A Revolução Mexicana

José Carlos Mariátegui

1923


Primeira Edição: Artigo retirado do livro “Mariátegui Obras Completas – Tomo I”. Originalmente publicado em 1923.

Fonte: TraduAgindo - https://traduagindo.com/2021/04/23/jose-carlos-mariategui-a-revolucao-mexicana/

Tradução: Pedro Magalhães

HTML: Fernando Araújo.

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Na América Latina ou Ibérica, o fenômeno dominante, por sua transcendência social e política, é a revolução mexicana. Esse fenômeno começa com a insurreição popular contra a ditadura de Porfírio Díaz. O tema da revolução, na sua primeira etapa, era: “Não reeleição”.

A política de Díaz foi uma política essencialmente plutocrática. Leis falaciosas expropriaram o indígena mexicano de suas terras em benefício dos capitalistas nacionais e estrangeiros: os ejidos(1) foram absorvidos pelos latifundiários. A classe campesina ficou totalmente proletarizada. Os plutocratas, os latifundiários e sua clientela de advogados e intelectuais constituíam uma oligarquia que dominava, com o apoio do capital estrangeiro, o país feudalizado. Seu gendarme ideal era Porfírio Díaz. Porém, um povo que tão teimosamente lutara por seu direito à posse de terra não podia se acomodar a este regime feudal e renunciar suas reivindicações. Ademais, o crescimento das fábricas criava um proletário industrial, no qual a imigração estrangeira estimulava a assimilação de novas ideias sociais. Apareciam pequenos núcleos socialistas e sindicalistas. Flores Magón, de Los Angeles, introduzia no México alguns elementos de ideologia socialista com sua propaganda.

Quando o fim do sétimo mandato de Porfírio Díaz se aproximava, apareceu o caudilho: Francisco Madero. Madero, que até aquele tempo era um agricultor sem significado político, publicou um livro contra a reeleição. Esse livro, que foi uma requisição contra o governo de Díaz, teve um imenso eco popular. Porfírio Díaz, com essa confiança vaidosa em seu poder que cega os déspotas em sua decadência, não se preocupou a princípio com a agitação popular suscitada por Madero. Considerava Madero um personagem secundário e impotente.

Entre outras medidas de repressão, ordenou seu encarceramento. A ofensiva reacionária dispersou o partido antirreeleicionista: os “cientistas”(2) restabeleceram sua autoridade; Porfírio Díaz obteve sua oitava reeleição e a celebração do centenário do México foi uma fabulosa apoteose de sua ditadura.

Posto em liberdade condicional, Madero fugiu para os Estados Unidos, onde se entregou à organização do movimento revolucionário. Orozco reuniu o primeiro exército insurrecional. A rebelião se propagou velozmente. A classe governante tentou vencê-la com armas políticas. Declarou-se disposta a satisfazer as aspirações populares. Deu uma lei que impedia a outra reeleição. Porém, esta manobra não conteve o movimento em marcha. A bandeira antirreeleicionista era uma bandeira contingente. Ao redor dela, concentravam-se todos os explorados, todos os rebeldes. A revolução não tinha um programa ainda, mas este já começava a se esboçar, e sua primeira reivindicação concreta era a reivindicação da terra. O lema “Terra e Liberdade se juntava ao lema não-reeleição”, excedendo-o e superando-o.

A oligarquia se apressou a negociar com os revolucionários. Em 1912, Porfírio Díaz deixou o governo a De la Barra, quem presidiou as eleições. Madero chegou ao poder por meio de um compromisso com os “cientistas”. Conservou o antigo parlamento. Estas transações o prejudicaram? Os cientistas sabotavam o programa revolucionário. Preparavam-se, ao mesmo tempo, para a retomada do poder. Veio a insurreição de Félix Díaz. E, atrás dela, veio a traição de Victoriano Huerta, quem, sobre os cadáveres de Madero e Pino Suárez, assaltou ao governo. A reação “científica” apareceu vitoriosa. Porém, o pronunciamento de um chefe militar não podia impedir a marcha da revolução mexicana. Todas as raízes desta revolução estavam vivas. O general Venustiano Carranza pegou a bandeira de Madero e, depois de um período, expulsou Victoriano Huerta do poder. As reivindicações da revolução se acentuaram e se definiram melhor e México revisou e reformou sua constituição de acordo com elas.

Porém, Carranza, eleito presidente, carecia de condições para realizar o programa revolucionário; sua qualidade de proprietário de terras e seus compromissos com a classe latifundiária o impediam de cumprir a reforma agrária. O regime de Carranza, sob a autoridade patriarcal do caudilho ancião, se burocratizou e desprestigiou gradualmente. Carranza tentou, ao fim, designar seu sucessor. O país, agitado incessantemente pelas facções revolucionárias, insurgiu contra esse propósito. Carranza, virtualmente destituído, morreu nas mãos de um bando armado. Sob a presidência provisória de Adolfo, de la Huerta, foram efetuadas as eleições, endo eleito presidente o General Alvaro Obregón que, durante a campanha revolucionária, tinha se destacado como caudilho com mais condições de comando.

O governo de Obregón significou uma etapa de estabilização e realização revolucionárias. Começou o fracionamento dos latifúndios. A instrução pública, sob a direção de Vasconcelos, adquiriu um desenvolvimento magnífico e adotou um programa que se inspirava nos ideais sociais e da revolução. Eleito o General Plutarco Elías Calles, substituindo Obregón, a política deste continuou em seus rasgos essenciais. Coube a ele confrontar um forte movimento clerical que o obrigou a empregar medidas extremas em defesa dos princípios revolucionários sobre as relações entre a Igreja e o Estado. Mateve, sobretudo, a difício unidade do partido revolucionário, baseada na colaboração dos sindicatos operários e campesinos, em sua maior parte aderentes à Confederação Regional Operária Mexicana (CROM), com a pequena burguesia revolucionária dirigida por chefes militares e parlamentares. Ao concluir o mandato Calles, a candidatura de Obregón apareceu como a única que podia manter unido este conjunto de forças populares: invocando o princípio antirreeleicionista, os generais Gómez e Serrano se rebelaram. Os dois foram espancados e fuzilados e sua rebelião provocou uma momentânea reafirmação da frente revolucionária. Eleito o General Obregón, a solução do problema político parecia posta, quando ocorreu, num banquete, o assassinato de um caudilho popular por um católico fanático. Esse feito trouxe a ruptura do conjunto com o qual Obregón e Calles haviam governado. Os chefes da CROM foram acusados por alguns líderes obregonistas como instigadores do assassinato de seu chefe. Obrigaram Calles a separá-los do governo. E começou uma luta na qual se manifesta o desenvolvimento de uma corrente antirrevolucionária dentro do antigo bloco governamental. Terminado o mandato de Calles, o licenciado Portes Gil foi encargado provisoriamente com o governo, o que representa a tendência em conflito com a CROM.


Notas de rodapé:

(1) Ejidos: povos ou coletividades de indígenas que possuem em comum uma extensão de terrenos aráveis; ou os próprios terrenos. Os indivíduos dos ejidos recebem parcelas que, no melhor dos casos, têm quatro hectares; delas obtêm um lucro que raramente excede um peso diário e que, a rigor, é fruto do trabalho (Nota de Alberto Tauro). (retornar ao texto)

(2) Demonina-se “cientistas” os mais conspícuos colaboradores do General Porfírio Díaz porque aderiram aos postulados da “ciência” positivista, que lançou suas básicos no México enquanto aqueles usufruíam do poder. “A forma de governo do General Díaz era copiada em quase todos os estados da República, no particular. Os governadores permaneciam no poder indefinidamente, formavam seus grupos de parentes, amigos e favoritos, e protegiam os grandes proprietários e o comércio estrangeiro,” explica Alfonso Teja Zabre. E acrescenta que “o rápido êxito na primeira etapa revolucionária se deveu à decomposição e cansaço do regime anterior que havia chegado ao seu extremo de senilidade em homens, instituições e doutrinas, e ao brusco alçamento das energias proletárias e populares que estavam adormecidas, mas não mortas nem satisfeitas.” (Ver Historia de México. Una moderna interpretación, México, Imprenta de la Secretaría de Relaciones Exteriores, 1935, p. 40). Madero cometeu o erro de pactuar com aquela laia de políticos e foi, por isso, sua vítima, como justamente demonstra José Carlos Mariátegui (Nota de Alberto Tauro). (retornar ao texto)

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Inclusão: 12/09/2021