Manifesto de Maio

Luiz Carlos Prestes

29 Maio de 1930


Primeira Edição: Diário da Noite, São Paulo, 2ª edição, 29/05/1930.
Fonte: PRESTES, Anita Leocádia, A Coluna Prestes.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, maio 2006.
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Ao proletariado sofredor das nossas cidades, aos trabalhadores oprimidos das fazendas e das estâncias, à massa miserável do nosso sertão e muito especialmente aos revolucionários sinceros, aos que estão dispostos à luta e ao sacrifício em prol da profunda transformação por que necessitamos passar, são dirigidas estas linhas.

Despidas de quaisquer veleidades retóricas, foram elas escritas com o objetivo principal de esclarecer e precisar a minha opinião a respeito do momento revolucionário brasileiro, e mostrar a necessidade de uma completa modificação na orientação política que temos seguido, a fim de podermos alcançar a vitória almejada.

A última campanha política acaba de encerrar-se. Mais uma farsa eleitoral, metódica e cuidadosamente preparada pelos politiqueiros, foi levada a efeito com o concurso ingênuo de muitos e de grande número de sonhadores ainda não convencidos da inutilidade de tais esforços.

Mais uma vez os verdadeiros interesses populares foram sacrificados e vilmente mistificado todo o povo, por uma campanha aparentemente democrática, mas que no fundo não era mais do que a luta entre os interesses contrários de duas correntes oligárquicas, apoiadas e estimuladas pelos dois grandes imperialismos que nos escravizam, e aos quais os politiqueiros brasileiros entregam, de pés e mãos atados, toda a Nação.

Fazendo tais afirmações, não posso, no entanto, deixar de reconhecer entre os elementos da Aliança Liberal grande número de revolucionários sinceros, com os quais creio poder continuar a contar na luta franca e decidida que ora proponho a todos os opressores.

É bem verdade que, em parte por omissão e em parte por indecisão, fomos também cúmplices da grande mistificação. Silenciamos, enquanto os liberais de todos os matizes e categorias, dos da primeira aos da última hora, abusaram sempre do nome da revolução e particularmente do dos seus chefes. Houve quem afirmasse, de uma tribuna pública, apoiar politicamente os liberais por ordem de seus chefes revolucionários. Não foi desmentido. A caravana política do Norte do País, para melhor aproveitar do profundo espírito revolucionário dos mais sofredores dos nossos irmãos, os nordestinos, fez toda a sua propaganda em torno da revolução e, no entanto, era um dos seus membros de destaque o atual diretor da "Federação", órgão que traduz e melhor interpreta os pensamentos dos reacionários do sul.

Apesar de toda essa demagogia revolucionária e de dizerem os liberais propugnarem pela revogação das últimas leis de opressão, não houve, dentro da Aliança Liberal, quem protestasse contra a brutal perseguição política de que foram vítimas as associações proletárias de todo o País, durante a última campanha eleitoral, e no próprio Rio Grande do Sul, em plena fase eleitoral, foi iniciada a mais violenta perseguição aos trabalhadores em luta por suas próprias reivindicações. São idênticos os propósitos reacionários das oligarquias em luta.

A tudo assistimos calados, sacrificando o prestígio moral da revolução, sempre crentes no milagre que seria a eventualidade de uma luta armada entre as duas correntes em choque e que, desta luta entre os dois interesses, pudesse talvez surgir a terceira corrente, aquela que viesse satisfazer realmente as grandes necessidades de um povo empobrecido, sacrificado e oprimido por meia dúzia de senhores, que, proprietários da terra e dos meios de produção, se julgam a elite capaz de dirigir um povo de analfabetos e desfibrados, na opinião deles, e dos seus sociólogos de encomenda.

De qualquer forma, o erro foi cometido e é dele que nos devemos penitenciar publicamente, procurando, com toda a clareza e sem receios de qualquer ordem, qual o verdadeiro caminho a seguir para levar para diante a bandeira revolucionária, que hoje — mais do que nunca — precisamos sustentar. Sirva-nos para alguma coisa a experiência adquirida e dediquemo-nos, com coragem, convicção e real espírito de sacrifício, à luta pelas verdadeiras reivindicações da massa oprimida.

A revolução brasileira não pode ser feita com o programa anódino da Aliança Liberal. Uma simples mudança de homens, um voto secreto, promessas de liberdade eleitoral, de honestidade administrativa, de respeito à Constituição e moeda estável e outras panacéias, nada resolvem, nem podem de maneira alguma interessar à grande maioria da nossa população, sem o apoio da qual qualquer revolução que se faça terá o caráter de uma simples luta entre as oligarquias dominantes.

Não nos enganemos. Somos governados por uma minoria que, proprietária das terras, das fazendas e latifúndios e senhora dos meios de produção e apoiada nos imperialismos estrangeiros que nos exploram e nos dividem, só será dominada pela verdadeira insurreição generalizada, pelo levantamento consciente das mais vastas massas das nossas populações dos sertões e das cidades.

Contra as duas vigas-mestras que sustentam economicamente os atuais oligarcas, precisam, pois, ser dirigidos os nossos golpes — a grande propriedade territorial e o imperialismo anglo-americano. Essas as duas causas fundamentais da opressão política em que vivemos e das crises econômicas sucessivas em que nos debatemos.

O Brasil vive sufocado pelo latifúndio, pelo regime feudal da propriedade agrária, onde se já não há propriamente o braço escravo, o que persiste é um regime de semi-escravidão e semi-servidão.

O governo dos coronéis, chefes políticos, donos da terra, só pode ser o que ai temos: opressão política e exploração impositiva.

Toda a ação governamental, política e administrativa, gira em torno dos interesses de tais senhores que não medem recursos na defesa de seus privilégios. De tal regime decorrem quase todos os nossos males. Querer remediá-los pelo voto secreto ou pelo ensino obrigatório é ingenuidade de quem não quer ver a realidade nacional.

É irrisório falar em liberdade eleitoral, quando não há independência econômica, como de educação popular, quando se quer explorar o povo. Vivemos sob o jugo dos banqueiros de Londres e Nova Iorque.

Todas as nossas fontes de renda dependem do capitalismo inglês ou americano, em cujo poder estão também os mais importantes serviços públicos, os transportes e as indústrias em geral. Os próprios latifúndios vão passando, aos poucos, para as mãos do capitalismo estrangeiro.

A eles já pertencem as nossas grandes reservas de minério de ferro do Estado de Minas Gerais, extensas porções territoriais do Amazonas e do Pará, onde talvez estejam os nossos depósitos petrolíferos.

Todas as rendas nacionais estão oneradas pelos empréstimos estrangeiros.

Dessa dependência financeira decorre naturalmente um regime de exploração semifeudal, em que se desenvolve toda a nossa economia.

Os capitais estrangeiros investidos na nossa produção provocam um crescimento monstruoso em nossa vida econômica, tendente exclusivamente à exploração das riquezas naturais, das fontes de matérias-primas, reservado o mercado nacional para a colocação dos produtos fabricados nas metrópoles imperialistas.

A atividade desse capital só pode, portanto, ser prejudicial ao País. Dessa forma, todo o esforço nacional, todo o nosso trabalho é canalizado para o exterior.

Por outro lado, a luta evidente pelo predomínio econômico entre os dois imperialismos, que nos subjugam e colonizam, prepara, com o auxílio do nosso governo "nacionalista" e "patriota", o esfacelamento da nação.

A verdadeira luta pela independência nacional deve, portanto, realizar-se contra os grandes senhores da Inglaterra e contra o imperialismo e só poderá ser levada a efeito pela verdadeira insurreição nacional de todos os trabalhadores.

As possibilidades atuais de tal revolução são as melhores possíveis.

A crise econômica que atravessamos, apesar dos anunciados saldos orçamentários e da proclamada estabilidade monetária, é incontestável. Os impostos aumentam, elevam-se os preços dos artigos de primeira necessidade e baixam os salários. A única solução encontrada pelos governos, dentro das contradições do regime em que se debatem, são os empréstimos externos com uma maior exploração da nossa massa trabalhadora e conseqüente agravação da opressão política. A situação internacional é, por outra parte, de grandes dificuldades para os capitalismos que nos dominam, a braços com os mais sérios problemas internos, como o da desocupação de grandes massas trabalhadoras e as insurreições nacionalistas de suas colônias.

Além disso, o Brasil, pelas suas naturais riquezas, pela fertilidade de seu solo, pela sua extensão territorial, pelas possibilidades de um rápido desenvolvimento industrial autônomo, está em condições vantajosíssimas para vencer, com relativa rapidez, nesta luta pela sua verdadeira e real emancipação.

Para sustentar as reivindicações da revolução que propomos — única que julgamos útil aos interesses nacionais — o governo a surgir precisará ser realizado pelas verdadeiras massas trabalhadoras das cidades e dos sertões. Um governo capaz de garantir todas as mais necessárias e indispensáveis reivindicações sociais: limitação das horas de trabalho, proteção ao trabalho das mulheres e crianças, seguros contra acidentes, o desemprego, a velhice, a invalidez e a doença, direito de greve, de reunião e de organização.

Só um governo de todos os trabalhadores, baseado nos conselhos de trabalhadores da cidade e do campo, soldados e marinheiros, poderá cumprir tal programa.

A vitória da revolução, em tal momento, mais depende da segurança com que orientarmos a luta, do que das resistências que nos possam ser opostas pelos dominadores atuais, em franca desorganização e inepta-mente dirigidos.

Proclamemos, portanto, a revolução agrária e antiimperialista realizada e sustentada pelas grandes massas da nossa população.

Lutemos pela completa libertação dos trabalhadores agrícolas de todas as formas de exploração feudais e coloniais, pela confiscação, nacionalização e divisão das terras, pela entrega da terra gratuitamente aos que trabalham. Pela libertação do Brasil do jugo do imperialismo, pela confiscação e nacionalização das empresas nacionalistas [sic] de latifúndios, concessões, vias de comunicações, serviços públicos, minas, bancos e anulação das dívidas externas.

Pela instituição de um governo realmente surgido dos trabalhadores das cidades e das fazendas, em completo entendimento com os movimentos revolucionários antiimperialistas dos países latino-americanos e capaz de esmagar os privilégios dos atuais dominadores e sustentar as reivindicações revolucionárias.

Assim, venceremos.

Luiz Carlos Prestes

Buenos Aires, maio de 1930.


Fonte: Diário da Noite, São Paulo, 2ª edição, 29/5/1930. Apud BASTOS,. Abguar. Prestes e a Revolução Social. R. J., Ed. Calvino, J946, pp. 225-229.

Inclusão 16/05/2009
Última alteração 12/03/2014