Um Outro Olhar Sobre Stáline

Ludo Martens


Prefácio à edição portuguesa

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É difícil para mim escrever um novo prefácio para esta edição, depois do rigoroso prefácio do autor, na parte em que se refere à sua investigação e conteúdo da obra, e depois da pertinente Nota do Tradutor (tradutor que enriqueceu enormemente a obra com as suas notas de rodapé e o importante Índice de Nomes - quem é quem -, que aliás muito nos ajuda para a leitura de outras obras).

Atrever-me-ei, contudo, a escrever algumas notas, que, embora possam não trazer algo de novo, me parece será útil neste momento recordar.

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Toda a história da sociedade humana, desde que surgiram as classes sociais, é a história da luta de classes.

A Revolução de Outubro, com a consequente construção do socialismo, foi o mais importante acontecimento desta história da sociedade humana, isto é, da história da luta de classes (no caso, e concretizando, da luta dos explorados e oprimidos contra os exploradores e opressores ou, simplificando ainda mais, da classe operária contra a classe capitalista).

E, sendo assim, a derrota do socialismo na União Soviética é, também, dos mais importantes factos da história da sociedade.

Por tudo isto é indispensável para os comunistas de hoje o estudo do que foi a epopeia da construção do socialismo, no quadro da inevitavelmente acesa luta de classes, epopeia que, entre muitas outras coisas, se traduziu na transformação de 120 milhões de ínfimos objectos da História — os mujiques — em parte substancial dos sujeitos da história que criaram a civilização soviética.

Por idêntica razão, o estudo das causas da derrota do socialismo na URSS coloca-se hoje como questão crucial para todos os comunistas. Sem essa análise, não é possível aos partidos comunistas definirem, com rigor e acerto revolucionário, as orientações e linhas de acção (tácticas e estratégicas), adequadas ao tempo actual e que a presente crise econômica, financeira, política e ética do sistema capitalista exige.

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A divulgação, nos últimos tempos, de um vasto conjunto de documentos factuais, das análises, das abordagens sobre as causas da derrota, constitui um importante passo em frente neste sentido.

É nesse esforço de análise que este importante livro de Ludo Martens deve ser visto.

O sítio Para a História do Socialismo - documentos, que também teve a iniciativa de publicar esta obra, tem dado de há um ano para cá uma contribuição para esta divulgação em Portugal (e não só), de textos para o estudo da construção do socialismo e da sua derrota na União Soviética.

Neste livro, Ludo Martens debruça-se sobre Stáline, um dos mais relevantes dirigentes comunistas de sempre, que desempenhou um papel fulcral em todo o processo de construção do socialismo e na derrota militar do nazi-fascismo.

Para combater (e finalmente derrotar) o socialismo na URSS, os nazis e todos os outros imperialistas usaram toda a espécie de armas: invasão e fomento da guerra civil (logo após o triunfo da revolução), boicotes, sabotagens, infiltrações de serviços secretos, criação de quintas colunas, corrupção, apoio a trânsfugas, traidores, conspiradores, reformistas, oportunistas, revisionistas, etc., etc., etc..

Mas a arma que parece ter-se revelado mais eficaz foi a de simbolizarem e identificarem o socialismo com Stáline, denegrindo a linha marxista-leninista por ele mantida e desenvolvida firmemente, o seu papel histórico e personalidade. Para isso deturparam factos, inventaram as mais sórdidas mentiras, fizeram de Stáline o ditador sanguinário e repetiram, repetiram, repetiram de tão variadas formas estas ideias que para milhões de pessoas (incluindo comunistas) se tornaram dúvidas ou verdades.

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Depois da morte de Stáline, o revisionista e eticamente degradado Khruchov, no fim do XX Congresso do PCUS, lançou com um verdadeiro golpe a bomba política, ideológica e psicológica, o chamado «Relatório Secreto», que credibilizou todas as mentiras e infâmias lançadas sobre a personalidade, papel histórico e ideologia de Stáline.

O caminho estava aberto para toda uma linha revisionista no plano ideológico e da política interna e externa, que facilitou a nova ofensiva e agressividade do imperialismo e lançou os fundamentos para o surto de uma classe exploradora, que, com Gorbatchov, Iéltsine e comparsas, levou à derrota final do socialismo na URSS, pela classe que hoje detém o poder de Estado na Rússia, e à consequente desagregação da União Soviética.

Pelo caminho, a maior parte dos partidos comunistas europeus foram degenerando em partidos sociais-democratas. Digo europeus porque, nos países da América, já muitos tinham degenerado sob a influência do «browderismo», teoria de conciliação de classes baseada na falsa interpretação da aliança na Segunda Guerra Mundial entre os EUA e a URSS, elaborada e difundida pelo renegado Earl Browder, secretário-geral do PC dos EUA, que levou à dissolução do próprio partido.

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Identicamente, em grande parte baseada na interpretação errada daquela aliança, também em Portugal (no Tarrafal), surgiu a teoria chamada de «política de transição», derrotada na reorganização de 1940/41 e principalmente no IV Congresso do PCP em 1946, mas que ressurge como linha política da chamada «solução pacífica do problema político português», relativamente à qual Álvaro Cunhal diz que se foi «infiltrando» na linha política do Partido, assente na ideia obsessiva da «degradação irreversível» do regime salazarista.

Nas suas obras, talvez das mais importantes para a formação dos comunistas portugueses, contam-se O Desvio de Direita nos anos 1956-1959 e A Tendência Anarco-Liberal na Organização do Trabalho de Direcção, nas quais Álvaro Cunhal critica com todo o pormenor e a maior profundidade esse desvio, também ele influenciado pela política de coexistência pacífica deturpada por Khruchov e outras teorias por ele desenvolvidas no XX Congresso e posteriores do PCUS.

Traço comum a todos estes desvios é terem surgido a partir de direcções de partidos, o que bem confirma a sabedoria popular de que «a cabeça comanda o corpo».

A confiança dos militantes nos dirigentes dos seus partidos é indispensável, mas, portanto, mais indispensável ainda é que as direcções dos partidos mereçam essa confiança pela justeza da linha política que prosseguem, estilo de trabalho colectivo, frontalidade, lealdade e fraternidade entre camaradas (princípios que Ho-Chi-Minh valorizou no seu testamento político).

É uma necessidade imperiosa para os comunistas, e indispensável para os seus dirigentes, o estudo do marxismo-leninismo (conjunto de teorias científicas elaboradas por Marx, Engels e Lénine) e, a essa luz, a análise da realidade nacional e mundial.

Por tudo isto, é extremamente útil a leitura meditada deste livro de Ludo Martens, assim como de vários outros textos também publicados no sítio Para a História do Socialismo - Documentos.

Lisboa, 28 Junho 2009
Carlos Costa


Inclusão 19/11/2015