A Luta de Classes em África

Kwame Nkrumah


Origens das classes em África


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Com uma superfície total de 20 milhões de quilómetros quadrados e uma população avaliada em 500 milhões, a África e suas ilhas poderiam facilmente englobar a índia, a Europa, o Japão, as Ilhas Britânicas, a Escandinávia e a Nova Zelândia. Os Estados Unidos caberiam facilmente no deserto do Saara. Geograficamente, a África apresenta-se como uma massa compacta que pelos seus recursos naturais é potencialmente o continente mais rico do Mundo.

Muito antes do começo da era colonial, a África, cujo desenvolvimento económico é desigual, possuía sistemas políticos muito complexos. É nesse mundo africano, a que chamam subdesenvolvido, na Ásia e na América Latina que a luta de classes e o combate empreendido contra a exploração do homem pelo homem passaram ao estádio decisivo, irreversível, do processo revolucionário.

Não seria inexacto afirmar que a consciência política das massas africanas nasceu, de certo modo, das estruturas sócio-económicas tradicionais. Na sociedade de tipo comunitário, por exemplo, a terra e os meios de produção pertenciam à comunidade. Era a época da propriedade pública. O trabalho era não só uma necessidade, mas também um hábito. Quem quer que alugasse uma parcela de terra para seu uso pessoal não era livre de fazer o que lhe apetecesse com ela, porque, na realidade, a terra pertencia à comunidade.

Os chefes estavam submetidos ao controle rigoroso dos conselheiros e podiam ser demitidos.

Conhecem-se cinco grandes tipos de relações de produção: o comunismo primitivo, a escravatura, o feudalismo, o capitalismo e o socialismo. Este último conduz ao comunismo. A luta de classes é o resultado do aparecimento da propriedade privada e do declínio da sociedade de tipo comunitário, em proveito das sociedades esclavagista e feudal.

Dum modo geral, os povos africanos passaram, no começo da era colonial, a um estádio superior de sociedade comunitária caracterizado, por um lado, pela dissolução da democracia tribal e, por outro, pelo nascimento de relações feudais e de sistemas hereditários tribais e monárquicos. Sob o impulso do imperialismo e do colonialismo, as estruturas sócio-económicas deste tipo de sociedade dissolveram-se logo após a introdução de culturas de exportação, tais como o cacau e o café. As economias das colónias ligaram-se então estreitamente aos mercados do mundo capitalista. Com o capitalismo e o individualismo, as tendências para a propriedade privada desenvolveram-se. Pouco a pouco, a sociedade comunitária primitiva desintegrou-se, e isso foi o declínio do espírito colectivo. Assistiu-se então a uma expansão da exploração agrícola privada e da pequena produção.

Os Europeus não tiveram dificuldade nenhuma em se apropriarem das terras que eram bens públicos. Assim, no Malawi, mais de 16% das terras foram apropriadas e aproximadamente 3/4 estavam sob o controle de onze grandes sociedades. Quando a terra era apropriada pelos colonos, os «proprietários» africanos tornavam-se nalguns casos rendeiros ou locatários, mas só em terras que os colonizadores julgavam pouco rendíveis para eles próprios. Estes últimos recebiam do Governo Britânico, por intermédio dos consulados, títulos de propriedade. E qualquer terra que não pertencesse a ninguém em particular era declarada «propriedade da Coroa». Isto repetia-se noutras partes da África colonizada.

O colonialismo abole a propriedade comunal em proveito da propriedade privada. O «sistema de governo indirecto» fez dos chefes indígenas instrumentos e, muitas vezes, agentes a soldo do poder colonial.

A alienação da terra e dos seus recursos naturais, isto é, dos meios de produção, provocou o aparecimento de dois sectores económicos: os sectores africano e europeu, o primeiro submetido à exploração do segundo. A agricultura de subsistência desapareceu pouco a pouco e os Africanos viram-se obrigados a oferecer os seus serviços aos colonialistas, que capitalizaram os proveitos que daí tiraram. Foi nestas condições que surgiu a luta de classes, que era também uma luta de raças.

Com o desenvolvimento da produção de mercadorias destinadas à exportação, as economias de monocultura tornaram-se dependentes do capitalismo estrangeiro. As colónias tornaram-se centros de investimento e exploração. Capitalismo tornou-se sinónimo de colonização. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da iniciativa privada, juntamente com a expansão da administração colonial, fez nascer primeiramente uma pequena burguesia, depois uma burguesia urbana, composta por burocratas, intelectuais reaccionários, comerciantes... que se ligaram cada vez mais a estruturas sócio-económicas coloniais.

A fim de facilitar a exploração, os colonialistas impediram todo o progresso social e cultural nas colónias. Restauraram e preservaram formas arcaicas de relações sociais, e em seguida introduziram modos de produção e relações sociais capitalistas. Com o objectivo de reforçar a autoridade dos administradores coloniais, os conflitos tribais foram por vezes deliberadamente encorajados.

Sempre no interesse do capitalismo, foram empreendidos certos desenvolvimentos económicos no domínio das indústrias extractivas, das plantações e das explorações agrícolas de tipo capitalista, da construção de portos, de estradas e de caminhos de ferro. Como resultado disto, deram-se profundas mudanças sociais. O aparecimento dum proletariado rural e urbano provocou o declínio do feudalismo e do semifeudalismo. Nesta mesma altura verificou-se o aparecimento duma burguesia e duma intelligentsia nacionais.

Nesta situação, os trabalhadores africanos viam nas companhias estrangeiras e nos colonos europeus os seus exploradores.

Assim, a luta de classes em África foi dirigida, a princípio, contra o imperialismo, e não contra a burguesia local. Foi isto que retardou o despertar das massas africanas, impedindo-as, por essa forma, de compreender mais cedo que a burguesia local era o seu real inimigo.

No fim do período colonial, a maioria dos Estados africanos estavam dotados duma máquina administrativa bem montada, assim como duma aparente democracia parlamentar, dissimulando um Estado coercivo dirigido por uma elite burocrática toda-poderosa. Estes Estados compreendiam: uma intelligentsia totalmente ligada aos valores ocidentais; um movimento operário praticamente inexistente; um exército e uma polícia cujos quadros tinham sido formados nas academias militares ocidentais, e dirigentes preparados para uma administração de tipo colonial.

Contudo, e felizmente, é preciso notar o aparecimento, no decorrer das lutas de libertação nacionais, de dirigentes saídos das massas e das quais tinham todo o apoio. Os seus objectivos não se limitavam apenas à libertação política, mas também e sobretudo visavam uma transformação radical da sociedade. Se estes dirigentes revolucionários se aliaram à burguesia nacional, durante as lutas para a independência nacional, separaram-se dela imediatamente a seguir à conquista da independência, firmemente decididos a lutar pelos seus ideais socialistas. A luta ainda continua.


Inclusão 22/03/2014