Para o Décimo Aniversário do «Pravda»

V. I. Lénine

5 de maio de 1922

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Publicado: em 5 de Maio de 1922 no nº 98 do Pravda
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Edições "Avante!", 1977, t3, pp 606-608.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.45, pp. 173-177.
Transcrição e HTML: Manuel Gouveia
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo.

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Completaram-se dez anos desde a fundação do Pravda legal, do jornal diário legal - segundo as leis tsaristas - bolchevique(N307). Mas este decénio é precedido por aproximadamente outro decénio: nove anos (1903-1912), contando a partir do aparecimento do bolchevismo, e se se contar a partir da fundação do velho Iskra (1900), plenamente «bolchevique» quanto à sua orientação, então treze anos (1900-1912).

O décimo aniversário de um jornal diário bolchevique editado na Rússia... Apenas dez anos decorreram desde então! Mas foram vividos, no que diz respeito ao conteúdo da luta e do movimento neste período, uns cem anos. A rapidez do desenvolvimento social nos últimos cinco anos foi realmente sobrenatural se se empregar as velhas medidas, as medidas dos filisteus europeus, como os heróis das Internacionais II e II 1/2, esses filisteus civilizados que se habituaram a considerar «natural» que centenas de milhões de pessoas (mais de mil milhões, para ser exacto) nas colónias, nos países semidependentes e muito pobres, aceitem suportar um tratamento como com os hindus ou chineses, suportar uma exploração inaudita, uma pilhagem directa, a fome, as violências, os escárnios - tudo isso para que as pessoas «civilizadas» possam resolver «livre», «democrática» e «parlamentarmente» a questão de saber se é pacificamente que se deve dividir a presa ou se se deve exterminar uma dezena ou mais de milhões de pessoas para dividir a presa imperialista - ontem entre a Alemanha e a Inglaterra, amanhã entre o Japão e a América (com uma ou outra participação da França e da Inglaterra).

A razão principal dessa enorme aceleração do desenvolvimento mundial reside na incorporação nele de novas centenas e centenas de milhões de pessoas. A velha Europa burguesa e imperialista, que se tinha habituado a considerar-se o umbigo do mundo, apodreceu e rebentou na primeira carnificina imperialista como um abcesso fétido. Por mais que choraminguem a este propósito os Spengler e todos os filisteus instruídos que são capazes de se entusiasmar com ele (ou mesmo de o estudar), essa decadência da velha Europa significa apenas um dos episódios na história da queda da burguesia mundial, que se empanturrou com a pilhagem imperialista e com a opressão da maioria da população da Terra.

Essa maioria hoje acordou e começou um movimento que as potências mais fortes e «poderosas» não têm força para deter. Nada disso! Os actuais «vencedores» da primeira carnificina mundial não têm força para vencer nem a pequena, infimamente pequena Irlanda, não têm força para vencer nem mesmo a confusão criada entre eles próprios nas questões financeiras e monetárias. E a Índia e a China fervem. São mais de 700 milhões de pessoas. São, acrescentando os países asiáticos vizinhos e perfeitamente semelhantes a elas, mais de metade da população da Terra. Ali aproxima-se, e aproxima-se de modo irresistível e cada vez mais rapidamente, o ano de 1905, com a diferença essencial e enorme de que em 1905 a revolução na Rússia podia realizar-se ainda (pelo menos no início) de forma isolada, isto é, sem envolver logo na revolução outros países. Mas as revoluções que crescem na Índia e na China já hoje se integram e se integraram na luta revolucionária, no movimento revolucionário, na revolução internacional.

O décimo aniversário do Pravda bolchevique, diário legal, mostra-nos com evidência um dos marcos da grande aceleração da maior revolução mundial. Em 1906-1907 o tsarismo parecia ter derrotado a revolução por completo. O partido bolchevique soube, ao cabo de poucos anos, penetrar - sob outra forma, de maneira diferente - na cidadela do inimigo e iniciar o trabalho diário e «legal» para minar por dentro a maldita autocracia tsarista e latifundiária. Passaram-se ainda alguns anos, e a revolução proletária, organizada pelo bolchevismo, venceu.

Quando se fundou o velho Iskra, em 1900, participaram nisso cerca de uma dezena de revolucionários. Quando surgiu o bolchevismo, nisso participaram, nos congressos ilegais em Bruxelas e em Londres, em 1903, cerca de quatro dezenas de revolucionários(N308).

Em 1912-1913, quando surgiu o Pravda bolchevique legal, estavam por trás dele dezenas e centenas de milhares de operários, os quais, com as suas colectas copeque a copeque, venceram tanto a opressão do tsarismo como a concorrência dos traidores pequeno-burgueses ao socialismo, os mencheviques.

Em Novembro de 1917, nas eleições para a Assembleia Constituinte, votaram pelos bolcheviques 9 milhões dos 36 milhões de eleitores. Mas na realidade, não na votação mas na luta, com os bolcheviques estava, em fins de Outubro e em Novembro de 1917 a maioria do proletariado e do campesinato consciente, representada pela maioria dos delegados ao II Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, pela maioria da parte mais activa e consciente do povo trabalhador, isto é, do exército de então que contava com doze milhões de homens.

Tal é o pequeno quadro numérico da «aceleração» do movimento revolucionário mundial nos últimos vinte anos. É um quadro muito pequeno, muito incompleto, no qual está expressa de forma muito grosseira a história de um povo que tem no máximo 150 milhões de pessoas, enquanto nesses vinte anos a revolução se iniciou e se tornou uma força invencível em países com uma população de mil milhões e mais (toda a Ásia, sem esquecer, claro, a África Austral, que recordou há pouco a sua pretensão de serem homens e não escravos, e recordou-o de forma nada «parlamentar»).

E se alguns, peço desculpa por esta expressão, «spenglerzinhos» concluírem daí (pode-se esperar qualquer estupidez dos «inteligentes» chefes das Internacionais II e II 1/2) que com esse cálculo se exclui das forças revolucionárias o proletariado da Europa e da América, responder-lhes-emos: os «inteligentes» chefes acima citados raciocinam constantemente como se da circunstância de que nove meses depois da concepção se deve esperar o nascimento da criança, decorresse a possibilidade de determinar a hora e o minuto do parto, e a situação da criança durante o parto, e a situação da parturiente durante o parto, e o grau exacto de dores e perigos que terão de suportar a criança e a parturiente. Que homens tão «inteligentes»! Eles não podem, de modo algum, compreender que do ponto de vista do desenvolvimento da revolução internacional a transição do cartismo para os Henderson, que servem a burguesia, ou de Varlin para Renaudel, ou de Wilhelm Liebknecht e Bebel para Súdekum, Scheidemann e Noske é algo semelhante à «transição» de um automóvel duma estrada plana e lisa de centenas de verstas para um charco sujo e fétido nessa mesma estrada, para um charco de alguns archines.

São os próprios homens que criam a sua história. Mas os cartistas, os Varlin e os Liebknecht, criam-na com a sua cabeça e com o seu coração. E os chefes das Internacionais II e II 1/2 «criam-na» com partes do corpo bem diferentes: fertilizam o solo para os novos cartistas, para os novos Varlin, para os novos Liebknecht.

Enganarem-se a si próprios seria a coisa mais prejudicial para os revolucionários no dificílimo momento actual. Embora o bolchevismo se tenha tornado uma força internacional, embora em todos os países civilizados e avançados já tenham nascido novos cartistas, novos Varlin e novos Liebknecht que crescem sob a forma de partidos comunistas legais (como foi legal o nosso Pravda sob o tsarismo, há dez anos atrás), no entanto, a burguesia internacional continua a ser ainda incomparavelmente mais forte do que o seu adversário de classe. Essa burguesia, que fez tudo quanto dependia dela para dificultar o parto, para decuplicar os perigos e as dores do parto do poder proletário na Rússia, ainda está em condições de condenar a sofrimentos e à morte milhões e dezenas de milhões de pessoas por meio de guerras de guardas brancos, de guerras imperialistas, etc. Não devemos esquecer isto. Devemos fazer corresponder habilmente a nossa táctica a esta particularidade da situação actual. Por enquanto, a burguesia pode livremente martirizar, atormentar e assassinar. Mas ela não pode deter a inevitável e - do ponto de vista histórico mundial - não muito longínqua vitória completa do proletariado revolucionário.

2/V/1922


Notas de rodapé:

(N307) Pravda (A Verdade): diário bolchevique legal; o primeiro número do jornal foi publicado em Petersburgo em 22 de Abril (5 de Maio) de 1912. O Pravda surgiu nas condições de um novo ascenso revolucionário, quando percorria todo o país uma vaga de greves políticas de massas a propósito do massacre do Lena. O jornal era editado com fundos recolhidos pelos próprios operários; a sua difusão atingia os 40 000 exemplares, e a tiragem de certos números chegou aos 60 000 exemplares. Lénine caracterizava a criação de um diário operário como uma grande obra histórica realizada pelos operários de Petersburgo. O Pravda ligava diariamente o Partido às amplas massas populares. Em torno do jornal formou-se um numeroso exército de correspondentes operários. O Pravda era dirigido por Lénine, que escrevia quase diariamente para o jornal, dava indicações à sua redacção, conseguindo que o jornal fosse dirigido com espírito combativo, revolucionário. Na redacção do Pravda estava concentrada uma parte considerável do trabalho organizativo do Partido. Aí se realizavam encontros com representantes das células locais do Partido, aí chegavam informações sobre o trabalho do Partido nas fábricas, daí eram dadas directivas dos comités Central e de Petersburgo do Partido. O Pravda foi submetido a constantes perseguições policiais. Em 8 (21) de Julho de 1914 o jornal foi fechado. (retornar ao texto)

(N308) Alusão ao II Congresso do POSDR, realizado entre 17 de Julho e 10 de Agosto (30 de julho e 23 de Agosto) de 1903. As 13 primeiras sessões do Congresso realizaram-se em Bruxelas. Mais tarde, devido às perseguições policiais, as sessões do Congresso foram transferidas para Londres. Participaram no congresso 43 delegações que representavam 26 organizações. (retornar ao texto)

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Inclusão: 23/04/2020