Discurso sobre a questão da Escola do partido

Rosa Luxemburgo

14 de setembro de 1908


Primeira Edição: Discurso proferido no dia 14 de setembro de 1908, no Congresso do Partido Social-Democrata Alemão (13-19/09/1908) em Nuremberg [Parteitag der Sozialdemokratischen Partei Deutschlands vom 13. bis 19. September 1908 in Nürnberg. In: Rosa Luxemburg, Gesammelte Werke 2, Berlim, Dietz, 1981, p.253-56].

Fonte: Fundação Rosa Luxemburgo - https://frl.rosalux.org.br/discurso-sobre-a-questao-da-escola-do-partido1/

Tradução: Isabel Loureiro

HTML: Fernando Araújo.


Se tomo a palavra não é para protestar contra a crítica feita à Escola do partido mas, ao contrário, para me queixar da falta de uma crítica séria, objetiva. A Escola do partido é uma instituição nova(1) e muito importante que precisa ser apreciada e criticada seriamente de todos os lados.

Eu mesma devo confessar que no início encarei a fundação da Escola do partido com grande desconfiança, por um lado devido ao meu inato conservadorismo (risos), por outro, porque, lá no fundo do meu coração, me dizia que um Partido como o socialdemocrata deve desenvolver sua agitação visando antes a ter uma influência direta sobre as massas

Minha atividade na Escola do partido afastou em grande parte essa dúvida. Na própria Escola, em contato constante com os alunos, aprendi a apreciar a nova instituição e posso dizer, com a mais plena convicção, que tenho o sentimento de que criamos algo novo, cujos efeitos ainda não podemos ver, mas que criamos algo bom que pode ser útil e benéfico para o partido.

Contudo ainda há muito o que criticar e seria um milagre se assim não fosse. Se recuso igualmente a sugestão de fazer uma mudança quanto à seleção dos alunos – pois, como professores, fizemos a experiência de como os resultados são excelentes até agora, de tal modo que eu não poderia desejar melhor corpo de elite –, tenho contudo algo a objetar quanto ao currículo. A história do socialismo internacional deveria estar em primeiro lugar no currículo.(2) (“Muito bem!”) Os professores itinerantes da comissão de formação também deveriam levar mais a sério esta questão em vez de se limitarem apenas ao ensino das doutrinas da economia política. De forma resumida, é muito mais fácil expor a história do socialismo sem que o objeto sofra com isso do que a economia política. Para nós, que somos um partido de luta, a história do socialismo é a escola da vida. Dela sempre recebemos novos estímulos. (“Muito bem!”)

Ademais, a Escola sofre pelo fato de não existir uma boa relação entre as organizações do partido e seus alunos; isso precisaria ser totalmente reformulado. Atualmente pode ocorrer que as organizações do partido enviem alunos à Escola, como o bode expiatório ao deserto, para depois não se preocuparem mais com o que acontece com eles (“Muito bem!”), nem pôr à sua disposição um campo de ação suficiente. Mas, por outro lado, também existe o perigo de que, quando os alunos do partido conseguem um posto, sejam confrontados a grandes exigências por parte dos camaradas. (“Muito bem!”) Os camaradas dirão: você esteve na Escola do partido, agora mostre-nos, em qualquer lugar e a qualquer hora, o que você aprendeu! Os alunos do partido não poderão estar à altura de tais esperanças. Nós nos esforçamos para deixar claro, da primeira à última aula, que eles ainda não têm nenhum saber acabado, que ainda têm que aprender, que precisam aprender ao longo da vida toda. É preciso levar isso em consideração mesmo que mais tarde os alunos do partido tenham oportunidade de utilizar o que aprenderam de forma útil. Existem portanto aspectos suficientes para criticar a questão da Escola do partido de todos os lados. Mas uma crítica como a que faz Eisner não é apropriada.

Eisner tem tal reverência pela ciência que me assusta; temo que, para Eisner, ocorra com a ciência em geral e, particularmente, com a ciência socialista, o mesmo que com o pobre Klopstock, para quem Lessing fez os seguintes versos:

Quem não elogia um Klopstock?
Mas todos o leem? – Não.
Queremos que nos elevem menos
E que nos leiam com mais atenção. (Risos)

Uma nova comprovação de quão ligeira é a crítica de Eisner consiste no exemplo que nos apresentou como sendo o brilhante contrário da Escola do partido, o funil de Nuremberg(3) (risos), que aqui se concretizou na pessoa do camarada Maurenbrecher. Maurenbrecher deve, como único professor, dar ao proletariado a educação completa. No Fränkische Tagespost,(4) ele redigiu sua profissão de fé num artigo considerado excelente por Eisner, em que diz: “Nós fazemos teoria demais! Será que a massa precisa conhecer a teoria do valor? (“Silêncio! Silêncio!”) Será que a massa precisa saber o que é a concepção materialista da história? Ouso a heresia e digo: não! É o professor que precisa saber” – para mantê-la no bolso. (Eisner: “Não, isso não está lá, foi você que acrescentou!”) É claro que acrescentei. “Mas para a educação da massa isso não tem nenhum valor imediato, pode quando muito prejudicar.” Isto eu não acrescentei, foi Maurenbrecher quem disse. (“Silêncio! Silêncio!”) E mais adiante ele diz: “A teoria, por seu efeito certamente involuntário mas muitas vezes constatado, tende frequentemente a amortecer a força de decidir e de agir.”

A concepção materialista da história, que durante 40 anos levou a cabo um brilhante desenvolvimento da luta de classes na Alemanha e no mundo, a teoria de Marx e Engels, que iluminou o proletariado russo no maior acontecimento do início do século, a revolução russa, amortece supostamente a força de decidir e de agir! (“Silêncio! Silêncio!”) Mas Eisner, Maurenbrecher e outros julgam a partir de si mesmos, eles acreditam que a concepção materialista da história, tal como a entendem, age sobre eles de maneira a paralisar sua força de agir e por isso desejam que na Escola do partido não se ensine teoria, mas sobretudo a matéria, o lado material da vida. Eles não têm nenhuma ideia de como o proletariado conhece a matéria a partir de sua vida quotidiana, o proletariado conhece “a matéria” melhor que Eisner. (Viva aprovação.) O que falta à massa é o esclarecimento geral, a teoria que nos dá a possibilidade de sistematizar a matéria e de forjar uma arma mortal contra o adversário. (Viva aprovação.) Se algo me convenceu da necessidade da Escola do partido, da propagação do entendimento da teoria socialista em nossas fileiras, foi a crítica de Eisner. (Vivos aplausos.)


Notas de rodapé:

(1) O primeiro curso realizou-se de 15 de novembro de 1906 a junho de 1907 (com uma interrupção por causa da campanha para as eleições, em consequência da dissolução do Reichstag em 1907). No momento desta intervenção no Congresso de Nuremberg, Rosa Luxemburgo só tinha dado aula no segundo curso, de 15 de outubro de 1907 a 31 de março de 1908. (retornar ao texto)

(2) Longe de buscar um efeito retórico, Rosa Luxemburgo evoca aqui uma de suas preocupações constantes, como testemunha sua correspondência com Costia Zetkin – por exemplo, a carta que lhe endereçou em 8 de outubro de 1909, em que detalha uma proposta de currículo em 24 aulas. E numa carta a Wilhelm Dietmann, de 23 de maio de 1911, ela deseja mesmo pôr no currículo da Escola a história sindical: “Estou muito contente que tenhamos conseguido, o camarada Schulz e eu, introduzir enfim a história do socialismo internacional; atualmente é nisto que trabalho – e quando da última reunião dos professores e da direção do partido pedi que se ponha no currículo, à parte, a história do movimento sindical e de sua situação em diferentes países. Penso que é extremamente importante e tão necessária quanto a história do socialismo. Bebel apoia totalmente esta sugestão e trata-se apenas de saber quando teremos a possibilidade prática de realizar este projeto.” (retornar ao texto)

(3) O “funil de Nuremberg” designa um modo de aprender “sem esforço” – referência ao Funil poético (1647), tratado de poesia do autor nuremburguense Georg Philip Harsdörffer, que punha a arte da poesia ao alcance de todos em “seis horas”. (retornar ao texto)

(4) Jornal cotidiano social-democrata de Nuremberg publicado de 1875 a 1933. Um ano depois de ter sido demitido da redação do Vorwärts!, foi oferecida a Eisner a chefia de redação do Fränkische Tagespost, função que ocupou de 1907 a 1910. Pouco antes do Congresso, Eisner e Maurenbrecher haviam publicado nesse jornal artigos sobre a questão da educação. (retornar ao texto)

Inclusão: 02/12/2021