A Situação Política e as Tarefas do Proletariado(1)

Andreu Nin

5 de Abril de 1937


Primeira Edição: “Boletín Interno de Discusión”, 5 de Abril de 1937.

Fonte: "La situación política y las tareas del proletariado"  no livro Los problemas de la revolución española, p. 217-230, Andrés Nin (prefácio e compilação de Juan Andrade), Ruedo Ibérico, Aleçon, França, 1971(2).

Tradução para o português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez. Março, 2010

HTML: Fernando A. S. Araújo

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I

Os acontecimentos que se desenvolveram na Espanha depois do Congresso de constituição do POUM, realizado em Barcelona em 29 de setembro de 1935, confirmaram que a posição fundamental do nosso partido, quando afirmamos que a luita não estava posta entre a democracia burguesa e o fascismo, mas sim entre o fascismo e o socialismo, e quando qualificamos de democrática-socialista a nossa revolução, era totalmente certa.

A experiência de 1931-1935 tinha demonstrado de sobra a impotência da burguesia para resolver os problemas fundamentais da revolução democrático-burguesa e a necessidade de a classe obreira se colocar decididamente à frente do movimento de emancipação para realizar a revolução democrática e iniciar a revolução socialista. A persistência das ilusões democráticas e da aliança orgânica com os partidos republicanos, tinha que levar inevitavelmente ao fortalecimento das posições reacionárias e, em próximo futuro, ao triunfo do fascismo como a única saída para um regime capitalista incapaz de resolver as suas contradições internas dentro do quadro das instituições democrático-burguesas.

A lição de Astúrias, onde o proletariado, tomando decididamente a direção do movimento em outubro de 1934, deu um golpe mortal à reação, e a de Catalunha, onde durante os mesmos dias evidenciou mais uma vez a incapacidade e a inconsistência dos partidos pequeno-burgueses, não foi aproveitada como é devido, por mor da ausência de um grande partido revolucionário. Os partidos socialista e comunista, ao invés de aproveitar a lição de Outubro desenvolvendo a Aliança operária, que tão esplêndido resultado tinha produzido nas Astúrias, e canalizando todas as forças para frente, assegurando a hegemonia da classe operária, enfeudaram uma outra vez o proletariado, por meio da Frente Popular, para partidos republicanos burgueses, que tinham falhado miseravelmente em outubro e que haviam desaparecido virtualmente da cena política.

O período que precedeu imediatamente às eleições de 16 de fevereiro caracteriza-se pola ressurreição dos partidos republicanos, graças aos socialistas e comunistas oficiais, e por um certo renascimento das ilusões democráticas entre as massas, as quais, contudo, parecem ter-se movido mais polo forte desejo de assegurar a amnistia dos presos e condenados de outubro do que pola confiança nos partidos republicanos. Esse desejo era tão unânime e o movimento tão poderoso que o nosso partido foi forçado a aderir-lhe, mas conservando totalmente a sua personalidade e independência, e exercendo uma crítica severa e impiedosa da política republicana. Esta tática, que nos salvou do isolamento, permitiu-nos achegar-nos às grandes massas, até então inacessíveis para nós, entre as quais propagamos os nossos princípios.

A gestão dos republicanos de esquerda no poder, depois de 16 de fevereiro, foi a confirmação absoluta das nossas predições. Desde o primeiro momento, viu-se um divórcio profundo entre o governo e o poderoso impulso das massas, que forçava àquele a decretar a amnistia e iniciava um vasto e profundo movimento de greves.  De baixo um clamor em prol de uma ação rápida e enérgica, uma política de realizações revolucionárias e de medidas rigorosas contra a reação, tornada cada dia mais insolente. De cima, fazia-se uma política de passividade, de contemplações funestas; uma política cuja palavra de ordem parecia ser não mudar cousa alguma, não assustar a ninguém nem lastimar os interesses das classes exploradoras. O resultado desta política foi a insurreição militar-fascista de 19 de julho de 1936. O troar dos canhões e o crepitar das metralhadoras naquela madrugada de julho, acordou do seu sono os trabalhadores inclinados ainda às ilusões democráticas. A vitória eleitoral de 16 de fevereiro não tinha sanjado o problema posto no nosso país. A reação fascista empregava argumentos bem mais contundentes do que a cédula eleitoral. Aproveitando-se da posição privilegiada que o próprio governo da República lhe estendera mantendo-a nos postos estratégicos mais importantes, a grande maioria dos oficiais do exército, a serviço da classes reacionárias, desencadeava a guerra civil.

II

A insurreição militar-fascista provocou uma formidável reação na classe trabalhadora, que se atirou resolutamente ao combate e, apesar de casos de passividade, nuns casos, e de traição, noutros, dos partidos republicanos, cujos representantes oficiais recusaram-se entregar as armas aos trabalhadores, esmagou a insurreição nos centros industriais mais importantes do país.

Esta intervenção resoluta dos trabalhadores tem conseqüências políticas enormes. Os órgãos do poder burguês ficaram, realmente, desfeitos. Criam-se comitês revolucionários em toda parte. O exército permanente desfaz-se, e é substituído polas milícias. Os obreiros tomam conta das fábricas. Os camponeses tomam posse das terras. Conventos e igrejas são destruídos polo fogo purificador da revolução. Em poucas horas, por vezes em poucos dias, os obreiros e camponeses resolvem, pola ação direta revolucionária, os problemas que a burguesia republicana fora incapaz de resolver em cinco anos — isto é, os problemas da revolução democrática — e iniciam a revolução socialista pola expropriação da burguesia.

Por algum tempo, os órgãos do poder burguês apenas são uma sombra.

O poder real está nas mãos dos comitês revolucionários, que formam uma apertada rede em todas as regiões que não estão nas mãos dos facciosos.

Contudo, neste primeiro período o impulso revolucionário é muito mais rigoroso na Catalunha do que na Espanha. Catalunha marcha, sem dúvida, à frente da revolução, porque graças à influência do POUM, da CNT e da FAI, que não tomaram parte na Frente Popular, o oportunismo democrático-republicano tem penetrado menos na massa trabalhadora.

A insurreição fascista, então, destinada principalmente a afogar o movimento operário revolucionário, acelera-o vertiginosamente,  tornando a luita de classes de uma violência inaudita, e colocando claramente a questão do poder: ou fascismo ou socialismo. O que se planejara como uma contra-revolucionário preventiva transforma-se em revolução proletária com todas as suas características distintivas: enfraquecimento do mecanismo estatal burguês, decomposição do exército, das forças de coerção do Estado e das instituições judiciais, armamento da classe trabalhadora, que ataca e vulnera o direito à propriedade privada; intervenção direta dos camponeses que expropriam os terratenentes, e finalmente a convicção das classes exploradoras de que seu reino expirou.

Nas primeiras semanas seguintes ao 19 de julho, a convicção de que o passado não pode voltar, de que a República democrática está ultrapassada, é geral. E o impulso da revolução é tão poderoso que os próprios partidos da pequena-burguesia proclamam a derrocada do regime capitalista e a necessidade de empreender-se a transformação socialista da sociedade espanhola.

A única saída imediata da situação era coordenar o empuxe das massas e instituir um poder firme, baseado nas organizações nascidas das entranhas da revolução, como expressão direta da vontade daqueles que desempenhavam um papel predominante na luita contra o fascismo. Tal poder vigoroso não podia ser outro senão um governo obreiro e camponês. Esta posição, mantida polo POUM desde o momento em que o caráter da luita se tornou claro, tropeçou com a oposição de todos os partidos da Frente Popular, e em primeiro lugar do Partido Comunista, e com a indecisão da CNT cuja ideologia anarquista impedia-lhe o reconhecimento da importância fundamental e decisiva do problema do poder.

Ao passo, com a ajuda de uma campanha tenaz e sistemática, iam se desenvolvendo duas concepções de consequências trágicas para o desenvolvimento vitorioso da luita da classe operária. A primeira destas concepções foi expressa nos termos: “Primeiro ganhar a guerra, depois, fazer-se-á a revolução”. De acordo com a segunda, que era conseqüência direta da primeira, na presente guerra os obreiros e lavradores luitam pola manutenção da República democrática parlamentar e, por conseguinte, não se pode falar em revolução proletária. Mais tarde, esta concepção teve uma deriva inesperada: que a dramática contenda que ensanguenta e arruína o país, é "uma guerra pola independência nacional e a defesa da pátria".

O nosso partido adota desde o primeiro momento uma atitude de oposição inabalável a estas concepções contra-revolucionárias.

III

A fórmula “primeiro ganhar a guerra depois fazer-se-á a revolução” é fundamentalmente falsa. Na briga que se desenvolve atualmente na Espanha, guerra e revolução são, não somente dous termos inseparáveis, mas, sinônimos.

A guerra civil, estado mais ou menos prolongado do conflito entre duas ou mais classes da sociedade, é uma das manifestações, a mais aguda, da luita entre o proletariado, de um lado, e do outro a grande burguesia e os terratenentes, que assustados polo avanço revolucionário do proletariado, tentam colocar um regime de ditadura sanguenta, que consolide os seus privilégios de classe. A luita nas frentes de batalha é sempre um prolongamento da luita na retaguarda. A guerra é uma forma da política. Esta política é a que dirige a guerra en quaisquer casos. Os exércitos defendem sempre os interesses de uma classe determinada. Trata-se de saber se os operários e camponeses combatem nas frentes por a ordem burguesa ou por uma sociedade socialista. Guerra e revolução são tão inseparáveis atualmente na Espanha como o foram na França do século XVIII e na Rússia em 1917-1920. Como podemos separar a guerra da revolução quando a guerra não é senão o auge violento do processo revolucionário que se vem desenvolvendo no nosso país desde 1930 até hoje?

Na realidade, a fórmula: “Primeiro ganhar a guerra […]” oculta o objetivo efetivo de frustrar a revolução. As revoluções devem ser feitas quando existem circunstâncias favoráveis, e estas circunstâncias a história não as oferece de encomenda. Se não se aproveitam os momentos de maior tensão revolucionária, o inimigo de classe vai reconquistando posições perdidas e finaliza por estrangular a revolução. A história do século XIX e a mais recente do pós-guerra (Alemanha, Áustria, Itália, China, etc.), oferece-nos abundantes exemplos disso. Adiar a revolução para depois de ganhar a guerra significa deixar as mãos livres à burguesia para que, aproveitando-se do afrouxamento da tensão revolucionária, restabeleça a sua máquina de repressão no preparo, sistemático e progressivo, da restauração do regime capitalista. A guerra — temo-lo dito já — é uma forma da política. O regime político sempre serve a uma classe definida, da qual é expressão e instrumento. Enquanto continuar a guerra, deve seguir-se a fazer política: a serviço de quem?, No interesse de que classe? Toda a questão está aí. E a garantia de uma vitória rápida e certa nas frentes reside numa política revolucionária firme na retaguarda, capaz de inspirar os combatentes com o brio e a confiança indispensáveis para a luita; capaz também de despertar a solidariedade revolucionária do proletariado internacional, a única com a qual podemos contar, de criar uma sólida indústria de guerra, de reconstruir em bases socialistas a economia destruída pola guerra civil, de forjar uma exército eficaz a serviço da causa proletária, que é a da humanidade civilizada. O instrumento de tal política revolucionária só pode ser um governo obreiro e camponês.

IV

Como na Rússia, em 1917, e em toda a Europa depois da guerra imperialista, o obstáculo maior oposto ao avanço vitorioso da revolução proletária é o reformismo, agente da burguesia no movimento operário. Mas dá-se o caso paradoxal de que, no nosso país,o expoente mais característico do reformismo desvirilizador seja precisamente o Partido Comunista da Espanha e a sua filial o Partido Socialista Unificado da Catalunha, membros de uma internacional, a Internacional Comunista, que se ergue como consequência do rompimento ideológico e orgânico com o reformismo. Prisioneiro da burocracia soviética, que voltou as costas à revolução proletária internacional para fincar todas as suas esperanças sobre os países “democráticas” e a Liga das Nações, o comunismo oficial tem abandonado definitivamente a política revolucionária de classe voltando-se para a aliança com os partidos burgueses democráticos (Frente Popular) e preparar psicologicamente as massas para a próxima guerra mundial. Dai a palavra de ordem: "Luita pola independência nacional", e que traduzida para a  linguagem da política internacional, significa: “sujeição da Espanha revolucionária aos interesses do bloco imperialista franco-britânico", da que faz parte a própria URSS. As conseqüências fatais de tal política não tardaram em se fazer sentir: explorando as dificuldades da guerra e as possíveis complicações internacionais, o reformismo, auxiliado eficazmente polos representantes da burocracia estalinista, que por sua vez exploraram com o auxilio prestado pola URSS, tem conseguido minar sistematicamente as conquistas revolucionárias, preparando o terreno para a contra-revolução. A nossa eliminação do governo da Generalitat, as tentativas de formar um Exército popular “democrático” e "neutro", a supressão das milícias da retaguarda e a reconstituição da ordem pública na base do restabelecimento do velho mecanismo, a censura de imprensa, são os degraus mais importantes deste processo contra-revolucionário, que continuará inexoravelmente, até o total esmagamento do movimento revolucionário, caso a classe trabalhadora espanhola não reaja rápida e vigorosamente, reconquistando as posições alcançadas nas jornadas de julho e impelindo a revolução socialista para frente.

Na situação de hoje, inequivocamente revolucionária, a palavra de ordem “luita pola República democrática parlamentar”, só pode servir aos interesses da burguesia contra-revolucionária. Hoje, mais do que nunca, “a palavra democracia não é mais do que um testo com que se pretende impedir o povo revolucionário de insurgir-se e empreender, livre, ousadamente e pola sua conta, a construção da sociedade nova” (Lenine). Como nos tem ensinado o marxismo revolucionário, a República democrática é apenas uma forma mascarada da ditadura da burguesia. No período de apogeu do capitalismo, quando ele representava um fator progressista, a burguesia pôde permitir-se o luxo de conceder uma série de liberalidades "democráticas", — consideravelmente limitadas, condicionadas, polo fato da sua dominação econômica e política — à classe trabalhadora. Hoje, na época do imperialismo, “estágio derradeiro do capitalismo”, a burguesia, a fim de vencer as suas contradições internas, vê-se na necessidade de aparelhar-se de regímens de ditadura brutal (fascismo), que destruem mesmo as miseráveis liberdades democráticas. Nestas circunstâncias, o mundo acha-se diante dum dilema fatal: ou socialismo ou fascismo. Os regimes “democráticos” devem ser necessariamente efémeros, inconsistentes e, no pior dos casos, embaem e desarmam os trabalhadores com as suas ilusões, preparam o terreno para a reação fascista.

Para justificar a sua monstruosa traição ao marxismo revolucionário, os estalinistas argumentam que a República democrática que têm em mente, será uma República democrática diferente das outras, uma República “popular”, na qual terá desaparecido a base material do fascismo. Isto é, põem de parte escandalosamente a teoria marxista do Estado como instrumento de dominação de uma classe para cair na utopia do Estado democrático "acima das classes", a serviço do povo, com o objetivo de mistificar as massas e preparar a consolidação pura e simples do regime burguês. Uma República na qual tenha desaparecido a base material do fascismo, só pode ser uma República socialista, uma vez que a base material do fascismo é o capitalismo.

V

O antifascismo em abstrato, jeitosamente manipulado polos reformistas — que preparam política e psicologicamente as condições favoráveis à intervenção na próxima guerra imperialista mundial, apresentada como uma contenda entre os países fascistas e os países democráticos — é o antídoto da revolução proletária, a expressão da política de “unidade nacional”, contra a qual o marxismo colocou sempre a luita de classes.

Se o dilema diante do qual a história colocou o proletariado espanhol é “fascismo ou socialismo”, o problema fundamental de presente é o problema do poder. Todos os outros — a organização militar, a indústria de guerra, os fornecimentos, a reconstrução econômica do país, a segurança interna, etc. — estão subordinados a esse problema fundamental, cuja solução depende de que classe tem o poder nas mãos.

Qual é a atitude dos diferentes setores do movimento operário frente a este problema?

O Partido Comunista, o Partido Socialista Operário Espanhol e o Partido Socialista Unificado da Catalunha propugnam a política da Frente Popular, que pressupõe o exercício do poder por governos “anti-fascistas”, de coalização com a burguesia e com um programa democrático-burguês.
A CNT e a FAI declaram-se resolutamente partidárias da revolução social e, portanto, acérrimas contrárias do restauramento da República democrática; mas a sua tradição anti-estatal e a propaganda sistemática em favor do comunismo libertário, feita durante muitos anos, impede a sua progressão no sentido de conceito de poder proletário.

A nossa atitude em relação a esses distintos setores vem determinada polo papel que desempenham ou podem desempenhar no curso do desenvolvimento dos factos atuais.

O Partido Comunista da Espanha e o Partido Socialista Unificado da Catalunha, pola posição política atual, inspirada diretamente pola Internacional Comunista, instrumento por sua vez da burocracia soviética, devem ser considerados como organizações ultra-oportunistas e ultra-reformistas. Pola sua política de colaboração de classes, pola sua renúncia total aos princípios e à tática fundamentais do marxismo revolucionário, polo seu auxílio declarado e ativo aos planos de estrangulamento da revolução espanhola, maquinados polo capitalismo nacional e internacional, o Partido Comunista e o PSUC, desempenham o papel de agentes da burguesia no movimento obreiro, mais perigosos para a revolução que a própria burguesia, pois o rótulo marxista com que se adornam facilita a sua penetração nas fileiras proletárias. Os interesses supremos da revolução exigem uma crítica constante e implacável das posições políticas destes partidos, crítica que contribuirá eficazmente para acentuar a diferenciação dentro deles, impelindo para as posições revolucionárias os elementos proletários.

Os acontecimentos atuais patenteiam claramente a inconsistência ideológica da chamada “esquerda” do Partido Socialista Espanhol, cuja fraseologia revolucionária fez agomar tantas esperanças entre um bom número da vanguarda da classe trabalhadora. Das tendências que existiam às vésperas de 19 de julho não resta virtualmente nada. Entre as tendências de “direita”, “esquerda” e “centro” não há diferença fundamental; todas elas estão ligadas por um denominador comum, a política da Frente Popular, que as leva a renunciar às posições revolucionárias do proletariado e fazer o jogo da burguesia democrática. Mas na base do partido percebe-se um profundo mal-estar, produzido principalmente polas tentativas do estalinismo de absorver o partido — como já fez com as juventudes — e submetê-lo à política da burocracia da Terceira Internacional. Muitos dos velhos militantes olham com mágoa e com um sentimento unido de surdo protesto a obra de destruição, sistematicamente empreendida, da organização que com tanto esforço erigiram, e a introdução de métodos repugnantes à sua consciência socialista e às tradições do partido. Por outro lado, a política escandalosamente oportunista do Partido Comunista, caracterizada por monstruosa deformação do marxismo, provoca uma viva e justificada inquietação entre os milhões de trabalhadores sinceramente revolucionários que aderiram ao PSOE, e que se apercebem, sobressaltados, do labor de penetração dos estalinistas, utilizando todos os meios, nas suas fileiras. 
A missão do nosso partido deve ser ajudar a esses elementos a ver de modo claro a situação, tentando fraternamente guiá-los polo bom caminho, isto é, fazer-lhes compreender a necessidade de uma clara política de intransigência proletária, servida por um forte partido revolucionário. São desejáveis os acordos temporários com os elementos, os quais sem aceitar plenamente as nossas posições revolucionárias estão prontos para luitar contra a burocracia estalinista e os seus métodos de corrupção. 

A CNT e a FAI têm concordado conosco, desde o começo, reconhecendo que a guerra e a revolução são inseparáveis, estão de acordo também com nós na estimativa de alguns dos problemas fundamentais que se colocaram, tais como o do exército, da ordem pública, etc. Mas as vacilações das organizações referidas na questão do poder e a sua posição restritamente “sindical”, que tende a eliminar os partidos, que não a impediu aliás, por meio da UGT, de estabelecer uma colaboração efetiva com os socialistas e os comunistas oficiais, impediram que esse acordo não tivesse os resultados proveitosos que aguardávamos.

O anarco-sindicalismo emendou de modo notável as suas posições precedentes, mas o peso da tradição o impediu de fazer chegar essa correção às suas últimas conseqüências. Assim, renunciaram ao apoliticismo inveterável, entrando no governo da República e no da Catalunha, isto é, nos governos de colaboração com os partidos republicanos burgueses, sem ousar adotar uma atitude afirmativa, mais facilmente compreensível polas massas trabalhadoras da CNT, na formação de um governo obreiro e camponês. Se a CNT e a FAI tivessem adotado essa atitude, o destino vitorioso da nossa revolução teria sido garantido. Só a conquista do poder poderia permitir a solução rápida e efetiva de todos os problemas postos pola revolução e a guerra.

Sem recursar-se de um trabalho tenaz e paciente para levar as massas confederais a esta posição, exigida impreterivelmente pola situação atual, devemos orientar todo o nosso esforço no sentido de trazer a relações mais íntimas o nosso partido e as organizações da CNT e da FAI, os nossos aliados naturais nas atuais circunstâncias. As coincidências importantíssimas já manifestadas e a necessidade de defender a revolução em perigo impõem uma aliança efetiva, que não pressupõe de modo algum, o abandono da crítica mútua, nem a defesa das posições respectivas.

VI

O dever imperioso do momento, então, é a conquista do poder polo proletariado, em aliança com os camponeses, e a formação, por consequência, de um governo operário e camponês, único capaz de organizar, de acordo com as necessidades da população e da guerra, a economia em derrocada e de estabelecer uma ordem revolucionária no país.

Este governo, a fim de que possa ter toda a sua eficácia revolucionária, não pode ser escolhido do alto, como resultado de combinações mais ou menos diplomáticos, nem resultar de um parlamento constituído segundo as normas democráticas-burguesas.

Um governo formado por delegados das organizações operárias escolhidos polos comitês supremos destas organizações, representaria, sem dúvida, um passo à frente em relação à situação atual, mas não seria o governo que as circunstâncias exigem. Eleito sob tais condições, certamente não iria muito além das posições da Frente Popular.

O governo operário e camponês tem de ser a expressão direta da vontade revolucionária das massas obreiras e camponesas do país, e por isso mesmo não pode sair do Parlamento de 16 de fevereiro completamente ultrapassado polos acontecimentos, nem pode resultar de umas eleições baseadas no sufrágio universal. O Parlamento burguês tem de ser dissolvido, e no seu lugar deve convocar-se um congresso que ponha as bases econômicas, sociais e políticas da Espanha livre da dominação capitalista, que está sendo forjada nos campos de batalha e seja escolhido o governo operário e camponês. Tal assembléia não pode ser do tipo democrático-burguês, isto é, não pode ser baseada no direito da representação de todas as classes, mas deve refletir a nova situação criada pola guerra civil e a revolução, concedendo todos os direitos àqueles que estão segurando a revolução com as armas na mão ou com trabalho criador. Numa palavra, o congresso deve ser formado polos delegados dos sindicatos operários e camponeses, e dos soldados.

Esses mesmos órgãos devem constituir a base para a transformação de toda a máquina do poder, começando polos municípios, com as modificações de detalhe exigidas polas circunstâncias.

A orientação que propugna o POUM pode ser resumida nestas duas frases de ordem fundamentais: a) conquista do poder pola classe obreira; b) instituição de um regime socialista.

No presente período da revolução, a conquista do poder polo proletariado não implica forçosamente a insurreição armada. As posições que ainda tem a despeito do retrocesso da revolução, continua conservando a classe trabalhadora, o seu peso específico e das suas organizações e, acima de tudo, o fato de continuar com grande quantidade de armas nas mãos, permitem a conquista pacífica do poder. Tudo que se precisa é que o proletariado torne a confiar na sua própria força e decida impor resolutamente a sua vontade. Dele depende inteiramente que se restabeleça a correlação das forças de 19 de julho, e que saiba utilizá-la no seu próprio proveito ou, o que vem a dar no mesmo, da revolução.

A conquista do poder polo proletariado significa hegemonia absoluta da classe trabalhadora com o objetivo de afogar implacavelmente todas as tentativas de contra-revolução e esmagar a burguesia. Esta hegemonia da classe operária não pode identificar-se em nenhuma circunstância com a ditadura de um partido, mas pressupõe a mais ampla democracia obreira, o direito de crítica mais absoluto para todos os setores proletários, a participação de todos na tarefa comum. Só as classes exploradoras ficam privadas de todos os direitos políticos. Quando as classes tiverem desaparecido completamente, os órgãos de coerção tornarão-se supérfluos e desaparecerá o Estado.

Na conquista do poder a classe operária não se limitará a utilizar o velho mecanismo do Estado — como fez a burguesia democrática — mas a destruirá até à raiz. Com a ajuda dos comitês de operários, camponeses e soldados, transformará do cimo abaixo toda a máquina governamental e instituirá um governo barato e verdadeiramente democrático. O governo barato será possível pola destruição do velho e custoso sistema burocrático, a eliminação dos salários altos, estabelecendo-se a norma de que ninguém pode receber salário maior do que um obreiro especializado, o controle vigilante e ativo das massas trabalhadoras. A verdadeira democracia será garantida pola participação efetiva da imensa maioria do país na administração dos negócios públicos, a eleição de todos os postos e a sua revogação em qualquer tempo. Finalmente, o governo operário e camponês será o governo da vitória militar, porque só um governo de tal caráter é capaz de gerar a moral indispensável para a vitória; organizar uma sólida indústria de guerra, nacionalizar os Bancos, eliminar a especulação, concentrar e mobilizar todos os recursos econômicos do país para a guerra.

VII

Um dos argumentos de que usam os reformistas mais frequentemente para justificar a sua política colaboracionista e contra-revolucionária, é a necessidade de manter o bloco com os partidos da pequena-burguesia, de maneira a garantir o apoio de uma massa importante da população.

A pequena-burguesia constitui, com efeito, um fator de maior importância em todos os países e particularmente nos países em que, como o nosso, chegaram tarde ao processo capitalista. Mas, por causa do seu caráter de classe intermédia, a meio caminho da grande burguesia e do proletariado, pola sua dependência econômica, não pode desempenhar um papel independente na vida política. Vacilante e indecisa, move-se sempre entre as duas classes fundamentais, seguindo ora a política de uma, ora a de outra.

Os partidos da pequena-burguesia mantêm a ficção da política independente — nem burguesa, nem proletária — mas, na realidade, são sempre um instrumento nas mãos do grande capital e, por essa razão, um instrumento contra os interesses da própria pequena-burguesia, cujo representação exibem. A sua política leva indefectivelmente à consolidação das posições econômicas do grande capital e, portanto, à sufocação efetiva da pequena-burguesia. A aliança com os partidos pequeno-burgueses não representa aliança com a pequena-burguesia, mas contra ela. A experiência espanhola, desde o 14 de abril até o momento presente, é muito eloquente a este respeito. A pequena-burguesia e, em primeiro lugar os camponeses, não viram satisfeitos nenhuma das suas reclamações fundamentais. Tudo quanto se conseguiu deve-se à ação independente da classe operária.

A pequena-burguesia, potencialmente, não é nem revolucionária nem reacionária. Ela quer a ordem, qualquer que seja, mas uma ordem. E tal ordem só o podem estabelecer o proletariado ou a burguesia. Quando a classe obreira age resolutamente, dando a impressão da sua força e do que ela quer e para onde se dirige, a pequena-burguesia fica neutralizada e mesmo uma vasta parcela dela segue o proletariado ou, mais corretamente, é arrastada por ele. Mas se no momento decisivo a classe operária falha, a pequena-burguesia perde a fé nela, volta-lhe as costas e fita, uma vez mais, na grande burguesia. Se, nesse momento apresenta-se um caudilho mais ou menos demagógico, não lhe será difícil aproveitar-se do descontentamento das massas pequeno-burguesas, para as converter na base social de um movimento (fascismo), destinado a machucar a classe trabalhadora e instituir um regime de ditadura sangrenta do grande capital.

A pequena-burguesia fez a experiência da República democrática. Torná-la a vir, significa preparar-se para novos baques, criar as premissas necessárias para a incorporação das massas pequeno-burguesas ao campo reacionário. Contrariamente, se a classe operária aparece aos olhos das massas populares do país como verdadeiro guia à revolução, como a única força capaz de estabelecer um regime forte, uma ordem nova, a pequena-burguesia seguiria-a como a seguiu depois das jornadas gloriosas de julho.

A política de atrair a pequena-burguesia não significa, portanto, deter o ritmo da revolução mas, acelerá-lo. Quanto mais audaz e decidido se mostrar o proletariado, tanto mais certo poderá estar da colaboração da pequena-burguesia, ou polo menos, da sua neutralização.

VIII

A divisão da classe obreira é, sem dúvida, um dos fatores que mais poderosamente opõem para sentir as massas pequeno-burguesas a força invencível do proletariado. A unidade sindical — cuja ausência, por outro lado, tem repercussões desfavoráveis sobre a organização socialista da produção — seria um grande passo para a frente. Mas a burocracia reformista sabota-a sistematicamente, porque sente que o movimento sindical unificado escaparia das suas mãos e passaria aos elementos revolucionários. Impeli-la e impo-la é o dever estrito da classe trabalhadora.

No campo político, devem ser constituídos os órgãos de unidade concordantes com as circunstâncias. Ao fim de 1933 apareceram as Alianças operárias, destinadas a desempenhar no nosso país igual papel que os sovietes desempenharam na revolução russa. Estas Alianças mostraram a sua magnífica eficácia revolucionária durante a insurreição asturiana de outubro de 1934. Formada por todos os partidos e organizações operárias sem exceção, a Aliança operária das Astúrias mostrou com toda a evidência ao mundo os prodígios de heroísmo e iniciativa de que é capaz um proletariado unido. Mas a política de Frente Popular frustrou esses esplêndidos começos, e uma vez mais a classe trabalhadora andou no encalço dos partidos republicanos. Se as Alianças obreiras não tivessem sido liquidadas polos campeões da colaboração de classe, os acontecimentos teriam tomado um rumo complemente diferente do que tomaram, e a hegemonia do proletariado ter-se-ia fixado sem dúvida.

Fazer revivê-las hoje seria um erro, porque elas pertencem a uma fase já ultrapassada. Os congressos de delegados dos sindicatos operários e camponeses e os dos soldados, são substancialmente a mesma cousa hoje em dia que as Alianças operárias na etapa passada. Sobre eles tem de ser baseado o governo da classe trabalhadora, deles deverão surgir os órgãos do poder; eles devem encarnar a unidade de ação dos trabalhadores, acima das diferenças que os separam no campo da organização sindical e política. Sobre eles será baseada a futura União ibérica das Repúblicas socialistas.

Nem a unidade sindical, nem as assembléias de delegados operários, camponeses e soldados, excluem a possibilidade da formação de alianças entre os setores da classe obreira que concordam na concepção do momento e a atitude da classe trabalhadora. Ao contrário, estas alianças são claramente indicadas pola situação.

No caso concreto da nossa revolução, impõe-se a necessidade da formação de uma Frente Operária Revolucionária, formada pola CNT, a FAI e o POUM, organizações que concordam na necessidade de deter o avanço do reformismo, de voltar-se à situação anterior ao 19 de julho e de impelir para frente a revolução proletária, até as últimas consequências. Um programa de realizações claras e concretas — hoje perfeitamente realizáveis —, deveria ser a base da Frente Operária Revolucionária, cuja formação determinaria, indiscutivelmente, uma mudança fundamental na correlação de forças e daria um poderoso impulso à revolução.

IX

Um dos argumentos favoritos usados polos reformistas contra a revolução proletária é o de que seria inevitavelmente afogada polos países capitalistas.

A classe trabalhadora cometeria um profundo erro se não contasse com a probabilidade de uma intervenção armada estrangeira contra a revolução espanhola. Mas, se o proletariado não pudesse lançar-se à luita revolucionária decisiva a não ser onde estivesse certo de não haver intervenção, daria de mão antecipadamente qualquer esperança de emancipação. Pois é evidente que o capitalismo internacional não verá passivamente, por espírito de conservação, a vitória do proletariado nenhures.

O perigo de intervenção existe, e se o fator decisivo fosse a superior técnica militar, a derrota do proletariado poderia considerar-se totalmente certa. Mas há um fator real infinitamente mais eficaz: a força expansiva da revolução. Triunfante na Espanha, traria uma repercussão imediata nos outros países, e muito particularmente na Itália e na Alemanha, em cujos regimes daria um golpe mortal.

A revolução russa foi causa imediata do colapso dos impérios centrais, fez abalar o regime capitalista em toda a Europa e provocou um movimento tão intenso de solidariedade proletária internacional, que contribui poderosamente para o fracasso da intervenção. As consequências da revolução espanhola não podem ser menos transcendentes. A vitória da classe operária do nosso país modificaria imediatamente a, favor do proletariado, a correlação de forças no mundo inteiro, dando um impulso decisivo à revolução proletária internacional.


Notas:

(1) Nota de Juan Andrade: Esboço de «Tese política», redigido por Andreu Nin, para discussão do Congresso nacional do POUM [Segundo Congresso, nota do tradutor], que devia celebrar-se em 19 de Junho de 1937, que por causa da repressão empenhada contra o partido não pôde reunir-se. (retornar ao texto)

(2) O texto foi confrontado com o publicado na Fundación Andreu Nin, website (www.fundanin.org). (retornar ao texto)

Inclusão 27/03/2010