Introdução a uma estética marxista
Sobre a particularidade como categoria da estética

Georg Lukács


V. O PARTICULAR COMO CATEGORIA CENTRAL DA ESTÉTICA


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A descoberta de Goethe sobre o papel da categoria da particularidade na estética não tem aparentemente muita importância: o movimento no qual o artista reflete a realidade objetiva culmina, fixa-se, recebe forma no particular, e não, como no conhecimento científico, de acordo com suas finalidades concretas, no universal ou no singular. O conhecimento ligado à prática cotidiana fixa-se em qualquer ponto, a depender de suas tarefas concretas e práticas. O conhecimento científico ou a criação artística (e a recepção estética da realidade, como na experiência do belo natural) diferenciam-se no curso do longo desenvolvimento da humanidade, tanto nos limites extremos como nas fases intermediárias. Sem este processo, jamais se teria concretizado a verdadeira especialização destes campos, a sua superioridade em face da práxis imediata da vida cotidiana, da qual ambos paulatinamente surgiram.

Na determinação das características peculiares destes campos de atividade humana, seriam necessariamente obtidos resultados equívocos se não se estabelecesse firmemente que — em todos os três casos — é refletida a mesma realidade objetiva, que, portanto, é a mesma não só como conteúdo mas também em suas formas, em suas categorias. Naturalmente, a longa especialização, realizada com sucesso, implica em que se aperfeiçoem órgãos receptivos que percebem coisas, formas, relações, etc. que não poderiam ser obtidas pela práxis imediata da vida cotidiana. Não pensamos aqui tão somente em toda a técnica dos instrumentos surgidos com o desenvolvimento da produção econômica, da técnica e das ciências naturais, mas também no superior desenvolvimento dos órgãos receptivos naturais provocado pelas exigências cada vez mais diversificadas do trabalho e pelas fecundas relações recíprocas entre os estimulantes resultados oferecidos pela ciência e pela arte, pelo trabalho e pela prática cotidiana. A diferenciação produzida pelo desenvolvimento histórico-social, portanto, não isola entre si as atitudes singulares. Pelo contrário: quanto maior for a especialização, tanto maiores podem ser — se a estrutura social não intervier como fator de distúrbio, como é o caso da divisão capitalista do trabalho — suas fecundas relações recíprocas, os estímulos que exercem umas sobre as outras.

A ruptura do materialismo com a filosofia idealista revela-se precisamente nisto: em estabelecer firmemente a prioridade da realidade objetiva comum. O idealismo subjetivo, a partir da chamada aprioridade desta ou daquela atitude em face da realidade, cria “mundos” especialíssimos, isolados um do outro; esta criação aparece, com particular evidência, em Simmel. A concepção dialética no interior do materialismo, portanto, insiste, por um lado, nesta unidade conteudística e formal do mundo refletido, enquanto, por outro lado, sublinha o caráter não mecânico e não fotográfico do reflexo, isto é, a atividade que se impõe ao sujeito (sob a forma de questões e problemas socialmente condicionados, colocados pelo desenvolvimento das forças produtivas e modificados pelas transformações das relações de produção) quando este constrói concretamente o mundo do reflexo.

Tão somente neste quadro pode ser corretamente entendido o caráter peculiar do reflexo estético. No interior da comunidade de conteúdo e forma, são também comuns, como vimos, as categorias de singularidade, particularidade e universalidade. E não apenas em sua homogeneidade, em sua sucessão em série, mas também — para dizê-lo em forma bastante geral — no fato de que estas categorias estão entre si, objetivamente, numa constante relação dialética, convertendo-se constantemente uma na outra; e no fato de que, objetivamente, o movimento ininterrupto no processo do reflexo da realidade conduz de um extremo a outro. No interior deste último movimento é que consegue se expressar o caráter peculiar do reflexo estético. De fato, enquanto no conhecimento teórico este movimento de dupla direção vai realmente de um extremo a outro, tendo o termo intermediário, a particularidade, uma função mediadora em ambos os casos, no reflexo estético o termo intermediário torna-se literalmente o ponto do meio, o ponto de recolhimento para o qual os movimentos convergem. Neste caso, portanto, existe um movimento da particularidade à universalidade (e vice-versa), bem como da particularidade à singularidade (e ainda vice-versa), e em ambos os casos o movimento para a particularidade é o conclusivo. Tal como o gnosiológico, o reflexo estético quer compreender, descobrir e reproduzir, com seus meios específicos, a totalidade da realidade em sua explicitada riqueza de conteúdos e formas. Modificando decisivamente, do modo acima indicado, o processo subjetivo, provoca modificações qualitativas na imagem reflexa do mundo. A particularidade é fixada de tal modo que não mais pode ser superada: sobre ela se funda o mundo formal das obras de arte. O processo pelo qual as categorias se resolvem e se transformam uma na outra sofre uma alteração: tanto a singularidade quanto a universalidade aparecem sempre superadas na particularidade.

Neste ponto, porém, deve-se sublinhar uma limitação no que diz respeito à unitariedade de todos os modos do reflexo: a tendência por nós esclarecida na análise do conhecimento, pela qual o processo amplia cada vez mais os limites da universalidade e da singularidade, opera também no reflexo estético. Seria impossível uma história das artes se, com as modificações da vida, não se ampliassem ulteriormente também na arte os limites do mundo conhecido e os instrumentos de sua cognoscibilidade. Mas enquanto no reflexo gnosiológico ocorre um desenvolvimento contínuo, que pode prosseguir sempre, a superação da universalidade e da singularidade na particularidade (em última instância: sem reciprocidade, ainda que no processo preparatório da criação esta reciprocidade seja evidentemente possível e necessária) fixa, em cada oportunidade, um grau do desenvolvimento da humanidade para a consciência humana. Um desenvolvimento superior, naturalmente, é em si possível e necessário. Mas uma criação realmente artística, a particularidade de uma etapa do desenvolvimento otimamente elaborada e conformada, conserva a sua validade artística mesmo que todos os seus elementos estruturais, em seus aspectos formais e na técnica artística, já tenham há muito tempo sido superados no curso da evolução. O processo da aproximação tem aqui uma acentuação específica: a etapa superior não continua diretamente a precedente, como ocorre normalmente na ciência, mas em certo sentido — utilizando todas as experiências acumuladas nas obras, nos procedimentos criadores — recomeça sempre do início. A reação filosófica se vale desta peculiaridade do reflexo estético para mistificar a arte num sentido irracionalista. Nossas considerações demonstram que qualquer peculiaridade específica da produção e da existência da arte pode ser deduzida de um modo inteiramente racional — mas dialeticamente racional — do processo do reflexo.

No que diz respeito à superação dos dois extremos da universalidade e da singularidade na particularidade, a teoria do reflexo — corretamente entendida — demonstra mais uma vez como são radicalmente falsas todas as teorias irracionalistas, ou antirracionais, da arte. Esta superação jamais significa desaparecimento, mas trata-se sempre também de uma conservação. Isto deve ser particularmente sublinhado, sobretudo com relação ao papel que desempenha a universalidade no reflexo estético. Toda obra de valor discute intensamente a totalidade dos grandes problemas de sua época: tão somente nos períodos de decadência estas questões são evitadas, o que se manifesta, nas obras, em parte como carência de real universalidade, em parte como enunciação nua de universalidades não superadas artisticamente (falsas e distorcidas como conteúdo).

Não há dúvida — e isto nos afasta do quadro de nossas atuais considerações — de que esta superação da universalidade na particularidade artística apresenta-se, de acordo com o período, com o gênero ou com a individualidade do artista, sob variadíssimas formas. Ela pode assumir, liricamente, a forma patética e subjetiva da experiência vivida, ou pode ser objetivada e completamente absorvida nas figuras e nas situações de um drama, etc. A única coisa segura é que a fonte mais profunda desta generalização artística, em última análise, é a generalização da própria vida, dos fenômenos concretos da vida. Naturalmente, em muitos artistas importantes, desempenha um grande papel a ajuda que eles recebem da filosofia ou da ciência. Mas tal ajuda só é verdadeiramente fecunda quando aparece não como teoria pronta e acabada, pronta para ser usada, mas como instrumento para compreender com maior profundidade, riqueza e amplitude os fenômenos da vida. Dobroliubov, a quem ninguém pode acusar de supervalorizar a autonomia da arte, afirma a respeito:

Os escritores geniais souberam captar na vida, condensando em ações, as verdades que os filósofos apenas pressentiam no plano teórico. Dignos representantes das mais altas aquisições da consciência humana em uma determinada época, eles observaram a partir deste cume a vida dos homens e da natureza... Ademais, em geral, não ocorre que o escritor derive suas ideias do filósofo para inseri-las em suas obras. Tanto um quanto o outro operam com plena autonomia, tanto um quanto o outro têm o mesmo ponto de partida, a vida real; mas depois seguem caminhos diferentes.(1)

Isto significa que, no que toca ao conteúdo de ideias, a grande arte pode muito bem alcançar o nível mais elevado, orientado decisivamente para o futuro, sem nada perder de sua peculiaridade e autonomia artística.

A relação entre a particularidade e a singularidade é um processo eterno de superação, com acentuação ainda mais forte, num determinado sentido, do momento da conservação. Engels levanta este problema, em sua crítica epistolar a Minna Kautsky: “cada um desses caracteres é um tipo, mas ao mesmo tempo um indivíduo determinado, um ‘este’, como diz o velho Hegel, e assim é que deve ser”.(2) A necessidade desta exigência — de que a singularidade seja conservada, ao ser superada, no particular — já está contida no que dissemos acima: se um fenômeno qualquer deve, enquanto fenômeno, expressar a essência que está em sua base, isto só é possível se se conservar a singularidade. Todavia, parece-nos indispensável esclarecer melhor o caráter superado desta singularidade. De fato, é indubitável que tanto os traços constantemente mutáveis da singularidade quanto os permanentes se equivalem, por um lado, em sua imediaticidade, enquanto, por outro, comportam-se de maneira extraordinariamente diversa em face das mediações que lhes servem de base, através das quais toda singularidade se encontra em relação com a particularidade e com a universalidade. Portanto, se o singular deve encontrar expressão em sua verdade, estas mediações — frequentemente muito ramificadas — devem ter o papel que merecem, devem ter valor de acordo com o seu peso interno. Mas este deslocamento estrutural no interior da singularidade significa ao mesmo tempo a sua superação, a sua elevação ao particular (determinado, típico). Quanto maior for o conhecimento que o artista tiver dos homens e do mundo, quanto mais numerosas forem as mediações que descobrir e (se necessário) acompanhar até a extrema universalidade, tanto mais acentuada será esta superação. Quanto maior for a sua força criadora, tanto mais sensivelmente retransformará as mediações descobertas numa nova imediaticidade, concentrando-as organicamente nela: ele formará um particular partindo do singular.

Também aqui o desenvolvimento da arte mostra como a justa dialética requerida nestes nexos se afirma, historicamente, sob formas bastante diversas. Já Aristóteles estabelece um desenvolvimento dos poemas iâmbicos à comédia, que se manifesta no fato de que o objeto da sátira não mais são homens singulares, mas qualidades típicas. Este conceito da particularidade – sob a terminologia aristotélica da “denominação”, das individualidades do mito, da lenda, da história, etc. — ocupa ainda um lugar importante na Dramaturgia de Hamburgo. Naturalmente, do ponto de vista estético, a nomenclatura não tem nenhuma importância: a representação satírica de um determinado indivíduo, com todos os traços de sua singularidade, é perfeitamente possível, mas só quando ocorre a abolição de sua singularidade no particular (típico); a nomenclatura típica, por si mesma, de modo algum garante uma real superação na particularidade. Também aqui é decisivo o movimento no conteúdo do singular, isto é, se as determinações que, através de recíprocas relações objetivas, ligam-no ao mundo, à sociedade, são retomadas na nova particularidade, são nela superadas conservando este caráter de mediação. Mais uma vez são as épocas de decadência aquelas nas quais esta mais rica determinação da individualidade se perde. Teoria e práxis da decadência sublinham sempre a singularidade, que se torna um fetiche enquanto unicidade, irrepetibilidade, indissolubilidade, etc. Na realidade, trata-se do fato de que os órgãos do reflexo da realidade permanecem privados, segundo a expressão de Gorki, de seu “amálgama social” e, por isso, acentuam excessivamente a singularidade puramente imediata, razão pela qual estes artistas perderam a capacidade de superá-la e de atingir a verdadeira concreticidade.

Guy de Maupassant relata, de um modo muito interessante, como foi educado por Flaubert para o trabalho de escritor. Entre outras coisas, dizia-lhe o mestre:

Trata-se de observar o que se quer expressar durante muito tempo e com bastante atenção a fim de descobrir um aspecto que não tenha sido nem visto nem formulado por ninguém... Para descrever uma chama e uma árvore numa planície, permanecemos em face desta chama e desta árvore até que elas não nos pareçam mais com nenhuma outra árvore e com nenhuma outra chama... É preciso mostrar, com uma só palavra, em que um cavalo duma carruagem não se assemelha aos outros cinquenta que o seguem e o precedem.(3)

Estas considerações são interessantes de um duplo ponto de vista. Em primeiro lugar, demonstram que, mesmo em escritores importantes e especulativos, a teoria frequentemente se mantém muito atrasada com relação à prática. Se Flaubert tivesse escrito realmente assim, se Maupassant só tivesse aprendido isso com ele, teriam sido dois naturalistas há muito esquecidos. Mas tais considerações são interessantes, em segundo lugar, porque demonstram a que beco sem saída é conduzida a estética quando a singularidade é excessivamente acentuada. É claro que Flaubert exige à originalidade do escritor precisamente colocar sob a lente, isoladamente, a singularidade imediata. Suas ligações, a ação recíproca com o mundo circundante (natureza e sociedade), desaparecem a fim de se encontrar o que é especificamente distintivo na singularidade isolada. Por um lado, isto é um trabalho de Sísifo, pois uma vez atingido o escopo pretendido, seria destruído qualquer interesse artístico. Uma árvore ou um cavalo de carruagem (bem como um homem) adquirem interesse tão somente em sua ação recíproca com o ambiente. Mas, por outro lado, na literatura, o trabalho artístico se supera por si mesmo; Hegel tem toda razão em dizer que a mais simples palavra já contém em si uma generalização com relação ao objeto singular: na pior das hipóteses, ela o subordina a uma representação, estabelece relações, etc. O enérgico impulso de Flaubert na direção da singularidade demonstra, portanto, contraditando suas intenções, que a arte não pode certamente desprezar a singularidade, que ela deve lutar sem tréguas para afirmar tal singularidade, mas que só pode realmente considerá-la algo artístico, que lhe é próprio, quando ela é superada no particular.

No que diz respeito à própria particularidade, devemos recordar o que dissemos anteriormente: que os dois extremos (universalidade e singularidade) são pontos cada vez mais impulsionados para o exterior, mas que num dado momento são, apesar de tudo, pontos, ao passo que o particular como termo médio é antes um traço intermediário, uma extensão, um campo. Tal fato sofre uma transformação radical no reflexo estético, onde o termo médio se fixa como ponto central dos movimentos. Com isso, porém, parece surgir uma dificuldade insolúvel para a teoria do reflexo estético: a de determinar com exatidão a posição deste ponto central. Esta tarefa parece a priori impossível, se pensamos na estrutura do reflexo teórico, já que toda escolha — considerada do ponto de vista do reflexo estético em geral — revela-se necessariamente arbitrária; não é concebível um critério universalmente válido, que permita uma decisão.

Esta dificuldade devia ser energicamente sublinhada a fim de que se manifestasse claramente a separação entre reflexo teórico e reflexo estético. Na realidade, inexiste um critério teórico; o artístico abarca (considerado abstratamente) toda a extensão do particular; o ponto central pode ser fixado onde se queira, no interior desta extensão. Poderá parecer que, deste modo, a dificuldade seja apenas elidida, ou mesmo impelida para o plano do irracional e do arbitrário, mas de nenhum modo resolvida satisfatoriamente. E, na realidade, no âmbito das nossas presentes considerações, que não pretendem ser mais do que uma análise em certa medida gnosiológica do reflexo estético, é impossível encontrar um critério concreto. Com isso, não pretendemos apelar nem para uma irracionalidade nem para um arbítrio; a necessidade desta determinação puramente abstrata, unida no concreto a uma completa abstenção do juízo, por enquanto, demonstrará em seguida toda sua razão de ser e toda sua fecundidade para a estética.

Já nos referimos ao fato de que somente através da doutrina dialética do reflexo pode ser fundamentada a objetividade do reflexo estético da realidade, sem que se institua uma relação de subordinação em face do reflexo teórico e, portanto, sem que se faça da arte um saber imperfeito, um estágio preparatório do conhecimento. A aparente dificuldade agora surgida, a dificuldade de dever supor um ponto central no particular para o movimento do reflexo da realidade sem poder determinar tal ponto, é a motivação gnosiológica para a multiplicidade do mundo exteriormente representável, para a pluralidade das artes, dos gêneros, dos estilos, etc. Mas, em estética, a teoria do conhecimento deve se resignar a negar sua própria competência para encontrar aqui um critério concreto para cada ocorrência. Por outro lado, com isso, ela estabelece que, sendo geralmente colocada a relatividade do particular, em relação tanto com o universal quanto com o singular, esta relatividade em si pode se revelar em todo ponto; isto é, o campo da particularidade colocado acima ou abaixo do ponto central escolhido pode incontestavelmente se converter, visto daquele ponto, respectivamente no universal ou no singular, ou, melhor dizendo, constituir a passagem para a universalidade ou para a singularidade.

Seria mais que superficial querer descobrir aqui possibilidades puramente formais de combinação. Se bem que, por necessidade, tratemos aqui da questão abstratamente, isto é, no quadro da teoria do conhecimento, deve estar claro que o seu real conteúdo é a posição da obra de arte em face da realidade, o modo, a amplitude, a profundidade com que uma obra de arte mostra uma realidade sui generis. Precisamente aqueles que consideram as obras de arte não formalisticamente, mas do ponto de vista da vida, devem compreender que exatamente aqui, na escolha do ponto central no campo de particularidade, decidem-se as mais importantes questões tanto do conteúdo ideal quanto da forma real. O fato de que princípios estéticos deste tipo não possam ser deduzidos diretamente do princípio mais geral, mais abstrato, da doutrina do reflexo é uma desvantagem tão somente do ponto de vista de um dogmatismo que pretenda prescrever regras estreitas, de tal natureza que possam ser deduzidas formalmente. Precisamente deste modo, e somente deste modo, pode ser teoricamente fundamentado o fato histórico da multiplicidade das artes ou, no interior das artes, dos estilos, etc.

No quadro das presentes considerações, não pretendemos naturalmente ordenar em sistema, nem mesmo esquematicamente, esta multiplicidade a que nos referimos. Esta é uma tarefa das partes mais concretas da estética, do sistema das artes, da análise estética dos estilos, etc. Aqui são possíveis apenas algumas indicações, a título de exemplo e de ilustração, a fim de esclarecer o contexto puramente teórico. Tomemos a diferença entre drama e épica (notadamente em suas formas romanescas modernas). É imediatamente evidente que o drama concebe muito mais universalmente, com relação à épica, suas figuras e suas situações; que os traços da singularidade aparecem nele em muito menor número, muito menos detalhadamente; todo detalhe individual tem no drama um acento simbólico-sintomático, que só pode e só deve ocorrer na épica em medida muito menor. E é igualmente evidente que não se trata aqui, de nenhum modo, de “defeitos” de um destes gêneros. (Naturalmente, foram mais uma vez os dogmáticos os que defenderam este tipo de concepção. Mas, observando bem, vê-se que nestes casos formulavam-se pretensões naturalistas em face do drama ou pretensões formalistas em face da narrativa; que não ocorria um exame ou aprofundamento estético da essência da dramática ou da épica, mas sim tendências ao enrijecimento ou à dissolução de suas formas específicas.) Em suma: isto significa que o drama tende geralmente a estabelecer mais perto da universalidade o ponto central da cristalização no particular, enquanto este ponto parece na épica ser impulsionado na direção da singularidade. Tal diferença pode igualmente ser estabelecida entre novela clássica e romance, na medida em que a primeira costuma concentrar sua imagem da realidade, à semelhança do drama, no sentido da maior universalização.

A diferenciação aqui indicada, naturalmente, é ainda extremamente abstrata. Ela indica quando muito uma direção tendencial do movimento no âmbito da particularidade, sem porém poder já oferecer um critério para identificar a posição do ponto central. E, na realidade, se compararmos o drama de Shakespeare com o de Racine, a tragédia grega com o moderno drama burguês, encontraremos igualmente — no interior da diferença geral nas direções do movimento estabelecida pela teoria dos gêneros — tendências divergentes: Racine impele muito mais do que Shakespeare o seu ponto de centralização para o universal, enquanto o drama burguês moderno o impulsiona energicamente para a singularidade. Mas, mesmo com esta constatação, ainda estamos limitados a uma generalização que está longe da concreticidade real das obras de arte. De fato, também as agora indicadas são apenas tendências (social e historicamente condicionadas); o mesmo escritor, no mesmo gênero, pode fixar diversamente em suas obras singulares o ponto central (agora não somente no âmbito de tendências históricas gerais, mas também no âmbito do seu modo individual de tratar um gênero); basta comparar, de Goethe, a Efigênia com a Filha Natural, para não citar contrastes estridentes como o Gotz von Berlichingen.

Portanto, temos à nossa frente uma série: leis universais da estética em geral, leis concretamente particulares do gênero, diferenciação histórica no desenvolvimento dos gêneros, configuração individual das obras de arte singulares; apenas no último degrau pode ser concretamente determinado o ponto central. Mas, com isso, não se estabelece nenhum relativismo individualista. De fato, a série que colocamos, de modo algum completa e que só enuncia as etapas principalíssimas, é realmente uma série, indicando as determinações que agem com cada vez maior precisão e concreticidade, determinações que só podem encontrar seu termo real na obra de arte individual, se é que a estética não deve degenerar em um pseudossistema de prescrições abstratas e de regras mecânicas. Mas é uma série real também no sentido de que nela agem as mesmas dominantes, não para se realizarem em contraste com as mais abstratas que precedem, mas para se realizarem realmente ao se concretizarem na obra de arte individual.

Surge aqui um velho e difícil problema da estética: a contradição aparentemente insolúvel pela qual toda real obra de arte é algo único, incomparável, individual, e ao mesmo tempo só pode se tornar uma autêntica obra de arte se realizar a sua lei interna, que é um momento da lei estética universal. Se bem que o problema seja muito antigo, só em Kant teve ele a formulação que adquiriu importância para a posterior teoria burguesa da arte. Diz Kant:

Toda arte pressupõe regras sobre a base das quais uma produção, se quer ser chamada de artística, é representada inicialmente como possível; mas o conceito de belas-artes não permite derivar o julgamento sobre a beleza da produção de alguma regra que tenha um conceito como fundamento, o qual determine como a produção é possível. Assim, a arte do belo não pode por si mesma inventar a regra segundo a qual realizará sua produção. Mas, dado que sem regra anterior um produto não poderia ser artístico, é preciso que a natureza dê a regra da arte no próprio sujeito (mediante a disposição de suas faculdades), ou seja, as belas-artes não poderiam ser senão o produto do gênio.(4)

É preciso distinguir, na formulação de Kant, por um lado, o que é justificado, e, por outro, a tendência irracionalista que surge, também aqui, por causa de sua oscilação entre pensamento metafísico e pensamento dialético. O irracionalismo está contido em sua teoria, já por nós conhecida, segundo a qual os julgamentos sobre a beleza permanecem fora do mundo do conceito. Afirmando, portanto, que a natureza fornece as “regras da arte”, o que é apenas uma consequência da concepção da arte como produto do gênio, ele resolve a questão — insolúvel no plano metafísico — com uma falsa resposta colorida de irracionalismo. A estética burguesa moderna nunca foi além disso: que se pense em Croce ou em Simmel.

Não obstante tudo isso, a formulação kantiana, no que diz respeito à relação entre leis estéticas e obra de arte singular, encerra um problema real. É verdade que Kant afasta a possibilidade de dar uma solução racional também porque define as leis estéticas como “regras”: nesta definição, expressa-se não apenas o seu pensamento metafísico, mas também um certo preconceito que dominava a teoria da arte nas doutrinas cortesãs-feudais dos séculos XVII e XVIII. O problema da realização das leis estéticas por parte das obras de arte permanece, todavia, como um problema real, dado que a esta realização (se ela verdadeiramente ocorre) só se pode chegar quando a lei, em sua realização, é recriada, ampliada, concretizada; uma simples “aplicação” de leis estéticas à arte significaria destruir a essência estética das obras. Só poderemos falar desta questão em outros contextos, em um grau mais concreto de nossos conhecimentos estéticos. Todavia, o caminho agora indicado aponta a passagem metodológica para a solução. É válido também aqui — contra todo irracionalismo, que contrapõe sempre imediatamente uma lei abstrata à “unicidade” do individual — o julgamento expresso por Marx, precisamente a respeito do conhecimento do desenvolvimento artístico: “A dificuldade está apenas na formulação geral destas contradições. Tão logo são especificadas, já estão explicadas.”(5) A expressão “especificar” tem aqui muita importância, precisamente enquanto oposta à universalidade (generalidade). Ela indica que a concretização a que nos referimos não pode ir do abstrato universal (regra) ao puro e — consequentemente — indeterminável singular (gênio), e que, pelo contrário, devemos nos colocar como objetivo a constante concretização da particularidade, obtida com o máximo possível de mediações concretas. O materialismo histórico proporciona um tal método inclusive para a consideração teórico-estética, sobre cuja base, com a aplicação do seu método, estes problemas podem e devem ser tratados.

Porquanto possam à primeira vista parecer complicados, estes problemas têm em sua base uma abstração simplificadora, que deve ser igualmente concretizada se quisermos entender corretamente a importância da particularidade como categoria central, “como categoria de setor”, por assim dizer, da estética. Para entender a diferença decisiva entre reflexo científico e reflexo estético, tivemos de sublinhar que o particular, que figurava no primeiro como “campo” de mediações, deve tornar-se no segundo o ponto central organizador. Esta contraposição esclarece efetivamente a diferença fundamental, mesmo em sua primeira formulação meramente abstrata. Para a estética, porém, ela é uma abstração provisória, uma ponte para a verdadeira compreensão e, portanto, uma abstração preparatória para entender corretamente a particularidade como ponto central organizador. Melhor dizendo, não se trata tanto de um ponto central em sentido estrito, mas antes do ponto central de um campo de movimento. Isso não modifica a substância do que dissemos anteriormente, dado que, como então, continua firmemente estabelecido que a configuração de uma obra individual depende da posição escolhida para este ponto central com relação à universalidade e à singularidade. A modificação concretizadora agora introduzida consiste apenas nisto: que a escolha deste centro, que determina a peculiaridade artística, implica ao mesmo tempo em um movimento em torno deste centro na esfera do particular. Esta afirmação expressa, ademais, um fato estético universalmente notório e reconhecido, isto é, o fato de que o estilo, o tom, a atmosfera de uma obra artística podem permanecer perfeitamente unitários mesmo se — no quadro desta unidade — dominarem grandes altos e baixos, mesmo se determinados momentos da obra se aproximarem mais do que outros da universalidade ou da singularidade, mas sempre na condição de que estes movimentos ocorram no interior da mesma esfera da particularidade e que todos mantenham entre si estreita relação ideal e formal.

Para evitar fáceis mal-entendidos, convém sublinhar que ao afirmarmos isso não pretendemos de modo algum caracterizar exaustivamente o sistema de movimentos no interior de uma obra de arte. Pelo contrário. Falamos aqui tão somente dos movimentos no interior da particularidade, e precisamente dos movimentos na direção da universalidade e na direção da singularidade. O importantíssimo movimento das paixões, em uma obra poética, por exemplo, seus altos e baixos frequentemente tumultuosos, permanecem fora das nossas presentes considerações, do mesmo modo como permanece fora a tensão do movimento (estreitamente ligada às paixões) em Michelangelo. Tais movimentos podem, sem dúvida, ocorrer no mesmo nível de particularidade, mas não por certo necessariamente.

Não é preciso ir muito longe para encontrar na práxis artística a confirmação destas considerações abstratas. Mas seríamos superficiais se determinássemos a maior ou menor extensão do campo de movimento, ao qual nos referimos, dizendo simplesmente que uma maior proximidade do ponto central à universalidade traria como consequência um campo menor, e que uma menor proximidade, uma inclinação para a singularidade, trará como consequência um campo maior. Por certo, existem também tais casos. Que se recorde apenas o contraste já assinalado entre Racine e Shakespeare. Mas Dante, que está incontestavelmente próximo da universalidade, abarcou no trabalho criador um dos mais extensos campos de movimento da literatura mundial, ao passo que uma grande parte dos romances realistas modernos — que, na maioria das vezes, buscam o seu ponto central na direção da singularidade e não na da universalidade — trabalham com um campo relativamente muito mais limitado. (Também aqui, naturalmente, existem exceções, como Balzac e Dickens). Chegaremos às mesmas conclusões se pensarmos, por um lado, em Ticiano ou em Brueghel, e, por outro, nos impressionistas. Também aqui, portanto, todo esquematismo é perigoso e inadmissível, não menos do que em nossas análises precedentes, onde o ponto central agora concretizado era ainda concebido — numa abstração preparatória — como meio organizador, como ponto. A aproximação substancial, concretizante e conceitual, à essência da arte é agora obtida na medida em que a organização artística de um “mundo” é concebida dinamicamente, como sistema de movimentos, como o sistema de suas tensões e de seus contrastes. O modo pelo qual os elementos e os momentos que se movimentam entram assim em relação recíproca depende também aqui, naturalmente, de condições histórico-sociais, de gênero e artístico-pessoais. A teoria do reflexo pode e deve, a fim de fugir de qualquer dogmatismo, estabelecer apenas a estrutura mais geral desta problemática.

Outrossim, se deve observar que cada uma destas extensões, destes campos de movimento, deve ser rigorosamente fundada sobre a unidade ideal e artística da obra de arte considerada. Em uma verdadeira obra de arte, um movimento para cima ou para baixo, por mais forte que seja, nada tem em comum com uma retórica abertamente voltada ao universal ou com uma queda no naturalismo. Se Dickens, por exemplo, em alguns dos seus romances caracteriza a “alta” sociedade através de generalizações satíricas e a “baixa” sociedade penetrando afetuosamente em pequenos detalhes da vida cotidiana, se em algumas grandes composições de Ticiano encontram-se singularidades que, consideradas isoladamente, apareceriam como detalhes de gênero, etc., trata-se nestes casos de amplitude, motivada pela visão das coisas, do mundo representado, cujas diferenças e contrastes são colocados em estreita relação recíproca ideal e artística, reforçando-se mutuamente através destes efeitos contrastantes, os quais, portanto, ampliam o conteúdo da unidade da obra, mas sem jamais colocá-la em perigo, o que ocorreria se se superasse no universal ou no singular a sua particularidade específica.

Este campo pode ser mais ou menos extenso, como vimos, mas uma certa amplitude existe mesmo nas obras que se mantêm rigorosamente num único tom. Por isso dissemos que, ao falarmos de um ponto, mais acima, fazíamos uma abstração preparatória e introdutória. De fato, também neste caso as formas do reflexo constituem as máximas generalizações do conteúdo refletido. Mesmo se a particularidade tem, no sistema de categorias do reflexo estético, uma função diversa da que tem no sistema científico, conserva todavia o seu caráter específico, que determinamos ao tratar do reflexo científico da realidade, isto é, o de “campo” da mediação entre o universal e o singular. Sua importância e sua função sofreram uma modificação, de acordo com a peculiaridade do reflexo estético, mas sua posição essencial, sua estrutura, continuam as mesmas. Também aqui se manifesta, por um novo ângulo, o fato fundamental da teoria do reflexo, isto é, que a reprodução científica e estética da realidade é a reprodução da mesma realidade objetiva e que, por conseguinte, não obstante todas as necessárias modificações, as estruturas fundamentais devem de algum modo se corresponder entre si.

Neste conjunto de problemas, penetra também a certeza de que, por um lado, a realidade objetiva, independentemente da consciência, contém em si objetivamente todas as três categorias (singularidade, particularidade e universalidade) e que, portanto, se o reflexo abandona o terreno da imediata singularidade, isto não significa abandonar a objetividade, não se trata de uma “economia do pensamento” nem de uma “criatividade soberana” do eu cognoscente ou artístico; mas que, por outro lado, as categorias da universalização (e, portanto, também a particularidade) não possuem nenhuma forma autônoma na realidade mesma, que elas são antes imanentes a esta realidade como determinações que necessariamente reaparecem, e que, portanto, isolá-las e erigi-las em formas dotadas de uma existência que se pretenda fundada em si mesma é uma falsificação — idealista — da essência e da estrutura da realidade objetiva. Aristóteles já vira isso com clareza em sua polêmica contra a doutrina platônica das ideias.

Poder-se-á, então, perguntar: com nossa concepção, que atribui importância central à particularidade no sistema das categorias estéticas, não se corre o perigo de cair em uma subespécie do idealismo platônico? Acreditamos que ocorre precisamente o contrário, mas se esclarecermos brevemente este possível mal-entendido, poderemos iluminar melhor o caráter específico do reflexo estético. Inicialmente, a forma autônoma na qual se manifesta a particularidade na arte não é uma ideia que pretenda ser ao mesmo tempo ideia e realidade objetiva em sua máxima pureza, como na doutrina platônica das ideias, no realismo conceitual ou no “espírito universal” hegeliano. A “forma autônoma” da particularidade, a obra de arte, é ao contrário, em primeiro lugar, algo criado pelo homem, que jamais pretende ser uma realidade no mesmo sentido em que é real a realidade objetiva. Em segundo lugar, ela se põe em face de nós como uma “realidade”, ou seja, as nossas ideias, os nossos desejos, etc. nada podem modificar em sua existência e no seu modo de ser; devemos aceitá-la tal como é, podemos apenas aprová-la ou rejeitá-la subjetivamente. Em terceiro lugar, porém, a “realidade” da obra de arte é uma realidade sensível; a superação da singularidade imediata no reflexo artístico é ao mesmo tempo — ao contrário do reflexo científico — sempre uma conservação, e precisamente no sentido mais literal; a particularidade não recebe uma forma autônoma como oposição à singularidade; mas, precisamente como o universal na realidade objetiva, ela está manifestamente presente em todas as formas fenomênicas da singularidade imediata, jamais podendo ser destacada destas formas. Disto decorre, em quarto lugar, que só se pode elevar uma singularidade ao nível do particular acentuando-se a sua sensibilidade imediata: somente assim ocorre na obra a evidente imanência do particular em cada singularidade, bem como na sua totalidade, no seu sistema; somente assim a obra pode, em seu conjunto, incorporar e oferecer à experiência precisamente a particularidade de um “mundo” representado. A forma autônoma da obra, portanto, é um reflexo de nexos e de formas fenomênicas essenciais da própria realidade. Precisamente por isto, e apenas por isto, a obra pode se apresentar a nós como forma autônoma: porque, deste ponto de vista, ela reflete fielmente a estrutura da realidade objetiva. Estamos aqui nos antípodas da doutrina platônica das ideias; o próprio Platão, refutando os produtos da arte, era muito mais coerente do que filósofos posteriores, como Plotino e Schelling, que pretendiam deduzir do mundo das ideias o conteúdo de verdade e o sistema formal da obra de arte. A verdade da forma artística se expressa com o máximo relevo precisamente nesta sua tendência antiplatônica.

Se coube ao materialismo dialético fixar no terreno da estética a mais universal qualidade estrutural no que toca à teoria do reflexo, cabe aprofundar com os meios do materialismo histórico a determinação social da arte. Neste terreno, este mesmo método — ainda que em processo de constante concretização — determina sobretudo a necessidade dos gêneros, cujas formas exprimem, fixando-as, relações bastante universais (e que, por isso, reaparecem constantemente em seus traços principais) dos homens com a sociedade e, através desta, mediatamente, com a natureza. Tais formas, no curso da história, sofrem grandes modificações, cujas causas sociais e manifestações estéticas o materialismo histórico deve determinar. Se a questão é colocada desta forma, torna-se claro que a pesquisa individual sobre obras de arte singulares é tão somente a continuação concreta do mesmo método; que a pesquisa geral (dos gêneros e da evolução) de modo algum está em contradição com a análise das obras singulares, como ocorre frequentemente na estética burguesa.

Naturalmente, quando se determina o ponto central assumido na obra de arte singular (ou melhor, o campo dos movimentos em relação recíproca que surge em torno deste ponto central, no interior da esfera da particularidade), a análise estética está muito longe de ter terminado. Ao contrário: só então ela tem início. Neste local, naturalmente, não podemos enunciar as tarefas e os princípios atinentes a este problema. Podemos tão somente indicar muito brevemente que a tarefa da estética e da crítica consiste em pesquisar concretamente, em cada caso concreto, se o ponto central do particular escolhido pelo artista corresponde ao conteúdo de ideias, à matéria, ao tema, etc. da obra, se — buscando- lhes dar expressão adequada — não se fixou o ponto muito alto ou muito baixo. A esta questão de conteúdo, está estreitissimamente ligada a questão da forma, a atitude observada em face das leis do gênero utilizado; a este respeito, mesmo numa enumeração muito rápida das principais tarefas, não se deve esquecer de sublinhar que não se trata simplesmente de aplicar leis “eternas” a obras de arte singulares (como na estética dogmática), mas sim de indagar, por exemplo, se na obra considerada estas leis foram legitimamente ampliadas, etc. E, finalmente, na obra de arte singular, considerada como obra de arte, deve-se ainda pesquisar como a escolha do ponto central, no amplo sentido acima indicado, determina e influencia a vitalidade estética da composição das figuras, dos detalhes, etc.; como a coerência da execução (e, se ocorrer, um aparente desvio desta coerência) favorece ou impede a unidade e a vivacidade estéticas.

Tudo isso afastou-nos um pouco de nosso verdadeiro problema, que em si dizia respeito apenas à investigação dialético-materialista dos traços específicos do reflexo estético. Mas devíamos pelo menos sumariar os problemas que surgem neste local, a fim de que se visse que o ponto aparentemente abandonado à indeterminação e o campo que o circunda na esfera da particularidade não são lacunas na teoria materialista dialética do reflexo, mas que, pelo contrário, trata-se precisamente do ponto de partida para uma análise concreta, não dogmática, das ramificações da práxis artística em seu desenvolvimento histórico, até à realização ou ao fracasso da obra singular. Sem esta recíproca integração do método dialético-materialista com o método histórico-materialista, questões tão complexas como as da estética são insolúveis. Em nossas considerações, por isso, tornou-se necessário pelo menos indicar grosso modo o esquema destes nexos. Ademais, deve-se observar também que aqui, em primeiro lugar, iluminamos a pesquisa dialético-materialista do reflexo estético tão somente por um lado, ainda que importante, sem pretender esgotá- la, o que será tarefa de um sistema da estética (que precisará utilizar, portanto, também o ponto de vista do materialismo histórico); e, em segundo lugar, que também na questão da particularidade como categoria do reflexo estético limitamo-nos, até o presente momento, a enunciar o problema. De fato, sua concretização, mesmo sobre o terreno do materialismo dialético, deverá ir muito além das explicações que podemos presentemente oferecer.


Notas de rodapé:

(1) Dobroliubov, Ausgewähltephiósophische Schriften (Escritos filosóficos escolhidos), Moscou, 1949, págs. 617-618. (retornar ao texto)

(2) Engels a Minna Kautsky, 26-11-1885, in Mikhail Lifschitz, Marx und Engels über Literatur und Kunst (Marx e Engels sobre Literatura e Arte), Berlim, 1948, pág. 102. (retornar ao texto)

(3) Guy de Maupassant, Études sur le roman, in Oeuvres completes, Paris, 1935, t. X, págs. 281-282. (retornar ao texto)

(4) Kant, Kritik der Urteilskraft (Crítica do Juízo), § 46. (retornar ao texto)

(5) Marx, Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie (Fundamentos da Crítica da Economia Política), op. cit., pág. 30. (retornar ao texto)

Instituto Lukács
Inclusão: 28/06/2020