Causas Econômicas da Revolução Russa

M. N. Pokrovsky


Capítulo I - O Fator Econômico Durante o Período da Primeira Revolução (1900-1910)


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Para compreender a primeira revolução russa de 1905 a 1907 temos que estudar detidamente a situação econômica do primeiro decênio do século XX.

O fato de que o regime de servidão se mantivesse na Rússia até princípios do século XX não se deve unicamente aos esforços conscientes dos latifundistas e seu governo. O êxito desses esforços tem que ser explicado pelo baixo preço que o trigo alcançou novamente no mercado mundial. Como já falamos antes disso, limitemo-nos a recordar. O melhor meio de conhecer a situação é fornecido pelos diferentes preços da terra. No ano de 60 começou a aumentar incessantemente o preço do solo na região da “terra negra”, nos governos de Orei, Tula, Riazan, Tambow, Penze Voronesch e Kursk. No governo de Orei, pagavam-se por deciatina 105 rublos e, em 1883, sobe a 145 rublos.

Em 1889, no governo de Orel, o preço de uma deciatina ainda era 116 rublos. O mesmo acontecia nos governos de Voronesch e Penze. Em Voronesch, o preço da deciatina sobe de 54 rublos, que custava no ano de 60, a 133 em 1883, para descer a 124 em 1889. No governo de Penze, a deciatina custava, no ano de 60, 36 rublos; em 1883, 100 rublos, e 80 em 1889.

Nessa época, quem era o principal comprador de terra? O camponês, sem dúvida, como demonstra o fato de que a percentagem de camponeses entre os possuidores particulares da terra se elevasse de 5,46 por cento em 1878 a 19,5 em 1900.

A baixa do preço da terra demonstra que a classe camponesa, a principal compradora de terra, esmagada pelo baixo preço dos cereais, estava cansada de comprar. Até o ano de 90, o povo estava ameaçado de incorrer num ponto morto, como o povo em servidão sob Nicolau I. E, então, repetiu-se o mesmo fenômeno que havia contribuído no ano 40 para rebaixar esse ponto morto. A partir de 1900, começaram a subir os preços dos cereais no mercado mundial. Fixando em 100 os preços durante os anos de 1893 a 1897, de 1898 a 1904 chegam a 122 e, nos anos de 1905 a 1912, a 165.

Por conseguinte, o primeiro decênio do século XX caracteriza-se pelo elevado preço dos cereais, isto é, a Rússia achava-se nas mesmas condições que antes de 14 de dezembro de 1825 e antes de 19 de fevereiro de 1861. A “conjuntura mundial” repetia-se e, certamente, com maior firmeza e persistência que antes, pois, anteriormente a 1861, o preço dos cereais não havia chegado à altura máxima de 65 por cento que atingiu no período de que nos ocupamos. Nessa época, a elevação máxima foi de 25 por cento. Isso explica-se porque no fim do século XIX os Estados Unidos da América apareciam na exportação de cereais com mais da metade. Os Estados Unidos forneciam à Europa 52 por cento das suas necessidades totais. De 1908 a 1912, os Estados Unidos só apareciam com 18 por cento. A causa disso não era o atraso agrícola dos Estados Unidos, mas, sim, o fato de neste país ter surgido uma indústria de extraordinária grandeza e, portanto, um proletariado que tinha necessidade de comprar pão. Esta transformação determina a conjuntura mundial que explica, em resumo, o que ocorreu na Rússia no primeiro decênio do século XX. Naturalmente, a elevação dos preços dos cereais provocou uma elevação da produção destes e um aumento da superfície de cultivo na Rússia. Se fixarmos em 100 a superfície de cultivo dos quatro primeiros anos do século XX na Rússia, o quinquênio de 1909 a 1913 apresentará a cifra de 110. A mesma proporção se manifestará se recordarmos que o centeio é aplicado na satisfação das próprias necessidades e o trigo cultivado para a venda. Ao passo que o centeio aparecia nos primeiros quatro anos com 31% da semeadura total, nos cinco anos mencionados, de 1909 a 1913, não passou de 28%. Ao mesmo tempo aumentou a semeadura do trigo de verão de 18,6 a 21,4%.

Noutros termos, a produção dos cereais não só aumentou em si mesma, porém, foi tomando um acentuadíssimo caráter de mercadoria, isto é, começou-se a cultivar o cereal para a venda, elevando-se a produção total no último quinquênio de 5,5 mil milhões de puds(1) a 6,2 mil milhões. Se se tomar em consideração que a produção do pão não havia subido mais de 15% nos vinte anos transcorridos de 1877 a 1898 e que agora, em 8 anos, se elevou a 23%, ver-se-á o impulso que deu à agricultura russa a modificação da conjuntura mundial.

Segundo uma estatística, certamente incompleta, a imensa maioria da sementeira corresponde 92,1% à classe camponesa e unicamente 7,9% da superfície total de cultivo aos demais proprietários particulares.

Assim, pois, a produção dos cereais apoiava-se, principalmente, na classe camponesa. Dos cereais que iam ao mercado como mercadoria — 1.100 milhões de puds, aproximadamente – 78,4% correspondiam à classe camponesa.

Aqui vemos uma oposição bastante significativa entre a quantidade de terra camponesa e o rendimento dos cereais, cujas cifras estão muito distantes umas das outras. Isso se explica pelo escasso rendimento da terra camponesa. Se representarmos por 100 esse rendimento para os anos de 1861 a 1871, encontraremos as seguintes cifras:

Para o decênio
de
Terra camponesa Latifúndio
70 107 112
80 117 127
1900 148 164

Como vemos, o camponês tenta com todas as suas forcas seguir o latifúndio. Vemos que a economia camponesa progride indubitavelmente, mas fica distanciada em relação ao latifundista. Como pode explicar-se isso? O que se poderia supor, em primeiro lugar, seria o aperfeiçoamento da exploração da terra do latifúndio. Mas sabemos que dos 70 milhões de deciatinas que se achavam nas mãos dos latifundistas, somente 3 milhões eram cultivados com métodos modernos. A percentagem é tão pequena que não poderia exercer uma influência ponderável na diferença de rendimento entre a terra camponesa e o latifúndio. Não se trata, portanto, dos latifundistas cultivarem melhor a sua terra, o que, aliás, só se verifica em casos isolados e não na zona de “terra negra”, mas, sobretudo, nas proximidades dos grandes centros como Moscou e Petersburgo. A razão disso estava no fato de que, na “emancipação”, o latifundista arrebatara aos camponeses as terras mais férteis. Nestas condições, o camponês tinha que ficar, forçosamente, distanciado na produção. E enquanto a provisão do mercado de cereais, tanto interior como exterior, esteve a cargo dos camponeses, as melhores vantagens foram para o latifundista.

Os camponeses cultivavam toda espécie de terrenos, inclusive os prados, as faixas de terra que no ano de 1861 haviam sido qualificadas como estéreis; por isso, não podiam igualar-se aos latifundistas que possuíam esplêndidos campos. Os camponeses comprariam essas terras aos latifundistas se estes não elevassem tanto o seu preço. Fixando em 100 o preço para o ano 1900, encontramos as seguintes cifras para a província de Karkov: 1898, 85; 1902, 132 e para a província de Kursk: 1898, 122; 1902, 207.

Se o latifundista podia tirar do solo uma boa renda, porque vendê-lo? Preferia, por isso, cultivar ele próprio o terreno, fazendo, ademais, pressão sobre o camponês por meio de subdivisão do solo. Claro está que estas relações entre o latifundista e o camponês não podiam permanecer em brancas nuvens. Surge entre ambos uma oposição que nada podia atenuar ou dissimular, uma oposição no campo da produção. O latifundista impedia ao camponês de produzir cereais para o mercado. A agricultura camponesa não se podia desenvolver; no seu caminho aparecia o latifundista. Uma das formas de economia tinha que morrer para que a outra subsistisse.

Vemos como se vai modificando a índole da oposição entre o latifundista e o camponês, de acordo com o processo do capitalismo na Rússia: antes, tratava-se de uma oposição de classes, uma oposição entre o “senhor” e o mujik. Ante essa oposição formal e jurídica desapareceu o aspecto econômico. Agora, surgia abertamente o aspecto econômico na luta entre a grande produção de cereais privilegiada e a pequena produção não privilegiada. Somente este privilégio recordava a origem feudal da luta. Na realidade, o camponês dirigia-se, não tanto contra os restos moribundos do feudalismo, como contra o nascente capitalismo agrário. Mas, ao lançar-se contra o capitalismo, não sob a bandeira do socialismo agrícola (que inutilmente havia intentado incutir-lhe a intelectualidade da cidade), mas sob a bandeira da pequena propriedade, igualmente burguesa, aconteceu que, apesar de não ser socialista (isto é, prescindindo que o fosse ou não consciente disso) o camponês foi de fato um aliado do proletariado de ideias socialistas.

Isto influiu, naturalmente, no caráter de classe do movimento camponês. Mas disso falaremos depois. Detenhamo-nos, agora, nas outras consequências da conjuntura mundial modificada.

A influência desta não se refletiu somente na sorte da aldeia. A acumulação do capital russo baseava-se na exportação de cereais e é natural, pois, que, nos períodos de depressão do preço, se verificasse lentamente a acumulação de capital. Ao faltar a afluência de capital estrangeiro, produziu-se na Rússia, nos últimos decênios do século XX, uma completa paralisação econômica. De 1893 a 1896, a média anual da exploração total russa era de 661,4 milhões de rublos, e de 1905 a 1908, apesar da revolução que estalou nessa época, de 1,55 milhões de rublos ouro. A acumulação de capital foi, nesses quatro anos, de 399 milhões de rublos em relação a 104 milhões de rublos nos quatro anos anteriormente citados. O papel que aí desempenha a elevação dos preços dos cereais será notado, comparando-se o incremento da exportação de cereais (calculado em puds com seu valor em rublos ouro). Em 1900 a Rússia exportou 418,8 milhões de puds de cereais; em 1910, 847,1 milhões de puds. Se fixarmos em 100 a exportação do ano de 1900, veremos que em 1910 passa a 196. O valor da exportação total de cereais é em 1900 de 304,7 milhões de rublos; em 1910, de 753,3 milhões. Se representarmos por 100 a primeira cifra, para a segunda teremos 245. A exportação de cereais é pouco menos que o dobro e os ingressos daquela aumentaram duas vezes e meia.

A acumulação de capital continua rápida e visivelmente; no primeiro decênio do século XX assistimos a um fenômeno interessante, que se pode denominar nacionalização do capital russo. Em fins do século XIX, a indústria russa vivia, principalmente, do capital estrangeiro. Somente 21 por cento procediam, de uma ou de outra forma, do exterior. Contudo, já nos anos de 1900 a 1904, o capital estrangeiro na indústria russa não representava mais que 18 milhões de rublos em relação aos 209 milhões de capital exclusivamente russo. Ao finalizar o decênio, o capital estrangeiro estava representado na indústria russa por uma parcela mínima. Em 1910, o capital de todas as sociedades estrangeiras (em número de 17) era de 33,7 milhões de rublos, ao passo que no mesmo ano havia 181 sociedades russas registradas, com um capital total de 190,4 milhões de rublos ou, seja, seis vezes maior. Não fossem as dívidas do Estado e o capital com que os estrangeiros participavam nas empresas russas e a sua indústria poderia denominar-se “patriota” com certo direito.

Se, nas aldeias, a consequência política do elevado preço dos cereais foi a exasperada oposição entre os latifúndios e os camponeses, as consequências políticas nas cidades não foram de menor importância: uma modificação nas relações entre a burguesia e o governo. Há muito tempo, desde a época de Engels, sabe-se que, quanto mais para o oriente da Europa se for, mais vil é a burguesia. E que misteriosas causas explicam essa progressiva vileza da burguesia russa? Traz no sangue essa condição? Não. Obedece a causas econômicas. A acumulação do capital verificou-se na Rússia a expensas do crédito estrangeiro. Até as próprias empresas russas viviam frequentemente do capital exterior e, de tal forma, que o governo russo dava aos fabricantes os seus empréstimos tomados no estrangeiro, como subsidias. Contudo, o estrangeiro havia concedido crédito ao Estado e não às empresas particulares. O capitalista russo sabia que perderia o crédito se se levantasse contra o governo.

Durante a primeira revolução, no ano de 1905, a influência do capital estrangeiro reduziu-se positivamente, chegando a se iniciar um refluxo, e os estrangeiros venderam em massa seus valores russos. Apesar disso, as relações da burguesia russa, em suas negociações com o governo, azedaram-se precisamente nessa época. Jamais a burguesia se havia manifestado com tanta rebeldia contra os czares. Este fato não poderia ser compreendido se não se levasse em conta que, enquanto se abriam as correntes de ouro do oeste, se descobriam jazidas auríferas no solo russo.

Acrescentando-se que, naquela época, a indústria russa havia progredido extraordinariamente (a produção subiu de 1.800 milhões de rublos ouro em 1897 a 4,5 mil milhões em 1912), compreender-se-á a importância que esta classe social ia adquirindo. Os industriais tornavam-se mais liberais e mais poderosos. Somente devido aos elevados preços dos cereais podia a agricultura manter-se no mesmo nível. Se, desde fins do século XIX, os preços não houvessem subido tão rapidamente, a indústria russa há muito que teria ultrapassado a agricultura.

Se já em fins do século XIX a Rússia era um país acentuadamente burguês, em princípios do século XX o processo de aburguesamento precipitou-se ainda mais. Os Romanov esforçavam-se, contudo, em manter os mesmos métodos de governo de 1861. Só isto basta para explicar em linhas gerais a revolução de 1905. A indústria russa desenvolvia-se com extraordinária rapidez e o caráter desse desenvolvimento nem sequer era europeu, mas americano. Se nos fixarmos nas pequenas empresas de menos de 100 operários, veremos que na Rússia, em princípios do século XX, não estavam ocupados nelas mais de 10% do proletariado, enquanto que na Alemanha a percentagem era de 22 %. Se considerarmos, ao contrário as grandes empresas com turmas de 500 a 1.000 operários, encontraremos na Rússia 10% e na Alemanha somente 6% dos assalariados. E se compararmos as empresas gigantescas de mais de 100 operários, encontraremos na Rússia 24% e na Alemanha somente 8%.

A concentração da produção, em princípios do século XX, era mais forte na Rússia do que na Alemanha. O capitalismo russo pertencia, por sua estrutura, aos mais avançados da Europa. Contudo, o governo russo estava empenhado em mantê-lo em barreiras políticas, que não correspondiam a um capitalismo industrial, e, sim, a um capitalismo comercial.

Este desenvolvimento, relativamente grande, do capitalismo industrial russo, era também um obstáculo para que uma opinião revolucionária abrisse passagem entre a burguesia russa. Uma indústria de grande desenvolvimento supõe tanto uma intensiva exploração do operário como uma profunda e acerba luta de classes.

Compreender-se-á melhor a situação comparando a situação do operário russo numa produção industrial em franco desenvolvimento com a de um operário, num país velho, de evolução lenta, como, por exemplo, a Inglaterra.

Se fixarmos em 100 o salário de um operário inglês do ano 1850, o salário do ano 1900 se exprimirá com a cifra 178, isto é, um aumento de mais de uma vez e meia. Fixando em 100 o custo médio da vida na Inglaterra em 1850, vemos que em 1900 é de 97. O salário aumentou, os preços da vida baixaram, de maneira que o salário real ou, noutras palavras, as condições de vida do operário inglês melhoraram nesses cinquenta anos. O capitalista inglês elevou o salário do operário. De onde? Do seu bolso? Por bondade? De modo nenhum! Pelo contrário, a exploração do operário pelo capitalismo inglês aumentou. O patrão inglês aproveitou o incremento da produtividade do trabalho para dar ao operário uma parte, cada vez menor, do preço do produto, reservando para si sempre a maior.

Nos anos de 1819 a 1821, correspondia a cada 1/2 quilo de algodão manufaturado um salário de 15,5 pfenings, e nos anos de 1880 a 1882 somente 2,3 pfenings, isto é, quase sete vezes menos. Contudo, o salário sempre foi aumentando porque, no primeiro caso, o operário fabricava algodão durante um ano no valor de 322 libras esterlinas e, no segundo, de 4.039. Como se conseguiu isso? Pelo melhoramento da técnica de produção e o aperfeiçoamento das máquinas. Isto também tornava a produção inglesa a melhor do mundo. No século XIX, a Inglaterra havia conquistado o monopólio do mercado mundial; fazia comércio em toda parte e fixava os preços para que o industrial “não perdesse”, e sobrasse também alguma coisa para o operário. Tão depressa a concorrência alemã se manifestou, modificaram-se as condições comerciais, perdendo a Inglaterra o seu monopólio mundial, e as relações entre o operário inglês e seu patrão pioraram. Noutro lugar voltaremos sobre este assunto.

A questão é que a população inglesa cresceu extraordinariamente na primeira metade do século XIX (em vinte anos, de 1821 a 1841, cresceu de um terço, de 12 milhões a 16). Contudo, com o incremento dos Estados Unidos e das colônias inglesas (Canadá e Austrália) aumentou também ali a procura de braços. A “população de sobra” da Inglaterra começou a imigrar para esses países. De 1853 a 1906 chegaram a eles 5,5 milhões de homens. Essa imigração não cessou tão pouco, ao começar o século XX: em 1903 saíram, só da Inglaterra, 178.000 homens; em 1906, 220.000.

Se na primeira metade do século o patrão inglês podia ter quantos braços quisesse, não precisando, portanto, ter consideração alguma para com os seus operários, encontrou-se, depois, na contingência de empregar todos os seus esforços para que os mesmos não lhe fugissem. Para isso, tinha que “cevar” o operário de quando em quando. Eis aqui o fundamento econômico das “liberdades” inglesas e da “liberdade” dos capitalistas ingleses. O operário inglês, sem que tivesse consciência disso, possuía assim um recurso de que não dispunham seus companheiros continentais para amansar seus patrões.

Na Rússia, nunca se chegou a esse estado de coisas. Ao terminar o século XIX, o patrão russo não tinha que se interrogar se dispunha ou não de braços suficientes. A proletarização das massas camponesas, isto é, a formação de “um exército de reserva do trabalho”, ia aumentando incessantemente. Já aduzimos alguns exemplos. Acrescentaremos aqui outros.

Numa das províncias centrais da “terra negra” o número de cavalos dos camponeses diminuiu em 25% durante o quinquênio de 1888 a 1893. A cada 1.000 almas da população correspondia, no ano 60, uma superfície de cultivo de 825 deciatinas, e, no ano 1900, somente 547. A colonização da Sibéria pelos camponeses foi dificultada sistematicamente, afim de salvaguardar os interesses dos latifundiários, que não queriam perder os braços baratos nem os arrendamentos vantajosos. Os camponeses emigravam por sua própria conta. No decênio do ano 90, realizaram-se, deste modo, as quatro quintas partes da imigração camponesa. Mas esta imigração, a expensas próprias, na qual morriam as crianças e só se salvavam metade dos adultos, era uma empresa terrível, intentada apenas como recurso extremo. Com mais ou menos segurança, só podia emigrar o camponês que possuísse gado e o mais necessário, e não o proletariado. O proletariado rural preferia vender-se como jornaleiro. Encontrar trabalho numa fábrica era considerado uma sorte. A aldeia moribunda revivia ao abrir-se uma fábrica em suas proximidades. Não é de estranhar, portanto, que somente das províncias industriais houvesse emigração para a Sibéria.

Uma estatística da época atesta que, em 21 províncias, havia 5 milhões aproximadamente de operários desempregados, que não conseguiam encontrar ocupação na agricultura. O número total de operários ocupados, então, na indústria, era de 2 1/2 milhões, isto é, o “exército de reserva” superava em 100% o exército ativo. Dada esta proporção de forcas, o fabricante, ainda que pagasse o mínimo, era tido como um “benfeitor”, e assim também o considerava o proletariado rural que procurava trabalho. Nessas condições, o patrão russo não tinha o menor desejo de “cevar” o operário e por isso pagava-o sempre mal. Se fixarmos em 100 o salário do operário russo no ano de 1892, veremos que em 1902 era de 105, ao passo que, se fixarmos em 100 o preço do trigo em meados do decênio 90, no ano 1902, encontraremos o índice 125. O salário real do operário russo descia incessantemente. A vida ocultava ao operário inglês a exploração capitalista, enquanto que ao operário russo fazia com que a recordasse cada minuto. É natural, por conseguinte, que o operário russo, logo que abriu os olhos, começasse a compreender seus interesses de classe e se tornasse revolucionário, de tal forma que, na Rússia “operário com consciência de classe” e “revolucionário”, fossem termos equivalentes.


Notas de rodapé:

(1) Um pud equivale a 16,38 kg. (retornar ao texto)

Inclusão 20/01/2015