, reduz-se frequentemente a uma substituição de uma verdade teórica indiscutível pelo oportunismo da pior espécie e pela traição à revolução. Para assegurar o êxito desta revolução, o proletariado não tem o direito de se deter diante da diminuição momentânea da produção, assim como não se detiveram os burgueses inimigos do escravismo nos Estados Unidos diante de uma redução temporária da produção de algodão em consequência da guerra civil de 1863/1865. Para os burgueses a produção é um fim em si, mas aos trabalhadores e explorados importa acima de tudo derrubar os exploradores e assegurar as condições que lhes permitam trabalhar para si mesmos e não para o capitalista. A tarefa primordial e fundamental do proletariado consiste em garantir e consolidar seu triunfo. Não pode haver fortalecimento do poder proletário sem que sejam neutralizados os camponeses médios e sem que seja assegurado o apoio de uma parte bastante considerável dos pequenos camponeses, se não de sua totalidade.

Em segundo lugar, não só o aumento, mas a manutenção da grande produção agrícola supõe a existência de um proletariado rural completamente desenvolvido, com consciência revolucionaria, que tenha cursado uma escola sólida no sentido profissional, político e de organização. Onde falta esta condição e onde não existe possibilidade de confiar com proveito esta missão aos operários industriais conscientes e competentes, as tentativas de uma passagem prematura à direção das grandes explorações pelo Estado só podem comprometer o poder proletário; é necessário, portanto, o máximo cuidado e a mais sólida preparação na criação de «explorações soviéticas».

Em terceiro lugar, em todos os países capitalistas, mesmo nos mais avançados, subsistem ainda restos de exploração medieval, semifeudal, dos pequenos camponeses pelos grandes latifundiários, como, por exemplo, os Instleute(2) na Alemanha, os métayers na França, os parceiros-arrendatários nos Estados Unidos (não só os negros, que na maioria dos casos, nos Estados do Sul, são explorados precisamente deste modo, mas às vezes até os brancos). Em casos como estes, o Estado proletário tem o dever de entregar as terras em usufruto gratuito aos pequenos camponeses que as tinham em arrendamento, porque não existe outra base econômica e técnica, nem há possibilidade de criá-la de um só golpe e a porretadas.

Os bens das grandes explorações devem ser imediatamente confiscados e convertidos em patrimônio do Estado, com a condição expressa de que, depois de suprir com estes bens as grandes empresas agrícolas do Estado, os pequenos camponeses dos arredores possam utilizá-los gratuitamente, observando as condições fixadas pelo Estado proletário.

Se, nos primeiros momentos, depois de se levar a cabo a revolução proletária, é absolutamente indispensável não só expropriar sem demora os grandes latifundiários, mas até expulsá-los totalmente ou prendê-los como dirigentes da contrarrevolução e como opressores desapiedados de toda a população rural, à medida que se consolide o poder proletário não só na cidade, mas também no campo, é preciso tender sem falta e de modo sistemático a que as forças com que conta esta classe, possuidoras de grande experiência, de conhecimentos e de capacidade de organização, sejam aproveitadas (sob o controle especial dos operários comunistas mais firmes) na criação da grande agricultura socialista.

7. A vitória do socialismo sobre o capitalismo e a consolidação do primeiro só poderão ser consideradas como certas quando o poder proletário, uma vez esmagada definitivamente toda resistência dos exploradores e garantida a absoluta estabilidade e a subordinação completa a seu regime, reorganizar toda a indústria com base na grande produção coletiva e na técnica moderna (baseada na eletrificação de toda a economia). Somente isto permitirá à cidade prestar à aldeia atrasada e dispersa uma ajuda decisiva, de ordem técnica e social, no sentido de criar a base material para elevar em larga escala a produtividade do trabalho agrícola e do trabalho agropecuário em geral, estimulando assim, pelo exemplo, os pequenos lavradores a passar, em seu próprio benefício, à grande agricultura coletiva e mecanizada. Esta verdade teórica incontestável, que todos os socialistas reconhecem nominalmente, na prática é deformada pelo oportunismo, que predomina tanto na II Internacional amarela como entre os líderes dos «independentes» alemães ou ingleses, bem como entre os «longuetistas» franceses, etc. A deformação consiste em fixar a atenção em um futuro bonito, cor-de-rosa, relativamente longínquo, e afastá-la das tarefas imediatas que são impostas pela passagem e aproximação concreta e difícil a esse futuro. Na prática, isto se reduz a preconizar a conciliação com a burguesia e a «paz social», isto é, à traição completa do proletariado, que luta atualmente em condições de ruína econômica e depauperação sem precedentes, criadas em todos os lugares pela guerra, em condições de escandaloso enriquecimento e engrandecimento de um punhado de milionários, que o são precisamente graças à guerra.

Justamente no campo, a possibilidade efetiva de uma luta vitoriosa pelo socialismo reclama: primeiro, que todos os Partidos Comunistas eduquem o proletariado industrial na consciência de que são indispensáveis sacrifícios de sua parte e de que deve estar disposto a contribuir com esses sacrifícios em favor da derrubada da burguesia e da consolidação do poder proletário, pois a ditadura do proletariado significa tanto a capacidade deste para organizar e dirigir todas as massas trabalhadoras e exploradas, como a capacidade da vanguarda de fazer os maiores sacrifícios e demonstrar o maior heroísmo para conseguir este objetivo; em segundo lugar, para ter êxito, é necessário que a massa trabalhadora e mais explorada do campo obtenha do triunfo dos operários melhorias imediatas e sensíveis em sua situação às custas dos exploradores, pois sem isso o proletariado industrial não tem assegurado o apoio do campo e, em particular, não poderá de outro modo assegurar o abastecimento das cidades.

8. A enorme dificuldade de organizar e educar para a luta revolucionaria as massas trabalhadoras do campo, colocadas pelo capitalismo em condições de particular prostração, dispersão e, amiúde, de dependência semimedieval, impõe aos Partidos Comunistas o dever de prestar uma atenção especial à luta grevista no campo, ao apoio intenso e ao desenvolvimento múltiplo das greves de massas entre os proletários e semiproletários agrícolas. A experiência das revoluções russas de 1905 e 1917, confirmada e ampliada agora pela experiência da Alemanha e de outros países avançados, demonstra que só o desenvolvimento da luta grevista das massas (à qual, em certas condições, podem e devem ser incorporados, no campo, também os pequenos camponeses) é capaz de tirar o campo de sua letargia, despertar entre as massas exploradas da agricultura a consciência de classe, bem como a consciência da necessidade de se organizarem como classe, e revelar para elas, de modo patente e prático, a importância de sua aliança com os operários da cidade.

O Congresso da Internacional Comunista estigmatiza como traidores os socialistas — incluindo, infelizmente, não só a II Internacional amarela, mas também os três partidos mais importantes da Europa que se retiraram dela que não só são capazes de se mostrar indiferentes diante da luta grevista no campo, como até de manifestar-se contra ela (como fez K. Kautsky), alegando que provoca o perigo de uma diminuição da produção de artigos de consumo. Todo programa e toda declaração solene carecem de valor se na prática, nos fatos, não se demonstrar que os comunistas e os dirigentes operários sabem colocar acima de todas as coisas o desenvolvimento e o triunfo da revolução proletária e sabem fazer em seu nome os maiores sacrifícios, porque, do contrário, não há saída nem salvação da fome, da ruína econômica e de novas guerras imperialistas.

Em particular, é preciso assinalar que os dirigentes do velho socialismo e os representantes da «aristocracia operária», que no presente fazem amiúde concessões verbais ao comunismo e inclusive passam nominalmente para o lado deste, para conservar seu prestígio entre as massas operarias que se radicalizam rapidamente, devem provar sua lealdade à causa do proletariado e sua capacidade de ocupar cargos de responsabilidade, precisamente em ramos de trabalho em que o desenvolvimento da consciência e da luta revolucionárias é mais acentuado; em que a resistência dos latifundiários e da burguesia (camponeses ricos, culaques) é mais encarniçada; em que a diferença entre o socialista conciliador e o comunista revolucionário se manifesta com maior evidência.

9. Os Partidos Comunistas devem empenhar todos os esforços para iniciar o mais depressa possível a criação, no campo, de sovietes de deputados, em primeiro lugar, dos operários assalariados e semiproletários. Somente estando vinculados à luta grevista das massas e da classe mais oprimida, os sovietes serão capazes de realizar sua incumbência e fortalecer-se o suficiente para submeter à sua influência os pequenos camponeses. Mas, se a luta grevista ainda não está desenvolvida e é fraca a capacidade de organização do proletariado rural, devido ao peso da opressão dos latifundiários e camponeses ricos e à falta de apoio por parte dos operários industriais e de seus sindicatos, a criação de sovietes de deputados no campo reclama uma prolongada preparação: será preciso criar células comunistas, ainda que pequenas, desenvolver uma luta intensa de agitarão expondo as reivindicações do comunismo do modo mais popular possível e explicando-as com o exemplo das manifestações mais agudas da exploração e da opressão, organizar visitas sistemáticas dos operários industriais ao campo, etc.


Notas de rodapé:

(1) Damos cifras exatas: o número de explorações com 5 a 10 hectares era de ?52 798 [primeiro dígito ilegível] (em um total de 5 736 082); tinham 487 704 assalariados de toda espécie, havendo 2 003 633 operários da família (Familienangehörige). Na Àustria, segundo o censo de 1902, havia neste grupo 383 331 explorações, das quais 1 265 969 operários da família. O total das explorações era na Áustria de 2 856 349. (retornar ao texto)

(2) Arrendatários. (Nota da Compilação) (retornar ao texto)

Inclusão: 11/02/2022