Introdução a uma estética marxista
Sobre a particularidade como categoria da estética

Georg Lukács


PREFÁCIO


capa

O estudo aqui publicado foi planejado e escrito originalmente como um capítulo da parte dialético-materialista da minha estética, intitulada Problemas do Reflexo Estético. A parte histórico-materialista só poderá surgir mais tarde, pois pressupõe que tenham sido resolvidos os problemas dialético-materialistas do reflexo estético. Para que o leitor compreenda as razões desta publicação em separado, referir-me-ei brevemente às origens deste escrito e ao lugar que ele ocupa no contexto geral da estética.

Em seu todo, a obra compreenderá duas partes: a primeira parte trata da especificidade do fato estético, analisando em particular a gênese filosófica do princípio estético, a sua diferença em relação ao reflexo científico da realidade objetiva e ao reflexo que se realiza na vida cotidiana. A análise da particularidade como categoria da estética estava projetada e escrita como segundo capítulo, conclusivo, desta parte. A segunda parte dos Problemas do Reflexo Estético terá por objeto a estrutura da obra de arte e a tipologia filosófica do comportamento estético.(1)

Por sempre ter considerado a particularidade como uma categoria central da estética (se não como a categoria central), comecei a elaboração da obra com o estudo monográfico da particularidade, que, como já disse, devia constituir o segundo capítulo da primeira parte. Mas, no momento de expor a gênese filosófica geral e a especificidade do fato estético, surgiram certas dificuldades que recolocaram em discussão o plano geral original.

A ideia geral de que o reflexo científico e o reflexo estético refletem a mesma realidade objetiva situa-se na base de toda a obra. Isso implica necessariamente em que devem ser os mesmos não só os conteúdos refletidos, mas as próprias categorias que os formam. A especificidade dos diversos modos de reflexo só se pode manifestar, por conseguinte, no interior dessa identidade geral: em uma escolha específica entre a infinidade dos conteúdos possíveis numa acentuação específica e numa reorganização específica das categorias a cada passo decisivas.

Devia-se, pois, reconhecer sempre um valor proeminente a essa mudança de estrutura e de proporções no âmbito das mesmas categorias; em particular, devia-se acentuar sempre a unidade de identidade e diversidade que existe entre a doutrina das categorias científicas e a doutrina das categorias estéticas. Porém, já que o problema da particularidade é notoriamente uma das partes menos tradadas da lógica, vi-me compelido a fazer com que a minha exposição fosse precedida por uma pesquisa histórico-filosófica sobre o problema do particular (capítulos I a III deste estudo). E era natural que, como complemento da exposição, fosse esboçado um desenvolvimento das categorias no âmbito da estética (capítulo IV). Disso derivam já algumas dificuldades de ordem estrutural para a realização do meu plano inicial: um tratamento histórico forçosamente tão amplo dos problemas (conquanto sumário) não entrava no quadro de uma obra estética essencialmente sistemática.

Em segundo lugar, vi que a categoria da particularidade devia ser tratada, por exigência do tema, também na seção genética da primeira parte do livro: e precisamente, o que não se faz no presente estudo, em conexão e relação recíproca com outras diferenças categoriais entre o reflexo científico e o reflexo estético (desantropologização em contraste com interpretação antropomórfica, interpretação de em-si e para-nós, etc). O capítulo teórico geral do presente estudo (capítulo V) acarretaria, assim, repetições ingratas no contexto geral.

Depois — em terceiro lugar — vi que a concretização da particularidade (inevitável no contexto dado) pertence, de fato, não à primeira, mas à segunda das partes principais de Problemas do Reflexo Estético, principalmente à análise da estrutura da obra de arte.

Tais razões levaram o autor a destacar o capítulo já pronto da obra geral. Não que isso justificasse, por si só, a publicação em separado. Mas o autor decidiu-se a fazê-lo sobretudo por ser o problema da particularidade um dos mais negligenciados, tanto do ponto de vista lógico como do ponto de vista estético. Ao mesmo tempo, este constitui, a meu ver, um dos problemas centrais da estética. O presente estudo, portanto, só em um sentido bastante limitado há de ser considerado como um prolegomenon à minha estética: ele contém, todavia, a abordagem sumária e, no entanto, sempre monográfica de um dos problemas mais importantes de toda a estética. E é isso que pode justificar-lhe a publicação.

Bucareste, dezembro de 1956


Notas de rodapé:

(1) A primeira parte dessa obra de Lukács foi publicada em 1963. O título geral foi modificado, sendo agora simplesmente Estética. Ao invés de duas partes, o plano anunciado no prefácio à parte publicada fala num terceiro tomo, que tratará da arte como fenômeno histórico-social e que será, assim, o momento da aplicação do materialismo histórico, — (N. dos T.). Como sabemos, o plano de Lukács para construção de sua Estética não foi concluído, sendo a parte 1, A particularidade do estético, a única realizada e publicada. (N. dos E.). (retornar ao texto)

Instituto Lukács
Inclusão: 28/06/2020