Marx e os Sindicatos
O Marxismo Revolucionário e o Movimento Sindical

A. Losovski


Capítulo IX - Os Pseudo-Marxistas e os Críticos Sindicais de Marx


capa

“Qual a diferença essencial entre o Marxismo e as teorias pré-marxistas e pseudo-marxistas? Qual a linha divisória principal entre o marxismo e o pseudo-marxismo? Essa linha de demarcação, foi definida por Lenine, em seu célebre trabalho: “O Estado e a Revolução”, onde declara:

É marxista unicamente aquele que torna extensivo o reconhecimento da luta de classes à ditadura do proletariado. Nisto consiste a profunda diferença entre o marxista e o pequeno burguês (e o grande) vulgar. Esta é a pedra de toque, para comprovar se a concepção e o reconhecimento do marxismo são realmente efetivos.”

Se considerarmos sob este ponto de vista os críticos de Marx, no terreno sindical, comprovaremos que foi precisa mente a ditadura do proletariado a pedra de toque de todos os inimigos francos e mascarados do marxismo revolucionário. Isso não significa que tenham procurado refutar seriamente, com fatos nas mãos, a pedra angular da doutrina de Marx. Não! Os críticos sindicais de Marx começaram por evitar essa questão, abandonando-a para os “políticos puros”. Eduardo Berenstein, autêntico pai espiritual do social-fascismo, esclareceu e formulou as ideias que se agitavam nas cabeças de muitos elementos sindicalistas. Já em 1899, Berenstein publicou sua obra. “Premissas do Socialismo”, que, com toda a justiça, deve ser denominada a “Bíblia” da social-democracia contemporânea. Nesse trabalho de Berenstein, encontramos a democracia econômica, sua passagem ao socialismo mediante reformas sociais, a democratização da indústria por meio dos sindicatos, etc. Berenstein sentiu-se apoiado pelos sindicatos, quando publicou seu livro. Os dirigentes sindicais que se afastavam cada vez mais de Marx, tomaram alento, e, aproveitando-se do pretexto, reconheceram abertamente em Berenstein seu chefe e seu ideólogo. Antes desta obra de Berenstein, os pseudo-marxistas sindicais dissimulavam suas desavenças com Marx. Porém, após a publicação deste livro, “criticar” a Marx passou a ser uma prova de bom tom, entre os líderes dos sindicatos alemães. Os dirigentes sindicais não se ocupavam geralmente da teoria, reformavam as doutrinas de Marx, continuamente, desfiguravam-nas na prática, e invertiam os conceitos fundamentais sobre o papel dos sindicatos, no Estado capitalista. Se considerarmos, sob este ponto de vista histórico, os conceitos antimarxistas dos dirigentes sindicais, veremos que eram estas as suas diretrizes:

  1. A teoria da luta de classe é “em geral” justa; perde, porém, a sua significação à medida que crescem os sindicatos e se instaura a democracia.
  2. A revolução é um conceito caduco, correspondente aos graus inferiores do desenvolvimento social. O Estado democrático exclui a revolução e a luta revolucionária.
  3. A democracia assegura à classe proletária a passagem pacífica do capitalismo ao socialismo; por conseguinte, a ditadura do proletariado não está, nem pode estar, na ordem do dia.
  4. A teoria do pauperismo foi lógica em seu tempo; atualmente está deslocada.
  5. Na época de Marx, era justo, talvez, o papel dirigente do Partido, nos sindicatos. Atualmente, porém, só a neutralidade em face dos partidos e da política pode assegurar o desenvolvimento normal do movimento sindical.
  6. Na época de Marx, talvez houvesse necessidade de considerar as greves como uma das armas mais importantes de luta; atualmente, porém, os sindicatos cresceram, etc., etc..

De maneira que tudo se reduz a dizer que o marxismo envelheceu, e que é necessário revê-lo, corrigi-lo, completá-lo. A correção era feita pela social-democracia e pelos sindicatos, estabelecendo-se entre eles uma divisão de trabalho. Antes da guerra, tudo isso era feito sob a justificativa de “enriquecer e desenvolver o marxismo, baseando-se na própria teoria de Marx.”

O movimento sindical alemão e austríaco era considerado como de orientação puramente marxista. Explorou, durante largos anos, o nome de Marx, e fez dele o mesmo que a social-democracia alemã. Lenine o diz eloquentemente:

“As doutrinas de Marx têm hoje a mesma sorte que coube, na história, às de outros pensadores revolucionários e caudilhos do movimento libertador das classes oprimidas. Os grandes revolucionários sofrem durante a vida constantes perseguições por parte das classes opressoras. Suas doutrinas provocam rancor, ódios furiosos e ataques ininterruptos, onde desempenham papel principal a falsidade e a calúnia. Tentam, após sua morte, convertê-lo em mansos cordeiros, canonizando-os, por assim dizer, cercando de glória seus nomes, para ‘consolar’ os oprimidos e enganá-los. Mas, na verdade, o fim colimado é modificar a finalidade das armas revolucionárias, desnaturando a essência real das teorias.

É, justamente, o que vemos hoje no marxismo, cuja adulteração é feita pelos burgueses e oportunistas do movimento proletário. Truncam, alteram, deformam o aspecto revolucionário da doutrina — sua alma revolucionária — para pôr unicamente em relevo o que é, ou parece aceitável à burguesia.

Em nossos dias, todos os sociais-patriotas são marxistas, e não o tomeis por chalaça! Não há como ver e ouvir esses professores da burguesia alemã, que tanto se distinguiram por seus esforços, para pulverizar o marxismo. E como falam, de Marx “nacional” e germânico, do Marx que, segundo eles, educou os sindicatos proletários tão magnificamente organizados, para uma guerra de rapina.”(1)

Os dirigentes sindicais da Alemanha não poupavam palavras para glorificar Marx, ao mesmo tempo que toda a teoria e prática do movimento sindical alemão eram diametralmente opostas à teoria e prática marxistas. À proporção que o capitalismo alemão se fortalecia, sua influência estendia-se com maior rapidez sobre novos mercados, verificando-se a aproximação ideológica entre os capitalistas alemães e a alta direção do movimento sindical. Basta mencionar a atuação dos sindicatos alemães, manifestando-se, em 1905, contra a greve de 1.° de maio, contra as greves políticas, e, em geral, as manifestações dos mesmos sindicatos, durante anos, contra todas as tentativas de luta concreta contra a guerra. Basta recordar as tendências imperialistas, que antes da guerra já surgiam abertamente, tanto no partido social-democrata como nos sindicatos. Isso é insuficiente para concluir que o marxismo serviu apenas de rótulo, para os sindicatos reformistas da Alemanha. Marx escrevia em 1848, que “os proletários não têm pátria, não se lhes pode privar de uma coisa que não têm”. Mas os “marxistas” germânicos fizeram sua pátria da Alemanha imperialista e, pela vitória desta, transformaram-se em fornecedores de carne de canhão para o front.

Marx falou e escreveu sobre a luta de classes. Consagrou sua vida à luta, para converter a classe proletária em uma classe independente, para arrancá-la das garras da burguesia.

“Os sindicatos — escreve o apologista do movimento sindical reformista alemão — Nestripke — devem exigir a participação de operários e empregados na admissão e dispensa de trabalhadores da empresa respectiva, porém, devem cuidar ao mesmo tempo, mediante normas adequadas, da educação e da influência moral sobre cada trabalhador em particular, e sobre todos os trabalhadores em geral, para que o seu estado econômico não depereça, em consequência do abuso desse direito por parte dos operários, evitando prejuízos aos seus interesses vitais.(2)

Desta maneira, os sindicatos transformam-se em guardiães da mais-valia capitalista, sobre pretexto de “participar na direção econômica e técnica das empresas.”

Toda doutrina de Marx sobre a luta de classes e sindicatos, órgãos de luta contra o capital, foi substituída pela teoria da democracia econômica e da igualdade entre o trabalho e o capital, com a respectiva conservação, em mãos capitalistas, da propriedade privada sobre os meios de produção. Se a classe proletária “participa” da organização da economia nacional, tem interesse em conservá-la e defendê-la das forças destruidoras!... E foi assim que os sindicatos reformistas transformaram-se em cúmplices da burguesia no aniquilamento do movimento revolucionário, de todos os que se levantam contra o domínio do capital.

Enquanto Marx fixou a questão da ditadura do proletariado, os “marxistas” alemães demonstraram, há muitos anos, que a ditadura do proletariado é uma invenção de Moscou. A única forma de Estado aceitável para os sindicatos, é a democracia burguesa. Enquanto Marx demonstrou ser o Estado um aparelhamento de opressão de uma classe sobre outra, os “marxistas” austro-germânicos, que chefiavam os sindicatos desses países, demonstravam que o Estado democrático está acima das classes, sendo o único arbitro legítimo nos conflitos entre o trabalho e o capital.

Marx provou que, para o proletariado obter algo da burguesia, deve sustentar uma batalha incansável, desenvolver todas as formas de luta, e, sobretudo, as greves. Os “marxistas” alemães consideram essa teoria envelhecida, julgavam que “as greves presentes são sempre arriscadas”, que “as greves tornam-se tanto mais perigosas, (para quem? A. L.), em um país onde a indústria moderna está desenvolvida, com grandes empresas e organizações patronais”; que “os sindicatos profissionais, (isto é, os burocratas sindicais. A. L.), vivendo de acordo com a economia moderna, sentem muito menos desejos de luta”; que “a luta econômica, nas condições de uma economia desenvolvida, baseia-se em negociações, na arte de sondar e de esperar”; por fim, esta última pérola tomada do arsenal tático de Legiens: “quanto mais prudente na apresentação das suas reivindicações; quanto mais insiste em sua realização; quanto menos aplica o último recurso, a greve, tanto mais facilmente obterá, com a marcha do tempo, êxitos sem luta.”(3)

Conclusão: a razão não estava com Marx, quando afirmava que a classe proletária nada obteria sem luta. Nestripke, acompanhado pelos dirigentes dos sindicatos alemães, refuta tudo isso. Essa gente, como vemos, alcança vitórias sem luta. O conhecido escritor militar Klausewitz escreveu “é impossível substituir a batalha por algum equivalente”. Porém os dirigentes sindicais alemães conseguiram inventar o meio de alcançar êxito (para quem? A. L.) sem luta. Quem duvidar desta eficácia milagrosa, desta tática (o êxito sem luta), pode dirigir-se à história da Alemanha, e verá que 14 anos de “êxitos” conduziram a Hitler.

Ainda alguns exemplos sobre a degradação desses “marxistas”. No Congresso dos sindicatos alemães de Hamburgo (1918), o relator oficial Naphtali declarou, solenemente, que “o movimento sindical conseguiu opor-se a uma das tendências decisivas do capitalismo e vencê-la, a tendência ao pauperismo... e que “a elevação da classe proletária é um fato”. O teórico da Central Sindical da Alemanha, Tarnov, disse:

“Somos políticos realistas... Nisso nos diferenciamos da velha concepção que predominava no movimento proletário. Essa concepção não pode prevalecer mais, porque a opinião de outros tempos, apesar de justa, sobre as tendências do capitalismo, transformou-se numa ideologia petrificada (!). As antigas concepções (referindo-se a Marx), tendiam, no fundo, à renúncia à luta. Nós oferecemos à massa trabalhadora um ponto de vista mais otimista.”

Na verdade, Tarnov é “melhor” ainda que Nestripke. A antiga concepção de Marx dizia: “Luta, e obterás o teu”. A nova concepção, diz: “Não lutes; espera e alcançarás muito mais”; finalmente, para fechar com chave de ouro mais uma citação de Tarnov, tirada de seu livro “Para Que Ser Pobre?”;

“A pobreza não é uma necessidade econômica. É uma enfermidade social, cuja possibilidade de cura ainda está indubitavelmente dentro dos marcos da economia capitalista.”

Efetivamente, para que ser pobre, quando se pode passar ao campo da burguesia e acomodar-se no banquete? O livro de Tarnov e seu conteúdo fazem recordar as propagandas americanas, “para que ter calos?”, onde se explica aos respeitáveis leitores tratar-se de doença curável por 50 cêntimos, “dentro dos marcos do regime capitalista”. Teóricos “calistas”, como Tarnov, formigam na Central Sindical Alemã reformista. Solucionaram satisfatoriamente, para eles, a questão da pobreza...

Circula nos meios burocráticos sindicais reformistas da Alemanha, uma anedota relatada pelo professor Eric Nelting, recebida entre gargalhadas pelos assistentes do Congresso dos trabalhadores de madeira da Alemanha:

“O economista sueco Swen Hollander veio certa vez à Alemanha com intenção de visitar, em Treves, a casa onde nasceu Karl Marx. Com grande assombro seu, ninguém soube informar-lhe onde se encontrava a casa. Vagando pelas ruas, viu um edifício que ostentava uma bandeira rubra, e pensou que, seguramente, esta deveria ser a casa onde nasceu Marx. Sua suspeita foi confirmada por uma inscrição, que dizia: “Casa dos sindicatos de Treves.” Quando entrou, um dos empregados explicou-lhe que Marx não havia nascido ali: aquela era a Casa dos sindicatos. A casa onde Marx nasceu é demasiado pequena para os sindicatos; porém está localizada na vizinhança.”

Depois de contar esta “interessante” anedota, o professor Nelting comentou-a da seguinte maneira:

“Esta anedota caracteriza magistralmente a estreita vizinhança em que ainda hoje se encontram os sindicatos, em face da doutrina de Marx. Por outro lado, a anedota demonstra que os sindicatos viram-se na necessidade de adiantar-se a Marx. Entre o capitalismo e o socialismo, há uma etapa transitória, que, a meu juízo, se caracteriza por três fases: sob o ponto de vista político, governos de coalisão; sob o ponto de vista jurídico, direito proletário; sob o ponto de vista econômico, democracia fabril e econômica... Os sindicatos supõem, logicamente, em todos os seus atos, que o capitalismo possui tabiques elásticos, e que, nas condições do capitalismo, oculta-se a possibilidade de um melhoramento e de uma ascensão substanciais.”(4)

Agora o quadro está completo. Conseguiram “adiantar-se” a Marx. A casa de Marx já é demasiadamente reduzida para os burocratas sindicais alemães. E que verdade! A casa de Etinnes, este grande aproveitador da guerra e da especulação, é muito ampla. Não foi em vão que Etinnes deu a um de seus bancos o nome de Carlos Legien, dirigente por muitos anos do movimento sindical alemão. As casas de Hindemburg, de Bruing, de Hitler, são mais vastas. O presidente da C. G. T. alemã, Leipart, gostaria de introduzir-se entre os lacaios dessas suntuosas mansões. A casa do presidente da União de Fabricantes alemães, Borsig, é muito maior. Não foi por casualidade que o senhor Leipart enviara um telegrama de pêsames à União industrial, pela morte daquele “generoso” senhor. Se tudo isso é “marxismo”, que nome então, deve-se dar à desfaçatez e à cínica traição? Como explicar esta completa renúncia aos princípios elementares do movimento proletário? Pelo temor às massas e à revolução.

Essa “massafobia”, esse temor às massas por parte dos burocratas sindicais alemães, assume um relevo especial depois da ascensão de Hitler ao poder.

A massa dos sindicatos inquieta-se, e exige a frente única com os comunistas. E que faz a central sindical alemã que ainda agrupa milhões de operários? Em 20 de fevereiro de 1933, a C. G. T. alemã dirige-se a Hindemburg, com uma carta onde os “líderes operários” suplicam ao marechal que intervenha em defesa dos trabalhadores. Nela, lemos estas lamúrias:

Dirigimo-nos a vós, presidente do Estado Alemão, por serdes o salvador da Constituição.

Dirige-se a vós uma organização alemã, que conta em suas fileiras milhões de antigos combatentes do front. Se estes milhões de homens, entre os quais há partidários de diferentes partidos políticos, derramaram seu sangue durante a guerra mundial, não foi com o fim de tolerar que, 15 anos depois, os órgãos responsáveis do Estado alemão declarem que eles não são forças positivas do mesmo. Ninguém na Alemanha de hoje pode afirmar que os combatentes da guerra, e suas organizações, são alemães destituídos de seus direitos, nem tratá-los desta maneira. Esperamos que vós, sr. presidente, chefe militar durante a guerra mundial, contesteis energicamente a injúria atirada a milhões de velhos combatentes.

Esta lacrimosa súplica constitui o documento mais sedicioso até agora publicado, mesmo pelos sindicatos alemães. Além de tudo, queixar-se ante Hindemburg contra Hitler, é queixar-se do demônio a Lúcifer. Aliás, essa invocação aos méritos militares e patrióticos, usada como argumento de defesa contra os ataques fascistas, produz lamentável impressão. Foi assim que os “chefes marxistas” dos sindicatos da Alemanha decaíram de capitulação em capitulação, até ajoelharem-se aos pés do marechal Hindemburg!

Referindo-se ao partido dos progressistas de seu tempo, disse Lassalle: “seu grande princípio essencial é: antes o despotismo que uma baixa revolução.”(5) Este “grande e essencial princípio” é precisamente a linha de conduta dos “marxistas’’ da II Internacional, e da Internacional Sindical de Amsterdam.

Quando os “marxistas” austro-alemães, viciando as doutrinas de Marx, passaram do método do trabalho de sapa, ao ataque descarado, vestindo ainda por tradição a roupagem marxista, o anarquismo e o anarco-sindicalismo mantinham guerra aberta contra Marx e sua doutrina. Os anarquistas e os anarco-sindicalistas consideram o procedimento oportunista dos socialistas franceses, alemães, etc, uma consequência de suas concepções marxistas. O oportunismo e o revisionismo apresentam-se às massas como marxismo. Esta crítica “da esquerda” e a amarga experiência da política oportunista dos partidos socialistas dos países latinos, (França, Espanha), despertaram numa parte do proletariado, a desconfiança no marxismo em geral. Entre os críticos do marxismo, havia um grupo francês que tentou “depurar” Marx, para coroá-lo como teórico do movimento anarco-sindicalista. Tentativas para combinar as doutrinas de Marx com o anarco-sindicalismo, foram feitas por Lagardelle, Sorel, Berthe, Arturo Labriola, de Leone, etc.. O mais talentoso deles, George Sorel, declara em seu livro “A decomposição do marxismo”, que aceita “o marxismo de Marx”, porém renega seus comentadores tipo Berenstein, etc.. Eis uma atitude que poderia ser aprovada, se ao lado da crítica a Berenstein, justa, embora insuficiente, Sorel não tivesse feito de Marx um Proudhon estilizado. Eis o que escreve Sorel:

“Do marxismo, dever-se-ia dizer que é a ‘filosofia dos braços’ e não filosofia do cérebro. Porque Marx só considera este objetivo: convencer a classe proletária de que todo seu futuro depende da luta de classes, atraí-la ao caminho onde esta se acha, organizando-se para a luta, meios de viver sem patrões. Por outro lado, o marxismo não deve confundir-se com os partidos políticos, por revolucionários que sejam. Porque estes vêm-se obrigados a funcionar como partidos burgueses, modificando sua fisionomia, de acordo com as circunstâncias relacionadas com as campanhas eleitorais, e assumindo, em caso de necessidade, compromissos com outros grupos, que têm clientela eleitoral semelhante, enquanto o marxismo permanece invariavelmente ligado à concepção de uma revolução absoluta.

Há alguns anos, podia-se pensar que o tempo do marxismo havia passado, e que esta, como muitas outras doutrinas filosóficas, devia ocupar um lugar na necrópole dos deuses mortos. Somente um acidente histórico podia restituir-lhe a vida. Necessitava-se, para isso, de uma organização do proletariado, com intenções puramente revolucionárias, isto é, separando-se completamente da burguesia... Mas resulta que os doutores do marxismo desorientaram-se em face duma organização baseada no princípio da luta de classes, compreendida no sentido estrito da palavra (trata-se dos sindicatos A. L.).

Para sair das dificuldades, lançaram-se com indignação contra a nova ofensiva do anarquismo, porque numerosos anarquistas, seguindo o conselho de Pelloutier, ingressaram nos sindicatos e nas bolsas de Trabalho.

A nova escola não pretendia formar um novo partido, que viesse disputar aos demais sua clientela operária. Sua ambição era outra; pretendia compreender a natureza do movimento, que parecia ininteligível para todo mundo. Procedeu de modo radicalmente diferente de Berenstein.

Afastou, pouco a pouco, todas as fórmulas emanadas, tanto do utopismo como do blanquismo, depurando assim o marxismo tradicional de tudo que não era especificamente marxista e procurou guardar somente o que constituía, em sua opinião, a essência fundamental da doutrina. E assim foi assegurada a glória de Marx.

A catástrofe que servia de pedra de escândalo aos socialistas desejosos de combinar o marxismo com a prática dos homens políticos da democracia, encontra-se em perfeita concordância com a greve geral, que, para os sindicalistas revolucionários, representa a aproximação do mundo futuro.”(6)

Eis tudo o que se pode encontrar nessa crítica de “esquerda”. É certo que não há confundir-se marxismo com parlamentarismo, e que o marxismo liga o futuro à luta de classes. Porém, é triplamente falso que “o ingresso de anarquistas nos sindicatos”, e a “criação duma teoria e prática anarco-sindicalistas” contribuam para a glória de Marx. É falso que a teoria da catástrofe, defendida por Marx, e a greve geral anarquista, sejam a mesma coisa.

Marx fala da luta pelo poder, da implantação da ditadura do proletariado, ao passo que os anarquistas e anarco-sindicalistas têm confundido até hoje, consciente ou inconscientemente, a teoria revolucionária de Marx com seus falsificadores. O que para Sorel significa a decomposição do marxismo, é a decomposição dos críticos de Marx. As tentativas de Sorel, para injetar no marxismo o sangue anarco-sindicalista, não deram resultado.

O neomarxismo resultou numa sopa eclética. Tudo isso, porque Sorel e discípulos não compreenderam o principal ensinamento de Marx: a ditadura do proletariado. Qual era o laço de união entre o sindicalismo e o marxismo revolucionário? — O protesto contra o cretinismo parlamentar, contra a colaboração com a burguesia. Quais as conclusões tiradas pelo sindicalismo revolucionário deste fato? Atribuir todo o mal ao Estado e às eleições parlamentares. E o resultado foi: renunciar à participação nas eleições parlamentares, rechaçar toda a ditadura e o problema ficará resolvido! Quais as conclusões tiradas pelo marxismo revolucionário? O marxismo considerava indispensável aproveitar o parlamento e as eleições parlamentares, destruir, à maneira revolucionária, bolchevista, o estado burguês, implantar o período transitório da ditadura do proletariado.

Ao repudiar a política, Sorel negava a necessidade do partido político do proletariado, chegava à tese fundamental do anarco-sindicalismo; o sindicato basta para tudo. Ao regar o Estado e a necessidade da ditadura do proletariado, Sorel repudiava a insurreição armada e a substituía pela “greve de braços cruzados”. Como não compreende a marcha e as tendências do desenvolvimento do capitalismo, Sorel cria a teoria do “mito social”, nega a necessidade da violência, preenchendo assim a lacuna que havia em sua concepção.

Seus companheiros de armas e discípulos pregavam ideias vulgares, reformistas, encobrindo-as com frases de esquerda. “A revolução — escreve Arturo Labriola — surge do seio do processo econômico, de transformações consecutivas.” Lagardelle procura substituir “o direito capitalista” por um novo direito, dentro dos limites do sistema capitalista, e Eduardo Berthe vê, tanto em Proudhon como em Marx, “os precursores teóricos do sindicalismo revolucionário”.

Já vimos em detalhes como Marx “combinava” seus conceitos como os de Proudhon. A síntese da filosofia proletária de Marx e as teorias pequeno-burguesas de Proudhon, não podiam deixar de conduzir a uma confusão teórica e falsa orientação política. E é isso, justamente, o que vemos no anarco-sindicalismo francês de pré-guerra. O anarco-sindicalismo, que adotou uma brilhante roupagem de “terrível esquerdismo” durante a guerra imperialista, ao ajustar seu passo às internacionais socialistas e sindicais, passou a seguir o carro do imperialismo.

Assim ficou provada a comunhão ideológica e política dos reformadores direitistas e esquerdistas de Marx. Não é o anarco-sindicalismo, tão orgulhoso do seu espírito revolucionário, mas sim o bolchevismo “surgido da base granítica do marxismo” (Lenine), que salvou a honra do movimento revolucionário.

A história nos deu a possibilidade de verificar o marxismo revolucionário (U. R. S. S.), o reformismo (Alemanha) e o anarco-sindicalismo (Espanha), na experiência da revolução. Temos aqui três revoluções, em que é possível, baseados na experiência, demonstrar a justeza da sua teoria e política. Sabemos que a U. R. S. S. levou a cabo. vitoriosamente, o 1.° plano quinquenal, graças à consequente realização do programa bolchevista revolucionário e marxista. Sabemos que os catorze anos de política social democrata, conduziram o proletariado alemão a penúrias inauditas, ao domínio sangrento do garrote fascista, à ofensiva furiosa contra a classe proletária. Finalmente, não ignoramos que os anarco-sindicalistas de Espanha, que estavam à frente de grande massa do proletariado espanhol, conduzem essa classe de derrota em derrota; sabemos que parte dos anarco-sindicalistas apoia abertamente a república burguesa, enquanto a outra desperdiça com sua política as forças dos proletários, nega-se a preparar as massas para a tomada do poder, seguindo o mesmo caminho dos Soviets, facilitando assim à burguesia espanhola o esmagamento sangrento do movimento operário e camponês. Tais são os fatos inexoráveis e irrefutáveis. Que valem pois, neste caso, as lamentações antimarxistas do órgão central da C. N. T. anarco-sindicalista de Espanha, “Solidariedad Obrera”? Eis o que lemos nesse jornal:

A social democracia, chamada atualmente social-fascismo por seu filhos comunistas, é um produto específico do marxismo. O comunismo, queira ou não, é filho legítimo do social-fascismo.

São tão iguais, que, onde os sociais-democratas aplicam a fraseologia revolucionária, como na Áustria, o comunismo não pode existir por lhe faltar a base: sua fraseologia”.(7)

Que engenhosos! Os sociais-democratas são marxistas, os comunistas são marxistas. Por consequência, comunistas e sociais-democratas são a mesma coisa. Este arrazoamento recorda a famosa fórmula “matemática”: “o semi- morto é igual ao semivivo; por conseguinte, o morto é igual ao vivo”. Não, cidadão Orobón! Não conseguirás nem na Espanha, meter num saco só, os que se encontram em diversas partes da barricada. Não conseguirás confundir num só bloco os marxistas revolucionários e os reformistas, que se combatem mutuamente com armas na mão. Prova, pois, não com charlatanismo, mas com fatos, de que és capaz de vencer a burguesia. Afirmas que a ditadura do proletariado não faz mais que criar outra oligarquia. Teu companheiro Chelso admira-se, no mesmo periódico, de que nossos irmãos se baseiam, em sua luta emancipadora, na baixa e artificial ideologia, representada pelo marxismo dogmático e anacrônico, e Máximo Libert fala no mesmo jornal, aos proprietários espanhóis, da influência do “imperialismo vermelho”, criado sob o fogo do “sedicioso revolucionarismo bolchevista”. E acrescenta que “não há diferença notória entre a concepção cesarista do rei (Luís XIV), e o jacobismo governamental do ditador soviética (Lenine) ”.

Que dizer a propósito dessa declaração contra os bolchevistas? Somente isto: os anarquistas não vêm diferença entre a ditadura que fuzila os latifundiários e os capitalistas e a ditadura que assassina os trabalhadores. Já que os anarco-sindicalistas escolheram como alvo de seus ataques a Internacional Comunista e a Internacional Sindical Vermelha na questão da ditadura do proletariado, ou, como escreve o mesmo Libert, da “ditadura de quartel”, tornemos a repetir a pergunta: por que os anarco-sindicalistas, pretensos revolucionários, não conseguiram acertar até agora um só golpe sério na burguesia espanhola, apesar do heroísmo admirável, da abnegação sem limites e da combatividade modelar do proletariado espanhol?

Pode-se declamar dia e noite contra o marxismo; esses discursos não serão convincentes. Sabemos a causa da atitude anarco-sindicalista e conseguiremos propalá-la a todos os trabalhadores espanhóis.

Como é possível vencer a burguesia, se os componentes do órgão central da C. N. T. expressam, por exemplo, pensamentos “tão profundos” como estes?:

“As frações do socialismo governamental, como atualmente na Rússia, querem consolidar o poder político, para depois destruí-lo, segundo afirmam. O anarquismo, pelo contrário, destrói e dissolve esse poder, apesar dos neo-revolucionários, que bebem ensinamentos de filosofia nas universidades moscovitas. Sem tal precedente, é impossível a verdadeira revolução social. Entre a revolução concebida pelos partidos (isto é, o Partido Comunista) e a desejada pela C. N. T., há um abismo. Nossa revolução pertence ao presente; a revolução do socialismo autoritário estatal pertence ao passado. Com a revolução russa, encerrou-se o ciclo de revoluções partidárias.”(8)

Se a revolução do tipo da de outubro é a última, qual prometem então os anarco-sindicalistas da Espanha ao proletariado internacional? Creem, por acaso, que o proletariado alemão, para combater Hitler, deve aprender, não dos bolchevistas, que esmagaram a burguesia, mas dos anarquistas, que conduzem o proletariado de derrota em derrota? Deve o proletariado seguir os preceitos da “Comuna” de Paris, criando um novo tipo de Estado e atuar como osbolchevistas, desde 1817, até 1933, ou tomar o exemplo dos bakuninistas de 1873 e dos anarco-sindicalistas dos anos 1931-1933? Por que suporão os anarquistas que os trabalhadores dos países capitalistas hão de preferir a derrota à vitória? É certo que há um abismo entre opiniões deste gênero e o comunismo; porém, em troca, esse abismo não existe entre os proletários anarquistas e o comunismo. Os chefes anarquistas convencem-se disto na prática, ao sentirem que dia a dia desaparece sua influência sobre as massas proletárias, que os seguiam.

Resta-nos examinar o ataque unificado dos reformistas e anarco-sindicalistas de todos os matizes, contra o papel dirigente do partido no movimento sindical. Examinaremos também seus esforços aproveitando para isso o nome de Marx. Já há 60 anos, que os anarco-sindicalistas e reformistas afirmam que Marx foi partidário da neutralidade dos sindicatos. Como pretexto, evocam a pretensa entrevista de Marx com o operário metalúrgico de Hanover, Hammann, publicada em 1869:

“Se os sindicatos quiserem atingir seus objetivos, jamais se devem pôr em conexão com associação política, ou fazerem-se dependentes dela. Não agir deste modo, significa vibrar-lhes golpe mortal. Os sindicatos são a escola do socialismo. Nos sindicatos, os trabalhadores educar-se-ão como socialistas, porque aí assistem diariamente, de maneira palpável, à luta contra o capital. Os partidos políticos, sem exceção, seja como for, entusiasmam a massa proletária, embora temporariamente. Os sindicatos, porém, unem, permanentemente, a massa dos trabalhadores. Só eles estão em condições de representar o verdadeiro partido de classe, opondo legítimo baluarte ao poder do capital. A grande massa dos trabalhadores convenceu-se de que sua situação material deve ser melhorada, seja qual for o partido a que pertençam. O trabalhador só pode educar os filhos, quando sua situação é melhorada. Neste caso, as esposas e filhos não necessitam mais de sepultar-se nas fábricas; o próprio trabalhador poderá educar melhor o espírito e cuidar mais de seu corpo. Chegará a ser socialista, sem suspeitá-lo...”(9)

Esta entrevista foi manifestamente “retocada” por Hammann, porque contém uma série de afirmações contrárias ao que Marx escreveu e disse, durante sua vida.

Marx não pertence ao número de homens que podem escrever uma coisa e dizer outra. Ele não poderia ter dito que todos os partidos políticos “sem exceção”, atraem, passageiramente, os proletários. Que se passou, portanto? Evidentemente, Hammann, interessado na “independência” dos sindicatos, “retocou” o texto, suprimindo as palavras que indicam expressamente que essa afirmativa se refere aos partidos burgueses, dando-lhe, assim, um significado diferente.

Deste modo, converteu Marx em “partidário da independência.” Para certificar-se de que as coisas se passaram dessa maneira, basta considerar a forma por que fez a pergunta:

“Minha primeira pergunta ao Dr. Marx — declara — foi a seguinte:

Devem os sindicatos depender preferentemente de uma organização política, para serem viáveis?

Esse modo de apresentar a questão demonstra qual a resposta que Hammann queria obter. E isto nos permite afirmar ter ele próprio “retocada” a entrevista, dando-lhe assim a forma e o conteúdo desejado. Porém, é estranho que um partido bolchevista, como o Partido Comunista Alemão, incluísse esta entrevista num apêndice às edições populares dos trabalhos fundamentais de Marx, sem acompanhá-la de comentários sérios, capazes de liquidar a questão.

O camarada Stalin escreve:

“A teoria oportunista da ‘independência’ e da ‘neutralidade’ das organizações sem partido, que produz parlamentares independentes e publicistas desligados do partido, dirigentes sindicais de estreita visão, e cooperativistas aburguesados, é absolutamente incompatível com a teoria e a prática do Leninismo.”(10)

Esta é a posição do marxismo revolucionário com referência à “independência” do movimento sindical. Os reformistas e os partidários da independência sindical de todos os países agarram-se a textos adulterados, para impedir a penetração do bolchevismo nas massas dos proletários organizados e desorganizados.

Todos os práticos e teóricos do movimento sindical reformista e anarco-sindicalista, demonstram que, “segundo Marx”, devem ser independentes do socialismo, isto é, deixar-se ficar na dependência do capitalismo. Ao citar esta entrevista de Marx, Hermann Müller declara, vitoriosamente:

“Marx pronunciou-se pela rígida neutralidade dos sindicatos”(11). Basta esta identidade de opiniões entre os anarco-reformistas e todos os inimigos do marxismo revolucionário, para obrigar-nos a aguçar os ouvidos e verificar atentamente o que foi “retocado” nessa entrevista. Entretanto, o marxismo é demasiadamente sólido, para ser dividido com tais alterações.

Essa tentativa, como as demais sofreu completa derrota.

O que permite ver até onde esta afirmação adulterada foi tomada a sério, é o fato desse homem tão eminente como Daniel de León, invocando Marx, desenvolver sua teoria da supremacia da organização econômica sobre a organização política. De León diz que, dessas palavras de Marx, resulta:

“1) O verdadeiro partido político do proletariado deve introduzir, no campo político, os sãos princípios da organização econômica revolucionária, da qual ele é uma emanação.

2) O ato revolucionário do desmoronamento final do capitalismo e da implantação do socialismo, é uma função destinada à organização eco nômica.

3) A força física necessária para o ato revolucionário, depende da organização econômica.

4) O elemento de força não é a organização militar, nem outra que suponha violência, e sim a estrutura da organização econômica.

5) A organização econômica não é ‘'provisória”, mas representa o embrião do governo provisório da república do trabalho...(12)

Daniel de León afirma que todas essas conclusões surgem da entrevista de Marx com Hammann. Mesmo no caso de Marx ter dito e escrito o que lhe atribui Hammann, não se poderia afirmar o que deduziu de León. O chefe mais revolucionário e eminente do socialismo americano do pré-guerra, Daniel de Léon, não conseguiu, apesar de todas as suas capacidades oratórias, literárias e políticas, formar partido e encabeçar o movimento de massas. Por quê? Porque ocupou uma posição não marxista, não obstante considerar-se verdadeiro marxista. Daniel de Léon viu claramente toda a corrupção e podridão da Federação Americana de Trabalho. Pertence-lhe a expressão “proletários oficiais da classe capitalista”. Foi ele quem declarou, já em 1896, que a “Federação Americana de Trabalho é um barco que jamais serviu para a navegação no mar, e atualmente se encontra encalhado num banco de areia, em mãos duma quadrilha de piratas”. Ele quem declarou, em fins do século XIX, que os líderes da F. A. T. não são a ala direita do movimento proletário, e sim a ala esquerda da burguesia. No entanto, ao lado das altas qualidades derevolucionário De León não deixou de ser o chefe duma seita.

A causa disso é a desfiguração do marxismo, apesar de subjetivamente querer aplicá-lo. É a falsa orientação na questão fundamental das relações entre o partido, os sindicatos e a classe.

Uma curiosa variedade de mistura do marxismo com o sindicalismo sectário é representada pelo unionismo marxista (Marxim Industrial Unions) da Inglaterra. Os “unionistas marxistas” consideravam as trade-unions condenadas a desaparecer, e o único caminho de salvação era a criação de um novo movimento sindical, sob a forma de uma grande União única, segundo o tipo dos Operários Industriais do Mundo, nos Estados Unidos. Durante a guerra e depois da Revolução de Outubro, apareceram também tendências semimarxistas e semi-sindicalistas, entre os trade-unionistas, que expressavam suas simpatias pelos bolchevistas; porém, consideravam, apesar de tudo, que “o essencial é a organização e a luta econômica”.

O unionismo marxista converteu-se em unionismo industrial, no seio do qual nasceram duas escolas. Uma delas acreditava que “a luta política é necessária para sacudir, (!) pouco a pouco, o regime capitalista”. Outro grupo considerava que “a classe proletária deve livrar-se completamente, da luta política e concentrar todas as forças no emprego exclusivo da luta econômica”. Ambas as escolas, declara-nos G. Coll, erguem suas doutrinas sobre a teoria econômica de Marx, e, sobretudo, sobre a concepção materialista da História.

Qual é, pois, o resultado da combinação do marxismo, assim mutilado, com o anarco-sindicalismo? Georges Coll afirma:

“O número de partidários conscientes de ambas as facções (do unionismo marxista e do socialismo) constituem unicamente uma ínfima minoria da massa geral dos proletários trade-unionistas.”(13)

Como as magnitudes infinitesimais são do domínio da matemática e não da história, não nos deteremos nesta variedade de “marxistas”.

Os tristes teóricos de todos os matizes quiseram utilizar Marx contra a I. C. e a I. S. V. “Reviam”, “depenavam”, diluíam o marxismo em água reformista e de metafísica anarquista; porém, em vão. O marxismo é refratário às misturas e ligas alheias à sua natureza.

Durante toda a vida de Marx, dezenas e centenas de homens procuraram refutá-lo e aniquilá-lo; porém, estes exercícios universitários viviam apenas o espaço de um dia. Após cada “refutação”, Marx e o marxismo elevavam-se mais ainda. Já se passaram mais de cinquenta anos, desde a morte de Marx, e nem um só ano se passou sem que alguém tentasse “refutá-lo”. Porém, Marx ergue-se como uma rocha inamovível, enquanto todos os seus negadores submergem-se no esquecimento.

A questão de saber quem é o verdadeiro continuador e herdeiro da grande causa de Marx, não se resolve com palavras, mas com fatos. Se tivéssemos acreditado nas palavras, teríamos de reconhecer como marxistas a todos os que substituíram a luta de classes — base fundamental dos ensinamentos de Marx — pela colaboração de classes. Deveríamos reconhecer como marxistas os senhores Kautski, Stein, Renner, Spier, Dan, Crispien, Kampfmeyer e demais consortes, porque publicaram uma antologia, “Marx pensador e lutador”, por ocasião do cinquentenário de sua morte. Esta antologia, que possui de marxista somente o título, é um magnífico exemplo de transformação do marxismo vivo, combativo, e sempre atual, em uma escolástica morta.

O marxismo não é um dogma, é um guia para a ação. Com ações revolucionárias contra o capital é que se determinam as tarefas e táticas dos sindicatos. Mas, se a luta de classes foi substituída pela colaboração de classes, se a democracia burguesa se contrapõe à ditadura do proletariado, se o fascismo “é um mal menor” do que o comunismo, os sindicatos terão suas tarefas correspondentes. Porém, se no vértice do ângulo é colocada a luta de classes, e a implantação da ditadura do proletariado, as tarefas dos sindicatos serão outras. Onde encontra o marxismo? Na Internacional de Amsterdam, cujos chefes conferenciam na Liga das Nações, ou na Internacional Sindical Vermelha, da qual milhares e milhares de membros gemem nos cárceres capitalistas? Quem é, enfim, o continuador da obra de Marx? É o reformismo internacional convertido em curandeiro do capitalismo, à procura dos meios para a salvação do regime capitalista moribundo, ou o comunismo perseguido, acossado, que, fatalmente, vencerá a todos? É por isso que temos o direito de dizer aos engraxates da burguesia e a todos os lacaios do capital monopolista: “Fora de Marx e do marxismo, vossas patas nojentas!”


Notas de rodapé:

(1) Lenine; “O Estado e a Revolução". (retornar ao texto)

(2) Ziegfried Nestripke: "O movimento sindical", T. 1. (retornar ao texto)

(3) Ver Nestripke, tomo I. (retornar ao texto)

(4) Todas estas citações são tomadas do livro de F. David: “A bancarrota do reformismo”. (retornar ao texto)

(5) Franz Mehring: A história da social-democracia alemã. (retornar ao texto)

(6) G. Sorel: "A decomposição do marxismo". (retornar ao texto)

(7) “Solidariedad Obrera”, 2 de março de 1932. O autor do artigo, Orobón Fernández, é um dos dirigentes da Federação Anarquista (retornar ao texto)

(8) “Solidariedad Obrera”, 16 de novembro de 1932. (retornar ao texto)

(9) "Salário, preço e benefício". (retornar ao texto)

(10) “Fundamentos do Leninismo”, Stalin. (retornar ao texto)

(11) Herman Müller — K. Marx and Sewerkschaften, 1931, p. 73. (retornar ao texto)

(12) Daniel de León: "Obras seletas". (retornar ao texto)

(13) G. Coll: “Introdução ao trade-unionismo ”, ed. 1924, p. 140/2. (retornar ao texto)

Inclusão 18/09/2019